25 julho 2016

"A Irmandade Maçónica"



A forma habitual de tratamento entre maçons é por "Irmãos". Irmão porque a Maçonaria é uma fraternidade, logo traduzido literalmente "fraternidade" por "irmandade", sendo os "fraters", "irmãos" entre si.

Todavia, mesmo não sendo irmãos de sangue - que os há! - e inclusive de não fazerem parte da mesma família sanguínea ou por adopção, os maçons sentem-se como tal, como membros integrantes e plenos de uma "família universal". E daqui vem o seu espírito de corpo (de corporação, de corporativismo). 
E aproveitando este termo também, porque a Maçonaria atual tem as suas origens nas corporações medievais de pedreiros e artificies que trabalhavam na construção civil à época onde nas quais os seus membros se sentiam também como irmãos por partilharem o mesmo ofício e os seus mistérios...

Enquanto os "construtores de catedrais" trabalhavam efetivamente a pedra em si, os atuais maçons laboram a "pedra" de uma forma espiritual, ou seja, trabalham no sentido de aprimorar a sua conduta e forma de estar, tentando modificar o seu "íntimo", por forma a que consigam honrar o seu templo interno, o seu corpo, a sua "alma", tentando ao mesmo tempo e através da sua ação na sociedade, promover a evolução desta.

Este tipo de tratamento "de irmãos" feito pelos maçons, facilita o relacionamento e o seu contato entre si, porque como a Maçonaria está presente por todo o globo terrestre, esta forma de tratamento quebra "barreiras" que não têm de existir entre irmãos, membros de uma mesma "família/grémio/fraternidade".

Este sentimento fraterno que é sentido pelos membros da Maçonaria é uma espécie de cimento que os une, independentemente da sua idade, das suas origens, estratos sociais e económicos.
O facto de se considerarem como "irmãos" menospreza determinados pormenores, mesmo que profanos, que habitualmente poderiam suscitar algum tipo de divisão ou de querela entre pessoas de bem, no que toca a temas fraturantes na Sociedade, nomeadamente no que à Política e à Religião dizem respeito. 
Cada um respeita e faz por respeitar as ideias e convicções do seu semelhante, mesmo que adversas ou contrárias às suas ideias pessoais.
A própria Maçonaria Regular no seio das suas sessões proíbe a discussão de temas onde a política partidária ou o proselitismo religioso sejam por demais evidentes.

No entanto e importa ressalvar que, mesmo apesar de se considerarem Irmãos, infelizmente nem sempre as coisas decorrem às "mil maravilhas", pois se até nas "melhores famílias" existem desavenças, a Maçonaria também não é imune a tal.
Por mais que se tentem dar todos bem, por vezes o ego de alguns se sobrepõe ao sentido de fraternidade e ao espírito de corpo que abordei anteriormente, e quando isso acontece, na maioria das vezes acontece uma separação, uma divisão, que não trará nada de bom para ninguém. Porque uns rumarão a "novas paragens" com as dificuldades que se sabem existir quando se tenta recomeçar do zero, e os que ficam, acabam por ter de "limpar os cacos" e prosseguir no seu labor constante, de forma perseverante e altruísta.
Quando existem cisões na Maçonaria, elas deixam marcas por muito tempo, cabendo ao Tempo as sanar, porque aquilo que deve estar junto, nunca deveria estar disperso...
-Um Irmão será sempre um irmão, independentemente do caminho que decida seguir...-.

Concluindo, quando existe um sentimento de amor fraternal que una alguém a alguém, esta sensação modifica os seus interlocutores, amenizando a maioria dos potenciais conflitos que poderão existir, facilitando o seu relacionamento (entre iguais) e impele a um auxílio ao próximo que de outra  forma não seria, porventura, feito.
Enfim, tudo aquilo que se espera sentir e vivenciar entre irmãos "normais" é sentido e vivido entre maçons; mesmo que se tenham conhecido no próprio dia ou que já tenham uma relação de vários anos.
 - Um mano é sempre um mano ! -

18 julho 2016

Do ritual


Todas as sessões de Lojas maçónicas se processam segundo um ritual padronizado. Cada sessão de cada Loja inicia-se sempre da mesma maneira, repetindo-se sempre as mesmas palavras, efetuando-se as mesmas ações. E igualmente termina também sempre da mesma maneira, com as mesmas palavras e ações que foram ditas e executadas em todas as vezes que anteriormente a Loja se reuniu em sessão formal.

