26 junho 2025

Carta ao meu afilhado


Tenho apenas um afilhado na maçonaria. Lamento muito que quando da sua iniciação, não tinha a experiência e a maturidade maçónica que tenho agora. Fiz e faço meu melhor por ele, mesmo a distância. Entretanto, se pudesse voltar no tempo, gostava de ter-lhe escrito a seguinte carta:


Meu querido afilhado e agora irmão,

É com profunda satisfação e responsabilidade que me dirijo a ti, nesta nova jornada em que te encontras, como teu padrinho maçónico. Hoje, desejo partilhar contigo algumas reflexões e conselhos que acumulei ao longo dos anos, na esperança de que te proporcionem algum conforto e orientação nesta senda de aprendizado e descoberta.


"Tudo podes, mas nem tudo te convém." Ao refletires sobre estas palavras, verás que se trata de um convite à consciência sobre as escolhas que irás fazer. Na maçonaria, encontrarás um horizonte vasto, repleto de oportunidades para expandires teu entendimento e tua prática. No entanto, escolher o melhor caminho às vezes requer que sejamos prudentes em nossas ações e ponderemos os impactos que possam gerar.


Muitas vezes vais questionar-te sobre teu papel e propósitos aqui. Estes momentos de dúvida são preciosos, uma vez que estimulam o pensamento crítico e te incentivam a buscar respostas dentro e fora de ti. Nunca hesite em explorar esses questionamentos, pois eles serão alicerces para teu aprimoramento.


"O silêncio será teu maior amigo durante o teu tempo de aprendiz." Cultiva a prática de observar e escutar atentamente, pois no silêncio reside uma poderosa capacidade de compreensão. Nele, poderás encontrar o espaço necessário para introspeção e para o verdadeiro entendimento dos símbolos e das lições que te são apresentadas. 


Por vezes, serás corrigido, chamar-te-ão a atenção, nem sempre de maneira cuidadosa. Ficarás frustrado. Mas garanto-te que um dia entenderás os motivos. É simples: nossos irmãos querem o nosso bem.


Respeitar as tradições é uma das formas mais nobres de honrar o legado maçónico. Cada ritual, cada palavra proferida e cada símbolo carregam séculos de história e sabedoria, cuidadosamente preservados para que possamos deles aprender. Ao envolver-te nestas práticas, lembra-te de que não se trata apenas de repetição, mas de uma conexão viva com os irmãos que vieram antes de nós.


Verás que a compreensão dessas tradições exige tanto humildade quanto dedicação, pois elas não são meras formalidades, mas sim pilares que sustentam a identidade e a unidade da nossa ordem. Valoriza-as, pois nelas reside a essência do que significa ser maçom.


Compreenda que "a caminhada é individual, mas não solitária." Esta jornada envolve crescimento pessoal, mas és parte de uma fraternidade que compartilha valores e aspirações comuns. Existe uma rede de irmãos sempre pronta a apoiar-te, a ser motivação e a oferecer o ombro quando dele necessitares. Aproveita essa comunhão para partilhar o melhor de ti e acolher o que os outros têm a oferecer. Contudo, estará entre pessoas com diferentes níveis de empenho; será importante manter foco nos que realmente compartilham o compromisso com os ideais maçónicos.


A simbologia que permeia a maçonaria é a linguagem mais antiga para transmitir conhecimento e tradições. Estes símbolos são como chaves que abrem portas para um entendimento mais profundo. No entanto, para que a simbologia tenha sentido, é essencial tua presença em loja e teu empenho no estudo. A vivência dos rituais e o estudo cuidadoso dos símbolos permitir-te-ão desvendar um pouco mais os mistérios e beleza da ordem maçónica. E lembre-te sempre: o segredo da maçonaria é a própria maçonaria.


Posso mostrar-te o caminho, mas a escolha de segui-lo é apenas tua. Cada etapa demanda um compromisso pessoal, e cabe a ti decidir como trilharás tua trajetória. Esculpe tua jornada de acordo com teus valores e princípios. Lembra-te de que "o tempo é teu. Não estamos em uma corrida." Aprende a saborear cada aprendizado, cada ritual e cada convivência, pois cada elemento tem sua importância e potencial para transformar-te.


Farei meu melhor para ser um bom exemplo para ti, mas lembra-te de que também sou falho. A beleza da maçonaria está em seu ideal; seus irmãos, por outro lado, são humanos e suscetíveis a erros. É essencial que mantenhas em mente que todos estamos aqui para aprender e evoluir juntos. Vê isso como um encorajamento para que sejas indulgente com os outros e contigo mesmo.


