20 dezembro 2010

A (im)perfeição e as Old Charges (I)


No Livro das Constituições de Andersen, de 1723, aprovado por maçons ilustres como Desaguliers, Cowper e Payne - reputados e reconhecidos pela sua sabedoria maçónica - podem encontrar-se estas palavras: "The men made masons must be free-born, no bastard, and of mature age, and of good report, hale and sound, not deformed, or dismembered at the time of their making" (Os homens feitos maçons devem ter nascido livres, não bastardos, de idade madura, boa fama, saudáveis e sãos, não deformados ou amputados na altura da sua admissão). Isto levanta a questão: manter-se-á esta exigência nos dias de hoje? Não há melhor forma de entender uma lei do que descobrir e entender o propósito do legislador quando se deu ao trabalho de a elaborar.

Em Junho de 1718 - fazia a Grande Loja de Inglaterra um ano - o Grão-Mestre manifestou o desejo de que os Irmãos que tivessem acesso a registos e escritos antigos sobre Maçons e Maçonaria os trouxessem à Grande Loja, para que pudessem ser constatados os antigos usos e costumes da Maçonaria Operativa. Era importante, no contexto da altura, conferir à Ordem recém criada uma certa patine, alguma daquela aura de autoridade que só a idade proporciona. Foi assim que, nesse ano, apareceram diversas cópias de documentos referente à Maçonaria Operativa - as "Gothic Constitutions". Face a estas, e não as achando adequadas, o Grão-Mestre e a Grande Loja ordenaram ao Irmão James Andersen que as coligisse e elaborasse um novo e melhor Método.

James Anderson, em 1723, com a aprovação da sua Grande Loja, publicou o resultado do seu laborioso trabalho, no que se tornou uma das obras que mais influenciou a Maçonaria até aos nossos dias: o primeiro livro de "The Constitutions of the Free-Masons". Nele incluiu uma secção chamada "the Charges of a Free-Mason" - os chamados "Antigos Deveres" - extraída de registos de lojas "para além do mar", bem como de Inglaterra, Escócia e Irlanda, para uso pelas Lojas de Londres. Foi assim que James Anderson fez uso dos antigos manuscritos a que chamou "The Old Gothic Constitutions", e que citou e parafraseou extensivamente na sua obra. É por esta razão que, num livro destinado a Maçons Especulativos, encontramos regras que só fazem sentido quando aplicadas a Maçons Operativos.

Os "Antigos Deveres" são os documentos históricos que constituem as tais "Gothic Constitutions". De um total de 119 documentos, cerca de dois terços são anteriores à primeira Grande Loja de 1717 - talvez uns 75 - e uns 55 são anteriores a 1700. Quatro foram escritos por volta de 1600, um é datado de 1583, outro de cerca de 1400 ou 1410, e outro será de cerca de 1390.

Quase todos começam com uma invocação: "Que a vontade do Pai do Céu, com a sabedoria do seu Glorioso Filho, através da graça e bondade do Espírito Santo, que são três Pessoas num só Deus, estejam connosco no nosso início, e nos dêem a graça de que governemos a nossa vida aqui de modo que possamos chegar à Sua felicidade que não tem fim. Amen."

Pode ler-se então o anúncio do propósito e do conteúdo, seguido de uma breve descrição das Sete Artes Liberais ou Ciências, uma das quais é a Geometria. Seguia-se uma extensa História Tradicional da Geometria, Maçonaria e Arquitetura, que tomava mais de metade do texto, e que se iniciava nos tempos bíblicos de Noé, terminando no ano de 930, em que o Príncipe Edwin reuniu uma assembleia de maçons na cidade de York, e estabeleceu os regulamentos usados "desde esse dia até aos dias de hoje".

A seguir vinha a forma de se fazer um juramento: "Um dos anciãos segurava o Livro, de modo que ele ou eles pudessem colocar as mãos sobre o Livro, e então as regras eram lidas." a que se seguia o aviso: "Que cada maçon tome nota destes juramentos, pois se alguma vez se vir culpado de ter violado um, que possa reconciliar-se com Deus. E especialmente tu que vais prestar juramento, toma atenção ao cumprimento destes juramentos, pois é um grande perigo para um homem quebrar um juramento feito sobre um Livro".