Por que razão homens adultos, alguns homens maduros ou mesmo idosos, pais de filhos, alguns avós de netos, muitos deles com importantes responsabilidades profissionais e sociais, semanal, quinzenal ou mensalmente se juntam para repetir, vezes sem conta, as mesmas palavras e executar sempre e sempre as mesmas ações?

A primeira resposta  consiste na consideração de que a prática do ritual, o facto de se iniciar as sessões sempre da mesma forma e igualmente as terminar com os mesmos procedimentos marca uma diferença, estabelece um tempo e um espaço próprios, diferentes das experiências pessoais anteriores ao início da sessão e das que sobrevirão depois do fim desta.

Com a execução do ritual de abertura, cria-se um hiato, faz-se um corte com o que se passa no exterior, com o que se vivenciou antes do início da sessão. Paralelamente, ao executar-se o ritual de encerramento, marca-se a fronteira entre o tempo e o espaço comuns aos presentes e só a eles e os tempos e lugares em que cada um, na sua vida normal, interage com a generalidade das pessoas.

Com e execução dos rituais de abertura e enceramento, os maçons criam como que uma cápsula do tempo e do espaço que é só dos elementos da Loja e dos visitantes presentes, diferente em tudo do que se passa antes, depois, em outros lugares, com outras pessoas. Cria-se um espaço e um tempo de confiança mútua, regido por regras próprias que ali e então se aplicam, destinadas a permitir que cada seja e se sinta livre para se expressar como entenda, para abrir a sua alma, para compartilhar os seus anseios e preocupações, alegrias e receios, sem temer que essa exposição pessoal seja aproveitada fora dali. O que se passa na sessão de Loja fica ali. O quer é dito, revelado, proposto, considerado ali e então queda reservado aos presentes, porque só aos presentes diz respeito.

Com a confiança estabelecida nesse tempo e espaço, criam-se as condições para a máxima cooperação entre os presentes. Cada um pode sugerir o que achar melhor, expor uma ideia e colocá-la à consideração dos demais, sabendo que a sua sugestão e a sua ideia serão analisadas segundo os seus méritos, sem preconceitos - e sobretudo sem temer que porventura uma ideia falhada, uma sugestão desajustada, sejam utilizadas ou expostas fora dali ou a estranhos aos que ali estavam.

Cria-se um tempo e um espaço de confiança e cooperação próprios para que cada um partilhe com os demais o que sabe, o que teme, o que o preocupa, o que o alegra, e receba dos demais a reação que a sua partilha proporcionar. Cada um dá ao grupo o que pode dar. Cada um recebe do grupo o que necessita de tudo o que o grupo está em condições de proporcionar.

Estabelece-se um tempo e um espaço de confiança e cooperação em que o elogio é sincero, a crítica é pura, a solidariedade é sentida, o desacordo, quando existe, é livremente expresso e livremente analisado, possibilitando a determinação dos pontos de acordo que existem nos desacordos e das vias de superação de desacordos em acordos aceitáveis para todos.

Com esse espaço e tempo de confiança e cooperação, criam-se as condições necessárias para a natural solidariedade e para a criação de sólido espírito de corpo.

Tudo isso se constrói dentro de um espaço e de um tempo delimitados pela execução dos rituais de abertura e enceramento.

Mas não é esta a única nem, porventura, a principal razão por que homens adultos, maduros e alguns idosos, pais de filhos e avós de netos, alguns assumindo grandes responsabilidades profissionais ou sociais, persistem em, uma e outra vez e ainda outra e sempre, repetir as mesmas palavras, executar as mesmas ações.

A repetição semana a semana, quinzena a quinzena, mês a mês, anos e anos a fio, permite o aperfeiçoamento. Não só da execução do ritual, mas - e sobretudo - de quem executa o ritual.