Conforme cresces na maçonaria, crescem tuas responsabilidades. Ao passares de grau, muitos olharão para ti como um guia. Que tua presença seja uma reflexão de justiça, integridade e sabedoria. E lembra-te, cada grau é tanto um privilégio quanto uma obrigação de promover a harmonia, o bem e o crescimento coletivo.


Não deixe que o teu ego atrapalhe tua caminhada. Será tentador mostrar o quanto sabes, o quanto cresceste, os progressos que fizeste. Mas antes de deixar que o teu ego assuma tuas atitudes, pergunta-te: “O que agregarei à minha loja com isto?”. Se a resposta não vier, cala-te.


Finalmente, acolhe cada ensinamento com o coração aberto e a mente curiosa. Permite que eles te guiem em direção a um sentido maior de propósito, e lembra-te que meu apoio é constante.


Com sinceridade e carinho, um abraço fraterno

Teu Padrinho”

 

Fábio Serrano, MM

Junho de 6025



25 junho 2025

Como entrar na Maçonaria?

Este é um tema já por várias vezes falado neste blog, mas que continuará sempre a sê-lo, porque a pergunta volta e meia aparece: como se entra na Maçonaria?

A resposta, na verdade, é simples: há dois caminhos possíveis.

  1. Ser convidado por um maçom. Aqui convém desfazer um mito, o convite não costuma surgir do nada, é quase sempre dirigido a alguém que já se conhece, em quem se confia, e cujo carácter foi sendo naturalmente observado nas relações do dia-a-dia.

  2. Autopropor-se. Para tal, contactar uma Loja ou GLLP/GLRP, há quem pense que possa ser visto como falta de educação ou atrevimento, mas não o é. É um tão válido como se um convite se tratasse.

Agora, seja por uma via ou por outra, há sempre requisitos base para que uma candidatura possa ser considerada:

  1. Ser crente (não importa a confissão religiosa, mas é necessário acreditar num princípio superior).

  2. Ser um homem livre e de bons costumes.

  3. Estar de boa fé.

  4. Ter a vida organizada e poder assumir as despesas inerentes à condição de maçom (joia, quotas), sem que tal cause prejuízo à família ou às responsabilidades civis.

  5. Não ter antecedentes criminais (é preciso o registo criminal).

Depois disso, segue-se um processo normal e transparente. Alguns Irmãos conhecem o candidato, conversam, compreendem as suas motivações, esclarecem dúvidas, e levam as suas conclusões para validação da Loja, só após validação da Loja se procederá à Iniciação.

Este é explicação simples do nosso processo, mas naturalmente os métodos variam consoante as Lojas,  Obediências e os países.

Em Inglaterra, por exemplo, a entrada faz-se quase sempre por convite, e o percurso passa habitualmente por uma série de jantares e encontros informais, que permitem que ambas as partes se conheçam. Nos Estados Unidos, pelo contrário, é habitual que seja o próprio interessado a tomar a iniciativa, aliás, há até o conhecido lema "to be one, ask one", muitas Lojas promovem sessões de esclarecimento abertas a quem deseje saber mais.

Por cá, em Portugal, pode encontrar-se um pouco de ambos os estilos, consoante a Loja e as circunstâncias, no fim, porém, o que conta é o mesmo. Um caminho pessoal, feito com autenticidade e seriedade, por quem tem vontade de se transformar e de contribuir para transformar.

Como alguém escreveu uma vez: “entrar na Maçonaria não é como entrar para um clube, é entrar para um caminho.”

E já sabes, se vens por bem, não te acanhes, bate à porta, que serás muito bem-vindo.

Se tiveres dúvidas ou curiosidade sobre este caminho, podes sempre usar o email que está no meu perfil.

João B. MM



19 junho 2025

Quando é que uma piada deixa de ser piada?

Vivemos tempos curiosos, humoristas em tribunal por piadas que geram processos. Juízes a decidir o que se pode ou não dizer em palco, um comediante condenado porque, dizem, as suas piadas passaram do riso à ofensa. Não estou dentro dos assuntos destes casos actuais em concreto, o que me interessa é o dilema que fica no ar. Até onde vai, ou deve ir, a liberdade de expressão? Quando é que uma piada deixa de ser apenas isso?

