27 setembro 2025

À Luz da Cadeira de Salomão: a Instalação do Irmão Paulo F.

Na passada quarta-feira, dia 24 de Setembro, no templo a coberto dos profanos a Respeitável Loja Mestre Affonso Dominguez viveu um momento de grande significado com a instalação do seu novo Venerável Mestre, o Irmão Paulo F., acto solene que contou também com a presença do nosso Ilustre e Muito Respeitável Grão-Mestre, testemunho de amizade e de união.



O Irmão Paulo F. juntou-se à Ordem em 6015, durante o veneralato do Irmão Paulo M.,  desde então percorreu com mérito diversos cargos na nossa respeitável loja, como Secretário, Mestre de Cerimónias, Experto, 2º e 1º Vigilante. Em todos se revelou dedicado, discreto e eficiente, contribuindo para a harmonia e o bom andamento dos trabalhos. O seu percurso constante e fiel conduziu-o agora à Cadeira de Salomão, lugar de sabedoria e responsabilidade. Seguindo a tradição da nossa Loja, o Irmão Paulo F., então 1º Vigilante, foi proposto para Venerável Mestre e, em espírito de harmonia, eleito pelos Mestres votantes, prova da confiança e da estima que nele depositamos.

O Paulo é reconhecido pela sua forma de estar, pode falar pouco, mas quando fala fá-lo com clareza e profundidade. Une à sua humildade uma capacidade rara de criar laços, seja no templo, seja fora dele, até na arte de fazer uma boa cerveja, lembrando-nos que a fraternidade se alimenta tanto de símbolos como de gestos simples que aproximam corações.

Para o seu veneralato traçou um programa que honra o passado e aponta ao futuro com novas iniciações, a progressão dos nossos Aprendizes e Companheiros, a valorização das pranchas como alimento da reflexão, sessões regulares de grau, a revitalização dos ágapes como momento de união, assim como a reaproximação das famílias da Loja com encontros nos solstícios e equinócios. No solstício de inverno, a beneficência ganhará novamente forma com o tradicional leilão, sendo ideia de reverter este ano para alguma organização, com menos possibilidades, e de acordo com escolha da loja.

Nesta passada quarta feira, depois da sua cerimónia de instalação, tivemos a honra de pela primeira vez o ver dirigir a Loja. Fê-lo com o nervosismo natural de quem recebe o Malhete pela primeira vez, mas também com a dignidade e a firmeza que a nossa Ordem exige de quem guia os trabalhos.

Hoje, apenas lhe desejo sucesso no seu veneralato, que este seja fértil em Sabedoria, Força e Beleza. Que o seu labor inspire todos os Irmãos a erguerem consigo o edifício espiritual da nossa Loja e que a luz que ora conduz o Paulo F. na Cadeira de Salomão se reflita em cada um de nós, para que juntos possamos construir um templo interior cada vez mais sólido, justo e perfeito.

João B. M∴M

20 setembro 2025

O método iniciático

 Desde tempos imemoriais, o ser humano tenta aprender e ensinar sobre os mais variados temas. Essa postura tem sido crucial para a constante evolução das ciências, sejam elas naturais, humanas ou matemáticas.




Cada ciência tem os seus métodos de ensino, e cada tema pode ter o seu próprio. A maçonaria, não sendo uma ciência, também possui um método de aprendizagem para atingir um dos seus principais objetivos: o aperfeiçoamento dos II. Embora tenha pesquisado diversas fontes, nenhuma me convenceu plenamente de que aquele era o verdadeiro método de ensino maçónico. Talvez seja algo único ou, então, a minha pesquisa não foi suficientemente exaustiva para lhe dar um nome.


Assim, vou tentar explicar em que consiste o método e os papéis de cada um dos envolvidos. Para simplificar, o Ap é aquele que aprende, e o M é aquele que ensina. Na prática, todos somos aprendizes, independentemente do nosso grau, mas para este texto, partimos do princípio de que o Ap é o aluno.


O método é simples, mas trabalhoso, e pode ser dividido em três fases:

  1. Pesquisa e reflexão inicial (procurar): O Ap explora um tema que lhe desperta curiosidade. Pode ser um conceito de um livro ou um instrumento de cantaria. Ele aprofunda o seu conhecimento pesquisando em várias fontes. A internet e a IA podem ser boas aliadas, mas é preciso cautela, pois podem levar a enganos. No final, o Ap deve fazer uma primeira reflexão para iniciar a próxima fase.
  2. Trabalho escrito (interiorizar): As reflexões da pesquisa devem ser compiladas num texto a ser apresentado a todos os II. O texto deve ser objetivo e sucinto para que o tempo de apresentação seja breve e o tempo de discussão seja maior. Nesta fase, o I V ou o V podem orientar o Ap.
  3. Apresentação (aperfeiçoar): O trabalho é apresentado à loja. Após a apresentação, os II MM dão críticas construtivas para melhorar o que foi apresentado. Esta fase é essencial para aprimorar o trabalho e interiorizar os valores em todos os II.



