26 julho 2007

Será só Semantica ?

Anda aqui uma duvida existencial a assolar-me o espirito (maçónico é claro !), há já uns tempos.


A sigla com que terminamos os nossos textos e que nos fala dos abraços

T F A ou T A F

Triplo e Fraterno Abraço
(triplice e fraternal abraç0)

ou

Triplo Abraço Fraterno


É Triplo e Fraterno o Abraço ?

ou só o Tiplo Abraço é que é Fraterno ?

Se eu der um só abraço e usar o TAF e nao o TFA entao o meu abraço não é fraterno ? E se eu o der a um Irmão ?


Pronto já larguei mais uma "bizantinice" como lhe chama o Rui !!

Eu prefiro TFA


José Ruah

25 julho 2007

Garibaldi: selos comemorativos com logotipo maçónico

Os Correios do Brasil e do Uruguai lançaram no passado dia 4 de Julho dois selos assinalando o bicentenário do nascimento de Giuseppe Garibaldi, conhecido maçon do século XIX que lutou pela unificação da Itália e, no Brasil, apoiou a Revolução Farroupilha. Garibaldi nasceu no dia 4 de julho de 1807 em Nizza (hoje conhecida como Nice).

Criação de Márcia Mattos, o selo brasileiro retrata, em primeiro plano, Giuseppe Garibaldi a cavalo, levando a bandeira dos revolucionários gaúchos, simbolizando a importância de seu papel na Revolução Farroupilha.

Em segundo plano,vê-se o barco Seival, com o qual, após atravessar os pampas gaúchos, obteve vitória na conquista de Laguna, no Estado de Santa Catarina, ocasião em que foi proclamada a República Juliana. Ao fundo, uma vista da cidade de Porto Alegre, na época. No canto superior direito, o logotipo da Maçonaria, de que era obreiro. Para acriaçãodo selo, foram utilizadas as técnicas de lápis, aguarela e computação gráfica.

O selo uruguaio apresenta o rosto de Giuseppe Garibaldi nas cores verde e branca e uma linha vermelha, simbolizando as cores da bandeira da República Italiana, em homenagem à Itália, pela qual Garibaldi combateu.

À esquerda, uma fragata do século XIX, em que tremula a bandeira do Uruguai, lembrando a actuação de Garibaldi como Comandante da Frota na defesa do Governo daquele país. A concepção é de Menck Freire.

Mais informações e contactos para aquisiçãp aqui e ali.

Rui Bandeira

24 julho 2007

O fim da infância

Os minutos seguintes foram dos mais complicados da história da Loja. Quase 40 Homens adultos nos braços uns do outros – não importava que caminho tinham votado – chorando.

José Ruah, in Um dia fui Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues - 2


Nesta passagem, José Ruah não exagerou nem um bocadinho! Foi assim mesmo que se passou! No entanto, ao longo de duas reuniões, com várias horas, dois grupos de membros da Loja esgrimiram razões, arremessaram argumentos, prouraram influenciar os aparentemente indecisos para a sua posição, sabendo ambos que a maioria, num ou noutro sentido, seria muito pequena. Foi uma luta leal, mas uma luta dura! Assim sendo, como foi possível que, minutos após a decisão, que determinou vencedores e vencidos, não existissem nem uns, nem outros, mas apenas Irmãos chorando as circunstâncias, despedindo-se uns dos outros, mutuamente se desejando felicidades e esperando que um dia se reunissem os que então se separavam?

A resposta está em que a Loja Mestre Affonso Domingues teve, então em escassos sete anos de existência, a felicidade e a arte de viver a Maçonaria bem vivida e, assim, criar o que é, não apenas o mais importante, mas o básico, o essencial, numa Loja Maçónica: o cimento da união na diversidade, a argamassa da fraternidade na diferença. Esses escassos sete anos bem vividos permitiram aprender - e praticar! - que discordar não implica querelar, que o respeito do outro implica a aceitação do seu pensamento, ainda que diferente do nosso, que o meu Irmão é meu Irmão não apenas quando concorda comigo, mas também quando nos opomos. E que a oposição não implica zanga, nem desrespeito, nem quebra de afectividade. Numa palavra, a Loja teve a oportunidade de aprender a Tolerância!

Um episódio anterior aos eventos de 1996 / 1997 ajuda a entender o espírito que se criara na Loja.

Ocorreu já não sei bem quando, creio que dois ou três anos antes, talvez no Veneralato do Manuel A. G.. Então, a Loja ainda se reunia nas instalações do Monte Estoril, junto ao Jardim dos Passarinhos, como nós designávamos o local. A sala onde decorriam as reuniões era muito pequena: acomodava confortavelmenteaté 15 / 20 elementos, mas, acima desse número, era francamente exígua. A Loja estava numa fase pujante, recuperada da sua fase de cansaço. A presença de obreiros nas sessões de Loja ultrapassava sistemática e significativamente o "máximo suportável" naquele espaço e era sistematicamente muito difícil "arrumar" toda a gente e conseguir garantir o mínimo de espaço para que o Mestre de Cerimónias e os outros Oficiais de Loja que necessitavam de o fazer circulassem. Várias vezes houve em que se não pôde sentar toda a gente. Resumindo, estávamos com Loja a mais e espaço a menos!

Nestas circunstâncias, era inevitável que se debatesse as medidas a tomar para ultrapassar o problema, tanto mais que, então, não se descortinava para breve a disponibilização de mais desafogadas instalações. Rapidamente se chegou à conclusão que se tinha que dividir a Loja. Essa necessidade foi consensualmente aceite. Decidido então esse passo, havia só um pequeno, mínimo, insignificante detalhe a resolver para que se executasse a consensual e necessária solução: definir quais seriam os obreiros que sairiam da Mestre Affonso Domingues e criariam a nova Loja, filha da anterior.

