01 junho 2007

A Santificação do Homem

O post de hoje, para desanuviar, é sobre um tema um pouco diferente da maçonaria , ou talvez não.

Reproduzo aqui uma comunicação que apresentei há umas semanas atrás no coloquio:
" Turres Veteras X - a Historia do Sagrado e do Profano"

O Texto foi escrito para ser lido e por isso perdoarão alguma incorrecção. As citações são extridas do Livro " Torá" editado recentemente pela editora Sefer do Brasil e consequentemente estão escritas em português do lado de lá.


A Santificação do Homem


Quando me foi lançado este desafio, de vir aqui falar sobre o Sagrado e o Profano do ponto de vista do judaísmo, aceitei sem saber bem o que iria dizer sobre o tema.

É importante lembrar que não sou Rabino nem estudioso de matérias religiosas pelo que corro o sério risco de vos apresentar algo que fique muito aquém das expectativas, mas é a minha visão do assunto.

O judaísmo enquanto religião e forma de vida visa sempre a santificação do homem numa perspectiva de o tornar mais próximo de Deus.

A religião judaica prescreve mandamentos e regras que se integralmente cumpridas representarão o respeito máximo por Deus e pela sua Santidade, e que não cumpridas farão do homem um profano que ao contrario do seu irmão cumpridor, no dia do julgamento poderá ser considerado como indigno de se manter vivo.

Todavia o homem está sempre a tempo de se arrepender e retornar ao caminho da santidade com isso glorificar Deus. Este arrependimento, que pode surgir a qualquer altura, está muito associado com o dia do Kipur. Dia de penitencia e arrependimento e também o dia em que cada judeu se apresenta perante Deus e lhe apresenta contas do que fez, esperando que o seu nome seja inscrito por Deus no Livro da Vida e que o seu arrependimento seja aceite.

Neste sentido e de forma a realçar a importância do percurso do homem, de cada homem, no sentido a elevação espiritual decidi ir buscar exactamente os trechos da Torá que explicam e regulamentam o dia de Kipur e de lá extrair o que me pareceu fundamental para ilustrar a perspectiva judaica sobre o sagrado e o profano, do ponto de vista do homem.

Uma breve explicação prévia, a Torá é composta por 5 livros (Bereshit – Génesis, Shemot – Êxodo, Vaycrá -Levitico, Bamidbar – Números e Devarim – Deutronomio) e constitui a lei fundamental do judaísmo, a lei dada por Deus a Moisés no deserto. Nestes livros poderemos encontrar desde a criação do Mundo aos preceitos alimentares e regulamentos familiares. Estes livros são lidos em capítulos semanais de maneira a que num período de um ano todos os livros tenham sido integralmente lidos e se recomece.

Estes são os livros de base do que se convencionou chamar de Bíblia.

Para ilustrar o tema de hoje escolhi algumas passagens e respectivos comentários, que penso poderão ajudar a explicar o que o judaísmo pensa e preconiza. Estas passagens estão incluídas no capítulo que regula o Dia de Kipur.


“... E tomarás os dois cabritos e os farás ficar diante do Eterno à porta da tenda da reunião. E lançará Aarão sobre os dois cabritos, sortes, uma para o Eterno e outra para Azazel. E aproximará Aarão o cabrito sobre o qual caiu a sorte para o Eterno e o oferecerá como oferta de pecado. E o cabrito sobre o qual caiu a sorte para Azazel colocar-se-á vivo diante do Eterno, para expiar por meio dele, para envia-lo para Azazel no deserto.


