07 fevereiro 2008

Porque se vai à Loja


A pergunta sobre as razões porque os maçons vão à Loja, gastando tempo que, não fora essa utilização, dedicariam à sua família, ao lazer ou a outras actividades a que se dediquem, tem tantas respostas quantos os maçons. Em boa verdade, cada um tem as suas razões para ir à Loja.

Uns vão em busca do conhecimento, dos ensinamentos que a Maçonaria proporciona.

Outros buscam o convívio, rever os seus Irmãos, com eles estar e partilhar um ágape, em amena cavaqueira.

Outros ainda procuram na Loja a estrutura que corresponde aos seus anseios de serem úteis à Sociedade e aos seus semelhantes, utilizando a Loja como meio de enquadramento da sua vontade de devolver à Sociedade um pouco do que esta lhes proporciona.

Também há os que vão à Loja simplesmente cumprir o seu dever de maçons, assegurar o cumprimento das obrigações que assumiram, efectuar as tarefas cuja execução assumiram.

Há também aqueles que, na Loja, no seu espaço, nos seus símbolos, no seu ritual, encontram espaços e tempos de comunhão com o Divino, com o Transcendente.

E existem também aqueles que anseiam por uns momentos de simples e pacata Paz, que procuram a companhia de seus Irmãos e a sua estada no espaço do Templo com confiança, encontrando um oásis de segurança e comunhão, que os compensam das agruras, dos desafios, da tensão da sua vida do dia a dia.

E outros buscarão coisas e estados e espaços diferentes.

O que a Loja tem afinal, de extraordinário é uma infinita capacidade de proporcionar a cada um o porto de abrigo, o espaço de segurança, o caminho de busca, o tempo de convívio, a estrutura de actividade ou contemplação ou investigação ou busca que cada um necessita.

O que, no fundo, a Loja é, é um espaço de suprema Liberdade e Tolerância, em que cada um pode realizar-se e deixar os outros realizar-se, cada um à sua maneira e segundo as suas características e necessidades. É um espaço de cooperação, em que cada um contribui para a realização e melhoria dos outros, beneficiando ele próprio do contributo dos demais. É um ponto de encontro, simultaneamente ponto de partida e encruzilhada de variegados interesses individuais, que constituem um rico interesse colectivo. É a bissectriz do individual e do colectivo, de tal forma equilibrada que permite que ambos cresçam e cooperem e mutuamente se alimentem. É, em suma, a Utopia possível, a concretização do inconcretizável, equilíbrio instavelmente estável de múltiplos interesses e egoísmos, numa matriz que a todos enquadra satisfatoriamente. É um delicado bordado de mil linhas e infinitas cores, executado por inúmeras mãos, extraordinariamente resultando numa harmoniosa composição. É tudo isto e ainda mais o que cada um quiser, desde que respeite os interesses e anseios dos demais e do conjunto por todos constituído.

Esta singular plasticidade da Loja faz dela um duradouro cimento que une homens de diferentes temperamentos, de diversas gerações, de divergentes culturas, de separadas religiões, de conflituantes convicções, gerando laços de solidariedade e confiança que imutavelmente duram há centenas de anos.

É por isso que sempre se marca bem, sempre da mesma forma, sempre com o mesmo ritual, a abertura dos trabalhos, delimitando invisível mas sensivelmente o espaço e o tempo e a cumplicidade da Loja e dos seus elementos em relação a tudo e a todos que lhes é exterior. É por isso que, findos os trabalhos, de novo, sempre e da mesma forma, se executa um ritual de encerramento, que marca o fechar e preservar desse espaço e tempo e cumplicidade próprios e exclusivos, preparando cada um para voltar a actuar no mundo exterior, só que mais forte, mais sabedor, mais capaz de ver beleza onde o olhar comum nada de especial vê.

A Loja é um espaço onde cada um dá o que pode e vai buscar o que necessita.

É por isso que cada um sabe porque vai à Loja e, afinal, existem tantas razões para um maçon ir à Loja como maçons existem à face da Terra.

