21 setembro 2011

Maçonaria e Poder (X)


A Maçonaria foi introduzida em Portugal, ainda na primeira metade do século XVIII. A primeira Loja de que há conhecimento foi a Loja que ficou conhecida como a dos "Hereges Mercadores", fundada por comerciantes britânicos, protestantes, ainda antes de 1730. Esta Loja foi, em 1735, inscrita no registo da Grande Loja de Londres (Premier Grand Lodge) sob o n.º 135 e, mais tarde, sob o n.º 120, tendo vindo a ser abatida ao quadro de Lojas daquela Grande Loja em 1755. Esta Loja, de orientação estritamente inglesa e Regular, nunca teve qualquer intervenção política e, mesmo após a condenação da Maçonaria por Clemente XII, em 1738, nunca foi incomodada pela Inquisição, certamente devido à nacionalidade dos seus obreiros.

A segunda Loja de que há conhecimento em Portugal foi a "Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia", fundada em 1733. Agrupava predominantemente irlandeses, maioritariamente católicos. Eram essencialmente comerciantes, mas também havia marítimos, soldados, médicos, um estalajadeiro, um mestre de dança e três frades dominicanos. Veio a integrar-se nesta Loja o arquiteto húngaro Carlos Mardel, um dos principais responsáveis pelos projetos de reconstrução de Lisboa após o terramoto de 1755. Com a publicação da bula de Clemente XII condenando a Maçonaria, esta Loja dissolveu-se.

A terceira Loja conhecida em Portugal foi fundada em 1740 pelo lapidário de diamantes John Coustos, suíço naturalizado inglês, e agrupava cerca de trinta comerciantes e lapidários franceses, ingleses, um belga, um holandês, um italiano e três portugueses, maioritariamente católicos (John Coustos, o Venerável, era, porém, protestante). Denunciada esta Loja à Inquisição em 1743, os seus obreiros foram presos, torturados e condenados. Os seus principais elementos foram condenados às galés. Os portugueses foram, pura e simplesmente, executados. Por pressão de Jorge II de Inglaterra, John Coustos e os seus companheiros acabaram por ser libertados, em 1744, sob condição de abandonarem o país. John Coustos, já em Inglaterra, veio a publicar um livro que viria a ter alguma notoriedade na Europa desse tempo, The Sufferings of John Coustos for Freemasonry and for His Refusing to Turn Roman Catholic in the Inquisition (Os sofrimentos de John Coustos na Inquisição pela Maçonaria e pela sua recusa de se converter ao catolicismo). A Loja ficou, obviamente, extinta, com a intervenção da Inquisição.

Só depois do terramoto, consolidado o poder do Marquês de Pombal, expulsos os jesuítas e fortemente limitado o poder clerical, voltou a haver condições para a atividade maçónica em solo português. Em 1763 havia em Lisboa uma Loja de orientação inglesa e, crê-se, uma Loja francesa e uma terceira, mista de militares e civis. Em 1768, fundou-se uma Loja no Funchal. Porém, com a morte de D. José I e o afastamento do poder do Marquês de Pombal, regressaram as perseguições. Em 1791, havia Lojas maçónicas em Lisboa, Porto, Coimbra, Valença, Funchal e nos Açores, mas as fortes perseguições inquisitoriais em 1791 e 1792 desmantelaram, pela segunda vez, a Maçonaria em terras lusas.

Só com o desembarque em Portugal, em 1797, de um corpo expedicionário inglês, se voltaram a reunir condições para o restabelecimento da atividade maçónica em Portugal, existindo, no ano seguinte, quatro Lojas de orientação inglesa em Lisboa, três de militares e uma mista de militares e civis, incluindo portugueses. Estas Lojas tiveram, no registo da Premier Grand Lodge, os números 94, 112, 179 e 315. Esta última veio, mais tarde, a ser a Loja n.º 1 dos registos portugueses, com o nome de "União".

Ao abrigo do poder militar inglês, novas Lojas se foram formando, adquirindo a condição de maçons nomes ilustres da intelectualidade portuguesa da época.: abade Correia da Serra, Filinto Elísio, Ribeiro Sanches, Avelar Brotero, Domingos Vandelli, José Anastácio da Cunha, José Liberato Freire de Carvalho, Domingos Sequeira.

