A Guerra Civil Inglesa (ou porque não se discute política ou religião em Loja)
Entre 1500 e 1800 diferentes reis e rainhas de Inglaterra perseguiram, prenderam, mataram ou simplesmente incomodaram católicos, anglicanos, metodistas, puritanos, luteranos, presbiterianos, calvinistas, quakers, e virtualmente qualquer outra variação da Cristandade. A convicção pessoal e a fé de cada monarca tinha graves consequências, muitas vezes fatais, nos seus desafortunados súbditos que não oravam perante o mesmo altar.
A Guerra Civil Inglesa, iniciada em 1642 entre Monárquicos, partidários do rei Carlos I de Inglaterra e Parlamentaristas, liderados por Oliver Cromwell foi, na sua essência, uma luta entre a Igreja estabelecida, apoiada pela nobreza (que pretendia ver o seu poder perpetuado) e protestantes puritanos radicais, oriundos de uma classe média emergente, desejosos de se governar a si mesmos. A guerra só terminaria sete anos depois, com a condenação de Carlos I à morte e a tomada do poder por Cromwell e pelos puritanos. Não obstante Carlos I ter sido mal amado pelo seu povo e não ter propriamente deixado saudades, bastou menos de uma década de um estilo tirânico e sangrento de governação com Cromwell à cabeça para que os ingleses quisessem a sua monarquia de volta. Carlos II foi coroado em 1661 e, ao contrário do seu pai, era um homem bem mais interessado na ciência e na razão do que na perseguição religiosa. Abriu, assim, as portas para uma nova era, uma era que iria acolher favoravelmente os novos princípios da Maçonaria Especulativa.
Um dos piores aspetos desta guerra foi ser um conflito de irmão contra irmão, vizinho contra vizinho, amigo contra amigo. Esta terrível circunstância afetaria o futuro e a filosofia da Maçonaria até aos nossos dias. Foi assim que, em 1717, quando a primeira Grande Loja foi formada em Londres, foram estabelecidas regras pouco usuais. Em primeiro lugar, proibiu-se a discussão de religião: as reuniões não seriam interrompidas por argumentos entre católicos, anglicanos, puritanos e protestantes. Enquanto os membros acreditassem em Deus, a sua fé não seria questionada. Em segundo lugar, as batalhas políticas entre monárquicos e parlamentaristas - que tinham dado origem à guerra civil - não seriam toleradas: os maçons estavam determinados a sobreviver às questões que haviam devassado o seu país, e a impedir que quem quer que fosse os pudesse acusar de heresia ou de traição. Em seu lugar, as Lojas insistiam no estabelecimento de laços fraternais entre os seus membros. Ficava, de igual modo, estabelecido um valor muito querido à Maçonaria: a tolerância.
Eis as razões históricas da proibição da discussão de política ou religião em Loja. A Maçonaria Regular tem - muito tradicional e britanicamente, poderíamos dizer - tendência para ser avessa a grandes "inovações", e para se ater àquilo que o tempo confirmou como sendo adequado. Não houve, até agora, razão bastante para se reverter essas proibições - pelo que estas ainda vigoram.
Em muitas Lojas - como na Loja Mestre Affonso Domingues - essa regra não é interpretada no sentido de ser vedada a referência a qualquer tema político ou religioso, mas antes no sentido de proibir qualquer controvérsia ou discussão sectária ou confessional, ideológica ou partidária, que divida a Loja em "lados", em "partidos" e em "partes" que tenham por denominador comum a convicção, a crença ou a ideologia de cada um. Pode, assim, discutir-se se determinada medida política concreta será melhor ou pior, mas sem que nunca se questione - ou se mencione, sequer - partidos ou correntes ideológicas; assim como se pode apresentar um trabalho sobre uma determinada religião, mas sem que seja admissível que a mesma seja criticada. Outras Lojas entendem diversamente, e aplicam uma interpretação mais estrita, abstendo-se de qualquer referência a um e outro tema. Não posso fechar este assunto sem referir a Maçonaria Liberal - de inspiração francesa - em que estas restrições não existem de todo. Saliento, por fim, que estas proibições se referem apenas aos trabalhos em Loja e que, fora destes, qualquer maçon pode pronunciar-se como entenda sobre o que tenha por conveniente.