Rui Bandeira

06 fevereiro 2008

Loja Luz do Oriente (Macau)

A Loja Luz do Oriente (Macau) é uma estrutura maçónica sediada naquele território outrora sob administração portuguesa, que trabalha sob os auspícios da Grande Loja Legal de Portugal/GLRP. Trabalha no Rito Escocês Antigo e Aceite. Originada no Triângulo Luz do Oriente, criado pelo Decreto n.º 99 do Muito respeitável Grão-Mestre da GLLP/GLRP, reúne como "Loja Justa" (mas ainda não Perfeita) desde 6 de Junho de 2007. As suas reuniões têm lugar em Macau, no terceiro sábado de cada mês. Tanto quanto sei, o seu funcionamento ainda se baseará na autorização de funcionamento como Triângulo que o Muito Respeitável Grão-Mestre da GLLP/GLRP concedeu pelo mencionado Decreto, porquanto o seu processo de instalação não está concluído. Não dei conta ainda da publicação do Decreto de Constituição da Loja e atribuição do respectivo número e, naturalmente, a respectiva carta-patente estará por emitir, faltando ainda realizar a devida Cerimónia de Consagração.

Um Triângulo funciona com um mínimo de três elementos e busca, precisamente, criar as condições para a criação de uma Loja. A partir da altura em que um Triângulo adquire a dimensão necessária para se transformar em Loja, pode-se iniciar o respectivo processo de Constituição e Consagração como tal. Desde meados de 2007 que o número de maçons agrupados no Triângulo Luz do Oriente será suficiente para ocorrer a sua transformação em Loja. Daí a menção de que estará, desde essa altura, a funcionar como "Loja Justa" (mas ainda não Perfeita). Em bom rigor, a designação como "Loja" ainda não será adequada, pois ainda se trata de uma "Loja em constituição", mas compreende-se o anseio e a motivação...

Como sei eu tudo isto? Através do blogue Loja Luz do Oriente (Macau) e do primeiro texto nele inserido, em 17 de Janeiro último! O blogue é escrito em inglês. Em português, só encontrei o segundo texto do blogue, que dá algumas referências sobre o Muito Respeitável Grão-Mestre. Mas o título do texto está em inglês (The Grand Master of Our Lodge)...

É um blogue que, estando ainda no seu início - menos de um mês de existência - apresenta uma assinalável frequência de textos, treze entre 17 e 31 de Janeiro - o A Partir Pedra publicou quinze textos no mesmo período. E, até segunda-feira última, três em Fevereiro, tantos quantos os textos publicados em igual período no A Partir Pedra. Uma frequência de publicação, similar à deste blogue, que se espera continue no mesmo ritmo.

É para nós uma satisfação muito grande darmos conta do aparecimento de mais um blogue ligado a uma Loja (por enquanto ainda formalmente um Triângulo) da GLLP/GLRP. Neste caso, em dois pontos quase opostos do globo, em duas línguas diferentes, duas estruturas trabalham sob os auspícios da GLLP/GLRP, no mesmo rito e ambas procurando que o seu trabalho resulte na Glória do Grande Arquitecto do Universo.

O blogue, no espaço dedicado aos atalhos, sob a designação de Lodge Affonso Domingues, disponibiliza um atalho para o A Partir Pedra. Bom, em bom rigor, no momento em que escrevo, o atalho aponta para o arquivo de Março de 2007 do A Partir Pedra, mas certamente que oportunamente será corrigido o endereço, de forma a apontar para a página de entrada do nosso blogue...

Os textos publicados são interessantes e informativos. Vale a pena passar a diariamente consultar este blogue, que, a partir de agora, vai passar a constar da nossa lista de atalhos.

Rui Bandeira

03 fevereiro 2008

TIPOS DE MAÇOM

Continuando a aproveitar o descanso do "guerreiro" e o tempo disponivel do fim de semana, cá estou mascarado de trabalhador.
Um dos anteriores VM da Mestre Affonso Domingues enviou-me uma lista de definições de Maçon, anotando que em alguma dessas definições deveria estar incluido.
Claro que o nosso querido LRD está incluido numa delas, e para castigo dele mas alegria nossa, incluo-o na última !

