23 agosto 2025

A dita Sustentabilidade de Likes e Views

O tempo passa, mas as palavras ficam. Sustentabilidade é uma delas. 

Sustentabilidade está por todo o lado, é a palavra do momento. Está em discursos políticos, manuais escolares, relatórios de empresas e nas páginas das redes sociais dos indignados profissionais. É a palavra da moda e como tantas anteriores que, de tanto a gritarem, esvaziaram-na, tornaram-na banal. Hoje, tudo é “sustentável”.

No meio do ruído e da moda, poucos param para pensar o que o termo realmente quer dizer. Ser sustentável não é parecer moderno nem exibir virtude, sustentável é aquilo que dura, aquilo que resiste ao tempo, sempre pensado com medida, propósito e responsabilidade. Sustentável é aquilo que se mantém sem destruir, não destrói os outros, nem a si próprio.

Mas no mundo das tendências “woke”, o equilíbrio não cabe, quem ousa questionar, mesmo com respeito, é rotulado sem apelo de extremista, fascista, do Chega ou trumpista. É uma lógica binária onde ou repetes o mantra do momento, ou passas a ser tratado como inimigo. Basta duvidares para seres suspeito, basta pensares para seres perigoso, a virtude, nesse universo, está sempre com quem grita mais, ainda que os argumentos sejam frágeis, incoerentes ou pura e simplesmente absurdos. 

O pensamento livre? Silenciado. 

A discordância? Catalogada. 

A dúvida? Criminalizada.


Pior ainda é quando a luta deixa o pensamento e entra no dia a dia de todos, não é colando-se a uma autoestrada e impedindo pessoas de ir trabalhar, crianças de ir à escola ou até ambulâncias de passar que se salva o planeta. Não é despejando tinta sobre quadros centenários  atirando tinta a políticos, interrompendo palestras ou greves estudantis que se resolve o futuro. O protesto deixou de querer mudar o mundo, quer apenas likes, views ou tempo de antena para espalhar doutrina.
Fazem lembrar o pobre Emplastro, sempre à procura de uma câmara de televisão para gritar, neste caso "A Greta é a minha mãe."

Mas os paradoxos não se ficam por aí, o mesmo militante, camarada (camarades para ser inclusivo),  que grita contra a agroindústria orgânica do vizinho, contra um restaurante tipico português ou uma marisqueira,  compra com orgulho abacates do Peru, e faz saladas de quinoa da bolivia e frutos secos do sudeste asiático. Afinal, são verdes, não é? Esquecendo-se que o cultivo de abacate é responsável pela destruição de milhares de hectares de floresta, pelo esgotamento de aquíferos e por toneladas de emissões logísticas em aviões e contentores refrigerados. Que o aumento de quinoa a nível mundial deixou as pessoas onde a quinoa era o alimento base sem poder de compra para a obter ou até a violação de direitos laborais e as peles queimadas das mãos das trabalhadoras que descascam os cajus. 

Ser “verde”, afinal, pode ser altamente tóxico, só depende da embalagem.

Tudo isto revela o mesmo problema, confunde-se sustentabilidade com sensação de virtude, confunde-se o fazer com o parecer. Sobretudo, evita-se pensar nas verdadeiras causas dos desequilíbrios.

Portugal, por exemplo, fala de sustentabilidade com entusiasmo,  somos os melhores nas eólicas, temos um sol como ninguém para alimentar os nossos parques solares, somos super, hiper, mega sustentáveis. Os Cristianos Ronaldo das energias renováveis, mas depois olhamos para o país real e percebemos que a sustentabilidade é apenas mais uma palavra bonita numa estratégia de comunicação partidária.

Temos uma das mais baixas taxas de natalidade da Europa, uma juventude qualificada a emigrar em massa, e uma política de imigração que mais parece uma porta destrancada. Entra-se porque sim, sem critério nem visão e depois nem os que cá estão vivem com dignidade, nem os que chegam encontram condições para o fazer.

As cidades estão saturadas, os serviços públicos colapsam, as barracas, as favelas, os musseques ou como se gosta de dizer agora as àreas urbanas auto construídas crescem exponencialmente e o discurso oficial? Fala de “acolhimento”. Como se bastasse uma palavra bonita para resolver o caos, acolher sem estrutura, sem planeamento, sem exigência mútua é apenas semear conflito. E conflito, sabemos, é o oposto de equilíbrio.

