26 fevereiro 2014

Delta (I)

Entre as representações do Sol e da Lua, ao centro da parede (ou perto ou junto dela) do lado oposto à entrada do espaço de reunião de uma Loja maçónica encontra-se um símbolo designado por Delta.

É frequente, mas errada, a referência e a representação do Delta como um triângulo equilátero. A representação correta do símbolo é um triângulo isósceles, em que a base é maior do que os dois outros lados, iguais entre si, de forma a que o ângulo do topo do triângulo tenha 108 º e cada um dos ângulos da base 36 º.

Com estas medidas de ângulos internos, trata-se de um triângulo obtusângulo áureo, isto é, um triângulo isósceles em que a razão (o resultado da divisão) entre a base e um dos lados iguais corresponde ao número de ouro, ou Phi (F), correspondente a 1 + √ 5 /2, ou seja, 1,618033989..., a razão ínsita na famosa sequência de Fibonacci, a tradução numérica da Proporção Divina, encontrada em inúmeros exemplos na Natureza, reproduzida pelo Homem em inúmeros monumentos e obras de arte, e que genericamente integra o que consideramos belo, harmonioso.

O Delta, com a indicada medida nos seus ângulos e, assim, a Proporção Divina nas dimensões dos lados do triângulo, resulta da construção da Estrela Pentagonal ou Pentagrama, forma geométrica já utilizada pelos pitagóricos e também adotada como símbolo pela Maçonaria.


Com efeito, o Pentagrama constrói-se a partir de um pentágono regular:


Se atentarmos no triângulo assinalado, cuja base é a linha A-C e o ângulo superior  (invertido na figura) de 108 º, verificamos ter a exata forma de um Delta. Como  um Delta é o triângulo A-B-E (e o B-C-D, e o C-D-E, e o A-D-E), como mais claramente resulta desta imagem:


O Delta pode ser representado de forma simples ou na forma usualmente designada por Delta Flamejante ou Delta Luminoso, com raios irradiando do triângulo, o qual, por sua vez, pode ou não estar inscrito numa nuvem.


O Delta pode ser representado na sua forma simples, com o interior do triângulo vazio, ou com o interior preenchido pela letra "G" (como na figura que encima este texto), por um "olho que tudo vê" ou mesmo pela representação da letra hebraica iod, seja na sua forma hebraica abaixo indicada, seja na sua transliteração latina (como pode ver-se na imagem que ilustra o texto Sol e Lua.

Pode ainda o interior do delta conter o tetragrama hebraico lido como Jeovah ou Yaveh:


Em suma, o símbolo do Delta é essencialmente um triângulo isósceles com as dimensões resultantes da Proporção Dourada (embora, por vezes, e até com alguma frequência, erradamente representado por um triângulo equilátero). Acessoriamente a esse triângulo podem existir adornos ou representações diversas.

Esta multiplicidade de representações do mesmo símbolo tem a ver com o respetivo significado e as diferentes representações que inscreve nos diversos imaginários humanos. Veremos isso no próximo texto.

Rui Bandeira

19 fevereiro 2014

Aquela Loja


Aquela Loja tinha um problema para resolver. Não era um problema inesperado. Não era um problema que não se tivesse antecipado. Mas tinha de se resolver rapidamente e bem.

Aquela Loja tinha Mestres habituados a manifestar as suas opiniões com seriedade, a ouvir as opiniões dos demais com atenção e, sobretudo, a analisar com serenidade propostas diferentes, ou mesmo divergentes, cada um ciente de que a posição diferente da sua não é um obstáculo a abater ou a vencer, é um complemento a integrar, de forma a que o resultado final seja a melhor solução viável e possível.

Aquela Loja, nessa noite, preferia uma solução que não se revelava viável. Procurou então alternativas viáveis e perfilaram-se duas. Ambas possíveis. Ambas aptas a que se atingissem os objetivos pretendidos. Escolher-se-ia uma ou outra. Mas o problema era que não se tratava de escolher entre o bom e o mau, o certo e o errado, o forte e o fraco. Havia que escolher entre dois bons, procurando descortinar qual deles viria a ser melhor. 