A mensagem que Ele me enviou é a que segue:


Como em todas as Organizações, podemos afirmar que também na Maçonaria não somos todos iguais. Existem, informalmente, diversos tipos de maçons que se caracterizam pelos seus comportamentos. De conformidade com as suas maneiras de se comportarem em relação à Instituição, vários tipos de Maçom vamos evidenciar.

SUPERMAÇOM - Este é o que conhecemos, geralmente, como um figurão . Como sempre, amável e educado. Na vida profana ocupa posições de relevo; talvez por isso não tenha tempo nem se sinta obrigado a frequentar os nossos trabalhos. A Tesouraria quase sempre está em dificuldades com ele; entretanto, sempre tem os seus defensores devido à posição de destaque que ocupa no mundo profano.

MAÇOM SATÉLITE - Também não é amigo da frequência, mas é prestimoso, amável, contribui sempre e generosamente quando solicitado. Não emite opiniões, não vive a vida da Loja, não procura criar casos. Embora prime pela ausência, os Responsaveis nunca estão dispostas a enquadrá-lo porque no fim das contas é um bom sujeito, sempre disposto a colaborar, sempre pronto a ajudar um Irmão.

MAÇOM ENCOSTO - Também conhecido como irmão coitado, é carinhoso, chegado, gosta de se fazer de vítima, para ter apoio ou conseguir favores, que às vezes nem necessitaria realmente, aluga a Loja, mas na hora em que se precisa do retorno, ainda não retornou.

MAÇOM 'NÃO SEI PORQUE' - 'Não sei porque ele ainda é maçom; nem você, e talvez nem ele saiba'. Não comparece; não colabora; dá trabalho ao Tesoureiro; critica o que se faz e o que deixou de ser feito; ninguém sabe por que ele entrou e como conseguiu galgar os diversos graus; porque ali permanece e porque demoram em eliminá-lo.

MAÇOM 'PASTOR' - É aquele que se acha a última reencarnação Crística, quando começa a falar não pára mais, deveria fundar uma seita e não pertencer a Maçonaria; não aceita contradições, 'conhece tudo', 'sabe tudo' ou já 'viveu isso', quer que os irmãos pensem que existem duas maçonarias, antes e depois de sua iniciação, fala pelos cotovelos e não diz nada, poderia ser chamado de Maçom Enche Saco!

MAÇOM DA SEGUNDA-FEIRA - Também poderia ser chamado de Maçom Standart. Comparece pontualmente a todas as reuniões. Maçonaria para ele se resume nisso: fica no seu lugar, não quer encargos, comissões, enfim não quer trabalhar. Não apresenta propostas; não entra em debates, discussões; nunca apresenta trabalho de cunho maçónico. Participa das votações porque é obrigado. O único serviço que presta à Loja é ser pontual com a tesouraria e dar boa referência às reuniões.

MAÇOM CIFRÃO - Também conhecido como Maçom Comercial, é aquele que está na Maçonaria apenas para vender o seu peixe, os irmãos não passam de clientes, comparece pontualmente a tesouraria para mostrar que está bem, não conhece nada de maçonaria, não lê nada, não faz nada que não venha a render alguma medalha cunhada.

MAÇOM BUFÃO - É aquele que não leva ninguém a sério, muito menos a Maçonaria, é alegre, de conhecimento profundo, só piadas, seria um excelente irmão se vivessemos apenas de ágapes.

MAÇOM COMUM - É aquele Maçom que comparece, ajuda, estuda, realiza na vida profana e familiar, esta sempre a disposição quando solicitado, não se envolve em confusões, nem as cria, é o verdadeiro obreiro, um óptimo espelho para os outros.