E colocará Aarão suas duas mãos sobre a cabeça do cabrito vivo, e manifestará sobre ele todas as iniquidades dos filhos de Israel, todos os seu delitos e todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do cabrito e o enviará, por mão de um homem designado para isso para o deserto. E levará o cabrito todas as iniquidades à terra desabitada e deixará o cabrito ir pelo deserto… “

Vaikrá (Levitico) 16: 7 a 10 e 21 a 22

Sobre este trecho da Torá o Rabino Mendel Diesendruck, que na década de 50 do sec. XX foi Rabino em Lisboa escreve o seguinte:


“ Sortes: os nossos exegetas interpretam esta cerimónia de sortear os cabritos como indicação simbólica para os dois diferentes elementos humanos e a sua maneira distinta de encarar os problemas da vida. Um encarna com o seu estilo de viver e pela pureza das suas acções e pensamentos aquela máxima gravada em muitas sinagogas com letras douradas por cima da Arca Sagrada, Shiviti Hashem Lenegdi Tamid (Tenho o Eterno sempre à minha presença), ou seja tudo o que eu faço e pretendo fazer é orientado e guiado por uma única motivação: Viver sempre dentro das prescrições da Torá, amar a Deus, o meu povo e a humanidade inteira; e para concretizar este meu ideal sublime não receio qualquer sacrifício.

Este elemento humano que representa pela nobreza do seu carácter a perfeição da criação Divina é o símbolo de “ para o Eterno” .

Mas existe também um elemento radicalmente oposto. É aquele ser humano cuja vida é claramente profana, cujos interesses nesta vida são de um materialismo vil, uma abjecção grosseira; o tipo de ser humano cujo maior ideal é o seu próprio ego, para o qual o meio ambiente não existe, porque ele é incapaz de dar algo de si.

Este tipo de homem vive na auto ilusão de ser um elemento útil à sociedade mas quem for capaz de deitar um olho para dentro da sua alma vazia e pobre, verificará facilmente que ele, coitadinho, não é mais que um bode isolado num deserto. Pois nós todos sabemos muito bem que existem não apenas desertos geográficos, mas também – e o que é mais lamentável – desertos espirituais, intelectuais, assim como existem climas que não dependem somente das condições atmosféricas, mas sim do calor das nossas almas e dos sentimentos de nossos corações. Este segundo elemento também não se importa em fazer toda a espécie de sacrifícios para alcançar o seu fim, mas é o fim próprio que distingue estes dois carácteres.

Enquanto para o primeiro o alvo é “ para o Eterno “ , a meta do segundo é orientada “ para Azazel “.
A cerimónia de sortear os bodes, oficiada no dia mais sagrado e pelo homem mais sagrado (o sumo-sacerdote) é talvez a mais bela e mais significativa demonstração de que o acaso pode ser um factor decisivo quando se trata de carneiros inocentes, mas nunca em relação ao homem responsável pelos seus actos. “

Mais à frente pode ler-se na Torá:

“… E falou o Eterno a Moisés dizendo: “ Fala a toda a congregação dos filhos de Israel, e lhes dirás: Santos sereis, pois santo sou EU o Eterno vosso Deus….” …”
Vaikrá (Levitico) 19: 1 e 2


A este propósito o Rabino Mendel Diesendruck escreveu o seguinte:

“Santos Sereis: Segundo Rashi (comentador mais importante da Torá) isto significa – “ afastai-vos de toda a espécie de imoralidade e da transgressão” – “

O Rabino Diesendruck retoma escrevendo:

“ O Judaísmo não conhece nenhum outro “santo” além de Deus. Em que consiste então a substancialidade de Deus? No “ser diferente”, no “ser fora” de toda a natureza e por isso na liberdade. A opinião que Deus Sive Natura é uma flagrante negação da doutrina básica do judaísmo. Fora da natureza é o reino da liberdade. “Santo” significa livre no grau mais transcendental. O homem nunca é fora da natureza; para o ser o humano só pode prevalecer sempre a “aspiração à santidade “, aspiração cujo objectivo é livrar suas acções de tudo o que é terrestre, material, fútil, mesquinho e profano, uma aspiração a que os seus sentimentos e desejos sejam determinados o máximo possível pela sua consciência divino-espiritual…”