E no meio disto tudo, onde entra a Maçonaria?

Entra onde sempre entrou. No ofício silencioso de construir, com esquadro e compasso, com ponderação e intenção. 

Aprendemos a não aceitar tudo, mas a medir. 

A não excluir por medo, mas a acolher com exigência. 

A não nos escondermos atrás de palavras vazias, mas a polir, a lavrar, a deixar marca, marca que dure, que se sustente, e que sirva.

Porque ser Maçom é trabalhar o que importa, mesmo que não brilhe, que seja um obreiro anónimo e desbaste a sua pedra na ausência de likes e views.  É lembrar que a construção precisa de uma base sólida, não de cartazes, e que o progresso, sem direcção, é apenas deriva.

Afinal…

o que é que queremos mesmo sustentar para os que vierem depois de nós? 

João B. M∴M∴ 

16 agosto 2025

Música e o Espírito Humano: Da Liturgia à Maçonaria


A musica é uma linguagem universal que acompanha a humanidade desde tempos imemoriais. É consensual que a flauta tenha sido o primeiro instrumento a ser fabricado por mãos humanas, no entanto é a voz humana que com a sua capacidade de expressão, se assume como primeiro e mais poderoso instrumento musical. É através da musica que o sentimento humano é exteriorizado seja em ambiente ritualistico ou em ambientes de descontração. A musica tem um lugar no coração e na voz de cada ser humano.

O Papel da Música na Religião e na Sociedade

A música religiosa é de importância central desde a Idade Média, com o canto gregoriano a dominar as cerimónias. A polifonia, o uso de múltiplas vozes, começou a desenvolver-se neste período e floresceu de forma notável no Renascimento. É a partir daí que a musica serve a religião para dar vida aos rituais e ao sentimento esmagador de Deus perante a insignificância humana. Esse sentimento é ainda mais exacerbado a partir do período Barroco. No entanto é nesta época que se desenvolve em paralelo a musica de câmara, mais apetecível ás cortes, com um semblante de pureza, bem estar e leveza.  

Em seguida entramos no período Clássico em que os compositores procuraram afastar-se de alguns “exageros” do Barroco. A musica tornou-se mais leve e menos complexa mas, com a mesma emoção. Tanto Beethoven como Mozart mostraram que o estilo clássico pode ter várias vertentes e uma infinidade de ideias. Um dos grandes exemplos da grandiosidade desta época é a Lacrimosa do Requiem de Mozart (K. 626) onde o coro apresenta um peso e emoção avassaladores.  

Com o Romantismo, a música passou a ser a expressão da individualidade do compositor. O foco mudou das grandes composições corais religiosas para a música instrumental, onde a expressividade dramática ganhava destaque. Embora a música religiosa tenha perdido a sua centralidade social, grandes obras como o "Requiem Alemão" de Brahms ou o "Messa da Requiem" de Verdi ainda foram compostas. A música tornou-se mais acessível a todos, em grande parte devido à ascensão da burguesia e à popularização do piano.


Por fim entramos na época contemporânea que procura descobrir e utilizar novas sonoridades e novos estilos. Aqui a musica separa-se completamente da época anterior entrando-se no estilo minimalista e atonal. No entanto, a vertente religiosa não desapareceu, com compositores como Arvo Pärt e John Tavener a dedicarem-se ativamente à música de caráter espiritual e sagrado.



A Música nos Rituais Maçónicos

A maçonaria, embora não seja uma religião, reconhece a importância da música nos seus rituais. Existem vários ritos na maçonaria. Na minha opinião, a musica faz imensa diferença no sentimento que o ritual nos transmite. Já assisti a sessões sem musica, e o sentimento que tive foi de maior foco no trabalho. Com música, o sentimento que me é transmitido vai para além do trabalho, adicionando uma camada extra de emoção.  

O organista tem a responsabilidade de escolher a música adequada para cada fase da sessão, conciliando o que é descrito no ritual com a emoção que se pretende transmitir. Não é tarefa fácil pois é preciso ter conhecimento musical, alguma experiência e, sobretudo sensibilidade musical. 