O ritual não é um mero conjunto de palavras destinado a marcar uma diferente entre o que está de fora e o que fica dentro, entre nós e os outros. O ritual contem um assinalável conjunto de lições, de lembranças, de normas, de conselhos, de princípios que nos devem guiar ao longo das nossas vidas. O ritual é a caixa das ferramentas do aperfeiçoamento de cada um. Quanto mais se repete o ritual, melhor se conhece o ritual. Quanto melhor se conhece o ritual, mais se descobre no ritual. Quanto mais se descobre no ritual, mais e melhor se evolui. É por isso que o que se aprende, o que se surpreende, o que nos toca no ritual hoje é diferente do que se aprendeu, surpreendeu, nos tocou há cinco anos. E isso há cinco anos diferente de há dez anos. E aquilo de há dez anos diferente de há vinte anos. Porque o que se aprendeu, surpreendeu e tocou há vinte anos foi o que permitiu evoluir para aprender, surpreender e ser tocado diferentemente há dez anos, diversamente há cinco anos e diferenciadamente hoje. Porque se foi evoluindo e é em virtude da evolução havida que se está em condições de notar agora o que se não lobrigava há cinco anos, se não via há dez anos e nem se suspeitava que estava lá há vinte anos.

O ritual  é uma caixa de ferramentas que pode ser preciosa para o aperfeiçoamento e a evolução de cada um. Mas atenção que não basta repetir, não chega papaguear o ritual. O ritual é para ser executado e repetido, mas também para ser lido, para ser analisado e sobretudo para ser MEDITADO. Porque evoluir segundo o método maçónico não se resume a comparecer a sessões, a executar rituais de forma acrítica, displicente ou mecânica. É necessário compreender o ritual, determinar porque se faz assim e não de outra forma, a razão e o objetivo de cada ato, de cada palavra ou expressão. Porque é dessa compreensão que nascem as condições para a mudança em nós. E a cada mudança, a cada evolução, mais se descobre, mais se compreende. 

O ritual é fonte de Luz, da Luz que todo o maçom (todo o humano?) busca. Mas não se espere que essa Luz nos apareça escancaradamente defronte de nós. Caramba, convém instalar e ligar ao fornecimento o quadro de eletricidade, instalar os cabos pela casa, colocar a lâmpada e ligar o interruptor! Afinal de contas o ritual é uma caixa de ferramentas, não é uma varinha mágica!

Rui Bandeira

11 julho 2016

Pavimento Mosaico (republicação)

Hoje venho fazer a republicação de um texto da autoria do Rui Bandeira e que versa sobre o Pavimento Mosaico, uma das componentes mais importantes de um Templo Maçónico.
Para além do texto poder ser consultado no seu original farei a sua republicação nas linhas abaixo...

"Pavimento Mosaico

Em todas as Lojas maçónicas regulares está presente, em todo ou em parte do solo da sala onde ocorrem as sessões de Loja, um pavimento mosaico, constituído por um conjunto de quadrados brancos e negros, colocados alternadamente entre si. 

O símbolo remete claramente para a dualidade - mas também para a harmonia entre os opostos. Cada quadrado de uma das cores está rodeado de quadrados da outra cor. É assim frequente referir-se ao recém-iniciado que o pavimento mosaico representa a sucessão entre os dias e as noites, o bem e o mal, o sono e a vigília, o prazer e a dor, a luz e a obscuridade, a virtude e o vício, o êxito e o fracasso, etc.. Mas também a matéria e o espírito como componentes do Homem. Ou, simplesmente, recordar que, como resulta da lapidar equação de Einstein, a matéria é composta por massa, mas também por energia.

O dualismo provém de antigas tradições humanas. A civilização suméria dotava os seus templos de piso em pavimento mosaico, que só podia ser pisado pelo sacerdote no mais alto grau da hierarquia e só em dias de eventos importantes. Convencionou-se que o Santo dos Santos do Templo de Salomão teria um pavimento mosaico. 

A filosofia pitagórica postulava que o UM se transformava em DOIS refletindo-se a si próprio e separando-se, original e reflexo, sendo assim o UM o princípio criador estático e o representando o DOIS a dinâmica da Criação. A interação entre o UM e o DOIS gerou o TRÊS, a Criação. Esta resultou, assim, da interação entre o estático e o dinâmico. 

De onde resulta que a dualidade é fecunda, que é necessária a presença da dualidade para haver criação. Mas resulta ainda mais do que isso: não basta que exista dualidade, tem que haver interação entre os opostos para que a criação aconteça. Não bastam dois opostos estáticos; é necessário que esses dois opostos sejam dinâmicos e interajam entre si. Não basta, assim, a dualidade, é necessária a polaridade.