O comentário é concluído com a seguinte afirmação:

“ Ser criado à imagem de Deus não é um facto consumado, mas sim uma elevada missão, uma potencialidade em constante desenvolvimento. “

Na mesma edição da Torá que utilizei e a propósito da mesma passagem os editores juntam o seguinte comentário:

“ Santos sereis: O homem não precisa de executar nenhum acto fora do comum ou feito extraordinário para ser santo. Em todas as esferas da vida o “fazer” e o “não fazer” de cada indivíduo é que o tornam santo. A singularidade do povo de Israel está no facto de que a vida e a santidade não são dois domínios separados. Quem deseja ser santo não precisa de se afastar da natureza, da vida, retirar-se da sociedade para ir viver no deserto, fechar-se asceticamente dentro de muros ou ir viver isolado para a floresta. Todos nós podemos ser “ um reino de sacerdotes e um povo santo” (Êxodo 19:6), e isso não se dará pelo afastamento ou renúncia da vida, mas sim através da santificação da vida, de acordo com o conselho: “ Reconhece-O em todos os teus caminhos” (Provérbios 3:6).”

Como podemos perceber destes comentários e do que atrás foi dito, no judaísmo é dado um especial enfoque ao homem como o decisor da santidade.

O Judaísmo preconiza valores e preceitos que permitem, se seguidos, ao homem tornar-se mais puro e mais santo, pois aproximam-no de Deus.

O homem tem a capacidade de progredir no caminho da sacralização por acção do seu livre arbítrio e vontade, cumprindo os mandamentos e preceitos e assim aproximando-se do seu Criador, à imagem do qual foi feito.

Este tema é no fundo uma das bases da sacralização pois podemos interpretar que o ter sido feito à imagem e semelhança quer dizer que lhe foi concedido raciocínio e poder de decisão.

Consequentemente o homem, ao contrário dos animais que agem por instinto, pode separar o bem do mal e pode escolher ser mais “santo” fazendo sobressair a centelha Divina que lhe foi incutida, ou por outro lado decidir uma vida mais profana.

É todavia importante perceber e diferenciar esta santificação do homem na religião judaica, da santificação / beatificação na religião Cristã. No judaísmo a Santificação é interior e exclusiva de quem segue o caminho dos mandamentos e será apenas reconhecida por Deus. Não existirá em caso algum a veneração de um homem por parte de outros homens.

Concluo com uma incerteza e uma certeza. A incerteza de vos ter trazido algo de utilidade, a certeza de ter aprendido com este trabalho e desta forma ter progredido um ínfimo passo no meu melhoramento.

Todavia se porventura a minha incerteza se tornar certeza então tenho que agradecer-vos pela oportunidade que me deram de dar mais um pequeno passo, neste caminho que todos deveremos levar no sentido da santidade.

Apenas com o trabalho interior de cada um independentemente da religião que seguimos poderemos de forma afirmativa progredir. A nossa progressão individual terá seguramente como consequência a progressão dos nossos semelhantes em direcção a um futuro que esperamos melhor.


José Ruah

Uma história da Maçonaria Britânica (1583-1717)

Prossseguindo com a divulgação do trabalho do Professor Andrew Prescott por ele apresentado na sua lição de despedida do Center for Research into Masonry da Universidade de Sheffield:

