23 julho 2025

Caminhos que se Cruzam: A Liberdade de Discordar na Maçonaria

A Maçonaria constrói-se no encontro de pedras brutas. 

No silêncio do Templo, mas também na fricção de ideias, no debate fraterno, na busca sincera de sentido. Quando dois Mestres discordam sobre o modo certo de acompanhar os Aprendizes, a discussão que nasce não é um problema. É um sinal de vitalidade.

Foi precisamente isso que aconteceu numa troca de ideias recente entre dois Irmãos, dois Mestre Maçons e eternos Aprendizes. Um confronto respeitoso entre duas formas de entender o papel do Mestre na formação dos mais novos, um diálogo intenso que revelou, mais do que certezas, dois caminhos possíveis dentro da mesma Tradição.


Presença Activa

Para um dos mestres, acompanhar significa estar presente, literalmente. Um Mestre deve sair do templo com os Aprendizes quando estes necessitam de sair, por a loja subir de grau, por exemplo. Deve dirigir os seus trabalhos, orientar os seus raciocínios, corrigir os seus erros logo à nascença. A ideia é simples, se queremos formar bons Maçons, temos de estar próximos. 

O abandono é o inimigo silencioso da Iniciação, quem defende esta posição acredita que muitos dos desvios que vemos em alguns Irmãos mais avançados talvez tenham começado precisamente aí, na ausência de quem os orientasse no momento certo.

Este modelo, mais próximo da pedagogia clássica, propõe que o erro deve ser evitado na origem e que a primeira abordagem a um conceito deve ser guiada, para que o entendimento não fique enviesado. Há aqui um zelo, até nobre, que parte da convicção de que se deve cuidar do Aprendiz como quem planta uma árvore.  É preciso tutorá-la, protegê-la do vento, guiá-la na direcção certa.

Após o aprendiz ter as suas raízes estáveis, pode partir para um caminho solitário e de autoaprendizagem pois, a profundidade das raízes não vai permitir que ele saia do terreno em que se encontra.

Confiança na Jornada

Mas há outra forma de ver a mesma floresta. A Maçonaria é, por natureza, um caminho individual, cada um trilha o seu percurso de aperfeiçoamento com as ferramentas que lhe são dadas e claro também com as que for buscar por si próprio. A presença dos Irmãos é essencial, mas não para orientar os raciocínios, corrigir erros ou dirigir os trabalhos. É para inspirar, esclarecer quando solicitado, abrir portas e respeitar o ritmo de cada um.

Nesta visão, o erro faz parte do processo iniciático, não deve ser evitado a todo o custo, mas sim integrado, compreendido e ultrapassado. Não há crescimento sem tentativa e não há liberdade sem responsabilidade. 

Os Aprendizes são buscadores, com intuições próprias, dúvidas legítimas e formas únicas de interpretar os símbolos. A instrução existe. e é crucial, mas nem toda se dá com um Mestre ao lado. Ela acontece nas suas buscas, em Loja, entre colunas, no exemplo dos outros, nas leituras, na repetição do ritual, nas pranchas, na reflexão individual. 

O Mestre pode orientar, provocar, lançar desafios. Mas se precisar de estar sempre presente para que algo aconteça, talvez esteja a impedir mais do que a ajudar.

O Que Está em Causa

No fundo, o desacordo não é sobre a importância da instrução, nisso concordam. A questão é o método, e, acima de tudo, o limite entre orientar e condicionar.

A posição da Presença Activa parte de uma boa intenção, evitar os desvios e erros precoces de forma que o caminho se faça sem percalços. Mas corre o risco de transformar o processo iniciático numa tutoria constante, que restringe o leque de ideias ao essencial e direcciona a forma de pensar. 

Da mesma forma que o erro pode ser aceite, também existem exemplos de erros que saíram caros tanto à maçonaria como às lojas e, individualmente, aos próprios maçons. Assim, uma Presença Activa ajuda a que o erro seja evitado desde o início.

A posição da Confiança na Jornada defende que o verdadeiro Mestre é aquele que aponta o norte e depois confia que o Aprendiz saberá, a seu tempo, lá chegar, mesmo que se possa perder algumas vezes no caminho.