Aqui chegados, chegou a ser cómico de ver! Todos, mas virtualmente todos, os que, minutos antes, tinham facilmente chegado à conclusão da inevitabilidade da divisão da Loja em duas, assim que perceberam o que implicava a decisão... começaram a olhar para o lado, a assobiar para dentro, a demonstrar um súbito e irresistível interesse pela posição dos respectivos dedos nas respectivas mãos! Quando tocou a saber-se quem é que iria então sair e criar a nova Loja, ninguém se chegou à frente!

Ao fim de alguns minutos de expectante silêncio, alguém - já não me lembro quem, talvez o Venerável Mestre - declarou o óbvio: se ninguám se dispõe a sair para outra loja, então não se pode dividir a Mestre Affonso Domingues em duas...

Mal estas palavras foram ditas, pareceu que se libertou algo no ambiente: os olhares ausentes tornaram-se presentes, as caras fechadas abriram-se, as posturas hirtas descontrairam-se! E alegremente toda a gente concluiu que realmente o melhor era não dividir a Loja, que a falta de espaço não era um problema tão difícil assim, que, com mais um jeitinho ainda se acomodavam mais uns quantos, etc., etc....

E nunca mais se falou na falta de espaço nem em dividir a Loja - ideias disparatadas, obviamente!

Dois anos depois, as circunstâncias fizeram que o problema do espaço fosse o menor dos nossos problemas. Mas sempre tive para mim que o que, naquelas duas reuniões esteve, para os NOSSOS obreiros, verdadeiramente em causa não foi quem se mantinha fiel ao Grão-Mestre e quem concordava com a sua destituição. Isso foram detalhes... cada um tomou a sua decisão e só tinha de prestar contas à sua conciência. O que verdadeiramente esteve então em causa foi decidir quem ficava e quem saía!

E o que todos choraram então foi a raiva e foi a frustração de, desta vez, o problema não ter sido só de espaço (esse resolvia-se outra vez, aperta daqui, encosta dacolá...), ter sido bem mais grave, bem mais fora do nosso controlo, bem impossível de ser resolvido por nós! Foi o termos descoberto que afinal nem tudo podia ser resolvido com a nossa Cadeia de União...

Na vida chega sempre um momento assim, o momento em que somos obrigados, muito a contragosto, a aceitar que não podemos tudo. Então, chora-se de raiva, de frustração, de desgosto. Mas cresce-se!

E foi assim que a Loja Mestre Affonso Domingues saiu da infância!

Rui Bandeira

23 julho 2007

Um dia fui Veneravel Mestre da Mestre Affonso Domingues - 3

Com a devida desculpa de nao publicar com maior intervalo mas terei amanha segunda feira uma quase total impossibilidade de o faze. Por isso aqui fica a 3º e ultima parte das minhas memorias relativas ao ano em que fui Veneravel Mestre da Mestre Affonso Domingues.
Restava cumprir a minha palavra.

Convoquei de imediato uma sessão ritual da Loja, para uma sala do Hotel Penta (era assim o nome na altura), informei a grande Secretaria desse facto e solicitei a presença de um Grande Oficial para que logo após a votação fosse imediatamente instalado o candidato eleito.

Não dei qualquer hipótese ao J.P.G. , que era o 1º Vigilante na altura. Ele tentou demover-me, dizendo que faltavam uns meses para acabar o ano, que estávamos em Março e em Julho haveria eleições, etc. etc.

Não podia ser. Além da palavra e compromisso assumidos e ainda sou dos que foi educado dando valor à palavra de honra, havia um outro factor fundamental.

Eu tinha sido um “Comandante de Guerra” e a Loja precisava de um “Comandante de Paz”. Eu, não por vontade própria, mas por força das circunstâncias tinha ficado ligado à separação, ao infortúnio, à tristeza.

A Loja não podia a ficar a viver no meu Mundo, precisava de avançar firme e sólidamente, e o J.PG. , que como disse no inicio havia sido convidado porque o 2º Vigilante no mandato anterior me solicitou o favor de ficar mais um ano enquanto tal, era essa pessoa.


A Sessão decorreu sem grandes sobressaltos, a Loja estava farta de sobressaltos. A ordem de trabalhos foi a normal, foram então lidos todos os decretos emanados pelo Grão Mestre, toda a correspondência existente.

Apresentei então uma prancha – chamemos-lhe assim – na qual expliquei tudo o que se havia passado e lembro-me de terminar dizendo que a História me julgaria pelo que havia decidido e pelas acções que tomei.

Posto isto foi feita a votação da única candidatura existente que foi votada unanimemente, pelo que passei o malhete ao Grande Oficial presente, um amigo R. Cruz na altura Vice Grão Mestre, para que procedesse à Instalação do Novo Venerável Mestre.

A Sessão terminou, tendo-se seguido um jantar no próprio hotel com a presença das nossas mulheres.

No fim do jantar informei o J.P.G que me iria ausentar dos trabalhos de Loja durante um período cuja duração desconhecia. Continuaria a pagar as quotas, não deixando de ser membro da Loja, mas apenas não apareceria nas sessões.

Ter sido “Comandante de Guerra” e não querer ser “ Eminência Parda” conjuntamente com o facto de provocar a Instalação de um novo Venerável ser a única maneira de poder garantir que o poder passava de mão para mão sem que com isso eu ficasse impedido de prosseguir no caminho da Regularidade foram as razões da minha decisão de afastamento. A razão de não poder ser só Venerável de uma parte foi a que achei que seria melhor percebida e a que daria menos discussão.

Baseada nas razões anteriores esta ausência tinha um duplo objectivo.

Permitir-me-ia afastar de todos os problemas da Loja, mas sobretudo permitiria ao novo Venerável e à Loja poderem reiniciar o caminho sem a minha presença e logo com mais liberdade de acção.

Voltei passados 9 meses, tendo combinado com o J.P.G que chegaria atrasado e que entraria de forma ritual, com resposta ao inquérito usual nessas circunstâncias.
Foi-me indicado um lugar nas colunas e não no Oriente como era de direito, mas era assim que tinha que ser.