1583-1717


Em 1583, à fase do sindicalismo sucedeu a que David Stevenson chamou de “Século da Escócia”. Em 21 de Dezembro de 1583, William Schaw foi nomeado Mestre das Obras pelo rei James VI da Escócia. Dois dias mais tarde, surgiu um novo manuscrito, contendo, além do mais, cópias das lendas constantes primeiramente nos manuscritos de Regius e de Cooke. Esse novo manuscrito é hoje conhecido por Old Charges (Antigos Deveres). Circulou primeiramente entre trabalhadores de construção (maçons) escoceses. Schaw reformou radicalmente a organização dos maçons escoceses, através de dois conjuntos de regras aprovados em assembleias de maçons escoceses, em 1598 e 1599. Essas reformas incluíram, designadamente, o estabelecimento de Lojas separadas, organizadas numa base territorial, respondendo directamente perante um Vigilante Geral, realizando reuniões regulares e mantendo actas das mesmas. Há indícios de que Schaw procurou também interessar os membros destas Lojas nos novos desenvolvimentos existentes na época nos campos do esoterismo e da filosofia, tal como a designada “arte da memória”. As Lojas estabelecidas por Schaw começaram a ser pólos de atracção de elementos que não trabalhavam na construção, tais como Sir Robert Moray, que se tornou profundamente interessado nas lendas e no simbolismo do ofício de construtor (maçon).

Embora a organização dos maçons ingleses tenha permanecido mais informal e ad hoc, algumas das características evidenciadas pela organização escocesa começaram a surgir também em Inglaterra a partir de meados do século XVII. Em particular, as reuniões dos maçons também ganharam o interesse de elementos estranhos à profissão, como o cientista e antiquário Elias Ashmole e Randle Holme.

Em Londres, este processo de criar um grupo do elite com as organizações dos construtores (maçons) a fim de suportar as reivindicações e o prestígio da profissão conduziu ao aparecimento de um grupo interno dentro da Companhia dos Maçons de Londres, conhecido como os Aceites, que incluiu alguns dos mais prósperos arquitectos / construtores, bem como outros elementos como Ashmole.

Prescott elucida-nos assim acerca da evolução ocorrida com as organizações profissionais de construtores, criação no âmbito destas de lendas que suportassem as reivindicações profissionais daqueles, criação de Lojas separadas mas subordinadas a uma autoridade profissional central e progressiva evolução destas Lojas para além dos meros interesses corporativos, também para o esoterismo e a filosofia e, por via disso, integração nas Lojas de elementos estranhos à profissão, mas Aceites nas Lojas. É esta evolução que fundamenta a expressa denominação de muitas Obediências como sendo de Maçons Livres e Aceites. E assim ocorre também a evolução de uma organização meramente corporativa ou operativa, para uma outra realidade, a moderna Maçonaria especulativa.

Rui Bandeira

31 maio 2007

Nao que me preocupasse, mas...

Tenho ao longo deste ano assinado com o nome de JoseSR.

Este nome, uma composição feita com o meu nome e apelidos, não escondendo quem realmente sou, nao publicitava também.

Ora face às noticias que apareceram hoje na imprensa semanal, e face ao facto de o meu nome vir la referenciado ( não comento o artigo pelo menos para já) pensei que estaria na altura de mudar o meu "diz que é uma especie de pseudonimo", para o meu nome.

Assim poderão ver no Blog e no meu perfil já o meu nome.

Quanto à minha contribuição para este blog tem andado fraca, mas tenho 2 textos em escrita, sendo que um deles so pode ser publicado depois do Rui publicar um texto que sei que está a escrever.

Até lá, vou ver o que se arranja

Jose Ruah

30 maio 2007

A The Victorian Lodge of Research, n.º 218

Na Austrália, na região de Victoria, funciona, desde 30 de Outubro de 1911, data da sua Consagração, a Loja de Investigação The Victorian Lodge of Research, n.º 218.

Tal como a Loja de Investigação Britânica, a Quatuor Coronati, também esta Loja de Investigação australiana agrega a si um Círculo de Correspondentes a que se podem juntar os Mestres Maçons de todo o Mundo. A adesão ao Círculo de Correspondentes implica o pagamento de uma quota anual de 20,00 euros e dá direito a receber a publicação anual dos trabalhos apresentados em Loja e a assistir às reuniões da Loja, que reúne normalmente no Centro Maçónico de Victoria, situado em 300, Albert Street, East Melbourne, às quartas sextas-feiras dos meses de Fevereiro a Outubro.