Neste processo, cada um tem o seu papel e as suas motivações:

O Aprendiz:

  • Procura o tema de estudo (que também pode ser sugerido por um M);
  • Pesquisa usando várias fontes;
  • Elabora o trabalho;
  • Apresenta;
  • Escuta e interioriza as críticas construtivas;
  • Revê e amadurece os conceitos e valores trabalhados.

O Mestre:

  • Orienta o Ap;
  • Sugere fontes e explica o que sabe sem dogmatismos (conceitos incontestáveis);
  • Promove o pensamento autónomo no Ap;
  • Estimula o debate;
  • Avalia o processo de desbaste da pedra bruta do Ap.


Este método é valorizado nas L, mas nem sempre é seguido à risca. Muitas vezes, o debate prossegue no ágape, onde todos podem discutir à vontade. As regras de debate nas L não o reprimem, mas sim, promovem a ordem e o respeito entre II, permitindo que um I de cada vez fale.

De forma muito pessoal, penso que se o objetivo for cumprido e a pedra bruta ficar um pouco mais cúbica, qualquer método é válido.

É assim que se aprende e se ensina na RL Mestre Affonso Domingues e, até agora, tem corrido bem e concretiza que continuará a correr bem.


D∴ G∴ 

13 setembro 2025

A Minha Maçonaria não tem de ser a tua



In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.

 


Cada um de nós chega à Loja com a sua história, o seu ritmo, a sua própria música interior. E embora sigamos a mesma pauta, o Rito, os Landmarks, os símbolos que nos unem, a forma como cada um vive a Maçonaria não será, nem deve ser, igual. E isso, para mim, não é um problema. É uma riqueza.

É esta riqueza que prova que a Maçonaria não é uma linha de montagem de homens iguais, mas uma oficina onde cada um talha a sua pedra com ferramentas próprias, marcando no silêncio o compasso da sua jornada. Essa diversidade de caminhos ilumina as mesmas verdades a partir de ângulos diferentes, revelando detalhes que um olhar único jamais veria. Se todos pensássemos igual, a Loja seria um eco oco. 

É no encontro das diferenças que encontramos novas luzes.

A minha forma de estar não é mais certa do que a de qualquer outro irmão, mas também não é mais errada. É minha e apenas a minha. Moldada por experiência, erro, persistência e sonho. Pode ser diferente, mas não deixa de caber dentro dos mesmos princípios que nos sustentam. 

Vejo a Loja como um templo vivo, onde a palavra circula, se debate e se aprimora.
Onde a iniciativa é combustível
e a crítica construtiva é maço e cinzel. 

E, tal como valorizo o impulso de inovar, reconheço também que há práticas que, justamente por terem resistido ao tempo, são pilares que devemos preservar. O segredo está no equilíbrio, mudar o que precisa de mudança, guardar o que merece ser guardado.

Com o tempo, aprendi que as ideias têm destinos tão diversos como as pedras no leito de um rio. Algumas são acolhidas como chuva que faz florescer o terreno, outras são lapidadas pelo debate, ganhando forma e brilho. Mas há também as que se perdem à margem, não por falta de valor, mas por seguirem um curso diferente do habitual. O desconhecido, por vezes, assusta mais do que o imperfeito. 

É natural que nem todos avancem no mesmo passo, cada um vive a Maçonaria na medida da sua entrega e disponibilidade. O que importa é que, quando caminhamos, o façamos na mesma direcção.

Acredito que, em Loja, ser Oficial não é um trono, é um banco de trabalho. O próprio Ritual lembra que “Oficial” é, simplesmente, quem tem a seu cargo um serviço, não um título honorífico ou uma posição de hierarquia militar. Servir a Oficina é facilitar o trabalho de todos, não controlar cada golpe de maço. 

A pergunta deve apenas ser: “Isto serve a Loja e a Ordem?”.
Se servir, a Loja deve trabalhar em uníssono para lhe dar forma.
Se não servir, ainda assim terá cumprido a sua função: a de nos ensinar algo no processo.

Não defendo uma Maçonaria sem forma nem disciplina, sem elas, o templo cai, mas também não defendo uma Maçonaria que confunda unidade com uniformidade, ou prudência com paralisia. Há quem viva à sombra do que já foi feito, temendo qualquer risco. Eu creio que a tradição não é um cofre onde se guarda o passado, mas uma tocha que se passa para iluminar o caminho adiante.