MAÇOM DONO DA BOLA - Geralmente ex-veneráveis forçados, não conseguem deixar o cargo e não largam o pé do actual Venerável Mestre, e quando possível fazem questão de dizer que na sua gestão era assim ou assado. Melhores que eles para dirigirem a Loja, ninguém. Acham-se donos da Loja, não admitem que se faça nada sem sua autorização ou consulta, e se isso acontecer, ficam contra o projecto. Irmãos de verdade para eles, somente aqueles que os apoiam.

MAÇOM DEDICADO - Finalmente o Maçom com 'M' maiúsculo, sem subtítulos. Comparece às reuniões, vive os problemas da Loja, procura trabalho. Não rejeita encargos nem tarefas, aponta erros, aplaude êxitos. Assume responsabilidades sem segundas intenções. Não procura impor as suas opiniões. Muitas vezes se aborrece, se desilude, mas, na próxima sessão, lá está de novo incansável. É o 'que carrega a Loja às costas'. Procura estudar os rituais, o simbolismo, a filosofia maçónica. Não vive a exaltar os seus feitos para chamar atenção, nem a criticar os outros. O que seria da Loja e da Maçonaria se não existisse esta consciência?
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Como se constata não há diferenças entre os possíveis tipos de Maçon e os de profano.
E porque deveria haver ?
A massa é a mesma, portanto a Maçonaria só pode refletir o mundo exterior, desejavelmente para muito melhor. O que lamentamos profundamente é que o "mundo exterior" não reflicta a Maçonaria.
A Humanidade seria mais justa e feliz.
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JPSetúbal

02 fevereiro 2008

Virtual... Mas Dolorosamente Real!

Já tive este texto há algum tempo comigo, entretanto perdi-o e hoje entrou-me, de novo, caixa do correio dentro.
É Sábado de Carnaval e o assunto é muito pouco adequado à quadra.

Será ?

Como durante o fim de semana o Rui faz merecida gazeta, resolvi publicar, mesmo correndo o risco de nada haver de novidade.
Não sei quem é o autor

Entrei apressado e com muita fome num restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, porque queria aproveitar os poucos minutos de que dispunha naquele dia, para comer e acertar alguns bugs de programação num sistema que estava a desenvolver. E também planear a minha viagem de férias, coisa que já há muito tempo não sei o que é.Pedi um filete de salmão com alcaparras em manteiga, uma salada e um sumo de laranja. Abri o meu portátil e apanhei um pequeno susto com aquela voz baixinha atrás de mim:— Senhor, não tem umas moedinhas?— Não, não tenho, menino.— Só uma moedinha para comprar um pão.— Está bem, eu compro um.Para variar, a minha caixa de entrada está cheia de e-mails. Fico distraído a ver poesias, as formatações lindas, rindo com as piadas malucas. Ah!... Esta música leva-me até Londres e às boas lembranças de tempos áureos. — Senhor, peça para colocar fiambre e queijo.Percebo, nesse momento, que o menino tinha ficado ali.— OK. Vou pedir, mas depois deixas-me trabalhar, estou muito ocupado, está bem?Chega a minha refeição e, com ela, o meu mal-estar. Faço o pedido do menino, e o empregado pergunta-me se quero que mande o menino ir embora. O peso na consciência, impede-me de lhe dizer que sim. Digo que está tudo bem. Deixe-o ficar. Que traga o pão e, mais uma refeição decente para ele. Então sentou-se à minha frente e perguntou:— Senhor o que está fazer?— Estou a ler uns e-mails.— O que são e-mails?— São mensagens electrónicas mandadas por pessoas via Internet — sabia que ele não ia entender nada, mas, a título de livrar-me de questionários desses… — É como se fosse uma carta, só que via Internet. — Senhor você tem Internet?— Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.— O que é Internet?— É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem de tudo no mundo virtual. — E o que é virtual?Resolvo dar uma explicação simplificada, sabendo com certeza que ele pouco vai entender e deixar-me-ia almoçar, sem culpas.— Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos tocar, apanhar, pegar... É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos as nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse. — Que bom, isso. Gostei!— Menino, entendeste o significado da palavra virtual ?— Sim, também vivo neste mundo virtual.— Tens computador?! — Exclamei.— Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira... Virtual. A minha mãe fica todo dia fora, chega muito tarde e quase não a vejo. Eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e dou-lhe água para ele pensar que é sopa. A minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo; mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo. O meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, com muita comida e muitos brinquedos de Natal e eu a estudar na escola para vir a ser um médico um dia. Isto é virtual não é senhor?! Fechei o portátil, não conseguindo impedir que as lágrimas caíssem sobre o teclado.Esperei que o menino acabasse de literalmente "devorar" o prato dele, paguei, e dei-lhe o troco. Retribuiu-me com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um "Brigado senhor, você é muito simpático!". Ali, naquele instante, tive a maior prova da virtualidade insensata em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade e fazemos de conta que não percebemos !
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JPSetúbal
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PS (de "post scriptum") - O nosso incansável e atentíssimo visitante "Simple" deixou-me um comentário com o "chá"...
Meu Caro, agradeço vivamente a ajuda porque obviamente este texto merece um autor. E neste caso uma autora, ROSA PENA. Ainda bem. Obrigado. Um abraço.