Pode errar? Claro. Mas também pode surpreender. A Maçonaria precisa, talvez mais do que nunca, de aprendizes que surpreendam, não que repitam, que errem, mas que aprendam.  

Discordar Também é Construir

No fim deste diálogo, ninguém perdeu, só a Maçonaria ganhou. Ambos têm razão na sua visão. Um vê os perigos do abandono; o outro, os riscos do excesso de tutela. Do mesmo ritual surgiram duas interpretações diferentes.

Ambos protegem o que mais importa, o processo de crescimento. A discordância é sobre a distância certa a manter e sobre o que significa, afinal, "acompanhar".

Talvez, como em quase tudo na Maçonaria, a resposta esteja no equilíbrio. Entre presença e ausência. Entre direcção e liberdade. Entre o malhete que guia e o silêncio que permite descobrir. Porque cada caminho é único, mas nenhum se faz sozinho. 

Mais vale discordar e debater, do que afirmar a embirrar. 

João B. M∴M∴ /  D∴ G∴ M∴M∴

17 julho 2025

Quando a forma engana a essência

 "Quem acolhe um lobo julgando tratar-se de cão, descobrirá tarde demais que não é o latido que o define, mas os dentes."

Às vezes, abrimos a porta a alguém que não iniciou pelo nosso caminho iniciático., chega por transferência de outra, tudo regular, tudo conforme. Inquirido e Iniciado por outros irmão. Confiamos, porque queremos confiar, porque a confiança é parte do que somos e, talvez, porque baixamos a guarda quando um Irmão nos é apresentado por outro.

O processo foi cumprido, não houve irregularidade formal, mas falhámos no essencial. Devíamos ter esperado, devíamos ter observado, devíamos ter conhecido antes de acolher. Não o fizemos. Era prático, parecia seguro, mas principalmente porque confundimos silêncio com humildade, e dicção com profundidade.

Esse Irmão, ou ex irmão, antigo irmão, "reprofano", lia actas como ninguém, também pranchas o deveria fazer, mas nunca o ouvi. Tinha boa voz, tom grave, ar seguro, mas não construía um pensamento, não ligava ideias, nunca debateu para aprender, apenas para minar. 

Maltratava Aprendizes, deixava Companheiros desmotivados, e guardava sempre os comentários mais venenosos para os bastidores. Era cortês com os Mestres, mas pelas costas afiava cada palavra.



Os mais novos sentiam-se expostos, por vezes até aterrorizados, vi-me obrigado a intervir para que situações não escalassem. E durante demasiado tempo, deixámos andar. Porque a Loja estava habituada a confiar, porque ninguém queria ser o primeiro a desconfiar. Até que as mensagens se acumularam, e a serpente revelou a pele.

Quando decidiu sair, fê-lo sem confronto. Tentou voltar, por outra porta, para outra Loja E aí, não hesitámos. A votação foi rápida, clara, unânime, definitiva, sem dúvidas. Não pelo que foi, mas pelo que sabíamos que voltaria a ser, não poderíamos permitir que outros Irmãos passassem pelo que nós passámos, não seríamos cúmplices de não fazer nada quando o deveríamos ter feito, já tínhamos tido uma oportunidade e desperdiçamo-la, desta vez em vez de esperar para ver se o fogo ateava, não demos fosforos para que

Procurou depois abrigo noutro espaço, fora da nossa Obediência, onde as regras são outras. Aí já nada podemos fazer, mas a nossa lição está aprendida.

Este texto não é sobre ele, é sobre nós. Sobre como até uma Loja experiente pode falhar., sobre como até entre colunas bem assentes pode rastejar o que nos divide. E sobre como há momentos em que proteger a cadeia é saber dizer não, meter uma bola preta e encerrar a questão.

Como é do conhecimento de todos, cada macieira dá fruto em abundância, mas de vez em quando também uma maçã podre. É da sua natureza. A nossa tarefa é saber colhê-las com discernimento. e quando a serpente aparece, não é com violência que se responde, mas com firmeza, vigilância e memória.

Que esta lição nos fique gravada. A forma engana, mas a essência, mais cedo ou mais tarde, revela-se.