O pavimento mosaico recorda-nos assim que a vida é feita de contrastes, de forças opostas que se influenciam entre si, e que é através dessa influência mútua que ocorre a mudança, o avanço, a evolução. No fundo, a antiga asserção de que toda a evolução se processa através do confronto entre a tese a a antítese, daí resultando uma síntese, que passa a constituir uma nova tese, que se defrontará com outra antítese até se realizar uma nova síntese, que é um novo recomeço, assim e assim sucessivamente numa perpétua evolução...

Assim sendo, o que tomamos por mal, por desagradável, o que procuramos evitar, sendo-o assim, não deixa, porém, de ser necessário - pois é do confronto desse mal com o bem, do que queremos evitar com o que gostaríamos de conservar, daquilo que nos desagrada com aquilo que nos conforta, que resulta avanço, mudança, tendencialmente progresso (tendencialmente, porque nada se deve tomar como garantido: por vezes, a mudança mostra-se retrocesso...).

Nesse sentido, o bem, por si só é estático e estéril. O bem só evolui em confronto com o mal. É desse confronto entre ambos que resulta algo, é esse confronto bipolar que é fecundo. Aliás, em bom rigor, só podemos definir o bem em confronto com o mal, tal como necessitamos da sombra para bem apreender o que é a luz... Se Adão permanecesse no Paraíso, ainda hoje Adão seria Adão e nada mais do que Adão, feliz com sua nudez, mas inapelavelmente boçal. Foi o mal da expulsão do Paraíso que obrigou Adão a deixar de ser mera criatura e passar a ser homem; ou seja, a Humanidade só evolui porque sempre necessitou de se confrontar com o perigo, com a fome, com a necessidade, em suma, com o mal, e teve de superar todos os sucessivos obstáculos para atingir sucessivos patamares de bem, de satisfação, sempre confrontada com novos perigos, obrigando a novas superações. É ao superar os sucessivos obstáculos com que se depara que o Homem se supera a si mesmo.

O Pavimento Mosaico não é um espaço estático. É um caminho, com luzes e sombras, com espaços agradáveis e veredas desagradáveis, com seguranças e perigos. Ficar num quadrado branco e dele não sair não leva a lado nenhum... É necessário enfrentar a dualidade com que nos deparamos, suportar a polaridade inerente a tudo o que nos rodeia e, afinal, inerente a nós próprios e... fazer-nos à vida! Se tomarmos mais opções certas do que erradas, teremos mais sínteses brancas do que negras e desbravaremos um caminho de avanço. Se ou quando (porque é quase que inevitável que esse quando, muito ou pouco, cedo ou tarde, sempre apareça...) enveredamos por opções erradas, acabamos por cair em sombria síntese e deparar com retrocesso e não com o desejado progresso. Mas ainda assim, a solução não é ficar onde se foi parar, com receio de novo retrocesso: é prosseguir com nova síntese, efetuar nova opção, desejavelmente que se revele boa, para melhor sorte nos caber. E assim, em perpétuo movimento, em contínua progressão de inesgotáveis sínteses, o homem avança desde a sua tese inicial até à sua derradeira síntese... que, do outro lado da cortina descobrirá que não foi um fim, mas apenas um novo recomeço, uma nova tese para, noutro plano, se confrontar com fecunda antítese...  

Um simples pavimento mosaico serve de ponto de partida para a mais profunda especulação. Basta atentar e meditar e estudar e trabalhar dentro de si mesmo, juntando a intuição à razão (outra dualidade; ou melhor, polaridade, de fecunda potencialidade...). O Pavimento Mosaico, se atentarmos na sua perspetiva dinâmica, recorda sempre ao maçom  que o principal do seu trabalho não se efetua na Loja, na execução do ritual, na realização de tarefas de Oficial, na discussão de pontos de vista. O principal do seu trabalho faz-se no confronto de si consigo próprio, no uso frequente e equilibrado das duas grandes ferramentas de que dispõe  naturalmente, a sua Razão e a sua Intuição, para trilhar sozinho os seus caminhos (e descobrir que, afinal, encontra frequentemente outros nos cruzamentos a que vai chegando). Por isso, o maçom deve reservar sempre uma parte do seu dia para efetuar a mais fecunda atividade que pode efetuar: pensar, meditar, especular. Tem as ferramentas. Só precisa de as usar. Dia a dia. E quanto mais as usar e quanto mais frequentemente as usar, mais fácil é esse uso, mais gratificante é o seu trabalho. Também dentro de cada um de nós há um pavimento mosaico, disponível para o percorrermos e nele ir tão longe quanto cada um quiser e puder!