Aquela Loja tinha uma escolha difícil a fazer. Porque entre duas boas hipóteses, não lhe agradava preterir uma. Sobretudo isso.

Aquela Loja fez então o que sempre soube fazer bem: cada um deu a sua opinião, expôs prós e contras, explorou hipóteses. Sem criticar as análises efetuadas ou hipóteses colocadas pelos que anteriormente tinham exposto os seus pontos de vista. Ninguém queria ganhar, ninguém queria impor a sua preferência. Todos e cada um procuravam a melhor solução.

Aquela Loja sabia que, se nada de novo surgisse, acabaria por ter de escolher entre as duas alternativas viáveis. Sem vencedores nem vencidos. sem azedumes. Simplesmente uma alternativa seria escolhida e a outra preterida porque assim teria de ser e o que tem de ser tem muita força.

Aquela Loja, quase na hora de ter que decidir viu de repente alguém apontar uma terceira solução. Uma solução que a desobrigava de escolher entre um bem e outro bem. Uma solução que também era boa. Uma solução que resolvia o problema a contento. Uma solução que estava, afinal, à vista de toda a gente, só era preciso olhar para ela...

Aquela Loja em menos tempo do que demoro a escrever esta frase decidiu o que tinha a fazer. Em menos de um ai o ar ficou mais leve, as posturas descontraídas. Alguém se encarregou de resumir o que resultara do debate e expor as várias soluções possíveis. A tomada de decisão foi uma mera formalidade: o consenso fora atingido. Com o contributo de todos. 

Aquela Loja resolveu em menos de uma hora um problema que era importante, porque todos cooperaram para que surgisse a solução.  Assim, o todo pôde ser melhor e mais eficaz do que a soma das partes. A vontade coletiva não resultou da vitória de uma vontade individual sobre outra. A vontade coletiva surgiu e facilmente se tornou consensual porque ninguém queria "ganhar" e todos procuravam resolver, em conjunto, um problema.

Aquela Loja debateu o problema em sessão aberta com a presença de Aprendizes e Companheiros. Não reservou para a Câmara do Meio o debate apenas entre os Mestres. Porque naquela Loja não se tem receio algum em que os que mais recentemente se lhe juntaram, os Aprendizes e Companheiros, vejam que os Mestres têm opiniões diferentes e que não há nada de especial nisso. Há apenas que conciliar diferenças quando se puderem conciliar, fazer escolhas quando for necessário, encontrar alternativas que superem divergências sempre que possível. E depois todo o grupo sente a satisfação de um trabalho bem feito, de uma missão bem cumprida.

Aquela Loja criou uma cultura. Uma cultura de debate sempre que o debate é preciso. De diálogo em todas as ocasiões. De cooperação na superação de divergências ou diferenças. Sempre abertamente, sempre frente a frente, sempre olhos nos olhos. E, decidido o que se tem de decidir, depois brinca-se, convive-se, come-se e bebe-se. E cada problema que é assim resolvido torna mais fácil a resolução do problema seguinte.

Aquela Loja procura integrar muito bem os novos elementos e portanto não lhes esconde nada. Os novos assistem à forma como os mais antigos e experientes debatem, escolhem, superam diferenças, cooperam, decidem, resolvem os problemas. E quando chega a hora de cada um dos mais novos assumir a responsabilidade de decidir, já sabe como ali se faz. Já viu, ao vivo e a cores, como cooperar é mais profícuo do que procurar "ganhar". Como cada um pode e deve exprimir a sua ideia, o seu sentir, em relação a todas as questões, porque todas as opiniões são importantes e todas contribuem para a formação da decisão do grupo. Como todos claramente ficam a saber em que circunstâncias cada decisão é tomada, que pressupostos a sustentam, que razões a fundamentam.

Aquela Loja funciona assim há mais de vinte anos. Não sabe funcionar de outra maneira. Não quer funcionar de outra maneira. Sente-se muito bem a ser como é.

Aquela Loja é a minha Mestre Affonso Domingues e é por ela ser como é que eu não quero nem perspetivo alguma vez ser obreiro de outra Loja que não ela.