João B. M∴M∴

15 julho 2025

O momento depois do ultimo degrau

 E Agora? O que acontece após a ascensão ao Grau de M M


A sensação inicial após a subida ao grau de M M é de puro alívio: "finalmente posso usar da palavra". No entanto, a primeira vez que usei a palavra trouxe um certo desconforto. Senti que algo importante ficou por dizer, mas, paradoxalmente, também percebi que disse muita coisa desnecessária. É uma experiência peculiar, especialmente para alguém como eu, habituado a falar para grandes audiências na vida profana.


No fundo, não foi grave. Ninguém esperava um discurso excecional, e aquele momento não é assim tão fundamental... Ou será que é?


O que parece ser uma trivialidade, afinal, não o é. Naquele exato momento em que estamos no Oriente, de frente para todos os II, a falar, um princípio fundamental deve prevalecer: a prudência. Não só precisamos de articular o que pretendemos dizer, mas também temos a obrigação de prever o impacto das nossas palavras na assembleia. É a única oportunidade para expressar as nossas ideias.


"Se não tiveres nada relevante para dizer à Loja, então não digas", recordaram-me três II, reforçando esta máxima.


Na verdade, usar da palavra é exercer a prudência que o silêncio nos concede, permitindo-nos refletir sobre a importância das ideias. É também aplicar a preparação que as disciplinas linguísticas (como a lógica, a retórica e a gramática, do Trivium medieval) nos podem oferecer.

 



Contudo, a diferença entre os graus não se manifesta apenas no uso da palavra. Ela reside também na compreensão e na contextualização do que é ser um M M. A partir de agora, tudo fez mais sentido. Percebo que todos fazemos parte de uma história que se desenrola, permitindo-nos um crescimento individual, através da sua compreensão, mas sempre com o apoio incondicional dos II.


MQI João B. M M, tu escreveste: "os degraus não nos são dados para subir, são-nos dados para crescer". Digo-te que cresci um pouco e acredito que crescerei muito mais. Como teu afilhado, só tenho a agradecer por seres um padrinho tão dedicado e por tantos conselhos zelosos que me deste.


No entanto, continuo com a mesma dúvida: Porquê eu?


D G

M M

12 julho 2025

Moral, ética e caráter






A ética e a moral são fundamentais para manter a harmonia dentro de uma loja, pois, quando qualquer uma delas falta, a discórdia e a desunião rapidamente se instalam, afetando não só as sessões, mas também os momentos que as antecedem e sucedem. De fato, sua ausência enfraquece o progresso dos trabalhos, já que a falta de unidade entre os Irmãos compromete as atividades em andamento.

O filósofo Mário Sergio Cortella explica que a ética pode ser compreendida como um conjunto de valores e princípios que utilizamos para responder a três questões essenciais da vida: Quero? Devo? Posso? Nem tudo o que desejamos é possível; nem tudo o que é possível é recomendável; e nem tudo o que é recomendável é aquilo que realmente queremos. Assim, encontramos a paz de espírito quando aquilo que queremos coincide com o que podemos e devemos fazer, o que significa que, acima de tudo, a ética é uma questão de escolha.

Além disso, enquanto a moral está enraizada na obediência aos costumes e hábitos herdados ao longo do tempo, a ética busca fundamentar essas ações por meio da razão, fornecendo uma base racional para a conduta moral. Como resultado, embora estejam intimamente ligadas, ética e moral não são idênticas. A ética representa o conhecimento acumulado sobre o comportamento humano e procura explicar, de maneira racional, científica e teórica, as regras que compõem a moral , funcionando como uma reflexão sobre ela. Já a moral, por sua vez, está esculpida nos costumes, normas e comportamentos aceitos como bons por uma comunidade, oferecendo orientação diária para as ações e julgamentos de cada indivíduo sobre o que é certo ou errado, bom ou mau. Dessa forma, essas normas estabelecidas servem como luzes-guia para as pessoas, moldando suas ações e percepções.

