27 agosto 2010

Brincadeira de "gente crescida"




Perguntou um dos leitores habituais do A-Partir-Pedra, no comentário ao texto "Os sinais de reconhecimento": "Continuo a considerar tudo isto um brincadeira de “gente crescida”. Para quê? Ensinamentos que os maiores filósofos do mundo não tenham explicado?" A pergunta é tão pertinente que, tendo tencionado inicialmente responder-lhe nos comentários, acabei por decidir dedicar-lhe o texto de hoje.

Comecemos então por uma analogia. Existem milhentas formas de perder peso: dietas equilibradas, dietas malucas, jejum, exercício moderado, exercício pesado, exercício combinado com dietas, bulimia, enfim... Há para todos os gostos. No fim, todas têm o mesmo objetivo: perder peso. De uma forma mais lata, podemos ainda explorar o objetivo "ser saudável". Aí entram, além das dietas e do exercício, as pulseiras magnéticas milagrosas, os chás de tudo e mais alguma coisa, as noites de sono bem passadas, as almofadas mágicas, o auto-controlo, a alternância equilibrada entre períodos de descanso e períodos de trabalho, os amuletos, o cumprimento de determinados rituais, enfim... Todas elas nos prometem mais e melhor saúde. Umas serão globalmente mais eficientes do que outras - e não esqueçamos que a eficiência é diferente de pessoa para pessoa - e umas terão mais contra-indicações do que outras. No fim, cada um deverá procurar aquela que mais se lhe adequa, e pode, até, conseguir bons resultados combinando vários métodos ou aplicando apenas parte deles.

Do mesmo modo, tudo o que a Maçonaria ensina de substantivo pode ser encontrado de muitas outras formas: através de várias religiões, de diferentes correntes filosóficas, de palestras, de "gurus" privados, ou, para quem se disponha a despender algum do seu tempo, através até de uma boa biblioteca pública. O que a Maçonaria tem de único é o método, o meio, a forma. Não há ensinamentos exclusivos da Maçonaria que não sejam instrumentais, ou seja, que não digam respeito ao método e não ao fim, ao objetivo. Por isso, quem procura na Maçonaria ensinamentos exclusivos, secretos, reservados, e que o resto do mundo desconheça, então desengane-se: não há. Já aqui foi dito, bem como explicado o que a Maçonaria não revela e porquê. Os símbolos, as alegorias, os "segredos de grau"? Não passam de instrumentos, simples andaimes, meros artefactos que suportam, ilustram e consolidam os verdadeiros ensinamentos.

Mas que ensinamentos são esses, afinal?! Ah, esses são tão únicos como único é cada indivíduo! Pretender sabê-los seria como, através da descrição das técnicas de pintura de um dos grandes Mestres, pretender saber o que viriam a representar as telas pintadas por cada um dos seus discípulos... A Maçonaria apenas indica os princípios, e esses são bem simples: a fraternidade, a entre-ajuda, a tolerância perante a diversidade, a crença num Princípio Criador, o trabalho como meio de obter resultados, o desenvolvimento intelectual, a procura do Bem e da Virtude, o combate ao Vício e às Paixões, e tudo isto focado em cada um, do modo que este melhor entenda que mais lhe aproveita para atingir os objetivos que definiu para si mesmo. É, por isso, impossível dizer-se que ensinamentos é que a Maçonaria transmite: era preciso, para isso, que cada um estivesse ciente dos mesmos - que, tantas vezes, são absorvidos quase que "por osmose", pelo contacto com ideias alheias, sem que sejam propriamente sequer verbalizados, e por vezes nem mesmo conscientemente apercebidos, o que traz a segunda dificuldade: mesmo que apercebidos, podem não se conseguir transmitir senão de forma imperfeita. Pensemos como explicaríamos como se pinta a alguém que nunca pegou num pincel, mas sem o fazer passar pela experiência de conspurcar dezenas de telas brancas, nem se besuntar nas tintas, ou passar pelo experimentar, olhar e tentar de novo...

