06 setembro 2025

Mestre Affonso Domingues, …entre a História e a lenda

A Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues presta homenagem ao primeiro mestre arquiteto do Mosteiro da Batalha, cujo nome permanece entre a História e a lenda. Pouco se sabe sobre Affonso Domingues, sendo que as informações mais fidedignas vêm dos registos do Mosteiro da Batalha e do romance *"A Abóbada"* de Alexandre Herculano.


Affonso Domingues deu os primeiros passos na sua jornada no século XIV. Oriundo de uma família abastada, desenvolveu suas aptidões no uso do malho e do cinzel enquanto trabalhava na Sé de Lisboa, onde aperfeiçoou a arte de transformar matéria bruta em formas harmoniosas. Lutou na Batalha de Aljubarrota com valentia, demonstrando o espírito daqueles que se dispõem a trilhar o caminho do aperfeiçoamento.





Para que a memória dessa vitória se perpetuasse, D. João I, Mestre de Avis, com a prudência e retidão de quem conhece a medida certa entre força e precisão, ordenou a construção de um Mosteiro digno da grandeza portuguesa. Como reconhecimento pelos serviços prestados, concedeu a Affonso Domingues a honra de desenhar e dirigir a obra, que teve início em 1388.


Mestre Affonso Domingues traçou o plano do Mosteiro com maestria, manejando a régua e a alavanca com conhecimento que não se limita apenas ao domínio técnico, mas se aprofunda na simbologia da construção. Com o passar dos anos, foi lentamente perdendo a visão, uma prova de que o caminho do verdadeiro mestre não se mede apenas pela luz física, mas também pela interior.


A necessidade de substituí-lo levou D. João I, aconselhado por seus próximos, a conceder-lhe uma reforma digna e a contratar um novo arquiteto. Assim, chegou David Huguet, de origem irlandesa. Segundo as lendas, Huguet não respeitou os fundamentos deixados por seu antecessor e, com um espírito arrogante, alterou o projeto sem considerar o legado que lhe fora confiado.


Mesmo afastado, Affonso Domingues manteve-se fiel ao seu silêncio e à sua disciplina. No dia da visita do Rei às obras, Huguet apresentou a sala do Capítulo, cuja abóbada gótica fora modificada ao seu gosto. No momento da missa, um estrondo ecoou pelo Mosteiro, e Huguet, tomado pelo desespero, irrompeu louco pela igreja de Santa Maria. Sua abóbada havia falhado—faltava-lhe a força interior que sustenta o verdadeiro conhecimento.  


Diante do desastre, D. João I restaurou a confiança em Affonso Domingues e devolveu-lhe a direção dos trabalhos. Com paciência e sabedoria, recuperou antigos obreiros—companheiros que haviam lutado ao seu lado em Aljubarrota e que ainda recordavam os ensinamentos do mestre. Martim Vasques, discípulo atento, estava destinado a dar continuidade à obra.


A reconstrução seguiu com vigor, unindo a experiência dos mais antigos à energia dos que vinham de longe, munidos de novas perceções sobre aritmética, astronomia, geometria, gramática, retórica, lógica e música. Mas entre todos, havia aqueles que, mesmo alcançando novos patamares, mantinham a humildade dos que reconhecem que a verdadeira maestria se alcança sem vaidade.


No dia da conclusão da obra, D. João I sugeriu que prisioneiros espanhóis testassem a resistência da abóbada, permanecendo sob ela por três dias. Mestre Affonso Domingues, com a determinação de quem carrega o verdadeiro conhecimento, recusou tal ato. Em um gesto de coragem e abnegação, ofereceu-se para ficar sozinho sob a abóbada—se permanecesse de pé ao fim dos três dias, nunca mais cairia.



Assim foi. Affonso Domingues permaneceu em meditação, sustentado apenas pela sua convicção. No último dia, já enfraquecido, ao ser visitado por Martim Vasques e Ana Margarida, sua fiel empregada, murmurou suas últimas palavras:  

*"A abóbada não caiu… a abóbada não cairá."*  


Dizem que uma estrela flameja sobre o Mosteiro, iluminando as grandes obras com o calor do seu fogo. Essa estrela é a do Mestre Affonso Domingues, um símbolo eterno de coragem, sabedoria e beleza.