Só na sessão seguinte é que ocupei o meu lugar de Ex-Veneravel, na cadeira à esquerda da do Venerável.


Epilogo

A Fraternidade e o Espírito Maçónico que a Loja passou aos seus Membros verificou-se.

Aqueles que não seguiram o caminho da Loja cumpriram escrupulosamente a palavra dada e mesmo intimados a por a funcionar a Loja Mestre Affonso Domingues, à semelhança do que acontecia com outras Lojas, recusaram fundamentando com a palavra dada.

Alguns voltaram à Loja, mas ficaram apenas um ou dois anos. Outros abandonaram a vida Maçónica activa, mas continuam a ser Maçons no seu espírito, e no nosso.

Alguns comparecem à refeição (almoço ou jantar) que a Loja organiza pelo Solstício de Inverno.

Todos, estou seguro, guardam a medalha da Loja em local de destaque, nem que seja só nos seus corações.

Tudo o que levei a cabo naquele ano de 1996 /1997 nao teria sido possível se aqueles que eu tinha escolhido para me acompanharem na gestão da Loja não tivessem confiado nas minhas decisões e não me tivessem apoiado.

Nos nossos rituais, iniciação no 1º grau, é mencionado um princípio muito importante:

“No entanto, reflicta que nem os adultos isolados e plenamente desenvolvidos podem efectuar sozinhos qualquer grande empreendimento. Pôde fazer sem dificuldade a
sua viagem com o passo firme de um homem maduro mas foi-lhe certamente bem útil a companhia de um homem experiente que se comportou como um Irmão. “

Isto aconteceu na altura e acontece hoje.

Cabe referenciar que aquele que foi o meu quadro de Oficiais na altura da convulsão, ficou praticamente todo com a Loja e se a memória não me atraiçoa, quase todos foram Veneráveis Mestre da Loja. Fica assim uma palavra para:

J.P.G. ; Luís D.P. ; Rui Bandeira ; António P. ; João D.P. ; que foram Veneráveis e para Acácio R. que teve papel fundamental como Grande Secretário da GLLP/ GLRP e Rui.D.R. que tem sido apenas obreiro.
Tenho que salientar que aquele que escolhi como Mestre Organista, A.B., continua hoje a ser o Mestre Organista da Loja e provavelmente continuará a sê-lo enquanto quiser.

A Loja Mestre Affonso Domingues continua. Tem vindo nestes 10 anos a fazer o seu trabalho de forma irrepreensível, sempre mantendo o espírito que a caracterizou desde o início.

Este ano como no ano anterior e espera-se à semelhança do que acontecerá para o ano que vem, na primeira sessão do mês de Julho a Loja elegeu mais um Venerável Mestre, o 18.º

A Loja tem neste momento no seu quadro mais de 40 Obreiros (numero mais ou menos constante nos últimos 5/6 anos), é uma das maiores da GLLP/ GLRP, tem uma frequência média às sessões de 20 Obreiros com a particularidade de uns só virem à sessão de sábado e outros só virem à sessão de quarta-feira (o que extrapolado se todos viessem sempre seriam frequências de 25 a 30 obreiros por sessão).

Nas ultimas eleições para Grão Mestre votaram 20 Mestres do quadro em 29 possíveis.

Estão nos passos perdidos 2 ou 3 candidatos para serem admitidos, e prevê-se que ingressem na Loja, vindos de outras Lojas mais 2 ou 3 membros.

A Loja continua com os projectos de Solidariedade que acarinhou desde sempre, ajuda a instituições carenciadas, grupo de dadores de sangue e outros. Não negligenciou nunca os planos de formação dos aprendizes e companheiros. Mantém um rigor ritual invejável.
Produz por ano uma dezena de pranchas como mínimo. Mantém uma actividade social com as famílias.
Discute todos os assuntos internamente, e apresenta-se sempre em Grande Loja com opinião formada sobre os assuntos em discussão, votando de acordo com o que foi determinado internamente e não para fazer jeitos a A ou B.
Dirimiu sempre os problemas surgidos internamente, nos graus apropriados e soube sempre encontrar uma solução.

Por tudo isto e por mais um sem numero de coisas posso, sem falsas modéstias nem vaidade, afirmar que a História já me julgou e que as minhas decisões foram as correctas.

Mas mesmo assim precisei de 10 anos para conseguir escrever estas memórias.

Foi de facto um Veneralato muito diferente. Muito diferente dos anteriores, felizmente muito diferente dos posteriores, mas sobretudo muito diferente do que eu tinha planeado e eu tinha pensado em fazer um Veneralato diferente!!!

Um dia fui Venerável da Melhor Loja Maçónica que conheço. Na verdade só dirigi 5 sessões em 22 possíveis, não fiz nada do que tinha planeado fazer e fiz tudo o que tive que fazer.

Ser Maçon é isso mesmo, fazer o que se tem que fazer.

Revelo aqui um segredo.

Um dia vou querer ser Venerável da Loja Mestre Affonso Domingues, mas esse dia ainda está muito, mas mesmo muito, distante.


José Ruah


Fica assim concluido este texto que reflecte as minhas memorias de um ano muito complicado para a Maçonaria Regular em Portugal. Quis o Grande Arquitecto que fosse eu o Veneravel Mestre da Mestre Affonso Domingues.

22 julho 2007

Um dia fui Veneravel Mestre da Mestre Affonso Domingues - 2

Continuo hoje a publicação do texto sobre o meu Veneralato.

Sábado 7 de Dezembro de 1996.