01 fevereiro 2008

A janela


Hoje, e antes de uma pausa, motivada por ausência minha até quarta-feira, publico mais uma história, de autor desconhecido, que me chegou por correio electrónico, por mim editada e adaptada

Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de hospital. Um deles podia sentar-se na sua cama durante uma hora, todas as tardes, para que os fluidos circulassem nos seus pulmões. A sua cama estava junto da única janela do quarto. O outro homem tinha de ficar sempre deitado de costas.

Os homens conversavam horas a fio. Falavam das suas mulheres, das famílias, das suas casas, dos seus empregos, onde tinham passado as férias. E todas as tardes, quando o homem da cama perto da janela se sentava, passava o tempo a descrever ao seu companheiro de quarto todas as coisas que conseguia ver do lado de fora da janela.

O homem da cama do lado começou a viver à espera desses períodos de uma hora, em que o seu mundo era alargado e animado por toda a actividade e cor do mundo do lado de fora da janela.

O homem da cama perto da janela descrevia que esta dava para um parque com um lindo lago. Patos e cisnes chapinhavam na água enquanto as crianças brincavam com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam de braço dado por entre as flores de todas as cores do arco-íris. Árvores velhas e enormes acariciavam a paisagem e uma ténue vista da silhueta da cidade podia ser vislumbrada no horizonte. Enquanto o homem da cama perto da janela descrevia isto tudo com
extraordinário pormenor, o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava as pitorescas cenas.

Um dia, o homem perto da janela descreveu um desfile que ia a passar. Embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda, conseguia vê-la e ouvi-la na sua mente, enquanto o outro senhor a retratava através de palavras bastante descritivas.

Dias e semanas passaram. Uma manhã , quando a enfermeira chegou ao quarto, encontrou o corpo sem vida do homem perto da janela, que tinha falecido calmamente enquanto dormia.

Logo que lhe pareceu apropriado, o outro homem perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela. A enfermeira disse logo que sim e fez a troca. Lentamente, e cheio de dores, o homem ergueu-se, apoiado no cotovelo, para contemplar o mundo lá fora. Fez um grande esforço e lentamente olhou para o lado de fora da janela que dava, afinal, para uma parede de tijolo!

O homem perguntou à enfermeira o que teria feito com que o seu falecido companheiro de quarto lhe tivesse descrito coisas tão maravilhosas do lado de fora da janela. A enfermeira respondeu que o homem era cego e nem sequer conseguia ver a parede. Talvez quisesse apenas dar-lhe coragem...

Moral da história: há uma felicidade tremenda em fazer os outros felizes, apesar dos nossos próprios problemas. A dor partilhada é metade da tristeza, mas a felicidade, quando partilhada, é dobrada.

Façam o favor de ser felizes... e ajudem à felicidade de quem os rodeia!