Considerando que a Maçonaria é uma fraternidade (termo que implica parentesco entre irmãos), é natural que certos valores devam prevalecer em toda a ordem. O amor ao próximo, a harmonia, a amizade, a união e a convivência fraterna devem estar sempre presentes, pois a Maçonaria, em sua essência, incorpora a ética tanto no conceito quanto na prática. Por isso, códigos morais rigorosos e sistemas de valores elevados devem nortear a conduta de todos os maçons.
Assim, o maçom é chamado a manter um padrão elevado de conduta moral, tanto na vida privada quanto na pública, destacando-se pelo respeito, comportamento impecável e compromisso constante com o Bem. É por meio dos valores morais que cumprimos nossos deveres como membros da sociedade em geral e, especialmente, da sociedade maçônica.

Por fim, é da ética que flui o caráter. O caráter é o conjunto de traços e qualidades que definem como uma pessoa ou grupo age e reage. É a fibra moral, a firmeza e a coerência nas atitudes. Um caráter forte não vacila diante de atalhos ou soluções fáceis; mesmo quando o caminho mais simples parece atraente, é o caráter, moldado pela convicção ética, que determina a escolha do indivíduo.

Ilustro tudo isso com uma história de Patrícia Fripp que exemplifica exatamente o que se espera de um bom caráter, de uma pessoa com moral e que siga um código de ética alinhado com a maçonaria:

"Era uma tarde de domingo ensolarada na cidade de Oklahoma. Bobby Lewis aproveitou para levar seus dois filhos para jogar mini-golf.
Acompanhado pelos meninos dirigiu-se à bilheteria e perguntou:
— Quanto custa a entrada?
O bilheteiro respondeu prontamente:
— São três dólares para o senhor e para qualquer criança maior de seis anos.
— A entrada é grátis se eles tiverem seis anos ou menos. Quantos anos eles têm?
Bobby informou que o menor tinha três anos e o maior, sete.
O rapaz da bilheteria falou com ares de esperteza:
— Se tivesse me dito que o mais velho tinha seis anos eu não saberia reconhecer a diferença. Poderia ter
economizado três dólares.
O pai, sem perturbar-se, disse:
— Sim, você talvez não notasse a diferença, mas as crianças saberiam que não é essa a verdade."

Fábio Serrano, MM

11 julho 2025

Como encontrar a Pedra Filosofal

Nos finais do último milénio, um jovem feiticeiro de nome Harry Potter viveu uma aventura que reacendeu o fascínio por um dos maiores mistérios da tradição esotérica, a Pedra Filosofal. Guardada nos subterrâneos da escola de magia de Hogwarts, protegida por encantamentos, dizia-se que essa pedra podia curar qualquer mal, conceder vida eterna e transformar metais comuns em ouro. 



Ao longo dos séculos, alquimistas desde as margens do Nilo até às bibliotecas da Europa medieval dedicaram-se incansavelmente à busca da Pedra Filosofal. Uns diziam que era um pó vermelho, outros um cristal brilhante, mas todos acreditavam que, uma vez descoberta, mudaria o mundo. Se alguém a encontrou, guardou muito bem esse grande segredo. pois o que resistiu ao tempo dos tempos foi a ideia. Um símbolo de algo maior, uma promessa de transformação total, não da matéria, mas do próprio ser humano.

Hoje, há quem a procure noutras oficinas, já não se usam caldeirões, colheres de pau ou retortas de vidro, mas malhetes, esquadros e compassos, não para manipular matéria, mas para trabalhar o espírito. Onde antes se fundiam metais, hoje talha-se o carácter, a pedra a encontrar não está fora, está dentro. É a nossa natureza bruta, imperfeita, que precisa de ser moldada com esforço, consciência e perseverança. E os instrumentos, embora simbólicos, são reais naquilo que exigem, silêncio, reflexão, disciplina e vontade.

Nesse processo, há quem siga um método, um caminho estruturado, transmitido por gerações, onde o simbolismo das ferramentas e dos gestos não serve para construir catedrais de pedra, mas para erguer um templo interior. Cada grau representa uma etapa da sua grande obra, o Aprendiz aprende a calar e a observar, o Companheiro investiga e explora, o Mestre assume a responsabilidade da sua própria transformação. É um processo exigente, mas claro, um mapa espiritual codificado em linguagem de construtores.