Nessa madrugada (noite de sexta para sábado) pelas 3h um grupo de membros da Grande Loja, comandados pelos meus interlocutores da chamada de Novembro espera o fim de uma sessão de uma Loja e tomam de assalto a Sede ocupando-a. Decretam o impedimento do Grão Mestre por Insanidade maçónica (ainda hoje não consegui perceber o que isto queria dizer!), constituem uma “ Junta de salvação maçónica” e convocam um Soberano Colégio de Oficiais para 2ª feira à noite. Estranhamente a convocatório, feita por telefone, foi selectiva.

Até segunda (9 de Dezembro) foi um frenesim. Não tendo sido convocado para o Soberano Colégio de Oficiais, reuni em minha casa à mesma hora do dito Colégio, os oficiais da Loja, com excepção do Tesoureiro que estava em Cascais a assistir ao Colégio, para poder ouvir os meus pares e poder decidir.

Antes de mais impunha-se saber se no sábado seguinte, dia 14, haveria ou não reunião da Loja Mestre Affonso Domingues. Se sim, onde e como, se não, por que razão. E durante essa noite a sessão esteve montada, um de nós arranja a sala, outro comprava uns malhetes, eu tinha cópias dos quadros de Loja, enfim tudo era possível.

Até que começámos a receber informações de Cascais e das decisões que lá se tomavam. Simultaneamente chegavam informações de Lisboa. Nessa altura a gravidade da situação não era mais escamoteavel, se é que alguma vez o tinha sido.

Com o acordo de todos decidi adiar sine dia a reunião de 14/12, tendo escrito (manuscrito) uma carta aos Irmãos, que o Irmão Secretário depois montou em papel da Loja e enviou por correio azul, explicando essa decisão.

Esta decisão veio a verificar-se como de grande importância no futuro.

Os dias até ao Natal / Ano Novo sucederam-se com contactos telefonemas, reuniões, decretos emitidos por Cascais (Sino) e emitidos por Lisboa (GLRP/GLLP). Estes decretos, emitidos a uma velocidade vertiginosa, expulsavam pessoas, suspendiam-nas, renomeavam-nas para cargos, etc.

Foi por estas alturas que tomei a decisão de não decidir naquele momento. As partes queriam uma decisão rápida do Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues, pois queriam alinhar Lojas nas suas fileiras, e se possível Lojas de referencia com gente de referencia.
Esta decisão foi apenas institucional, uma vez que a minha posição pessoal estava definida desde o primeiro momento.

As informações sucediam-se, a Loja A alinhou em Cascais, a B em Lisboa, a C partiu-se ao meio, a D abateu colunas, etc.

Fui chamado para inúmeras conversas privadas, por gente das duas partes, onde ouvi todo o género de argumentos pró e contra cada uma das partes, mas sobretudo o realçar da importância de uma Loja como a Mestre Affonso Domingues.

Importa aqui informar o estimado leitor que na altura eu tinha 5 anos de Maçonaria e 32 anos de idade.

Este facto pesou muito nas tentativas de me “chamar à razão”, a pressão em cima do “puto” vai fazê-lo ceder terá sido seguramente uma das coisas que aflorou muitas mentes. Lastimo os que pensaram assim, pois só mostraram como não conheciam o Venerável que tinham escolhido os que à Loja pertenciam e que não me conheciam como pessoa os demais.

Depois de muito matutar decidi sobre a forma de decisão da Loja quanto ao caminho a seguir. Convoquei uma reunião formal, mas não ritual da Loja que funcionaria nos seguintes termos:

- Todos os membros da Loja, constantes da lista de obreiros em 6/12/1996, seriam convocados.
- Cada presente, independentemente do seu grau, tinha direito a 1 voto, podendo haver votos por delegação no máximo de 1 delegação.
- Não seriam admitidos insultos, sob pena de ser retirada a palavra.
- Cada intervenção teria no máximo 3 minutos, excepto as intervenções de fundo a serem proferidas por “representantes das partes”.
- Seria concedido o direito de resposta, desde que não solicitado abusivamente.
- Não havia limite de intervenções por orador
- As votações seriam de braço no ar e a decisão por maioria simples.
- Com excepção de mim que dirigiria a sessão nenhum outro oficial da Loja tinha especial prerrogativa.

Reservei então uma sala no Hotel Plaza em Lisboa, solicitando que as mesas fossem dispostas em U com uma mesa de presidência. E preparei detalhada explicação sobre a forma de funcionamento da reunião.

Sábado 19 de Janeiro de 1997.

Sala cheia no hotel. Ambiente tenso de cortar à faca. A Loja com um sentimento de Loja fortíssimo, mas com lealdades pessoais e caminhos pessoais muito fracturantes.
A grande confiança, entre os membros, que tinha sido o alicerce da Loja tinha evoluído para uma grande desconfiança. Havia inclusivamente alguns rancores latentes.

Lembro-me que as facções se sentaram em lados separados da Mesa. Terá sido mais ou menos uma coincidência !

Também instrui alguns Irmãos da minha confiança (J.P.G, Rui Bandeira) a tomarem lugar em sítio onde eu pudesse comunicar facilmente com eles com uma troca de olhares.

Tudo pronto.

A primeira questão levantada foi a da legitimidade de fulano e cicrano estarem sentados ali.

A resposta mil vezes ensaiada saiu pronta.

Comecei com “ Meus senhores” e não com “ Meus Irmãos” para marcar claramente a diferença do contexto.

Expliquei então qual a questão técnica que me permitia ter ali toda a gente, questão essa, que assentava nos seguintes pressupostos:

Não tendo havido qualquer sessão ritual da Loja desde fim de Novembro, a Loja e logo eu enquanto Venerável Mestre não havia tomado conhecimento oficial dos Decretos emanados pelos Grão-Mestres. Consequentemente não havia sido possível aplicar o disposto nos mesmos. O que queria dizer que não havia conhecimento de expulsões, e outras sanções.

Aquela era uma sessão não ritual e logo nada obstava a que todos pudessem estar ali sentados
O terceiro pressuposto foi que quem mandava era eu e que aquela tinha sido a minha decisão e o convite/convocatória havia sido redigido, assinado e mandado por mim e que logo a responsabilidade era integralmente minha.