Paulo M.
A Guerra Civil Inglesa, iniciada em 1642 entre Monárquicos, partidários do rei Carlos I de Inglaterra e Parlamentaristas, liderados por Oliver Cromwell foi, na sua essência, uma luta entre a Igreja estabelecida, apoiada pela nobreza (que pretendia ver o seu poder perpetuado) e protestantes puritanos radicais, oriundos de uma classe média emergente, desejosos de se governar a si mesmos. A guerra só terminaria sete anos depois, com a condenação de Carlos I à morte e a tomada do poder por Cromwell e pelos puritanos. Não obstante Carlos I ter sido mal amado pelo seu povo e não ter propriamente deixado saudades, bastou menos de uma década de um estilo tirânico e sangrento de governação com Cromwell à cabeça para que os ingleses quisessem a sua monarquia de volta. Carlos II foi coroado em 1661 e, ao contrário do seu pai, era um homem bem mais interessado na ciência e na razão do que na perseguição religiosa. Abriu, assim, as portas para uma nova era, uma era que iria acolher favoravelmente os novos princípios da Maçonaria Especulativa.
Um dos piores aspetos desta guerra foi ser um conflito de irmão contra irmão, vizinho contra vizinho, amigo contra amigo. Esta terrível circunstância afetaria o futuro e a filosofia da Maçonaria até aos nossos dias. Foi assim que, em 1717, quando a primeira Grande Loja foi formada em Londres, foram estabelecidas regras pouco usuais. Em primeiro lugar, proibiu-se a discussão de religião: as reuniões não seriam interrompidas por argumentos entre católicos, anglicanos, puritanos e protestantes. Enquanto os membros acreditassem em Deus, a sua fé não seria questionada. Em segundo lugar, as batalhas políticas entre monárquicos e parlamentaristas - que tinham dado origem à guerra civil - não seriam toleradas: os maçons estavam determinados a sobreviver às questões que haviam devassado o seu país, e a impedir que quem quer que fosse os pudesse acusar de heresia ou de traição. Em seu lugar, as Lojas insistiam no estabelecimento de laços fraternais entre os seus membros. Ficava, de igual modo, estabelecido um valor muito querido à Maçonaria: a tolerância.
Eis as razões históricas da proibição da discussão de política ou religião em Loja. A Maçonaria Regular tem - muito tradicional e britanicamente, poderíamos dizer - tendência para ser avessa a grandes "inovações", e para se ater àquilo que o tempo confirmou como sendo adequado. Não houve, até agora, razão bastante para se reverter essas proibições - pelo que estas ainda vigoram.
Em muitas Lojas - como na Loja Mestre Affonso Domingues - essa regra não é interpretada no sentido de ser vedada a referência a qualquer tema político ou religioso, mas antes no sentido de proibir qualquer controvérsia ou discussão sectária ou confessional, ideológica ou partidária, que divida a Loja em "lados", em "partidos" e em "partes" que tenham por denominador comum a convicção, a crença ou a ideologia de cada um. Pode, assim, discutir-se se determinada medida política concreta será melhor ou pior, mas sem que nunca se questione - ou se mencione, sequer - partidos ou correntes ideológicas; assim como se pode apresentar um trabalho sobre uma determinada religião, mas sem que seja admissível que a mesma seja criticada. Outras Lojas entendem diversamente, e aplicam uma interpretação mais estrita, abstendo-se de qualquer referência a um e outro tema. Não posso fechar este assunto sem referir a Maçonaria Liberal - de inspiração francesa - em que estas restrições não existem de todo. Saliento, por fim, que estas proibições se referem apenas aos trabalhos em Loja e que, fora destes, qualquer maçon pode pronunciar-se como entenda sobre o que tenha por conveniente.
Paulo M.
10 comentários:
Caro Paulo M.