Rui Bandeira

Já não posto nada neste blog há demasiado tempo... Lembrei-me de publicar algo que merece ser recordado, naturalmente desprovido de qualquer conotação politica que lhe possam querer dar. Eu posto unicamente as palavras do Poeta:

É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir

É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha

É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta

É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores


João Apolinário (poeta português falecido a 22 de Outubro de 1988)


12 fevereiro 2014

Sol e Lua


Na parede (ou junto ou perto desta) do lado oposto à entrada do espaço de reunião de uma Loja maçónica são visíveis representações do Sol e da Lua, aquele do lado direito de quem entra, esta do lado oposto.

O Sol, estrela sem a qual não seria possível a existência de vida no nosso planeta, desde a mais remota Antiguidade que foi associada pela Humanidade à Vida, à Criação. As religiões primitivas divinizavam o Sol. O mesmo se verificou no Egito, na Suméria e noutras regiões das civilizações da Idade do Bronze e subsequentes, prévias às mais elaboradas crenças greco-romanas e ao Monoteísmo.  

O Sol sempre foi associado ao princípio ativo, ao masculino, ao poder criador.

Por outro lado, a Lua é associada ao princípio passivo, ao feminino, à fecundidade.

A colocação destes símbolos no espaço das reuniões maçónicas não tem nada a ver com crenças pagãs ou religiosidades primitivas, mas insere-se na mesma linha da simbologia do pavimento mosaico: a chamada da atenção para a dualidade, especificamente, no caso, para a polaridade.

O Sol e a Lua simbolizam o dia e a noite, a luz direta e a luz reflexa, a ação e a reflexão, o trabalho ou atividade e o descanso, o dinâmico e o estático, a crueza da forte luz solar e a placidez da suave luz lunar, a ação e a reação. São símbolos que nos recordam que nada é tão simples e direto como possa parecer á primeira vista, que a aparência exterior que brilha como a luz solar encobre a natureza interior que se vislumbra como a pálida luz da Lua. 

Os dois símbolos recordam-nos que há tempo de agir e tempo de refletir. Há tempo de fazer e tempo de descansar. Há tempo de aprender e tempo de ensinar. Há ação e contemplação. Há dia e há noite. Há verso e há reverso. Todas estas dualidades integram a Realidade, afinal constituem a Realidade.

O Sol e a Lua dão-nos a noção do dinamismo da Vida, da Criação, do Real, da interação entre duas polaridades que se atraem e que se repelem, que mutuamente se influenciam. Dois princípios, duas forças, dois elementos, dois fatores, que ambos existem, ambos são reais, mas ambos são incompletos, completando-se apenas mediante a sua mútua influência. Tal como já o Pavimento Mosaico perspetivara, a Criação, a Vida, o Real, não são estáticos, não são simples, não são básicos. São dinâmicos, são complexos, são evolutivos. 

Ao meditar sobre a relação entre estes dois símbolos, o maçom deve adquirir a noção de que se não deve limitar a um único aspeto da realidade, a um único tema de estudos. A espiritualidade é importante, mas não menos importante é a materialidade. Espírito e matéria não se opõem - completam-se. Tal como o Sol e a Lua não se digladiam, repartem entre si o dia e a noite. E um dia completo, um ciclo de vinte e quatro horas, compõe-se de dia e de noite, do reino do Sol e do tempo da Lua. Assim também o Homem completo não dedica apenas a sua atenção aos assuntos do espírito, também se dedica aos negócios da vida real e quotidiana, material. Tão incompleto é aquele que apenas se importa com o material, o dinheiro, o poder social, o ter, ignorando a vida espiritual, o aperfeiçoamento moral, o interior de si mesmo, o ser, como aqueloutro que navega nas regiões etéreas do esoterismo, ignorando, ou fazendo por ignorar, que a Vida é esforço e trabalho e pó e carne e esforço e ação e construção.

O Sol e a Lua simbolizam opostos, mas opostos que mutuamente se influenciam e se completam. Assim deve o maçom gerir a sua vida: estudar mas também aplicar, contemplar sem deixar de trabalhar, imaginar mas também executar, fazer e descansar, ter o que necessita para Ser, mas Ser sempre acima do mero Ter.