Posto isto iniciou-se uma maratona de mais de 4 horas de discussão, que tendo tido momentos de grande tensão decorreu na generalidade com decoro e educação.

Deram entrada 2 Moções.

A primeira elaborada por Rui Bandeira (na altura Orador da Loja e hoje Ex-Venerável), extensa completa e estruturada, que visava a decisão imediata do caminho a seguir pela Loja.

A Segunda subscrita por Ilídio P. C., Ex. Venerável que solicitava que a Loja envidasse um último esforço para re-aproximar as partes desavindas.

Percebendo que se a primeira moção fosse votada, a segunda seria prejudicada decidi inverter a ordem de votação. Tomei esta decisão imbuído um pouco do espírito Quixotesco da paz e se isso fosse possível do papel fulcral que a Loja teria para a Historia da Maçonaria em Portugal.

A proposta foi aprovada por maioria, e ficou determinado que haveria nova reunião daí a 2 semanas para avaliação dos esforços, sendo que se fossem infrutíferos passaríamos a votação da proposta que havia entrado em primeiro lugar.

Encerrei a reunião, esgotado e cheio de febre. Fui para casa dormir e devo ter acordado umas 15 horas depois.

Nas duas semanas seguintes desmultipliquei-me em contactos. Bem, na verdade foram os primeiros dias suficientes para perceber que não havia qualquer hipótese de conciliação.

Informo então todos os membros da Loja que a continuação da reunião ocorrerá na data definida, mas no bar do Clube dos Empresários em Lisboa, que para o efeito foi transformado em plateia.

O ambiente era muito pesado. Todos sabíamos que era chegado o momento mais penoso.

Dei conta do falhanço e voltei a explicar as regras do jogo. Abri a plateia para mais intervenções e houve lugar a mais uma série delas que totalizaram mais umas 3 horas de reunião.

Não era possível não deixar as pessoas falar, era necessário que cada um dissesse o que lhe ia na alma para que nada ficasse por dizer e o caminho a seguir começasse da melhor maneira.

Entrámos então no debate de como iríamos votar a moção apresentada e a única em cima da mesa. Foi decidido depois de alguma discussão que a votação seria ponto a ponto e não a integralidade da moção.
Iniciei o processo e todos os pontos foram sendo votados por Unanimidade. Nestes pontos cada um assumia o compromisso que dentro das regras e dos regulamentos, faria o possível por reintegrar na Loja Irmãos que tendo seguido caminho diverso do da Loja a ela desejassem voltar.

Um outro compromisso era o de que a Loja Mestre Affonso Domingues era UMA e UMA SÓ e que os Irmãos que seguissem caminho diverso da Loja se comprometiam a não permitir que existissem Lojas com o mesmo nome distintivo.

E por aí a fora.

Chegados à votação do ultimo ponto no qual se propunha que a Loja reunisse dentro da legalidade e debaixo do Estandarte da GLRP, reconhecendo como Grão Mestre o Irmão Luís Nandim de Carvalho, legitimamente eleito.

Aqui interrompi os trabalhos e anunciei a minha posição e decisão.

Informei todos os membros da Loja que independentemente do resultado da votação que se seguia, fosse ele a minha opção ou não, convocaria uma Sessão Ritual de Loja com a seguinte ordem de trabalhos:

“Eleição de novo Venerável Mestre “

Expliquei que o fazia porque o poder numa Loja não pode cair num vazio e que portanto tendo-o recebido iria entregá-lo, e que alem do mais eu tinha sido eleito por todos os obreiros e não poderia ser o Venerável de apenas alguns. Estas explicações não convenceram uma grande parte dos Irmãos, mas também não me questionaram.

Isto permitia-me resolver o problema se o caminho da Loja fosse diverso do meu, obrigava-me a cumprir a palavra se o caminho fosse o meu.

Voltando a votação o resultado foi que a maioria dos presentes foi favorável à proposta e consequentemente a Loja Mestre Affonso Domingues seguiu o seu percurso na que se passou a denominar Grande Loja Legal de Portugal / GLRP.

Os minutos seguintes foram dos mais complicados da história da Loja. Quase 40 Homens adultos nos braços uns do outros – não importava que caminho tinham votado – chorando.

No meio dessa demonstração de sentimentos, um dos meus maiores críticos, homem que dificilmente mostrava os seus sentimentos e que no inicio do meu Veneralato havia lançado inúmeras duvidas sobre o meu desempenho, disse-me ao ouvido que tinha tido orgulho em me ter como Venerável.

Foi o maior elogio que ouvi até hoje na Maçonaria e foi também a maior demonstração de espírito maçónico que presenciei.

Não me lembro o que fiz a seguir. Acho que nesse dia o meu cérebro ficou vazio. Pela primeira vez a Loja Mestre Affonso Domingues não votava um assunto por unanimidade ou pelo menos por maioria esmagadora.
Mas ficou também o sentimento de dever cumprido. O sentimento que tudo o que havia a fazer internamente havia sido feito e que esta separação resultava da consequência de acções iniciadas fora da Mestre Affonso Domingues. Acções essas relacionadas com poder, como se na Maçonaria o Poder fosse uma coisa importante.
Acabava de passar à condiçao de Veneravel Mestre Cessante.
(...)
José Ruah
A terceira e ultima parte será publicada amanhã.

21 julho 2007

Um dia fui Veneravel Mestre da Mestre Affonso Domingues - 1

Começo aqui a publicação das minhas memórias. O texto pelo seu tamanho vai ser dividido em 3 e diz respeito ao ano do meu Veneralato. Não entrarei em detalhes sobre o Golpe da casa do Sino, reservando-me o direito de mais tarde publicar sobre esse tema.
Um dia fui Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues. Nunca mais fui Venerável nem desta nem de outra Loja.