O caminho faz-se por etapas. Aprende-se a escutar, a duvidar, a reconhecer o erro. 

Cada avanço é uma pequena transmutação da ignorância em lucidez, do egoísmo em fraternidade, da vaidade em humildade. 

A pedra cúbica, símbolo de equilíbrio e perfeição, é o ideal a alcançar não para brilhar aos olhos dos outros, mas para integrar o edifício interior de quem somos.

A Pedra Filosofal não é algo que se possui, mas sim algo que se procura. É um caminho de aperfeiçoamento constante, onde cada gesto consciente nos aproxima do que podemos ser. Os antigos resumiram essa jornada numa fórmula enigmática: V.I.T.R.I.O.L. Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem. Visita o interior da terra, e rectificando encontrarás a pedra oculta, essa Pedra Filosofal é o melhor de nós, ainda por revelar.

João B. M∴M∴


07 julho 2025

O momento antes do último degrau

Conhecemo-nos há mais de trinta anos. Partilhámos colégio, tardes de conversa, viagens longas e silêncios confortáveis. A vida levou-nos por caminhos diferentes, sempre tivemos apetências profissionais diferente, mas a nossa vida mesmo sendo às vezes paralela, outras vezes afastada,  nunca esteve completamente desencontrada. 

Quando nos voltámos a cruzar com mais profundidade, eu já tinha encontrado na Maçonaria um espaço de construção interior, de questionamento e de sentido. E foi com naturalidade, embora com a responsabilidade que o gesto implica, que lhe estendi o convite.

Espantado e em dúvida, aceitou. Sem grandes cerimónias, como quem reconhece um caminho antigo, mas aquela questão de "Mas porquê Eu?". Desde então, não parou.

Vejo-o hoje, aplicado Companheiro já na soleira da porta do Oriente e reconheço nele a mesma dedicação e curiosidade que sempre admirei. Estuda o ritual até aos seus últimos pormenores, não para exibir, mas para honrar, entrega-se com precisão à liturgia, e é no silêncio da Coluna da Harmonia que mais se dá a conhecer. A música que ali brota, não é apenas som, é um traço da sua alma que nos tem embelezado as sessões nos últimos tempos.



O GADU, e também os mestres desta respeitável loja, decidiram que na próxima quarta-feira será elevado ao Grau de Mestre. Sei que está pronto, embora seguramente ele o duvide. Mesmo os mais fiéis podem ser provados, e é precisamente por manter-se firme, sem ceder ao que é fácil ou imediato, que poderá um dia reencontrar o que parece ter sido perdido.

Mas essa dúvida é necessária, porque o último degrau não se sobe com certezas, sobe-se com entrega. O ritual que o espera não é apenas uma cerimónia, é uma travessia. E nesse caminho entre sombras e símbolos, entre a perda e a luz reencontrada, cada gesto será mais verdadeiro quanto mais for sentido, e não apenas compreendido.

É um momento solene mas também íntimo, morre-se em silêncio, e renasce-se no olhar dos que nos reconhecem. O que se passa dentro daquela Loja, quando as luzes se apagam não se explica: vive-se, transforma.

Para mim, como seu padrinho, este momento tem um significado que as palavras não abarcam. É um círculo que se fecha, ou talvez uma espiral que se eleva. Espero que ele leve consigo não apenas os sinais, mas o sentido, que veja para além do véu, não com os olhos da razão que sempre cultivou, mas com a lucidez de quem aceita que há verdades que não se provam, apenas se vivem.

Que não te falte a coragem de acreditar no que ainda não entendes por inteiro e se continuares a duvidar, que te lembres, os degraus não nos são dados para subir, são nos dados para crescer.

João B. M∴M∴

30 junho 2025

IA e Maçonaria: uma nova ferramenta ou um atalho perigoso?

 “O que chamas de prompt engineering, eu chamo de preguiça mental.”

“Se usares isso para fazer pranchas, deixas de pensar por ti.”

“Isso do chatgpt, não é trabalho”

“Vai dar cabo do espírito iniciático.”