Sou alentejano, cresci a ouvir anedotas sobre alentejanos, umas com graça, outras nem tanto. Nunca me passou pela cabeça meter alguém em tribunal por causa disso, talvez devesse ter feito e enriquecido à base de indemnizações. Mas imagine-se, se alguém me disser “João, seu alentejano preguiçoso”, o que é isto? Uma piada? Uma provocação? Uma ofensa? Depende de quem diz? Depende do tom? Do contexto? Se for num jantar entre amigos? Se for num espectáculo de stand-up? Ou se for em resposta a este post? Deduzo que a linha exista, mas alguém sabe exactamente onde?



E os humoristas, devem ter mais liberdade do que os outros? Mas não deveriam ter também mais responsabilidade? Não é o humor, por natureza, um exercício arriscado, que vive no fio da navalha entre o que faz rir e o que pode magoar? E, se assim é, não convém que quem o faz tenha noção do risco? E não seria também desejável que quem vive a provocar saiba, por vezes, aguentar o troco?

Depois, claro, há o humor negro. Uma piada sobre um tema duro: doença, tragédia, morte. Está-se a exorcizar um medo, a aliviar um peso colectivo? Ou a gozar com quem já sofre? E se quem ouve não percebe a intenção? Culpa de quem disse? Culpa de quem ouviu? Culpa do mundo em que vivemos?

E aqui chegamos ao que talvez seja o mais delicado. Será que o problema é apenas dos “ofendidos”? Ou também há humoristas que confundem liberdade com impunidade? Que esquecem que o direito de dizer não é o mesmo que o direito de não ouvir respostas? Porque uma piada, mesmo sendo uma piada, não acontece no vazio. Tem contexto, tem consequências e ninguém está acima disso.

Por fim, o ambiente em que vivemos., não só no humor há problemas de limites de expressão, mas no dia a dia também, cada vez mais pessoas já não dizem o que pensam. Não por respeito, mas por medo. Medo de ser rotuladas, atacadas, ou como se diz agora "canceladas". Quantos alinham no discurso do politicamente correcto, ou nas modas da chamada agenda woke, porque é isso que a empresa espera? É mais seguro “ir com a maré” do que arriscar um comentário desalinhado? 

Quantos preferem calar-se em vez de dizer, que querem contractar a melhor pessoa para função? Não o melhor homem, ou melhor mulher, ou melhor que se identifique com algo diferente, mas sim quem for realmente o mais competente para a função e não por necessidade de cumprir quotas inclusivas. 

E em política? Quantos têm hoje coragem para dizer em quem votam, ou que partido apoiam, sabendo que ao fazê-lo correm o risco de ser de imediato rotulados de radicais ou extremistas? Não estará aí um novo tipo de censura, mais subtil, mas nem por isso menos real?

Enquanto maçom, não posso deixar de pensar nisto com preocupação. A liberdade de expressão sempre foi um dos valores maiores que defendemos. Mas não há liberdade sem responsabilidade, nem humor sem limites e nem vida em sociedade sem algum equilíbrio entre o que se diz e o que se ouve.

Não tenho respostas, nem é esse o objectivo deste post, apenas deixo perguntas: 

  • O que é, hoje, uma piada? O que é uma ofensa? Quem decide? 
  • Queremos mesmo viver num mundo onde a fronteira entre uma e outra seja traçada pelos tribunais? 
  • Ou pelos tribunais da opinião pública? 
Talvez valha a pena pensarmos nisto. Se não for a rir, que seja pelo menos com um pouco mais de liberdade.


João B. MM

16 junho 2025

O Futebol e o Espírito da Maçonaria

 

Diz-se, e com razão, que em Loja não se discute futebol. Tal como a política ou a religião, o futebol desperta paixões intensas. As paixões, quando desgovernadas, nunca ou raramente constroem.

Mas há um lado luminoso nessas mesmas paixões, a capacidade de juntar milhares em torno de uma ideia, de um símbolo, de um propósito comum. E quando essa energia é canalizada com elevação, pode erguer verdadeiras catedrais humanas, dentro e fora do Templo.

Há poucas coisas no mundo profano que consigam unir tantas pessoas, de tantos cantos do mundo, como o futebol. Línguas diferentes, culturas opostas, crenças divergentes, e ainda assim, num estádio, ou diante de um ecrã, milhares erguem-se ao mesmo tempo, pelo mesmo motivo.
É um fenómeno de comunhão., de pertença, do símbolo.

E, curiosamente, não está assim tão longe do espírito da Maçonaria.



Também nós, Maçons, vestimos aventais, às vezes, de cores diferentes mas trabalhamos para o mesmo fim. Também nos reunimos em assembleias silenciosas, vindos de mundos tão distintos, para construir em conjunto, também nós acreditamos que, no meio do caos, pode haver harmonia se houver propósito, vontade e elevação.