Não porque tenha ficado vacinado mas porque enquanto acreditar no projecto da minha Loja, não vou para outra ou não vou fundar outra, e consequentemente fico como estou.

Corria o mês de Julho do ano de 1996 quando em eleição por unanimidade passei à condição de Venerável Mestre eleito. Foi um sábado. Nessa noite em festa brilhantemente organizada pelo VM cessante o Vítor, no pátio do Clube dos Empresários em Lisboa, as sardinhas e o resto comida estavam óptimas, foi possível à Loja reunir um montante em dinheiro muito apreciável, bem como géneros alimentícios, roupas e brinquedos que foram entregues nessa noite às responsáveis pelo ATL do bairro da Galiza no Estoril.

O dia tinha começado com uma dação de sangue pela manhã. Foi um dia em cheio para a Mestre Affonso Domingues.

Tinha decidido entre a apresentação da candidatura e a eleição que iria ser diferente do que até então tinha sido a norma, só não sabia que o que eu planeara como diferente foi uma brincadeira de crianças comparado com o que aconteceu.

Essa diferença assentou no facto de anunciar logo após o resultado da votação quem iriam ser os oficiais principais da Loja. Lembro-me de convidar o 2ª Vigilante para ser primeiro e como me solicitou ficar mais um ano no posto convidei outro Irmão para o Cargo. Nessa altura não estava ainda enraizado o hábito da progressão dos Vigilantes e era normal durante o mês de Agosto o VM eleito receber “pressões” para escolher este ou aquele. Como não gosto de ser pressionado, e quando sou, tendo a mandar o “pressionador” às urtigas, decidi assim. Dessa forma passava o verão tranquilo.

O Vítor solicitou-me, no final da sessão, que representasse a Loja numa reunião da máxima importância que ocorria no dia seguinte – domingo – e que tinha sido convocada por Fernando Teixeira que era o Grão Mestre na altura. Esse ano de 1996 era o ano da realização da Conferencia Internacional de Grão Mestres e a GLRP tinha conseguido organizar esse evento. Em simultâneo ocorreria a tomada de posse de Luís Nandim de Carvalho enquanto 2º Grão Mestre da GLRP.

A dita reunião visava aspectos relacionados com a Conferencia, mais especificamente financiamento do evento. As Lojas tinham sido chamadas para patrocinarem a vinda de Grão Mestres de países com dificuldades. Se me recordo 350 contos (1750 Euros) trazia e aLojava um Grão Mestre de um país europeu.

A reunião correu muito bem, uma Loja pagava um GM, outras duas dividiam outro, e nós Affonso Domingues calados lá no canto. Corria bem a reunião até que fomos interrogados por F. Teixeira – “ E a Affonso Domingues? “.

Respondi que a Loja estava exangue, exangue porque tinha dado sangue na véspera e porque tinha também esgotado as suas reservas financeiras no apoio a uma instituição de solidariedade social que somado dava cerca de 700 contos (3500 euros), consequentemente não podíamos trazer nenhum GM porque não tínhamos dinheiro e juntei que mesmo que tivéssemos as nossas prioridades seriam para com quem precisa e não para festas.

Nessa altura a reunião começou a correr mal !

Na nossa perspectiva as prioridades eram umas, nas de Fernando Teixeira tínhamos prejudicado a vinda de 2 Grão Mestres.

Esta reunião deu origem, para além de dezenas de conversas e indignações dos que eram mais chegados ao Grão Mestre, a um decreto de Fernando Teixeira no qual dispensava a Loja Affonso Domingues de comparecer na festa e na Sessão de Grande Loja, etc. Eu pessoalmente já lhe tinha dito que não iria aquando de uma conversa privada posterior a esta reunião na qual lhe expliquei com mais detalhe a posição da Loja e a minha.

Este “castigo” de dispensa de presença, e não um decreto de abertura de inquérito com vista a sanção disciplinar minha, como era hábito nessa altura, demonstrou claramente que a Loja Affonso Domingues tinha razão e que as posições apresentadas o foram de forma inatacável.

Modéstia colectiva à parte mas sempre e ainda hoje as posições da Loja são fundamentadas, correctas e inatacáveis.

Nesse ano, e dado que no equinócio de Setembro tomou posse o novo Grão Mestre e que este tinha expressado o desejo de instalar o Máximo de Veneráveis Mestres possível, não decorreram as costumeiras Instalações.

Logo no inicio de Outubro e em cerimonia simplificada, presidida pelo próprio Grão Mestre foram empossados todos os Veneráveis que já fossem Mestres Instalados (o que era o meu caso por dispensa especial do Grão Mestre Anterior).

Também neste particular o meu Veneralato foi diferente.

Convoquei a primeira sessão e nela expliquei à Loja a razão pela qual já a dirigia.

Em meados de Outubro convidei o Grão Mestre para um almoço, fazendo-me acompanhar dos meus vigilantes. Reservamos uma sala num restaurante de Lisboa, e durante a refeição explicámos ao GM que entendíamos a situação difícil da Grande Loja, num momento de transição e que enquanto ele GM se mantivesse fiel aos princípios da Maçonaria Regular, aos regulamentos, etc . , então a Loja Mestre Affonso Domingues o suportaria e apoiaria.

Nenhum de nós tinha ideia do que iria suceder.

Foi por esta altura que foi alugada a Casa do Sino e se deu a mudança de instalações do Jardim dos Passarinhos no Estoril para lá.

Grandes alegrias por termos finalmente uma sala onde pudéssemos reunir com dimensão para se poder trabalhar com à vontade, e sobretudo o que era muito importante com a possibilidade de organizar os ágapes rituais logo após a sessão, uma vez que usando a cozinha local a mulher do ex Grão Mestre preparava (aquecia) a comida previamente encomendada.

Lembro-me que começamos a usar a sala imediatamente sem sequer se fazerem modificações como fossem os degraus do Oriente. Mas o entusiasmo era tal que essas coisas eram de menor importância.