Rui Bandeira"

04 julho 2016

A identidade da Loja


Cada Loja maçónica adquire ao longo do tempo uma identidade própria, que a distingue, sem dificuldades, das restantes. Essa identidade começa a construir-se pelas circunstâncias do seu aparecimento (Loja essencialmente com obreiros oriundos de outra Loja: decisão consensual ou conflitual?; Loja de caráter genérico ou Loja criada com um objetivo específico? Loja criada a partir de um grupo coeso que se expandirá normalmente ou Loja de implantação numa zona, cujos fundadores a virão a abandonar quando estiver implantada e firme?), prossegue com a forma como se relacionam os seus elementos (relações de amizade ou cordiais ou existência de tensões que vão sendo dirimidas e aplainadas?) e com a forma como é gerida a Loja e efetuadas as escolhas que tiverem de ser tomadas (Loja habitualmente coesa ou Loja com grupos estabelecidos que se vão confrontando e sucedendo nas tomadas de decisão)?

A forma como a Loja adquire e molda a sua identidade determina a sua maior ou menor aproximação ao arquétipo modelar de uma Loja maçónica: espaço de harmonia, de tolerância, de cooperação, de mútuo auxílio e propiciatório do crescimento e aperfeiçoamento individual de todos e cada um dos seus obreiros. Não tenhamos ilusões: não há Lojas maçónicas perfeitas, tal como não há maçons perfeitos (se o fossem, não precisavam de se aperfeiçoar, logo não eram maçons...). Mas cabe a cada maçom e a cada conjunto de obreiros agrupado numa Loja permanentemente trabalhar para que a sua Loja se aproxime o mais possível do desejado arquétipo.

Vários caminhos, várias formas, vários estilos podem ser e são utilizados nessa busca. Não há fórmulas mágicas nem pretensas unicidades. Cada Loja, em função da sua circunstância, vai adquirindo a sua identidade, estabelecendo a sua forma de trabalhar, o seu estilo de se gerir, a abordagem que mais lhe convém para melhorar e tornar melhores os seus obreiros. É isso que eu designo por identidade de cada Loja. 

Essa identidade vai-se estabelecendo naturalmente, no bom, no assim-assim e no menos bom que ocorrer e gradualmente a Loja vai ganhando caraterísticas próprias, facilmente adotadas pelos seus obreiros e identificadas pelos seus visitantes. 

Questão essencial para o estabelecimento da identidade de uma Loja é a da escolha da sua liderança. A identidade da Loja Mestre Affonso Domingues assenta, quanto à escolha da sua liderança, em três vetores que lhe são essenciais:

1) Não há nela luta ou querela quanto à questão da sua liderança: ressalvada a ocorrência de (sempre possível) qualquer imponderável que o impeça, o Primeiro Vigilante de um ano é o Venerável Mestre do ano seguinte, e ponto final parágrafo! Todos os anos a eleição do Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues é uma mera formalidade, escrupulosamente cumprida nos termos regulamentares! (Quem quiser  saber ou recordar a origem deste princípio identitário da Loja, procure e leia neste blogue o texto A eleição do Terceiro Venerável Mestre).

Com este princípio identitário não se perde tempo em lutas estéreis, não se formam artificialmente grupos, não se estabelecem quezílias. Acordos e desacordos estabelecem-se e discutem-se em relação a opções a tomar, a tarefas a realizar, a projetos a desenvolver. Isso, sim, debate-se o tempo que for preciso até se nos tornar evidente qual o melhor (às vezes, qual o menos mau...) caminho a seguir. Porque não perdemos tempo em questiúnculas de (ilusório!) poder, podemos mais utilmente gastá-lo a debater o que vamos e como vamos fazer.

2) Cada Venerável Mestre é eleito para exercer um ano de mandato e depois dá lugar a outro.

O Regulamento Interno da Loja prevê a possibilidade uma (única) reeleição para um segundo mandato, por maioria qualificada. Mas esta é uma possibilidade ali colocada apenas em face da eventualidade de sobrevir um "dia de chuva" tal que nos obrigue a recorrer ao guarda-chuva de uma excecional reeleição. O exercício do ofício de Venerável Mestre por um ano e basta tem duas evidentes vantagens: todos os obreiros interessados e intervenientes na Loja exercem, a seu tempo, o ofício de Venerável Mestre; não se sacrifica demasiado ninguém, pois, como todos os que se sentaram na Cadeira de Salomão sabem, exercer este ofício permite ao seu titular duas alegrias: a primeira quando é instalado para exercer o ofício, a segunda quando (finalmente, ao fim de um loooongo ano...) vê instalado o seu sucessor e é aliviado da responsabilidade de dirigir a Loja.