No fim, cada um talha a sua pedra. Não serão todas iguais, nem precisam ser. 
Se a minha Maçonaria não tem de ser a tua, é porque a nossa é suficientemente vasta para acolher visões diferentes que, juntas, se elevam num templo maior do que cada um de nós.

É a aceitação da imperfeição de todas as pedras que torna o Templo justo e perfeito.

João B. M∴M

06 setembro 2025

Mestre Affonso Domingues, …entre a História e a lenda

A Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues presta homenagem ao primeiro mestre arquiteto do Mosteiro da Batalha, cujo nome permanece entre a História e a lenda. Pouco se sabe sobre Affonso Domingues, sendo que as informações mais fidedignas vêm dos registos do Mosteiro da Batalha e do romance "A Abóbada" de Alexandre Herculano.


Affonso Domingues deu os primeiros passos na sua jornada no século XIV. Oriundo de uma família abastada, desenvolveu suas aptidões no uso do malho e do cinzel enquanto trabalhava na Sé de Lisboa, onde aperfeiçoou a arte de transformar matéria bruta em formas harmoniosas. Lutou na Batalha de Aljubarrota com valentia, demonstrando o espírito daqueles que se dispõem a trilhar o caminho do aperfeiçoamento.





Para que a memória dessa vitória se perpetuasse, D. João I, Mestre de Avis, com a prudência e retidão de quem conhece a medida certa entre força e precisão, ordenou a construção de um Mosteiro digno da grandeza portuguesa. Como reconhecimento pelos serviços prestados, concedeu a Affonso Domingues a honra de desenhar e dirigir a obra, que teve início em 1388.


Mestre Affonso Domingues traçou o plano do Mosteiro com maestria, manejando a régua e a alavanca com conhecimento que não se limita apenas ao domínio técnico, mas se aprofunda na simbologia da construção. Com o passar dos anos, foi lentamente perdendo a visão, uma prova de que o caminho do verdadeiro mestre não se mede apenas pela luz física, mas também pela interior.


A necessidade de substituí-lo levou D. João I, aconselhado por seus próximos, a conceder-lhe uma reforma digna e a contratar um novo arquiteto. Assim, chegou David Huguet, de origem irlandesa. Segundo as lendas, Huguet não respeitou os fundamentos deixados por seu antecessor e, com um espírito arrogante, alterou o projeto sem considerar o legado que lhe fora confiado.


Mesmo afastado, Affonso Domingues manteve-se fiel ao seu silêncio e à sua disciplina. No dia da visita do Rei às obras, Huguet apresentou a sala do Capítulo, cuja abóbada gótica fora modificada ao seu gosto. No momento da missa, um estrondo ecoou pelo Mosteiro, e Huguet, tomado pelo desespero, irrompeu louco pela igreja de Santa Maria. Sua abóbada havia falhado—faltava-lhe a força interior que sustenta o verdadeiro conhecimento.  


Diante do desastre, D. João I restaurou a confiança em Affonso Domingues e devolveu-lhe a direção dos trabalhos. Com paciência e sabedoria, recuperou antigos obreiros—companheiros que haviam lutado ao seu lado em Aljubarrota e que ainda recordavam os ensinamentos do mestre. Martim Vasques, discípulo atento, estava destinado a dar continuidade à obra.


A reconstrução seguiu com vigor, unindo a experiência dos mais antigos à energia dos que vinham de longe, munidos de novas perceções sobre aritmética, astronomia, geometria, gramática, retórica, lógica e música. Mas entre todos, havia aqueles que, mesmo alcançando novos patamares, mantinham a humildade dos que reconhecem que a verdadeira maestria se alcança sem vaidade.


No dia da conclusão da obra, D. João I sugeriu que prisioneiros espanhóis testassem a resistência da abóbada, permanecendo sob ela por três dias. Mestre Affonso Domingues, com a determinação de quem carrega o verdadeiro conhecimento, recusou tal ato. Num gesto de coragem e abnegação, ofereceu-se para ficar sozinho sob a abóbada—se permanecesse de pé ao fim dos três dias, nunca mais cairia.



Assim foi. Affonso Domingues permaneceu em meditação, sustentado apenas pela sua convicção. No último dia, já enfraquecido, ao ser visitado por Martim Vasques e Ana Margarida, sua fiel empregada, murmurou suas últimas palavras:  

"A abóbada não caiu… a abóbada não cairá."


Dizem que uma estrela flameja sobre o Mosteiro, iluminando as grandes obras com o calor do seu fogo. Essa estrela é a do Mestre Affonso Domingues, um símbolo eterno de coragem, sabedoria e beleza.