Rui Bandeira

31 janeiro 2008

O Lançamento de "As Pedras do Vau"


Ocorreu ontem a sessão de lançamento do livro de poesia As Pedras do Vau, da autoria de Martin Guia, o actual Grão-Mestre da GLLP/GLRP.

A Sala de Ambito Cultural do El Corte Inglés foi demasiado pequena para acomodar as centenas de interessados que compareceram. No decorrer da sessão, vários dos poemas do livro foram ditos por Carmen Filomena, daniel Ribeiro, Ellys Almeida, Eunice Santos, Francisco Queiroz, Hermínia Tojal, José Fanha e Mário Máximo, as vozes que declamam todos os poemas do livro, disponíveis em 2 CD's que acompanham o volume. As Pedras do Vau podem, ser lidas ou ouvidas, ou ainda simultaneamente lidas e ouvidas. A qualidade das declamações muito valoriza os textos.

Como eu previa, Martin Guia deve hoje estar em trabalhos de recuperação dos músculos do braço e mão direitos, tantos foram os autógrafos que teve ontem de conceder.

Os poemas do livro espelham a sensibilidade e afectuosidade do poeta, mas também o seu sentido de humor e a sua ironia e ainda a força da sua indignação. Vale bem a pena ler - e ouvir - este livro!

Solicitei, e obtive, de Martin Guia autorização para aqui publicar um dos poemas. Pedi-lhe que escolhesse qual. Escolheu um forte poema com palavras de amarga e desiludida indignação. Hesitou. Temeu que seja demasiado forte. Deu-me a liberdade de escolher eu. Abuso! Vou publicar aqui, não um, mas dois poemas. Primeiro, um escolhido por mim, ilustrativo da ironia do poeta. Depois, o forte poema que ele escolheu.

Apreciem:

Ajoelham, rezam

Ajoelham, rezam
e dizem que tudo dão
para irem parar ao Céu...

mas se lhes dissermos
que quase já lá estão,

gritam Ai Jesus

e fogem dele

como o Diabo da Cruz!

E agora este:

Atocha

El Pozo, Santa Eugenia, ATOCHA, Téllez
Madrid dois mil e quatro, Março onze,
a las siete y media de la mañana...,

Tantos, tantos mortos!

Paseo de Gracias,
Barcelona, dois mil e quatro, Março doze,
a las siete de la tarde

concentração..., comigo somos
quinhentos mil mais um milhão...

... ouvindo:

silencio por favor...
esta es una manifestación unitaria
por favor, silencio... silencio por favor!

Quanto mais silêncio se rogava
mais o Povo gritava:

asesinos, asesinos, asesinos,
asesinos, asesinos, asesinos...

e porque de assassinos se tratava
nesse estrondoso silêncio
mais o Povo gritava:

hijos de puta, hijos de puta,
hijos de puta, hijos de puta...

porque de filhos de puta se tratava!

Também alguns tímidos (para alguns ex-temidos):

el povo unido jamas sera vencido,
el povo unido jamas sera vencido.

A eterna pretensão do eterno vencido!

No al terrorismo, no al terrorismo,
paz si, guerra no, paz si, guerra no,
No al terrorismo, no al terrorismo,
paz si, guerra no, paz si, guerra no,

como se
no abismo deste mundo de massa divisível
a paz total fosse possível...

Novos, velhos, ricos, pobres,
políticos, padres, freiras,
guardas civis, estadistas,
paralíticos, juristas, rameiras,
licenciados, jubilados,
bem fadados, mal fadados...

... todos...

mãos abertas a acenar, braços levantados,
... tais pombas de paz...

num estertor de revolta
a chorar um isto não se faz,

seus filhos da puta... isto não se faz!

Todos unidos, mas já todos desunidos,

na triste graça
de só na desgraça nos aliarmos...
...enquanto dela nos lembrarmos!

E é por estas e por outras que temos na Terra

a merda da guerra,

a puta da luta

e os filhos da puta dos filhos da puta!

Lido, este poema impressiona. Soberbamente dito por José Fanha, num dos CD's, ressuma de força!