São objectivos da Loja: a investigação maçónica, a difusão do conhecimento maçónico, o realce da grande Tradição da Ordem, a promoção do interesse em tudo o que constitua Maçonaria, sem quaisquer limites excepto o respeito pelos princípios maçónicos e o confronto com os problemas que se colocam à Maçonaria nos tempos actuais e com os desafios futuros, sendo seu entendimento que é do melhor interesse da Maçonaria que nenhuma opinião deixe de ser considerada, desde que apresentada com verdadeiro espírito maçónico.

No sítio da Loja estão disponíveis resumos de vários trabalhos apresentados em Loja, de que, a título de exemplo, destaco os intitulados Secrets and Freemasonry (Segredos e Maçonaria), Rites of Passage and Masonic Initiation (Ritos de Passagem e Iniciação Maçónica) e Symbolism and Design of the Masonic Apron (Simbolismo e Decoração do Avental Maçónico). Estão também disponíveis vários atalhos para sítios de outras Lojas de Investigação e outros sítios de formação maçónica.

O lema da Loja é SEQUENDO LAMPADA DISCO, que se pode traduzir por APRENDO SEGUINDO A LUZ.

A próxima reunião desta Loja de Investigação terá lugar no próximo dia 22 de Junho e nela o Irmão Paul Alexander, que já exerceu o ofício de Venerável Mestre da Loja, apresentará o trabalho intitulado Foi Napoleão Maçon? O terceiro Quartel do século XVIII.

Rui Bandeira

29 maio 2007

Uma História da Maçonaria Britânica (1425-1583)

Andrew Prescott é um historiador britânico especializado em História da Maçonaria. Foi director do Center for Research into Masonry (Centro para a Investigação da Maçonaria) da Universidade de Sheffield. Na página do Center for Research in Masonry existe um atalho para o texto da sua lição de despedida desse Centro para a Investigação da Maçonaria, proferida em 20 de Fevereiro de 2006, que se intitula A History of British Freemasonry: 1425-2000 (Uma História da Maçonaria Britânica: 1425-2000). Quem entender inglês, pode seguir esse atalho e ler essa notável lição.

O texto é interessantíssimo. É claramente um trabalho sério e objectivo de um académico competente. Não faz a apologia da Maçonaria Britânica, nem a critica ou ataca. Apresenta factos, interpreta-os e relaciona-os com os eventos, designadamente políticos, da respectiva época. Relata a evolução da Maçonaria tal como a mesma ocorreu, nos bons e nos maus aspectos e apresenta a sua interpretação das razões de ocorrência dos principais eventos. É uma peça imprescindível da cultura geral de um maçon e um texto esclarecedor para quem se interessa pelo fenónemo da Maçonaria.

Quer porque nem todos lêem fluentemente inglês, quer pelo interesse intrínseco das informações constantes desse trabalho, vou sumariá-lo aqui no blogue. Mesmo em sumário, a sua extensão é significativa. Opto assim por dividir o sumário em vários textos, que tenciono publicar alternadamente com textos de outros temas.

O Professor Prescott divide a História da Maçonaria Britânica em dez períodos: 1425-1583; 1583-1717; 1717-1736/7; 1737-1763; 1763-1797-8; 1798-1834; 1834-1855-6; 1856-1874; 1874-1967; e 1967-2000.

O resumo de hoje respeita ao primeiro desses períodos, 1425-1583.