Dirigi 2 sessões, as de Novembro, na casa do Sino.

Convém aqui explicar, e antes de continuar o relato, que a Loja Mestre Affonso Domingues era na altura uma das mais importantes da Grande Loja e que nas suas colunas se sentavam mais de 15 grandes oficiais, alguns Assistentes de Grão Mestre e mesmo Vice Grão Mestres. O número de presenças a uma sessão era de 30 obreiros como mínimo.
Dentro da Loja existiam muitos líderes de opinião que eram respeitados por membros de outras Lojas, e dado que a Loja tinha assistido na criação de Lojas de fora de Lisboa tinha também algum peso na decisão das mesmas.

O Ambiente estava frenético.

Pelo fim de Novembro, não posso precisar a data específica, recebo uma chamada na qual me é solicitado que me desloque à Universidade Moderna para assinar uma carta para destituir o Grão Mestre. Esta solicitação foi-me feita em dupla qualidade de Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues e Grande Oficial. Pedi que me mandassem por fax cópia do documento para poder analisar e decidir se o assinava ou não, mas não consegui pois do outro lado argumentavam que era ultra confidencial e que se eu quisesse conhecer o documento que me deslocasse. Fiz finca pé e a chamada foi transferida para alguém com mais autoridade no golpe (e na Moderna) que perante a minha recusa me ameaçou – “ ou assinas ou …” e eu respondi “ ou … “ – tendo a conversa ficado por ai. Hoje tenho pena de não ter ido lá ler a carta.
Nunca a assinaria, mas como a dita nunca foi divulgada ficaram sempre dúvidas sobre a sua existência. Disse-me quem viu a carta que esta nunca foi divulgada porque o número de assinaturas no fim da mesma não era representativo.

Na altura tudo me pareceu estranho, pelo que fui mantendo o Grão Mestre informado do que se passava.

As informações e contra informações eram muitas e começaram a aparecer noticias nos jornais.

No entanto e se me recordo os dias que antecederam o “ assalto” foram mais ou menos calmos.
(...)
José Ruah
Seguem-se mais 2 partes

20 julho 2007

O sétimo Venerável Mestre

O sétimo Venerável Mestre foi eleito em Julho de 1996 e foi instalado em Setembro do mesmo ano, com grande expectativa e grandes esperanças da Loja. Era um elemento da "nova geração", que fora iniciado já depois da constituição da Grande Loja e, sobretudo, o primeiro elemento que não pertencia ao círculo restrito de amizades de Fernando Teixeira, o Grão-Mestre fundador. Era unanimemente reconhecida a sua capacidade, o seu interesse, o seu dinamismo, esperava-se que ele fosse o catalisador dos novos rumos da Loja, novos rumos que os mais ansiosos e inconformados vinham debatendo há algum tempo, que com ele se começasse a dar resposta às principais perguntas que na Loja se fazia então: que fazer com este grupo? Como evoluir? Que iniciativas tomar?

José Ruah, o sétimo venerável Mestre, nem quando foi eleito,nem quando foi instalado sequer remotamente intuiu quão grande, quão radical, seria a mudança que ocorreria no seu Veneralato.

José Ruah, ensarilhado pelas circunstâncias, envolto no imprevisto, lançado no olho do furacão, pouco teve oportunidade de fazer - mas fez mais do que muitos, talvez, até hoje, tenha sido o Venerável Mestre que, contas feitas, mais fez pelo preservar da identidade da Loja.

José Ruah, tolhido pela tempestade, batido pelos ventos da discórdia, encharcado pela chuva da cizânia, acabou por cumprir menos de meio mandato - mas essa menos de metade valeu por vários mandatos completos.

José Ruah, assediado por uns e por outros, sitiado pela urgência, acompanhado por todos, pouco fez do seu projecto para esse ano - mas salvou e fortaleceu o projecto da Loja Mestre Affonso Domingues.

Os primeiros tempos na Cadeira de Salomão são de adaptação. Os mais experientes sabem-no. Por isso, o Venerável Mestre que termina o seu mandato procura deixar algum trabalho encaminhado para ser executado pelo seu sucessor: candidatos já votados e aprovados, prontos para serem iniciados, Aprendizes com pranchas lidas e em condições de serem passados a Companheiros, Companheiros com formação terminada, aptos a serem elevados a Mestres, Mestres com pranchas de traçar prontas para apresentar seus planos na Oficina. Assim, os primeiros tempos do novo Venerável Mestre, enquanto este se ambienta e afina a orientação que pretende incutir à Loja, estão assegurados. É por volta de fins de Novembro, Dezembro, que os projectos verdadeiramente do novo Venerável Mestre começam a ser implementados.

No caso do José Ruah, ambientação feita, projectos afinados, execução em começo e... ocorre o "pulo do lobo", o golpe da Casa do Sino!

De um dia para o outro, a Loja fica sem instalações, ocupadas pelos golpistas, com recurso a seguranças armados, é pressionada a aderir ao golpe, por uns, e instada a permanecer leal ao Grão-Mestre eleito, por outros. Os mais antigos e experientes, incluindo todos os ex-Veneráveis, são amigos de Fernando Teixeira e pronunciam-se pela adesão à cisão. Os Mestres mais novos, já iniciados depois da constituição da Grande Loja e formados no respeito da legalidade e no cumprimento dos princípios da Regularidade, tendem a manter-se fiéis ao Grão-Mestre eleito e internacionalmente reconhecido e aceite como tal. Os Companheiros e Aprendizes ficam desorientados no meio do caos que se instala.