Ver um clube como o Benfica (peço desculpa aos nãos Benfiquistas, mas a verdade é para ser dita), que tantos Portugueses une, até mesmo entre a diáspora entrar em campo num torneio global como o Mundial de Clubes, faz lembrar-nos que os símbolos têm força. Que a identidade não é apenas um dado biográfico, é um farol.
As Casas do Benfica espalhadas pelo mundo, tal como as Lojas Maçónicas, são pontos de contacto entre mundos, entre tempos, entre memórias. São espaços onde se fala a língua do coração, mesmo quando longe de casa.

Na Maçonaria não se joga para ganhar., joga-se para construir., mas o espírito é semelhante: vencer o ego, ultrapassar o ruído, afinar o compasso colectivo, para que da diversidade surja uma obra comum.

Que este Mundial de Clubes, e os que nele participam, nos recordem que é possível sonhar em conjunto, sem perder o que nos distingue e que no mundo profano, como no Templo, a verdadeira vitória é conseguirmos permanecer fiéis àquilo que nos faz levantar e seguir em frente.

João B. MM

13 junho 2025

Estás no Ritual ou apenas numa sala?

Há quem diga que o ritual é um formalismo, uma peça decorada, um guião repetido. Talvez, visto de fora, seja mesmo isso. Mas o erro começa precisamente aí, o ritual não é para ser visto., ele é para ser vivido.

Cada palavra tem o seu peso, cada gesto tem o seu tempo, cada pausa tem o seu silêncio e é nessa cadência, que não é nossa mas que nos é facultada por séculos de trabalho, que se esconde a força do ritual. Não é uma invenção moderna, é uma herança e como tal, deve ser recebida com reverência e transmitida com fidelidade.



Seguir o ritual à letra pode parecer, a quem ainda não compreendeu, uma rigidez sem sentido. Eu, sem dúvida, que lhe vejo um sentido. Um sentido em acender a vela com a mão certa, em bater o malhete no tempo exacto, em dar o passo no momento justo, com o pé certo, na direcção certa.
Seguindo o gestos, afina-se a atenção e onde há atenção, há presença. Onde há presença, pode sempre haver transformação.

O ritual não é inicio ou fim, é parte do caminho, e parte essencial. É a ordem que se opõe ao caos, é o compasso que dá medida ao tempo e ao homem, é o prumo que nos obriga a alinhar corpo, mente e espírito, mesmo quando cá fora andamos tortos.

É raro o dia que não ouço certas palavras do ritual a ecoarem na minha vida profana. Há frases que, ditas em Loja, pareciam apenas belas, e no entanto, fora dela, mostram-se verdadeiras, servem para recordar que a Maçonaria não se faz só no templo e em dia de sessão, faz-se todos os dias.

Quando chegamos a casa ou quando chegamos ao trabalho, quantas vezes deixamos os metais à porta?

A nossa vida, o nosso carácter, o nosso lar constrói-se com sabedoria, força e beleza?

Estas palavras surgem-me às vezes no trânsito, numa reunião, ou no silêncio antes de adormecer, não por serem místicas, mas porque são verdade, ao menos a minha Verdade. 

Não importa se és Aprendiz, Companheiro ou Mestre já com vinte anos de Loja. A pergunta é a mesma: 

Estás no ritual ou estás apenas numa sala?

O ritual não é uma encenação, é um espelho. Se entrares com o ego cheio e os ouvidos vazios, ouvirás apenas palavras, mas se entrares com humildade, talvez escutes sentido. E, quem sabe, um dia, te escutes a ti próprio.

Resumindo: o Ritual é para ser seguido à risca. não porque sejamos fanáticos pela forma, mas porque a forma é o molde da transformação. Só quem repete o gesto com intenção começa a entender o símbolo. E só quem respeita o símbolo pode um dia perceber o seu segredo.



A Loja é o espaço, o ritual é o ritmo, nós somos os instrumentos desta bela orquestra.

A escolha é tua: finges que entras, ou trabalhas para merecer estar? E já sabes, se vens por bem, não te acanhes, bate á porta que serás muito bem vindo. 

João B. MM

10 junho 2025

Portugal, Pedra sobre Pedra

Hoje é dia de  Portugal, não apenas a geografia ou a língua, mas a ideia. A ideia de uma Nação moldada ao longo de séculos, onde o engenho venceu a geografia e o sonho navegou antes da ciência.