3) O Segundo Vigilante de um ano é o Primeiro Vigilante do ano seguinte.

Este princípio identitário é crucial, pois impede que se criem cliques de direção da Loja, impedindo o Venerável Mestre recém-eleito de ser ele a escolher o seu sucessor. Com efeito, o Primeiro Vigilante é (ver princípio identitário 1) o sucessor natural do Venerável Mestre e, consequentemente, não deve ser por ele escolhido, ao contrário da esmagadora maioria dos demais Oficiais da Loja - as exceções são o Tesoureiro (eleito) e o Guarda Interno (que, salvo os inevitáveis imponderáveis é o Ex-Venerável do ano anterior). O Venerável Mestre, na Loja Mestre Affonso Domingues tem o dever de designar para Primeiro Vigilante o Segundo Vigilante do ano anterior, que foi escolhido para essa função pelo seu antecessor, com a expectativa do próprio, do Venerável Mestre que o nomeou e de toda a Loja, de ser no ano seguinte Primeiro Vigilante e , no subsequente, Venerável Mestre. Assim não proceder, para além de ser uma condenável forma de se arrogar o direito de escolher o seu sucessor, seria uma tremenda falta de respeito pelo seu antecessor, uma forma de lhe dizer meu caro, foste um palerma, fizeste uma má escolha para Segundo Vigilante, eu é que vou ser o Cavaleiro Branco que vai emendar o teu erro e escolher o homem certo para o lugar certo... O incumprimento deste princípio identitário da Loja abriria uma Caixa de Pandora de consequências imprevisíveis, correndo-se o risco de deitar a perder tudo o que a Loja foi e construiu ao longo de mais de um quarto de século: uma vez que alguém se arrogue o direito de escolher o seu sucessor (exceto quando o Segundo Vigilante, por qualquer razão, renuncie a exercer o ofício de Primeiro Vigilante - sucedeu recentemente e o problema resolveu-se aberta e consensualmente), cai pela base a confiança no princípio de que o Primeiro Vigilante de um ano é o Venerável Mestre do ano seguinte e cai-se, para o futuro, na pura e dura pugna eleitoral. A partir daí, a Loja não seria mais a mesma, teria perdido a sua identidade, deixava de ter a questão da escolha do seu líder como uma pacífica e natural sucessão de obreiros, passava a ter anualmente de resolver o problema de dirimir disputas eleitorais entre obreiros. A partir de então, a Loja poderia conservar a designação de Loja Mestre Affonso Domingues, mas não seria mais a Loja Mestre Affonso Domingues, seria uma mera caricatura dela!

A Loja Mestre Affonso Domingues é o que é porque, pura e simplesmente, nunca admitiu que no seu seio a questão da escolha da sua liderança fosse um problema ou sequer um fator de temporária desestabilização. Ao longo de mais de vinte e cinco anos, nunca tivemos uma disputa eleitoral, nunca tivemos de apanhar os cacos decorrentes de uma luta dessa natureza. Conseguimos e soubemos identificar, estabelecer e aplicar as condições necessárias e suficientes para tal, os três princípios identitários que atrás enunciei. O preço de abandonar qualquer deles seria muito elevado, seria a senda para mudar a Loja Mestre Affonso Domingues que construímos, de que gostamos e em que nos sentimos bem noutra coisa qualquer. Tão simples como isso!   

Estou há longos anos na Loja, há já um tempo significativo que vou escrevendo neste blogue, procuro deixar nele registada a Memória da Loja, conhecimento do passado que serve de lição, guia e inspiração para o futuro. Mas nada na vida é eterno nem definitivo - um dia, não sei quando, necessariamente que deixarei de escrever aqui, inevitavelmente deixarei de estar na Loja. Por isso me apeteceu hoje deixar esta mensagem, este testemunho, para ilustração presente e para memória futura.

Talvez este seja porventura o texto mais importante para a Loja Mestre Affonso Domingues que publiquei neste blogue!

Rui Bandeira