Por fim, quem considere ser a Maçonaria uma "brincadeira de gente crescida" deve recordar que:
  • a Maçonaria Regular não faz proselitismo, ou seja, não faz convites nem recruta novos membros, pelo que ninguém pode acusar a Maçonaria de o ter arrastado para um erro; cada um dos que adere à Maçonaria fá-lo pelo seu próprio pé, por sua própria opção e no exercício da sua própria liberdade.
  • apesar de nem todos serem livres de entrar, todos são livres de sair quando entendam; não queremos entre nós gente contrariada; há inúmeras formas de aumentarmos o nosso potencial humano e espiritual, das quais a Maçonaria é apenas mais uma.
  • como os meios de emagrecimento, cada um deverá procurar o que mais se lhe adequa; de facto, aos olhos de quem faça exercício duro uma ou mais horas por dia, uma pessoa dedicar-se ao vegetarianismo como único meio de emagrecer pode parecer uma "brincadeira de gente crescida"; se de facto o é ou não, já é questão completamente diferente...

Paulo M.

25 agosto 2010

O terceiro Grão-Mestre

O terceiro Grão-Mestre da GLLP/GLRP foi José Manuel Morais Anes. Exerceu essas funções entre 2001 e 2004. Coube-lhe assumir a tarefa da retomada da normalidade, após o tumultuoso mandato do seu antecessor. Garantida que fora por este a continuação do reconhecimento internacional da GLLP/GLRP como a única Potência Maçónica Regular em Portugal, José Manuel Anes, na frente internacional consolidou a normalização das relações. Com ele, virou-se a página e retomou-se o caminho.

Também na frente interna o mote do trabalho do Grão-Mestre José Manuel Anes foi a retomada e consolidação da normalidade. Paulatina mas firmemente, deixou bem claro que o passado era passado e que, mais do que recordar eventos, o que interessava era que cada um prosseguisse o seu trabalho de aperfeiçoamento pessoal, que cada Loja exercesse a sua função de enquadramento e catalisador do trabalho dos seus elementos.

Bem-disposto, bonacheirão, sempre com um sorriso na cara, José Manuel Anes transmitiu a todos a sua confiança. E o seu mandato foi um percurso em crescendo para a normalidade...

O Grão-Mestre José Manuel Anes recebeu uma Grande Loja ainda marcada pelos eventos que ofuscaram o mandato do seu antecessor e transmitiu ao seu sucessor uma Grande Loja estabilizada, confiante e em velocidade de cruzeiro. Podemos e devemos, sem dúvida alguma, considerar, com toda a justiça, que foi o homem certo a segurar na altura certa o leme da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP.

Eis o seu currículo, reunindo informação registada no sítio da GLLP/GLRP e na página a ele dedicada na Wikipédia:

Nascido em Lisboa a 21-6-1944.

Residente na Costa da Caparica.

Licenciado em Química, pela Faculdade de Ciências de Lisboa, em 1975 (Bacharel em 1973).

Nos anos 70 foi assistente de Biomatemática na Faculdade de Medecina de Lisboa (HSM) - 1976-77 e 1977-78 - e, tendo sido equiparado a bolseiro, frequentou um curso de pós-graduação em Química-Física Inorgânica na Fac. de Ciências da Universidade Complutense de Madrid e estagiou em Catálise e Catalisadores no Instituto de Química-Física do Conselho Superior de Investigações Científicas de Madrid. Foi durante vinte anos Perito Superior de Criminalística do Laboratório de Polícia Científica da P.J.; actualmente está na situação de aposentado.