As origens da moderna maçonaria como um movimento social encontram-se nas fraternidades religiosas que floresceram particularmente após a peste negra de 1349. Essas fraternidades existiram primeiramente para encomendar e pagar orações pelas almas dos seus membros, mas começaram a ser utilizadas por determinados grupos dos artesãos para assumirem a responsabilidade pela regulamentação das respectivas actividades. A peste negra tinha causado uma falta de artesãos hábeis e o governo esforçou-se por tentar manter os salários baixos. A tensão inflaccionista era particularmente aguda nas profissões ligadas à construção. Em 1425, foi publicada legislação proibindo os trabalhadores da construção de se organizarem para exigir salários mais elevados. É neste evento que nós podemos encontrar a causa para o início dos mitos da maçonaria. Os grupos de construtores em pedra desenvolveram uma lenda de que lhes tinham sido dadas cartas-patentes antigas, permitindo que se organizassem. Reagiram também contra a estratificação crescente da sua profissão, desenvolvendo lendas que procuraram demonstrar que todos os trabalhadores de construção (maçons) eram irmãos com estatuto igual. Os dois manuscritos que registam estas lendas, preservados na Biblioteca Britânica e conhecidos como os manuscritos de Regius e de Cooke, foram usados aparentemente para ultrapassar a proibição de organização. As lendas constantess dos manuscritos Regius e Cooke, e em especial a reivindicação de que os maçons tinham recebido uma carta-patente do (inexistente) príncipe Edwin, um alegado filho do rei anglo-saxão Athelstan, permanecem de importância fundamental para o entendimento da moderna Maçonaria. Estas lendas obtiveram um novo impulso em meados do século XVI, quando nova inflação conduziu a novas tentativas de restringir os salários dos artesãos. Em 1552, os líderes de uma greve de trabalhadores da construção em York foram presos. Em resposta, ocorreu uma mais substancial elaboração das lendas que constavam em Regius e Cooke, com a concessão por Edwin de uma carta-patente especificamente aos trabalhadores da construção (maçons) de York, um detalhe novo que pretendeu aparentemente reforçar a posição destes. Esta primeira fase da história da Maçonaria poderá ser chamada a fase do sindicalismo.

Rui Bandeira

28 maio 2007

A eleição do Terceiro Venerável Mestre

O terceiro Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues foi José C. C.. Todas as circunstâncias apontavam para que o seu mandato fosse difícil, e foi-o. Mas José C. C. cumpriu o que se espera de um Venerável Mestre: recebeu o malhete, símbolo do seu poder de direcção da Loja, do seu antecessor e transmitiu-o, não pior do que o recebera, ao seu sucessor.

Naquele início de Verão de 1992, a Loja Mestre Affonso Domingues ia proceder à eleição do sucessor de José M. M.. A contra-gosto! Era praticamente unânime a opinião de que ele deveria assegurar um novo mandato. Mas José M. M. não concordava. Tinha mesmo tido o cuidado de ter providenciado pela aprovação, pela Loja, do seu Regulamento Interno, nele tendo incluído uma disposição que previa que o Venerável Mestre só podia exercer o máximo de dois mandatos consecutivos. Apesar da argumentação dos demais membros de que ele só tinha sido eleito uma vez (o seu primeiro mandato ocorrera por designação mediante decreto do Grão-Mestre), a sua posição era definitiva: já tinha cumprido dois mandatos, chegara a hora de transmitir o malhete de Venerável Mestre a outrem.

José C. C. fora fundador da Loja. Na carta-patente desta figurava como 2.º Vigilante fundador. O Venerável Mestre fundador não chegara a assumir efectivamente o ofício, por razões de saúde, tendo sido, então, substituído por José M. M., por decreto do Grão-Mestre. O 1.º Vigilante fundador, Hélder V. entretanto fora encarregado de dirigir uma outra Loja, em acumulação com o seu ofício de Grande Oficial e teve, por isso, de abandonar a Loja. José C. C. passou, assim, a exercer o ofício de 1.º Vigilante e era o sucessor natural de José M. M..