E todos se voltam para José Ruah, todos esperam do Venerável Mestre que indique o caminho, aponte a opção, escolha o rumo. Todos, na Loja e fora dela, de um lado e do outro, têm a clara noção que, muito provavelmente, a Loja seguirá a via por que enveredar o seu Venerável Mestre. Todos, na Loja e fora dela, de um lado e do outro, rapidamente se apercebem que a opção que a Loja Mestre Affonso Domingues tomar tem todas as condições para ser determinante na opção de outras Lojas e muitos outros obreiros: a esmagadora maioria dos obreiros da Grande Loja fora iniciada pela Loja Mestre Affonso Domingues, os seus elementos ajudaram a consagrar muitas Lojas, de Norte a Sul, do Litoral ao Interior. A influência da Loja Mestre Affonso Domingues podia ser determinante para o sucesso da cisão ou para o suporte do Grão-Mestre eleito e agora contestado.

Por isso, as pressões, internas e externas, foram enormes, foram esmagadoras, foram asfixiantes. E todas, ao mesmo tempo, se exerciam sobre quem tinha o poder de cortar o nó górdio por um ou outro dos lados, sobre quem segurava a Espada Flamejante da Loja Mestre Affonso Domingues, o seu sétimo Venerável Mestre, José Ruah.

José Salomão Ruah fez então jus ao seu segundo nome e agiu com sageza e prudência dignas do Rei que tal nome usou e por tais Virtudes ficou conhecido: primeiro esperou, depois aguardou; olhou, viu, ouviu, sentiu; deixou a poeira assentar, os pássaros pousar, a contenda acalmar. Durante dois meses, fez saber a todos os obreiros que a Loja estava com os trabalhos suspensos, até que fosse tempo de decidir. Acalmou as hostes internas, exasperou os que de fora aguardavam pelo apoio dele e da Loja; ouviu as razões dos revoltosos e a versão do Grão-Meste contestado e de quem o apoiava, assegurou-se das intenções de uns e de outros.

Quando o tempo foi de decidir, convocou uma reunião de todos os elementos da Loja. Aí anunciou que a sua decisão era que a Loja é que ia decidir, que o grupo é que se ia assumir. Pela gravidade da situação, anunciou, e todos concordaram, que a decisão não seria apenas tomada pelos Mestres, mas por todos os Obreiros, Mestres, Companheirosa e Aprendizes, um homem, um voto. Logrou obter consenso quanto ao mais importante: o principal era preservar a Loja e a sua identidade, qualquer que fosse o seu caminho, e esse podia ser um, não de dois, mas de três: ficar fiel ao Grão-Mestre eleito, aderir à cisão, ou bater com a porta na cara de uns e de outros e decidir seguir o seu caminho como Loja independente e quem criou os problemas que os resolvesse...

Fez aprovar os princípios de que cadaum seria livre de tomar a opção que entendesse, mas que a opção da maioria seria a opção seguida pela Loja e os minoritários tomariam o seu caminho sem azedumes e sem pôr em causa a Unidade e o Património Moral da Loja, afastando-se pacificamente. Garantiu que ficasse assente que a porta que se abria para os que saissem se abriria de novo, sem hesitação nem problema, para aqueles que porventura ulteriormente desejassem regressar. E, após duas reuniões, em que todos falaram, serenamente, sem azedumes, sem ataques pesooais, sem criticar as opções do parceiro do lado, a maioria optou por permanecer fiel ao Grão-Mestre eleito e assim ficou também a Loja. Quem tomou a decisão de se afastar, não foi criticado pela maioria que ficou; as amizades mantiveram-se; os contactos cordiais e os reencontros agradáveis mantiveram-se e mantêm-se. Alguns dos que então partiram já voltaram. Um desses já voltou a partir, agora para o Oriente Eterno. Os demais, estejam onde estiverem, estejam com quem estiverem, continuam e continuarão a ser dos nossos. Porque honraram a sua palavra. Porque respeitaram a Unidade e a Identidade da Loja que ajudaram a criar, a crescer e a desenvolver-se e porque, portanto, muito do que a Loja foi, algo do que é, um pouco do que será, também é deles.

Este legado, o de ter conseguido que a Loja saísse mais forte e mais unida daquela profunda crise, deixou-o José Ruah - e não sei se outrem, naquelas circunstâncias, o teria conseguido deixar. O seu papel no reforço da Identidade da Loja foi, assim, imenso e assinalá-lo é um simples acto de justiça.

E - é curioso! - nunca mais em Loja se voltou a ter a dúvida existencial de "que fazer com o grupo". Desde então, todos aprenderam, todos sabem, todos transmitem aos mais novos, que o grupo serve para ajudar a aperfeiçoar os seus elementos e que estes e cada um destes faz o que se sentir bem a fazer, em prol de si, da Loja, da Maçonaria, do País e da Humanidade, sem qualquer ordem de preferência, com a ajuda dos demais. E, daí para a frente, sempre soubemos o que fazer e sempre tivemos que fazer - até um blogue...

Para obter e atingir a pretendida Unidade da Loja, José Ruah pagou um preço: garantiu antecipadamente aos que ficassem em minoria que ele não iria dirigir a maioria. Ele, Venerável Mestrte da Loja Mestre Affonso Domingues, dirigira a Loja com todos os seus obreiros. Não a dirigiria apenas com alguns.

Não sei porque assim decidiu. Eu não decidiria assim e nunca entendi bem essa sua decisão, embora, naturalmente a tivesse respeitado. Até hoje, não compreendo a necessidade de assim ter procedido (talvez agora o José Ruah me elucide...). Mas o certo é que o José Ruah assim o disse e assim o fez: não voltou a dirigir a Loja que, até ao fim do seu mandato, e na falta de um Ex-Venerável (todos acompanharam a cisão) teve de, excepcionalmente, ser dirigida, com a devida autorização do Grão-mestre, pelo 1.º Vigilante, actuando no impedimento do Venerável Mestre eleito. Até ao fim do seu mandato, José Ruah manteve-se ausente. Regressou, com toda a naturalidade, depois de eleito e instalado o seu sucessor. E hoje, volta e meia...dá-nos música!

Rui Bandeira