Desta primeira fase da introdução da Maçonaria em Portugal, em três tempos, podem tirar-se algumas conclusões significativas:

1) Até ao início do século XIX, a atividade maçónica em Portugal foi, essencialmente, de orientação inglesa, segundo as regras da Maçonaria mais tarde denominada de Regular, não interferindo, nem procurando interferir, na coisa pública.

2) A grande oposição à Maçonaria em Portugal proveio do Poder religioso, pela mão da Inquisição.

3) Quando o Poder político ou o Poder militar (de forças externas) limitaram o Poder clerical, a Maçonaria reflorescia.

Estes factos, aliados aos sucessos da Revolução Francesa e à posterior presença de forças expedicionárias napoleónicas em Portugal, vieram a refletir-se na evolução futura da Maçonaria lusitana, em especial na sua relação com o Poder: se inicialmente a Maçonaria de orientação Regular e não interventiva no Poder foi perseguida e desmantelada, só conseguindo reaparecer à sombra do Poder, civil ou militar, que limitava o Poder clerical, então haveria que, sobretudo, garantir que o Poder clerical não voltasse a ser tão forte que pudesse, de novo, pôr em causa a atividade maçónica, se necessário intervindo de forma a favorecer o Poder político que tal garantisse.

Vinham aí as guerras napoleónicas, a suserania inglesa e a Guerra Civil entre Absolutistas e Liberais. A Maçonaria em Portugal ia atravessar todo esse período de instabilidade. E, paulatina e insensivelmente, ia derivar da orientação Regular para a intervenção política, aproximar-se intimamente do Grand Orient de France, vindo a culminar no anticlericalismo que foi marca da I República.

Ironicamente, este percurso foi, em grande parte, motivado pela interferência do Poder religioso, que impediu a natural e livre implantação da Maçonaria Regular. As perseguições das Inquisição lavraram o terreno onde germinaria a Maçonaria Irregular, ou Liberal, em Portugal. Dois séculos viriam a decorrer até à institucionalização da Maçonaria Regular em terras lusas.

Fontes:

http://www.gremiolusitano.eu/?page_id=28

http://en.wikipedia.org/wiki/John_Coustos

Rui Bandeira

8 comentários:

Bibliotecário disse...

Caro Irmão Rui,
Li avidamente teus textos dessa primorosa série sobre Maçonaria e Poder. É, sem dúvida, um dos melhores estudos históricos que encontrei pela frente em minhas andanças.
Gostaria de conhecer tua opinião sobre um aspecto que levantei em meu blogue, qual seja a influência exercida pela situação política à época sobre a decisão da Coroa Britânica de criar a ordem maçónica.
O texto está em http://bibliot3ca.wordpress.com/a-maconaria-enquanto-controle-social/

Tenha um excelente dia.

Um abraço fraternal

Streetwarrior disse...

Sim, é uma bela Versão.
Mas e o que dizer desta explicação de simbolismo

http://www.slideshare.net/ExomatrixTV/astrotheology-symbolism-amp-subliminals-sun-worship-ancient-bloodlines

Gostava de perceber se a intrepretação deste simbolismo é correcta?

Obrigado
Nuno

Rui Bandeira disse...

@ Zé António:

Não concordo com a tese expressa no texto. Especula e tira conclusões sem que estejam alicerçadas em documentos historicamente relevantes. Na minha opinião, o máximo que se pode dizer é que é uma teoria não comprovada.

Um abraço.

@ Streetwarrior:

Nuno:

O link que indica mais não é do que mais uma das milhares alegadas "descobertas" e "divulgações" dos teóricos da conspiração, que, nos seus desvarios, não distinguem a diferença e a Estrada da Beira e a beira da estrada...

Sobre estas alegadas "descobertas", e a sua falta de consistência, escrevi já um texto, para que chamo a sua atenção:

http://a-partir-pedra.blogspot.com/search?q=te%C3%B3rico+da+conspira%C3%A7%C3%A3o

Leia-o e saberá a minha opinião sobre esta e todas as outras elocubrações do género.

Um abraço.

Nuno Raimundo disse...

Boas StreetWarrior...