Desde 1986,é docente convidado de Matemáticas para as Ciências Humanas do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade onde tem lecionado também Métodos Quantitativos no Departamento de História, Estatística e no de Ciência Política; desde o ano de 2000-2001, leccionou também, na FCSH da UNL, a cadeira de Antropologia da Religião no Departamento de Antropologia, nos anos de 2000-2001 e 2001-2002. Tem dado, desde 1998, Cursos livres sobre História das Correntes Esotéricas, Novos Movimentos Religiosos e "New Age", no Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões da mesma Faculdade, e também no Centro Nacional de Cultura, os último dos quais se intitularam "Violência e Novos Movimentos Religiosos" e "Esoterismo e Política". Foi Assessor Cultural da Fundação Cultursintra, em 1996 e 1997, sendo Medalha de Prata da C.M. de Sintra em virtude da sua iniciativa pessoal que conduziu à classificação da Quinta da Regaleira pelo IPPAR como imóvel de interesse público e também pelos estudos realizados (um dos quais foi apresentado em Londres na Cornerstone Society - ver o resumo da conferência em www.workingtools.org) e pela divulgação da mesma Quinta. Foi Presidente da Academia de Estudos Ibero-árabes (1995/97) e Vice-Presidente da Associação Fernando Pessoa (1999-2000).

É membro correspondente em Portugal da Associação "ARIES" (de Estudos e Informações sobre Esoterismo) dirigida pelo Prof. Antoine Faivre da EPHE (Sorbonne), do CIRET (Centro de Estudos sobre Transdisciplinaridade) dirigido por Basarab Nicolescu (Paris) e das seguintes Associações de estudos dos Novos Movimentos Religiosos: a francesa AEIMR dirigida por Bernard Blandre e a italiana CESNUR (Torino) dirigida pelo Doutor Massimo Introvigne (Torino). Foi Director da "Biblioteca Hermética" da Hugin Editores, onde publicou obras de diversos autores, entre os quais Lima de Freitas, Gilbert Durand, Adalberto Alves, Carlos Calvet, etc.

É um especialista de Correntes Esotéricas Ocidentais, sendo membro da ESSWE- European Society for the Study of Western Esotericism, dirigida pelos Profs. Wouter Hanegraaff (Univ. Amsterdão) e Antoine Faivre (Jubilado da EPHE-Sorbonne).

Organizou, em 2000, a pedido da Câmara Municipal de Cascais/Pelouro de Cultura, o Colóquio internacional "Fernando Pessoa, o Esoterismo e Aleister Crowley" que contou com as participações, entre outros, dos grandes especialistas universitários de esoterismo e de "novos movimentos religiosos", Antoine Faivre, Massimo Introvigne e Gordon Melton e dos pessoanos Maria Aliette Galhós, Manuela Parreira da Silva e Luis Filipe Teixeira.

Escreveu prefácios para vários livros, os últimos dos quais para “O Pensamento Maçónico de Fernando Pessoa” de Jorge de Matos (Sete Caminhos, Lisboa, 2006) e “La Franc-Maçonnerie comme Voie d’Éveil” de Rémi Boyer (Rafael de Surtis/Éditinter, Monts, França, 2006).

Para além da sua formação em Criminalística, desde 1999, tem-se dedicado também, no quadro da Socio-Antropologia, particularmente no domínio do estudo da Violência em “Seitas” e grupos religiosos radicais, tem sido Docente de cursos sobre Violência Religiosa e Terrorismo Religioso, quer no ISER, a partir de 2001, quer em 2006, na Reitoria da Universidade (Clássica) de Lisboa, na Universidade Autónoma de Lisboa e na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, num curso de Pós-graduação e Mestrado em Estudos Avançados de Segurança e Direito, onde lecciona as cadeiras de Violência Religiosa e de Criminalística. É co-autor no livro “As Teias do Terror” (Ésquilo, 2006).

Foi (desde 2004) Vice-Presidente do OSCOT- Observatório de Segurança, Crime Organizado e Terrorismo e é, desde o início de 2010, o seu Presidente. É Director da revista para o grande público intitulada “Segurança e Defesa”.