Bom texto e eficaz explicação para a proibição do debate político ou religioso em Loja.
Contudo, para mim (e para boa parte dos profanos) mantém-se a dúvida: a Maçonaria é o quê?
a) A Maçonaria é uma espécie de tertúlia filosófica?
b) A Maçonaria é uma espécie de religião onde os graus mais altos explicam aos mais baixos os ensinamentos [dessa religião], tipo ensinamentos budistas?
c) A Maçonaria é uma mistura das duas coisas?
d) A Maçonaria não é nada disto?
Abraço
@Diogo:
Fico contente por a minha resposta o deixar satisfeito. Irei publicar mais textos que - espero! - lhe responderão àquilo que pergunta. Mas, até lá, vou-lhe adiantando, como poderia já suspeitar, que... d).
Um abraço.
Boas Paulo...
Belíssima prancha!
:)
abr...prof...
Olá... Raimun...
Está a ver como já apanhei o truque das palavras reduzidas a sílabas e acrescidas dos 3 pontos em forma de delta, Nuno Raimundo?
Tratando-se, segundo a Wikipédia, a maçonaria uma sociedade discreta de carácter universal, cujos membros cultivam o aclassismo, humanidade, os princípios da liberdade, democracia, igualdade, fraternidade e aperfeiçoamento intelectual, sendo assim uma associação iniciática e filosófica,
Como é que concilia uma sociedade com valores tão humanos e intelectuais com o secretismo dos rituais, a escrita cifrada, os símbolos ocultos e os apertos de mão e outras formas encobertas de reconhecimento de irmãos? Não é absudo?
Abr...prof...
Boas Diogo...
No meu caso pessoal é fácil explicar o significado dos 3 pontos. Eles são as normais "reticências". E apenas servem para abreviar "Abraços Profanos", nada mais nem menos que isso. Simples. :)
De facto não considero absurdo a forma de reconhecimento dos Maçons nem as formas de reconhecimento que existam entre quaisquer fraternidades ou associações que qualquer tipo que existam. Isso apenas diz respeito a elas próprias.
Da mesma forma não me faz diferença algum militar "bater a pala" a um supeior seu, etc etc etc
As formas de reconhecimento, os rituais, as linguagens do tipo simbólico ( cifrado se preferir) sempre existiram desde os primórdios da Humanidade e sempre irão existir por isso para mim, não é absurdo que uma Associação/Ordem/Fraternidade como a Maçonaria faça uso de tais elementos.
Faz parte da propria Via Espiritual, seguir ou efetuar determinados rituais, que para uns são de uma forma, para outros, de outra.
Cada pessoa tem os seus proprios rituais, independentemente de pertencer ou não a qualquer Religião.
O Ritual é um assunto íntimo e pessoal.
Se existem grupos/religiõesw uqe teem rituais comuns, tanto melhor para essas pessoas, que se sentirão mais unidas por partilharem as suas crenças.
Sendo no que toca a Maçonaria, a sua busca "por tornar melhor, homens bons", não me causa estranheza que use códigos de reconhecimento ou que faça uso de rituais entre os seus membros.
Se de facto esses rituais criam alguma curiosidade, de facto criam. Mas também qulquer ritual seja ele pagão ou religiosos, que só pelo facto de estar acessivel a alguns, tb a causará a mesma curiosidade.
Para além talvez, o secretismo imposto em épocas e países onde os valores da Liberdade, Tolerância, Fraternidade, não sejam bem vistos; façam com que os seus membros se tenham de "refugiar" em códigos para se reconhecerem.
Se isso nos dias que correm fazem sentido?
Talvez num a Sociedade evoluida e Tolerante, não! ( refiro-me aos codigos de reconhecimento, não refiro Ritual)
Mas a propria Sociedade é um "ser" em permanete evolução, e o que hoje é regra, amanhã poderá não o ser, e os ciclos Democracia/Anarquia/Totalitarismo/Democracia são por demais evidenteds nos últimos séculos. E para tal e apenas por isso, até concordo que os membros de qualquer Ordem/Fraternidade que tenha valores tão elevados e nobres se mantenham sempre com alguma discrição.