O livro e os dois CD's foram editados pela editora Diário de Bordo. Pode ser adquirido na secção de livraria do El Corte Inglés e nas boas livrarias. Vale a pena! Esta amostra é elucidativa!

Rui Bandeira

30 janeiro 2008

Como se faz em Loja

Na minha opinião, o traço distintivo da Maçonaria, o que lhe confere uma identidade única enquanto fraternidade, é a forma como se processa a interacção entre os seus membros e como decorrem as reuniões de Loja.

Já no texto O que se faz em Loja dei conta que todas as reuniões se iniciam com a execução de um ritual de abertura. Tal marca a fronteira, a passagem do bulício da vida quotidiana para a concentração dos trabalhos em Loja. Todos e cada um dos obreiros, com a sua participação no ritual, interiorizam que se vai passar a estar num ambiente diferente, que, por um lado, impõe o cumprimento de regras específicas e, por outro, permite uma postura menos defensiva por todos.

Concentração, colaboração, tolerância, respeito pelo outro e opiniões alheias, ordem, são posturas tão indispensáveis, tão presentes, que rapidamente por todos são interiorizadas e praticadas. Esta postura não prejudica a afirmação das opiniões de cada um nem a expressão de eventuais discordâncias. Nem sequer anula a possível existência de conflitos. Mas permite que cada um expresse em paz e sossego as suas opiniões, dê o seu contributo, concorde ou discorde. Permite que os conflitos se resolvam ou sejam tratados com elevação. Permite e propicia que se discutam ideias, opiniões, não pessoas e características pessoais. Permite que o que cada um afirma seja analisado, discutido, julgado, pelo seu valor, pela sua pertinência, não por ter sido dito por quem o disse, por se gostar ou não gostar de quem o disse. E permite discordar, veementemente se necessário, do que outrem afirmou, sem que tal discordância, veemente embora, seja tomada como ataque pessoal.

Em Loja, a comunicação entre obreiros segue regras simples, rígidas, claras e precisas. Rapidamente aquele que acabou de chegar ao grupo as identifica. E o estrito cumprimento dessas regras conduz à redução de atritos, à boa ordem dos trabalhos, à eficácia, à colaboração. Permite que das ideias de cada um se aproveite o melhor e que a deliberação global seja, portanto, melhor, mais esclarecida, mais aceite, do que as ideias individualmente expressas. Propicia consensos. E, quando estes não são possíveis, permite que todos entendam porque se optou pela solução escolhida, em função de que argumentos se decide o que se decide.

Essas regras não são muitas, são até talvez intuitivas, mas a sua prossecução facilita em muito o processo de discussão e de tomada de decisão, gera a confiança mútua e, por via desta, cria laços de cumplicidade e solidariedade incomuns. Seguir estas regras não deveria ser exclusivo da Maçonaria, porventura não o será. Mas não as vejo comummente seguidas em mais nenhum lado. E eu gostaria, todos os maçons gostariam, que fossem naturalmente prosseguidas em tantos lados, em tantas organizações, quanto possível. Seguramente que a nossa Sociedade melhoraria um pouco...

A primeira das regras é que, salvo movimentações especificamente determinadas pelo ritual, uma vez que cada um tomou o seu lugar, ninguém se movimenta pela sala sem para tal estar autorizado pelo Venerável Mestre e sem ser acompanhado, melhor dito, conduzido por um Oficial da Loja que assume essa como uma das suas missões específicas - o Mestre de Cerimónias. Assim, não há ajuntamentos, não se criam grupos em função de posições em discussão. Cada um tem o seu lugar e permanece no seu lugar. Por si só, esta simples regra induz uma noção de ordem, de sossego, de calma, que obviamente muito ajuda à eficácia dos trabalhos e à prevenção de conflitos.