Não sendo a maçonaria uma religião, é importante ter em consideração a importância que a musica tem nos rituais liturgicos. Há partida , o organista tem de excluir a musica vocal, não só porque vem descrito no ritual, mas também para não criar distrações desnecessárias. 

Musica vocal coral tem um poder e uma força muito grandes, esmagam e viram a atenção para outros temas. Por sua vez a musica vocal, não coral, dá ênfase a uma mensagem contida num poema que, por sua vez, também pode ser distrativo. 

Resta-nos a musica instrumental. Dentro da musica instrumental retiro à partida a musica contemporânea. Já experimentei colocar numa sessão este tipo de musica e verifiquei que as dissonâncias características deste estilo não estão em consonância com o espirito que se pretende na sessão. A dissonância cria tensão, incerteza e hesitação. 

Por sua vez, as peças do período romântico são boas para a sessão, mas é preciso ter critério ao escolhe-las. A expressão dramática de algumas peças desta época podem prejudicar o ambiente da sessão. 

Por fim, os estilos que considero mais seguros para serem usados numa sessão maçónica são os da época barroca e clássica, preferencialmente peças de piano solo e musica de câmara. Talvez sejam as épocas musicalmente mais equilibradas.

Apenas um apontamento relativamente ao que é a musica maçónica. Um dia um I da minha RL referiu que a musica maçónica era aquela que era composta por maçons.. É fácil ter chegar a esta ideia pois só quem foi iniciado tem a perceção e o sentimento inerente a cada sessão. No entanto, não considero que seja unanime. Para mim a musica maçónica é aquela que reflete o sentimento maçónico da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, a musica que nos faz sentir libertos de dogmas e que, acima de tudo, nos faz sentir vivos e fraternos para com todos. Sendo assim, pode ser escrita por qualquer um, desde que exista o sentimento. 


Conclusão

Fico profundamente triste quando alguém diz que a musica não serve para nada ou que vivíamos todos bem sem musica. Não consigo imaginar um mundo sem musica. Seja ela com um propósito ou mesmo sem propósito nenhum. Seja musica popular, rock, liturgica, a musica tem lugar em todas as culturas e na consciência humana. Seja na maçonaria, seja no mundo profano, a musica faz parte de todos e só acabará quando o ultimo homem do planeta der o ultimo suspiro.

09 agosto 2025

Maçonaria não vota, não apoia e não opina

Esse é um post para não-maçons.

Nos últimos tempos, tenho acompanhado com alguma preocupação a forma como a Maçonaria tem sido retratada na mídia, e confesso que isso me incomoda profundamente. Ao ver manchetes como as que se acumulam no print que guardei (e que certamente vocês também já viram por aí ) fico com a nítida sensação de que há uma tentativa insistente de encaixar a Maçonaria numa caixa que simplesmente não lhe pertence.

"Maçonaria apoia candidato X", "Maçonaria volta em força com ligações ao Governo", "Líder maçônico agita campanha eleitoral". Parecem trechos de um roteiro de ficção, onde uma entidade monolítica e quase sobrenatural manipula os cordéis do poder. Mas a realidade, meus caros, está muito longe disso.

É preciso deixar bem claro, e com letras garrafais se preciso for: A Maçonaria não vota, não apoia e não opina.

A Maçonaria é uma instituição de caráter iniciático e filosófico, que reúne indivíduos livres e de bons costumes, unidos por ideais de fraternidade, aperfeiçoamento moral e busca pela verdade. E a palavra-chave aqui é indivíduos. Cada membro da Maçonaria é, antes de tudo, uma pessoa com suas próprias convicções, suas próprias opiniões políticas, suas próprias escolhas religiosas e suas próprias preferências em todos os aspectos da vida.

Dizer que a Maçonaria tem uma posição unificada sobre qualquer assunto, seja ele político, social ou econômico, é tão absurdo quanto afirmar que todos os membros de um clube de leitura torcem para o mesmo time de futebol ou que todos os frequentadores de uma academia de ginástica votam no mesmo partido. Não faz sentido, não é mesmo?