Apenas para a sobrevivência dessas Ordens como dos seus membros. Simples como isso.
Apenas pelo facto de na Europa, as ditaduras sejam quase inexistentes, sabemos que um dia mais tarde podem novamente voltar a existir, e o que seria dos membros de Ordens/Organizaçoes que defendem a Democracia, Tolerância, Direitos Humanos, lhes sucederia?
Seriam os primeiros a irem para a forca...
Abraços Profanos :)
Caro Nuno Raimundo,
Nada tenho contra os rituais. Tenho contra os secretismos.
E não entendo todos esses medos da uma (hipotética) ditadura por parte de uma associação iniciática e filosófica como a Maçonaria. Problemas poderiam ter certos partidos políticos, sindicatos, escritores, jornalistas, etc.
Abraços Profanos
Boas Diogo,
A minha intenção é de apenas partilhar o que sei e o que eu penso, não o de tentar convencer ninguém. :)
abr...prof... ( é mais fácil escrever assim )
Caro Diogo;
Aquilo em que cremos e aquilo em que queremos crer, só a nós (individuo) cabe decidir e é sem dúvida totalmente respeitável.
Aquilo que queremos que os outros creiam e aquilo que fazemos para que os outros possam vir a crer, já não cabe só ao indivíduo, o qual deve de acreditar, mas também aquele que quer fazer acreditar.
A forma como queremos fazer com que os outros creiam naquilo que nós queremos que esses mesmos, os outros, creiam, pode e é sempre influenciada pela maneira como o fazemos e ou queremos fazer.
A forma como fazemos aquilo que queremos pode ser, ou não, de acordo com aqueles que são objecto do nosso querer.
Espero que até aqui o Diogo concorde, pois o raciocínio é por demais básico e linear.
Quando entramos no campo de querer fazer aquilo que queremos, sem respeitar aquilo que os outros querem e ou crêem, corremos o risco de ser, tendencialmente, ditadores, autoritários, irracionais e ou mesmo teimosamente limitados na visão que temos, daquilo que por mais que seja explicado, demonstrado, comprovado e ou mesmo constantemente refutado.
Tenho o Diogo por um homem muito inteligente, teimoso, por vezes irritante (devido à constante repetição, na sua argumentação), mas sem dúvida inteligente.
Assim sendo Diogo sugiro-lhe uma página da Wikipedia, local onde tanto investiga e se baseia, nas suas fundamentações, para ai poder esclarecer e ou perceber, de uma forma diferente, aquilo que aqui em muitas “pranchas” e respostas, bem elaboradas e fundamentadas, lhe foi respondido ao longo destes tempos.
Página: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ma%C3%A7onaria
Cumprimentos profanos de um profano que vê com outro olhar e de uma outra perspectiva, aquilo que, creio que, o Diogo sabe tão bem quanto eu, que na realidade em nada se aproxima daquilo mesmo que o Diogo quer que um dia alguém, para lhe fazer a vontade e dai sacar uma vitória uninominal e sem crédito, lhe diga “TÊM RAZÃO”.
Diogo vá por mim a razão constrói-se, conquista-se pela demonstração da verdade e pelo uso do pensamento e do raciocínio lógico, mas a razão só é válida se os outros, que são objecto, da afirmação dessa mesma razão, a aceitarem, caso contrário Diogo, essa sua verdade, unipessoal e uninominal, não vai passar de um ataque de loucura e ou de um comportamento irracional e pouco inteligente.
Abraços M.A.
Caro M.A.,
Eu não pretendo uma vitória mas antes uma compreensão do que aqui é dito. Tem acontecido que alguns dos argumentos aqui propostos não me satisfazem. É isso que procuro: respostas com cabeça, tronco e membros.
Abraço
@Diogo: "alguns dos argumentos (...) não me satisfazem" Diga, por favor, quais e em quê. E, já agora, diga aqueles que o satisfizeram, para podermos evitar gastar energias com questões já estabelecidas...
Um abraço,
Paulo M.
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