O problema era que as suas características pessoais não o tinham feito particularmente popular entre os demais obreiros. A Loja ansiava pela continuação da liderança de José M. M. e, confrontada com essa impossibilidade, queria alguém do mesmo estilo: interveniente, popular, bom condutor de homens, extrovertido e emotivo. José C. C. era precisamente o oposto: tímido, era algo desajeitado no relacionamento com todos aqueles que não pertenciam ao seu núcleo restrito de amizades; retraído, não demonstrava um décimo da emotividade de José M. M.; monárquico e politicamente conservador, e ainda por cima sofrendo os efeitos de ser sempre acompanhado por seu pai, um truculento ultra-conservador que não raras vezes não se coibia de infringir a regra que excluía a política da Maçonaria, não conseguira granjear o apoio dos demais membros da Loja para ocupar a Cadeira de Salomão, isto é, o lugar de Venerável Mestre; embora tendo sido um fiel lugar-tenente de José M. M., deixara-se ofuscar e, mesmo, anular pelo brilho da liderança deste e ninguém o via como Venerável Mestre.

Até que José M. M. voltou a sacar da sua cartola mais um passe da sua liderança: num convívio informal - em que, convenientemente, José C. C. não estava presente... (isto só foi percebido depois, e apenas pelos mais atentos) -, José M. M. convence todos de que a Loja devia, desde o princípio, prevenir o perigo de lutas intestinas pelo efémero "poder" do ofício de Venerável Mestre - todos concordaram; que a melhor forma de o fazer era instituir um critério transparente e lógico, logo, aceite por todos ao longo dos tempos, de escolha do Venerável Mestre - todos deram o seu acordo; esse critério era o da eleição do sucessor natural do Venerável Mestre em exercício, o seu primeiro Vigilante - breve instante de silêncio enquanto cada um percebia como fora habilmente conduzido a esta conclusão, seguido de um coro de discordância, não pelo princípio, mas em função do concreto 1.º Vigilante que seria então eleito Venerável Mestre; José M. M. deixou que os protestos fossem desabafados, fluir os argumentos, pairar os desacordos quanto à figura do sucessor e, pacientemente, fez ressaltar as vantagens de evitar lutas pelo poder na Loja, demonstrou que o Venerável Mestre só tinha o poder que a Loja lhe desse, que só conseguia fazer o que a Loja deixasse - muitos, mas já não todos, mantinham a discordância; argumentou que o facto de a Loja seguir o critério da sucessão natural, mesmo que muitos não apreciassem que em concreto determinada pessoa fosse o eleito, só fortaleceria o espírito de corpo da Loja, que, afinal de contas, um ano passava depressa e que, no final, a Loja sairia reforçada com a experiência, que a qualidade dos seus obreiros sempre compensaria eventuais deficiências do Venerável Mestre... - e, a pouco e pouco, foi vencendo as resistências e, no final, obteve a unânime, embora resignada, aprovação de todos para a eleição de José C. C.. E, de passagem, criou um paradigma (correcto) que ainda hoje perdura: qualquer Mestre da Loja pode ser Venerável Mestre; com mandatos anuais, qualquer Mestre minimamente interessado terá a oportunidade de vir a ser Venerável Mestre; em termos de normalidade, não faz sentido, assim, a pugna eleitoral (embora se mantenha sempre o sistema de eleição), por regra elege-se o 1.º Vigilante para exercer o ofício de Venerável Mestre no ano seguinte.

Obtido o acordo da Loja para a eleição de José C. C., havia ainda um outro problema: a José C. C. não passara despercebida a contestação à sua eleição - como poderia passar despercebida?- e isso magoava-o, talvez até ao ponto de ele vir a não estar disposto a assumir o ofício. José M. M. tem então um segundo golpe de asa: combina pessoalmente com cada um dos Mestres presentes na sessão de Loja de apresentação de candidaturas que, quando circulasse o Saco das Propostas, cada um introduzisse nele a proposta de candidatura de José C. C.. Obtém de todos o acordo para tal. E, após ter circulado o Saco das Propostas, José C. C. viu que o seu nome fora proposto por todos os demais Mestres presentes. Melhor declaração de apoio não podia ter - sobretudo ocorrida após contestação aberta... E claro que aceitou a candidatura. Até hoje, assim se continua a proceder na Loja Mestre Affonso Domingues: na sessão de apresentação de candidaturas, todos os Mestres colocam no Saco das Propostas a proposta de candidatura ao ofício de Venerável Mestre do 1.º Vigilante em funções. É a demonstração simbólica que toda a Loja dá do seu apoio incondicional ao Irmão que irá exercer o ofício de a dirigir por um ano.