Seguia-se a lista das regras a cumprir, algumas de cariz comercial, outras de índole comportamental. Sem dúvida que eram essenciais a uma comunidade de artesãos que trabalhavam em grande proximidade vinte e quatro horas por dia. Por fim, vinha o juramento: "Estas ordens que ensaiámos, e outras que pertençam à Maçonaria, iremos guardar, assim Deus nos ajude, e por este Livro e para o seu poder. Amen."

Paulo M.

10 comentários:

Candido disse...

Meu caro Paulo
Mt obrigado por esta "reportagem" a um acontecimento historico.
Certamente que o espírito do legislador na execução de uma lei atendeu á sua realidade. Para o seu entendimento, deve ter enquadramento historico!
O entendimento que EU faço de um saudavel e amputado, não será bem se falta um dedo ou um pé a um candidato, por ex. Mas se não está amputado de todas as capacidades para aprender! Hoje, é mais "amputado" o analfabeto do que um coxo, para não falar do deficiente mental.
Limitado é o cego e o surdo mudo por não poderem seguir integralmente os ritos.

Paulo M. disse...

@Candido: Já percebi a sua ideia, e daí a razão desta série de textos de que este é só o primeiro (reparou no "(I)" no título?). Agora que estou de férias duas semanitas talvez consiga redimir-me de ter deixado em falta um texto há um par de semanas atrás...

Um abraço,
Paulo M.

Anónimo disse...

Super interessante toda essa Historia contida nesse post. Gostaria de saber quais sao as outras 6 artes, mas acredito que eu possa encontrar no Google. Caso contrario voltarei aqui para perguntar.
Ah, eu tb estou de férias, 20 dias!
E posso ler mais e me comunicar mais. Quero contar a voces que a escritora Sonia Sales que escreveu o livro sobre Joaquim Nabuoo e sobre a importancia da Maçonaria no abolição da escravatura no Brasil, ganhou um diploma da Maçonaria do Rio de Janeiro e um troféu. Ela me mostrou toda feliz e honrada. Alguma coisa dedicada a mulher "Maçonica" , nao me lembro para ser sincera se era examente assim a palavra. E dizia alguma coisa sobre o Oriente. Uma homenagem muito bonita.
Um abraço da Camille

Nuno Raimundo disse...

Boas...
Já tive o prazer de ler as "Old Charges" e as "Constituições de Andersen" e achei interessante a parte da Historia.
Apesar de não ser muito fidedigna, hoje em dia está provado que é um pouco fantasiosa, na e´poca em questão era realmente o que as pessoas pensavam que fosse.
De facto é um livro interessante para se ler, inclusivé para não maçons.
Aconselho a quem tenha algum interesse pela Ordem.

abr...prof...

Paulo M. disse...

@Camille: na Wikipedia pode encontrar um artigo sobre as sete Artes Liberais.

Um abraço,
Paulo M.

Jocelino Neto disse...

Como também aqui:

http://www.rlmad.net/index.php?option=com_content&task=view&id=504

Abraços Fraternos!

Unknown disse...

Oi gostaria de saber! Então maçonaria não é ligada ao satanismo ou macumba? Vcs adoram ídolos? Queria entender um pouco mais sobre maçonaria

Rui Bandeira disse...

@ Danilo Machado:

Não, não e não. Estão respondidas as suas três perguntas.
Para entender mais sobre maçonaria, sugiro que leia os mais de 1.000 textos deste blogue. Aqui explica-se tudo...

Anónimo disse...

Aquela data de 1973 deve estar enganada. Acredito que o correto seria 1723, é ele levou cinco anos para reunir o material, estudar e produzir o novo texto. Correto?

Rui Bandeira disse...

Foi corrigida a data para o correto 1723. Obrigado pelo reparo.