A segunda das regras é que cada um só intervém apenas e só quando a palavra lhe é concedida. Não se interrompe ninguém! O único elemento que pode interromper qualquer obreiro que esteja no uso da palavra (até o Venerável Mestre!) é o Orador, oficial da Loja cuja função é zelar pela regularidade dos trabalhos, pela preservação do ritual, pelo cumprimento das regras. Só ele pode interromper, assinalando uma falha, uma falta ou um desvio. E a sua intervenção não tem discussão. É acatada e nada mais! Se o não for, ao faltoso é, pura e simplesmente, retirada a palavra! Quando um obreiro pretende usar da palavra, assinala essa intenção com um específico gesto do braço. O Vigilante da coluna respectiva, quando o obreiro que estiver no uso da palavra tiver terminado, informará que existem na sua coluna obreiros que pretendem usar da palavra e esta ser-lhes-á concedida, por ordem de solicitação, sempre mediante prévia anuência do Venerável Mestre. Com o cumprimento desta regra, não há atropelos, não há interrupções, cada um pode, livre e calmamente, exprimir o seu pensamento. Poderá a outro obreiro parecer que quem usa a palavra está a dizer o maior disparate do Mundo. Mas tal não legitima que ele seja interrompido, que não possa expor até ao fim a sua ideia. Depois, poderá quem discorda manifestar-se e justificar porque considera a ideia exposta o maior disparate do Mundo...

A terceira regra é que cada obreiro se dirige ao Venerável Mestre e, através deste, à assembleia, nunca a um outro obreiro em particular. Não há discussões privadas, não há duelos individuais. Há apenas e tão só a exposição e defesa de ideias perante todos. É impressionante como o cumprimento desta regra agiliza a discussão séria de qualquer assunto!

A quarta regra é que se discutem ideias, não pessoas. O obreiro com que eu mais antipatizo pode ter a mais brilhante das ideias. O obreiro que me é mais próximo pode ter uma ideia péssima. Concordar com a primeira não me obriga, por si só, a passar a simpatizar com o seu autor. E discordar de uma ideia só porque não gosto do seu autor, é pura e simplesmente estúpido! E uma relação de especial amizade com alguém não me obriga a concordar com uma sua ideia que seja errada e não me desobriga de assinalar o erro. Pensar, debater e agir racionalmente, esse o objectivo.

A quinta regra é que, em relação a cada assunto, cada obreiro intervém apenas uma vez. Excepcionalmente, se a complexidade do assunto ou o rumo do debate o aconselhar, o Venerável Mestre pode autorizar uma segunda ronda de intervenções. Mas chega e é só. Consegue-se assim debater um tema e chegar a uma conclusão num tempo razoável. Cada um expõe as suas ideias, estão expostas. Só raramente surgirá a necessidade de quem já falou clarificar, aprofundar, o seu pensamento (ou,em função do debate, expressar a modificação da sua posição). Não é útil o repisar de posições, a insistência no que já se disse. Todos ouviram à primeira...

A sexta regra é conhecida: não se discute em Loja política ou religião. Mesmo com toda a tolerância, com todos os cuidados, é melhor prevenir que remediar... E, afinal, a religião de cada um é com cada qual e cada um tem direito a ter as suas opções políticas sem que ninguém tenha nada com isso...

O simples cumprimento destas intuitivas regras (porque será que é tão raro que assim se veja?) permite chegar, em prazos razoáveis, às melhores soluções ou conclusões possíveis, sem ferir pessoas ou os seus sentimentos, propiciando consensos.

E destas discussões efectivamente nasce a luz! E assim, com os sérios contributos de todos, se reforçam os laços de amizade e de fraternidade. E assim cada vez é mais fácil discutir, sem traumas, sem desconfianças, temas cada vez mais sensíveis ou complexos. E assim obtemos os nossos consensos com alegria e assentamos nas nossas discordâncias sem azedume. Porque, sempre!, cada um de nós, acima de tudo, respeita as opiniões alheias e vê as próprias respeitadas, tolera os erros ou as diferenças alheias, como vê os seus próprios erros e idiossincrasias tolerados.

Como se faz em Loja? Com ordem, com regras, com respeito, com tolerância. Em suma, com Harmonia!

Rui Bandeira