E, na sessão seguinte, José C. C. foi tranquilamente eleito Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues, para o período de Setembro de 1992 a Setembro de 1993!

Os símbolos também se criam! E as boas tradições estabelecem-se naturalmente quando se procura actuar, de forma transparente e coerente, pelos bons motivos, em benefício de todos!

Rui Bandeira

25 maio 2007

Diálogo (VII - e último)

- Na próxima sessão da Loja vais ser iniciado. É altura de tirar as últimas dúvidas.

- Não sei se serão as últimas, ou apenas as que sobram das primeiras, mas são três.

- Vamos lá, então.

- Primeira: sei que vou entrar numa Loja onde tu estás. E se não gostar? Fico amarrado a essa Loja para sempre?

-
Salvo circunstâncias excepcionais, o candidato é dirigido para a Loja do seu primeiro proponente. As razões disso são evidentes: o proponente é o elemento de ligação entre o candidato e o grupo onde se vai inserir e facilitará a sua integração nele; por outro lado, essa foi a Loja que procedeu às inquirições, que avaliou o candidato e recolheu os elementos que lhe possibilitarão providenciar pela harmoniosa integração do novo elemento. Mas o maçon não está preso à Loja em que foi iniciado, a sua Loja-mãe. Uma vez que tenha sido elevado a Mestre, poderá mudar de Loja ou filiar-se em mais do que uma Loja.

- E antes disso?

- Normalmente, o Aprendiz e o Companheiro não mudam de Loja, quer porque estão em plena formação, que deve decorrer sem sobressaltos, quer porque nem sequer tem o suficiente conhecimento da da Obediência para conscientemente optar. Mas esta não é uma regra absoluta: já houve vários casos, por diferentes razões (mudança de localidade de residência, por exemplo) em que ocorreu a mudança de Loja de Aprendiz ou de Companheiro. Evidentemente que, nesses casos, deve formar-se uma conjunção de vontades, do próprio, dos Veneráveis Mestres da Loja de origem e da Loja de destino e não haver objecção da Grande Loja.

- Segunda questão: como faço o pagamento da jóia de iniciação?

- No próprio dia, antes de eu te conduzir às instalações onde vais ser iniciado, entregas-me o cheque. Eu tratarei de o entregar ao Tesoureiro da Loja e depois de te dar o respectivo recibo...

- Dá para descontar no IRS?

- Querias... Vai sonhando... Mas, continuando com o assunto do pagamento da jóia, isso é tratado antes de seres conduzido ao Templo para que, uma vez lá, nenhum assunto de natureza profana te distraia do que vais viver. A propósito, aconselho-te a, nesse dia, não usares pulseira ou fio.

- Porquê?

- Vais ser iniciado. Deves deixar os metais à porta do Templo. Isso simboliza que a materialidade profana deve estar afastada da espiritualidade maçónica. Se não levares pulseira ou fio, não será necessário que tos retiremos... Quanto ao resto, já sabes: fatinho escuro, sapatinho preto, camisinha brança, gravata preta... Ou seja, por uma vez na vida vais-te vestir decentemente..

-Conversa sem piadinha não é conversa, já vi.. Nem te respondo. Prefiro colocar a terceira questão...

- Força!

- Como vai ser a Iniciação?

- A essa não te respondo! A Iniciação é para ser vivida, não é para ser contada!

Rui Bandeira