Ouvi tudo isto, e mais alguma coisa, de Irmãos que respeito e admiro e percebo o seu ponto de vista. A Maçonaria é, acima de tudo, um caminho pessoal, é natural que, quando se introduz algo novo, especialmente algo que parece vir do mundo da superficialidade, surjam resistências. É humano e os Maçons, mesmo que super Humanos, não deixam de ser Humanos.

Mas também é humano evoluir.

Depois de algumas discussões em conversas, àgapes ou até em Loja, de trocas de ideias mais acesas, outras mais serenas, decidi partilhar o meu ponto de vista sobre o papão que é a Inteligência Artificial, principalmente na "pessoa" do Sr ChatGPT. Não tenho certezas, nem quero ter razão, mas talvez o meu percurso com a Inteligência Artificial, ajude a desmontar alguns receios e a abrir espaço para um debate mais honesto.

Comecei com desconfiança, como qualquer um, mesmo usando-a profissionalmente nunca imaginei passar a fronteira para a vida pessoal profana e para os caminhos que percorro no templo. A primeira vez que pedi ajuda ao ChatGPT para uma prancha, o que recebi foi muito fraco, lixo, um texto genérico, sem sal, sem ponta por onde se lhe pegue, foi directamente para o arquivo morto. Mas a experiência ensinou-me que a IA não substitui o esforço, só responde à pergunta. E se a pergunta for mal feita, a resposta também o será.

Com o tempo, aprendi a usá-la para aquilo em que é realmente boa, pesquisar referências, estruturar ideias, encontrar pontes entre temas improváveis. Um dos casos mais curiosos foi um texto neste blog que escrevi sobre o que une o futebol e a Maçonaria, sem IA, talvez nunca tivesse avançado com ele. Com IA, penso que consegui fazer uma travessia de conceitos, símbolos e vivências que me surpreendeu a mim próprio. A "prompt" (o texto que se dá à IA para gerar algo) foi mais longa que a prancha final, mas valeu a pena.

Com o uso percebi que não se pede à IA que escreva por nós,  pedimos-lhe que penso conosco.

E tal como um Maçom usa o cinzel para desbastar a pedra bruta, eu uso a IA como ferramenta, não me tira o trabalho, mas ajuda-me a ver melhor onde cortar, onde polir, onde aprofundar.

Sim, há quem diga que isto tira autenticidade. Mas o que é mais autêntico? Um texto vazio, mas “feito à mão”, ou uma prancha onde cada frase foi revista, debatida, ajustada até que fizesse sentido, mesmo que com ajuda digital?

A diferença está na intenção, e a IA, como qualquer ferramenta, pode tanto ser usada para empobrecer como para enriquecer. O problema não está nela. Está em nós, ou como se diz corriqueiramente o problema está sempre entre a cadeira e o teclado.

Usar o ChatGPT sem contexto ou reflexão é como chegar ao gabinete de um arquitecto e dizer “quero uma casa”. Qual seria o resultado? A IA, tal como o arquitecto, devolve algo verdadeiramente alinhado com a visão do autor/dono da casa. A casa continua a ser nossa, mesmo que tenha sido desenhada com apoio especializado do arquitecto, o mesmo se aplica a um texto, uma ideia ou uma prancha, a autoria reside na clareza da vontade e na qualidade da orientação, não apenas no instrumento usado. 

Também já ouvi que “isto vai matar o espírito iniciático” e a verdade é que a IA não tem espírito nenhum, o espírito vem de quem a usa. E, até ver, nenhum Maçom deixou de ser Maçom só por ter usado uma nova forma de estruturar pensamentos.

Aliás, talvez o maior valor desta nova tecnologia esteja precisamente aí. Ensinar-nos a fazer melhores perguntas e a estruturar melhor as nossas ideias. A Maçonaria, mais do que dar respostas, sempre foi a Arte de perguntar bem.

Como dizia Einstein:
“The important thing is not to stop questioning. Curiosity has its own reason for existence.”

No fundo, a IA pode ser mais um espelho. Tal como cada um vê algo diferente diante da pedra bruta, cada Maçom verá nesta nova ferramenta aquilo que traz dentro de si. Há que abraçar a mudança e a evolução com vontade. 

"The greatest enemy of change is the illusion of security.",  John C. Maxwell



João B. M∴M∴ e também o Sr ChatGPT