O Rui já disse tudo. Partilho a mesma opinião.:)

Apesar de não ser totalmente contra as "teorias da conspiração", porque "obrigam" a um certo esclarecimento e estudo por parte dos teoricos bem como dos objetos das suas teorias, para além de quem as lê; a sua maioria não passa disso mesmo. Teorias que quem as cria, é sempre alguém que é externo às Ordens/Sociedades e assuntos sobre os quais teoriza. Logo, quase sempre cai em erro. :)

Abraços

Streetwarrior disse...

sim...eu sei que hoje em dia, tudo o que é visto de forma diferente da dita versão oficial, é conotado com teorias da conspiração.

Não sei onde está ali uma teoria da conspiração, até porque a unica coisa que o filme demonstra, é uma explicação de rituais e cultos que muitas vezes estão fora do ambito comum ou do conhecimento geral.
Não afirma que algo no casamento real,está errado...então como conspiratório?

Mas então faça-se a pergunta de outra forma.
Existe uma unica forma de se analisar a história?
A visão dita alternativa, levanta algumas questões que não podem ser analisadas?
Então como se fazem novas descobertas se não pusermos certas " teorias " em causa ?
Aponte-me então, uma asneira ou farsa naquilo que o autor menciona.

A maçonaria é Atonista ou pratica o culto antigo de Ahkenaten ou não?
Qual a realção entre a heraldia e alegorias das casas reais...de onde veio?
Porque razão muita da alegoria da maçonaria, seja em edificios seja em simbolismo, se apresenta muitas vezes como o " A " ou Alif.
É que é muita coincidencia.
porque razão não nos podemos nós questionar de onde provém a simbologia que hoje defilam á nossa frente...sim, ela p0ode ter sido usada por casas reais...mas de onde provém..qual o sentido? Dinastias...serão as 12 tribos de Judea?
Agora tudo o que for uma introspecção diferente, é teoria da conspiração...é que isso dá assim uma ideia de que não interessa muito falar disso...porquê, não sei?

Rui Bandeira disse...

@ Streetwarrior:

Nuno,

Respondendo *as questões que colocou em relação à Maçonaria (as outras saem do âmbito deste blogue e as minhas opiniões valem tanto como as suas, nem mais, nem menos):

1) A Maçonaria não é Atonista e não pratica o culto de Ahkenaton. Só esta afirmação, que faço com toda a ênfase, deita por terra a teoria do filme.
A Maçonaria provém das organizações de construtores medievais, as quais, na minha opinião (e é só issso, podendo, à falta de documentação histórica que o confirme ou infirme), preservavam, além do mais, um conjunto de ensinamentos sobre Geometria e de princípios comportamentais e de organização e convivência, herdados da Escola Filosófica Pitagórica, através de tradição oral que foi sendo adulterada e parcialmente perdida ao longo dos séculos.

2) Não é verdade - é, claramente, falso! - que " muita da alegoria da maçonaria, seja em edificios seja em simbolismo, se apresenta muitas vezes como o " A " ou Alif".

O "A" ou o Alif não são, pura e simplesmente, símbolos maçónicos. Ponto final - e tiro final no porta-aviões da tese do filme...

O´que existe é um símbolo comummente utilizado pelos maçons que graficamente é parecido: chama-se triângulo! Entre outras coisas, é utilizado como símbolo do Grande Arquiteto do Universo, a designação que os maçons dão à Divindade, segundo as convicções religiosas de cada um (assim evitando utilizar uma das várias designações que as diversas religiões utilizam). Mas, meu caro, nem nisso os maçons foram particularmente criativos: o triângulo como símbolo da Divindade é um símbolo desde muito antes de haver Maçonaria Especulativa utilizado pela religião cristã, em alusão à sua crença na Santíssima Trindade...

As especulações, as hipóteses, o arrepio dos "ensinamentos" escondidos são muito apelativos para algumas mentes e certsamente interessantes para apreciar ludicamente alguns filmes cinematográficos - mas tem um enorme problema: não corrspondem à realidade, à nua e crua realidade, normalmente (hélas!) bem meenos interessante do que essas apelativas teorias.

Pense nisto e, sobretudo, não poupe nunca na utilização do seu espírito crítico e do seu bom senso.

Streetwarrior disse...

Rui, muito obrigado pela sua resposta.

Truques & Trecos disse...

Aos organizadores, gostaríamos de externar nossos parabéns e também convidá-los e a seus leitores para visitarem nosso blog, onde escrevemos sobre nossa paixão comum (Maçonaria).
http://www.truqstrecos.blogspot.com