Liberdade - um ponto de vista de um profano
O nosso já conhecido José Restolho enviou-me uma nova reflexão. Devidamente autorizado, aqui a publico
Caros amigos e leitores, enquanto os meus olhos deambulavam pelas páginas do livro “O Profeta” de Khalil Gibran, encontrei uma serie de passagens que gostaria de partilhar convosco e de reflectir um pouco sobre elas. Para quem não conhece, Khalil Gibran (1883 - 1931) foi um ensaísta, filósofo, prosador, poeta, conferencista e pintor de origem libanesa, cujos escritos são repletos de profunda e simples beleza e espiritualidade. Infelizmente não consegui apurar se possuiu ou não alguma ligação à Arte Real. Mas, maçon ou profano, penso que seja indiscutível a sua genialidade e o seu elevado sentido de reflexão. Transcrevo então um excerto d’ “O Profeta” sobre a liberdade (pretendo noutras ocasiões partilhar mais alguns textos deste autor):
“E um orador disse, Fala-nos da Liberdade.
E ele respondeu:
Às portas da cidade e junto à lareira já vos vi prostrados a venerarem a vossa própria liberdade. Tal como os escravos se curvam perante um tirano e o louvam enquanto ele os açoita. Ah, no bosque do templo e à sombra da cidadela já vi os mais livres de entre vós usarem a liberdade como grilhetas. E o meu coração sangrou por dentro; pois só se pode ser livre quando o desejo de encontrar a liberdade se tornar a vossa torta e quando deixardes de falar de liberdade como objectivo e plenitude. Sereis verdadeiramente livres não quando os vossos dias não tiverem uma preocupação nem as vossas noites necessidades ou mágoas. Mas quando estas coisas rodearem a vossa vida e vós vos ergais acima delas, despidos e libertos. E como vos podereis erguer para lá dos dias e das noites a menos que quebreis as cadeias que, na aurora do vosso conhecimento, apertastes à volta do entardecer? Na verdade, aquilo a que chamais liberdade é a mais forte dessas cadeias, embora os seus aros brilhem à luz do sol e vos ofusquem a vista. E o que é isso senão fragmentos do vosso próprio ser de que vos libertareis para vos tornardes livres?
Se se trata apenas de uma lei injusta que ireis abolir, essa lei foi escrita com a vossa mão apoiada na vossa frente. Não podereis apagá-la queimando os livros das leis, ou lavando as frontes dos vossos juízos, embora despejeis o mar sobre eles. E se é um déspota que ireis destronar, certificai-vos primeiro de que o trono erigido dentro de vós também é destruído. Pois como pode um tirano mandar sobre os livres e os orgulhosos, senão exercendo a tirania sobre a liberdade deles e sufocando-lhes o orgulho? E se se trata de uma preocupação que quereis fazer desaparecer, essa preocupação foi escolhida por vós e não imposta. E se é um receio que quereis afastar, a origem desse receio reside no vosso coração e não na mão daquele que receais. Na verdade, todas as coisas se movem dentro do vosso próprio ser em constante meia união, o desejado e o receado, o repugnante e o atraente, o perseguido e o de quem quereis escapar. Estas coisas movem-se dentro de vós como luzes e sombras, aos pares, agarradas. E quando a sombra se desvanece e deixa de ser, a luz que resta torna-se sombra para uma nova luz.
Por isso, a vossa liberdade quando perde as cadeias torna-se ela própria uma cadeia de maior liberdade.”
Ao olhar não só o que nos rodeia como também para dentro mim, apercebo-me que vivemos constantemente “agrilhoados” não conseguindo assim ser verdadeiramente livres. Esses “grilhões”, podem ser vários e de variadas formas. Orgulho, preconceito, preguiça, vaidade, medo (já lá diziam os sábio do país do sol nascente, “o medo tira a fluidez à mente”) … Tantos mais poderiam aqui ser enunciados. Penso que a questão que devemos de nos propor a responder a nós próprio é se seremos realmente livres. Podermos estar com quem gostamos, fazer aquilo que se gosta, etc, é um excelente começo. No entanto, e isto trata-se apenas de uma humilde opinião pessoal, o caminho para a verdadeira liberdade passa sem sombra de dúvida pela busca do conhecimento e do auto-aperfeiçoamento (sempre conscientes da perenidade da nossa condição de aprendizes nesta vida). Para terminar, gostaria apenas de deixar uma questão no ar:
- Será a verdadeira liberdade algo inatingível? Uma ilusão da vida que se materializa apenas quando atravessamos para o Oriente Eterno? Será tal como a perfeição que, embora a sua busca nos permita evoluir e construir o nosso templo interior, não passa de uma mentira da vida, um caminho eterno, sem fim, que aumenta de tamanho sempre que pensamos que avançamos um pouco? Passo a palavra à reflexão…
Não quero - até pela extensão do texto do José Restolho - fazer grandes comentários. Penso que esta visão é uma visão relativa, não cobrindo - nem porventura pretendendo cobrir - todos os aspetos do conceito. Penso, na esteira do texto, que a maior Liberdade é a liberdade interior, do pensamento. E que é importante que nos libertemos do que nos tolhe para o seu pleno exercício: preconceitos, receios, autocensuras e por aí fora.Mas a Liberdade perante o outro e a sociedade não devem ser apenas palavras vãs. E sobretudo não esquecer, nunca, que a Liberdade é uma medalha que tem outra face: Responsabilidade. Sobretudo no respeito e garantia da Liberdade dos demais.
Não vou estragar o texto do Restolho com mais considerações.
Rui Bandeira