Bibliografia publicada:

"Re-creações Herméticas", Hugin, Lisboa, 1ª. ed. 1996, 2ª. ed. 1997; "O Esoterismo da Quinta da Regaleira", Hugin, Lisboa, 1ª. ed.1998, 2ª ed. 2000, 3ª ed. 2003. "Maçonaria Regular - Maçonaria Universal" - Hugin, Lisboa, 2003. "Re-creações Herméticas - II" - Lisboa, Hugin; “Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos” – Lisboa, Ésquilo, 1ª. E 2ª. Eds., 2004;“Os Jardins Iniciáticos da Quinta da Regaleira” – Lisboa, Ésquilo, 2005.
Com outros autores: "As Tentações de Bosh e o Eterno Retorno", Lisboa, Museu de Arte Antiga, 1994; "Poesia e Ciência", Lisboa, Cosmos/GUELF, 1994; "Caos e Meta-Psicologia", Lisboa, Fenda/ISPA, 1994; "Religião e ideal maçónico", Lisboa, ISER, 1990); "Seminário sobre Newton", Évora, Universidade de Évora/CEHFC, 1995; "Masoneria y religión", Madrid, Ed. Complutense, 1996; "A Vivência do Sagrado", Lisboa, Hugin, 1998, "A Quinta da Regaleira: história, símbolo e mito", Fundação Cultursintra, 1998; "Portugal Misterioso", Lisboa, SRD, 1998; "L'Âme secrète du Portugal", Paris, L'Originel, nº 9, 2000; "L'Homme à venir - Mémoire du XXe.siècle - nº.2", Paris, Rocher, 2000; "Discursos e práticas alquímicas - I", Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2001; "Esoterismo e Humanidades" -Colibri/Faculdade de Letras de Lisboa, 2001; "Discursos e práticas alquímicas - II" - Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2002; "O Homem do futuro - um ser em construção" - São Paulo -Br., Triom/USP, 2002; "A Creação - La Création" - Lisboa, Atalaia/Intermundos, 2003; "Le Sacré aujourd'hui" - Paris, Rocher, 2003; “Templiers: les yeux du Baphomet” – Monts (Fr.), Rafael de Surtis/Editinter, 2004.

Percurso Maçónico

Foi iniciado Maçon no Grande Oriente Lusitano, em 1988, tendo saído em 1990, para constituir a Grande Loja Regular de Portugal-GLRP, onde fundou a Loja "Quinto Império" e onde foi sucessivamente, até finais de 1996, Grande Inspector, Assistente de Grão-Mestre e Vice Grão-Mestre. A partir de 1997, continuou a integrar a Grande Loja Legal de Portugal/GLRP - potência regular internacionalmente reconhecida pela Maçonaria Universal - de que foi, a partir dos começos de 2001, Grão Mestre, até Março de 2004.

Foi de 1995 a 2000, Grão Prior do Grande Priorado Independente da Lusitânia da Ordem dos CBCS (Altos Graus do Rito Escocês Retificado).

É CBCS-Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa (armado na Prefeitura de Genève do Grande Priorado Independente da Helvécia, de que é Membro de Honra), Cavaleiro maçónico de Malta - KM (armado no Grande Priorado da Gálias, em Paris), do Grande Priorado de Inglaterra e Gales) e 33º., Grau honorário do Rito Escocês Antigo e Aceite (Supremo Conselho para Portugal).

É membro do Supremo Grande Capítulo do Arco Real de Portugal e do Conselho Críptico para Portugal (Mestres Reais e Escolhidos) - altos graus do Rito de York. É ainda Cavaleiro do Conclave "Henrique de Borgonha" do Grande Conclave Imperial para a França da Ordem Maçónica e Militar da Cruz Vermelha de Constantino e das Ordens do Santo Sepulcro e de S. João Evangelista. É IXº. Grau e membro honorário do Colégio dos "Supreme Magus" da Sociedade Rosacruciana dos EUA ("Societas Rosacruciana in Civitatibus Foederatis" e ainda membro da "Societas Rosacruciana in Lusitania (SRIL).