Vivemos tempos em que se tenta reescrever o passado com as tintas voláteis do presente. Julgam-se descobrimentos como se fossem crimes, alianças como se fossem submissões, batalhas como se fossem vergonhas. Há quem peça que nos ajoelhemos perante o tempo, como se a História fosse um tribunal e não uma herança.

Portugal não se deve ajoelhar, conhecemos o peso da pedra que carregamos.



Somos Aljubarrota, onde um povo defendeu o seu futuro com braços e foices.
Somos os mares por dobrar, os cabos por nomear, as constelações por medir com astrolábios.
Somos a ousadia de lançar velas ao desconhecido e a coragem de não voltar atrás.

Somos o início da globalização, ligando novos mundos e continentes, línguas, saberes, mercadorias e mitos. O mundo tornou-se redondo quando nós o começámos a percorrer.
E também Somos, os que antes de muitos outros, disseram “basta”, abolimos a escravatura muito antes de isso ser moda, e a pena de morte antes que o século XX a tornasse um escândalo. Porque ser pioneiro não é só descobrir terras, é também abrir consciências.

Somos Camões, Eça, Queiroz.
Somos também a Passarola de Bartolomeu de Gusmão, que se atreveu a imaginar o impossível,
Somos o joelho do Eusébio, o pé direito do Éder e o “Simmmm” do Cristiano.
E somos, apesar de tudo, os que continuam aqui neste cantinho à beira mar plantado, onde a terra acaba e o mar começa.



Há quem queira que Portugal peça desculpa, talvez um pedido formal com assinatura reconhecida, ou uma tabela de indemnizações com juros acumulados desde 1500.
Mas não se pede desculpa por ter existido. Estudam-se os erros. Corrigem-se as consequências. Aprende-se. E segue-se em frente, com memória.

Porque só um povo com memória constrói com sentido.

Talvez os Portugueses de 2225 nos olhem com espanto, com censura, talvez com pena. Mas será sempre fácil criticar o templo. O difícil é ter sido o pedreiro.

Portugal é, há muito, uma obra inacabada, mas viva. Feita de pedra sobre pedra, de gerações que lavraram o seu tempo com o que tinham e sabiam.

Herdámos pedras lavradas por outros, cabe-nos, com lucidez e esforço, preparar as que virão.

E não, não devemos nada a quem nos quer apagar.

João B. MM

08 junho 2025

Ciência e Religião: Ainda um falso conflito?


Relendo uma prancha que escrevi há alguns anos, no RLMAD , sobre o eterno tema da ciência e da religião, surpreendi-me com a sua actualidade. Continuamos a debater se são opostas ou complementares. Continuamos, no fundo, a tentar descobrir se o universo tem apenas leis — ou também sentido.

Na altura escrevi que não via ali conflito, mas antes dois caminhos diferentes para uma mesma busca: compreender o que nos rodeia e o nosso lugar nisso tudo. A ciência diz-nos como as coisas funcionam. A religião tenta explicar porquê.

Hoje, o cenário até parece que mudou, mas não para melhor, a ciência é questionada por teorias da conspiração e vídeos de TikTok, por seu lado a religião continua a ser usada para justificar guerras e ódios. Ninguém ouve, poucos pensam, e muitos gritam "o meu Deus é melhor que o teu".

E assim voltamos ao essencial.

Mesmo Stephen Hawking, tantas vezes apontado como ateu, dizia que se descobríssemos uma teoria unificada, estaríamos a conhecer a mente de Deus. No fundo, ele sabia, como Einstein e Galileu também sabiam, que há um ponto onde a razão bate no limite. Um ponto fora da equação, onde tudo o que sabemos falha. Uma singularidade. E talvez aí, nesse exacto lugar onde a física se cala, comece a linguagem do Grande Arquitecto.



Não precisamos de escolher entre razão e fé. Precisamos é que ambas iluminem o que andamos a tentar ver. Recordo do Evangelho segundo São Lucas: “Ninguém, depois de acender uma candeia, a cobre com um vaso ou a coloca debaixo da cama; pelo contrário, coloca-a num lugar alto, para que os que entram vejam a luz.”

A ciência é essa candeia, acesa com esforço, com estudo, com dúvidas. E também a fé o é, alimentada por silêncio, por prática, por esperança, mas nenhuma serve de alguma coisa caso seja escondida, nenhuma ajuda se for usada para controlar ou para envergonhar. A luz foi feita para guiar. Para mostrar. Para que quem entra veja e compreenda.

Entre leis naturais e mistérios espirituais, há sem dúvida em comum a procura sincera pela Verdade, e essa busca, se autêntica, nunca divide, pelo contrário: revela.

João B. M∴M∴