Rui Bandeira  

05 fevereiro 2014

Romãs e colmeia


Normalmente colocadas sobre os capitéis das duas colunas que marcam a entrada do Templo - do espaço onde ocorre uma sessão ritual maçónica - estão seis romãs, três sobre cada um dos capitéis.

Este número já é uma simplificação. O Templo de Salomão (que muitos dos símbolos maçónicos evocam) teria representadas, sobre as suas colunas de entrada nada mais, nada menos do que quatrocentas romãs! Com efeito, pode ler-se no segundo livro dos Reis, capítulo 7, versículos 18 a 20: "Fez também romãs em duas fileiras por cima de uma das obras de rede para cobrir o capitel no alto da coluna; o mesmo fez com o outro capitel. Os capitéis que estavam no alto das colunas eram de obra de lírios, como na Sala do Trono, e de quatro côvados. Perto do bojo, próximo à obra de rede, os capitéis que estavam no alto das duas colunas tinham duzentas romãs, dispostas em fileiras em redor, sobre um e outro capitel."

E, no segundo livro de Crónicas, capítulo 4, versículo 13, encontramos: "Há quatrocentas romãs para as duas redes, isto é, duas fileiras de romãs para cada rede, para cobrirem os dois globos dos capitéis que estavam no alto da coluna." 

Para além da representação simbólica de elemento decorativo do Templo de Salomão, as romãs simbolizam a união entre os maçons, a igualdade essencial de todos combinada com a individualidade de cada um.

A observação do fruto elucida-nos rapidamente da razão de ser destas representações simbólicas. Uma romã tem uma casca dura e resistente, que representa o espaço físico da Loja: uma e outro abrigam as infrutescências (os obreiros), mantendo-os a coberto de elementos exteriores (pragas; profanos). As infrutescências (as "sementes", "bagas" ou "grãos") representam os obreiros da Loja. Tal como as infrutescências da romã são todas diferentes umas das outras, havendo leves variações de formato e de tamanho, também os obreiros de uma Loja mantêm a sua individualidade própria. Mas, se comermos as infrutescências da romã, verificamos que todas elas têm exatamente o mesmo sabor, o mesmo grau de doçura em função do amadurecimento do fruto, independentemente da forma e do tamanho delas.

Assim também os obreiros de uma Loja, pese embora as inevitáveis diferenças decorrentes da sua individualidade, estão unidos na mesma essencial igualdade.

Tal como as bagas de uma romã estão unidas por uma pele branca, que torna difícil e trabalhoso a sua separação, assim também os obreiros de uma Loja se unem por laços de fraternidade, auxiliando-se mutuamente nas adversidades, cooperando nos seus estudos ou projetos.

Os grãos da romã estão firmemente unidos e apertados uns contra os outros. Se abstrairmos da cor granada (romã em castelhano), assemelham-se a um favo de mel, lembrando as abelhas, que, tal como os maçons, trabalham incessantemente, aquelas colhendo o néctar nos campos para fabricar o mel, estes recolhendo da Loja e de seus Irmãos os ensinamentos, os exemplos, que lhes são úteis para o sempre desejado aperfeiçoamento pessoal.

Enquanto que na Maçonaria latina e no Rito Escocês Antigo e Aceite se utiliza a simbologia da romã, ela não é usada na Maçonaria anglossaxónica, no Rito de York ou no Ritual de Emulação. Estes, pelo contrário, utilizam o símbolo da colmeia.

Uns e outros procuram enfatizar o mesmo: a união entre os maçons. Mas uns fazem-no com recurso à romã, outros através da colmeia.

A meu ver, esta diferença é essencialmente cultural. A sociedade latina, mediterrânica é essencialmente gregária. O gregarismo meridional acentua a importância do estar junto, sendo essa união que gera a força grupal que protege o indivíduo e potencia as suas capacidades. Já as sociedades anglossaxónicas e nórdicas privilegiam a iniciativa, a ação e, assim, enfatizam a organização da colmeia como forma de potenciar as capacidades de cada abelha para o bem comum.

Os símbolos maçónicos não nascem do nada e não são interpretados no limbo. Resultam das sociedades onde os maçons se inserem. Esta diferenciação é exemplo disso, na minha ótica.

Rui Bandeira