Dentro das Lojas, o debate sobre política partidária ou temas que gerem discórdia é explicitamente desencorajado. Nosso foco é o aprimoramento individual, a discussão de princípios éticos e morais, a prática da caridade e a construção de uma sociedade melhor, sim, mas através do exemplo e da influência individual de cada um de nós.

Não temos um “Papa” da Maçonaria, um líder supremo global que dita as regras ou as posições de todos os maçons no mundo. A Maçonaria é descentralizada, composta por Grandes Lojas independentes em cada país ou jurisdição, cada uma com sua própria autonomia. A ideia de um comando centralizado que emite diretivas sobre quem deve ser apoiado ou o que deve ser pensado é uma fantasia.

Quando um maçom se destaca na política, na vida pública ou em qualquer outra área, isso se deve ao seu próprio mérito, às suas próprias convicções e ao seu próprio trabalho. Se ele é maçom, isso é uma característica pessoal dele, assim como pode ser músico, médico ou pai de família. Não é a Maçonaria, como instituição, que o está impulsionando ou opinando através dele. Ele é um cidadão exercendo seus direitos e deveres, com suas próprias visões.

A Maçonaria não é um partido político disfarçado, nem um lobby de interesses ocultos. É um espaço de encontro para homens que buscam o autoconhecimento e a prática da virtude, e que, uma vez fora dos templos, atuam no mundo de acordo com suas próprias consciências e princípios.

Portanto, da próxima vez que você ler uma manchete que tenta pintar a Maçonaria como uma unidade pensante, peço que reflita sobre o que acabo de dizer. Lembre-se que por trás do véu do mistério, há apenas homens independentes, cada um com sua voz e seu voto, mas unidos por uma senda de aprimoramento pessoal. E essa distinção é fundamental para compreender a verdadeira natureza da nossa Ordem.

Fábio Serrano, MM





02 agosto 2025

Temos Tempo ou apenas Pressa?

Há dias em que sinto que o tempo já não é meu, desde que o teletrabalho se instalou como o "novo normal", no pós confinamento pandémico, o que era suposto trazer liberdade trouxe, afinal, uma aceleração quase silenciosa. Já não há separação entre o que é trabalho e o que é pausa, e mesmo quando há, é invadida por notificações, prazos, chamadas e a estranha urgência de responder a tudo.



Se me perguntarem quando foi a última vez que parei mesmo, sem telemóvel, sem tarefas, sem estímulos, talvez tenha de recuar até à última sessão de Loja e a todas as ultimas sessões. Isso, por si só, já diz muito.

Na vida profana, tudo parece correr, nas estradas, nos corredores dos supermercados, nos gabinetes e nas escolas., até os reformados. Aqueles que deveriam ter tempo para o “dolce far niente” ou descansar à sombra do chaparro, parecem sempre com algo urgente para fazer. 

O tempo tornou-se um luxo e a lentidão, um pecado.
Quem abranda é ultrapassado. Quem pára, fica para trás.

E, no entanto, o tempo continua a ser o mesmo. Não é o mundo que gira mais depressa, somos nós que deixámos de o escutar. O tempo não se mede apenas em minutos, mas em presença, talvez seja por isso que vivemos com tanta pressa, para não estarmos realmente onde estamos, para não sentir o peso de cada instante. 

A pressa não é apenas um vício, é uma forma de ausência, uma fuga bem disfarçada.

Em Loja, tudo muda, o tempo não acelera ou abranda, assume um ritmo próprio, cadenciado, harmonioso, quase litúrgico. O ritual não está feito à medida da pressa, mas da harmonia. Há pausas e há compassos. Há silêncio e nesse silêncio, não há vazio,  há sim construção.

Dizem que os antigos sabiam viver devagar. Os monges, os operários, os mestres de ofício, sabiam que ouvir o tempo era ouvir-se a si mesmos. Hoje já não o fazemos, corremos. Mas corremos para onde?

Gostava de mudar isso, de ter a capacidade para conseguir parar dez minutos por dia, só para refletir, para me ouvir. Não para produzir, não para responder a ninguém, apenas para reencontrar o compasso interior que o mundo me rouba.

Talvez um dia volte a conseguir, talvez seja esse o verdadeiro trabalho de uma vida, recuperar o tempo.

João B. M∴M