É membro de honra da Loja "Oldest Ally" da Grande Loja Unida de Inglaterra, Companheiro do Arco Real inglês (Capítulo "Benaventa" de Northamptomshire), Cavaleiro Templário - KT de Honra (Capítulo "Holy Cross" de Northamptonshire, "Supreme Ruler" da Ordem inglesa do "Secret Monitor" e do Conclave "Olissipus Fidelis" (a Oriente de Lisboa) da OSM, Cavaleiro Rosa Cruz da Ordem Real da Escócia (Grande Loja de Edimburgo), Maçon de Marca e do "Royal Ark Mariner" da Loja "Rose and Lilly" de Londres e membro (em Inglaterra, do Conselho do Grão-Mestre) dos 5 Ordens que constituem os Allied Masonic Degrees: St. Laurence the Martyr, Knight of Constantinople, Grand Tiler of Salomon, Red Cross of Babilon e Grand High Priest. É Knight Templar Priest do Tabernáculo «London Freemen» e membro da Sociedade «Operatives».

É detentor das mais altas distinções do Grande Oriente do Brasil - GOB, entre as quais, a Condecoração da "Estrela da Distinção Maçónica" (Conferida pelo Grão Mestre Geral do GOB), Diploma e Medalha de Honra ao Mérito "Gonçalves Ledo" (Conferida pelo Grão Mestre do Grande Oriente do Estado de São Paulo, federado ao GOB), Medalha do Mérito "Presidente Ivo Ramos de Mattos" (Conferida pela Assembleia Estadual Legislativa do Grande Oriente do Estado do Rio de Janeiro, federado ao GOB) e Medalha "Jubileu de Prata do GOERJ- 2003" (Conferida pelo Grão Mestre do Grande Oriente do Estado do Rio de Janeiro, federado ao GOB). É ainda detentor da Medalha do "Mérito Montezuma" do Supremo Conselho para o Brasil do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA (atribuída pelo Soberano Grande Comendador).

É Grande Representante da Grande Loja do Estado de Nova Jersey (EUA) , junto da GLLP/GLRP, da Grande Loja da Suécia junto do Grande Priorado Independente da Lusitânia e Grande Oficial de Honra da GL Real de Marrocos.

É membro correspondente das seguintes sociedades de investigação maçónica: «Ars Quotur Coronati» (Inglaterra), «Villart de Honnecourt» (França) e «Scottish Rite Research Society» (EUA).

Rui Bandeira

23 agosto 2010

Os sinais de reconhecimento


Um dos segredos que os maçons devem guardar consiste nos sinais, palavras e toques próprios de cada um dos graus. A sua origem - os sinais pelos quais um artesão da maçonaria operativa identificava as suas aptidões perante mestres que o não conhecessem - já foi aqui sobejamente explicada. Mas quais a sua utilidade e significado atuais?

Desde o século XVIII que há exposés, ou revelações, de rituais maçónicos. Como seria de esperar, uma vez que cada Grande Loja tem autonomia para alterar os seus rituais - o que costumam fazer com alguma regularidade - rapidamente os sinais de reconhecimento estabelecidos nos rituais terão sido alterados em reacção a essas "inconfidências". Também não surpreenderá que, em função dessas alterações, os sinais de reconhecimento não sejam, hoje em dia, os mesmos nem em todo o mundo, nem em todos os ritos, nem em todas as obediências. Há variações, pelo que os maçons são delas instruídos para que possam reconhecer irmãos apesar das diferenças.

Entenda-se, por outro lado, que estes "meios de reconhecimento" são meramente rituais. O que é que isto significa? Significa que, em primeiro lugar, são usados no contexto das sessões rituais, e do acesso às mesmas. Assim, se um maçon se dirigir a um templo onde se vão reunir irmãos de outra Loja na qual não seja conhecido, e pretender assistir à sessão, é quase certo que o farão identifica-se através dos sinais rituais de reconhecimento. No entanto, quase certo é também que não se fiquem por aí. Nos nossos dias a maioria das Obediências emite cartões em nome e para uso dos seus obreiros que atestam estarem os mesmos com a sua situação regularizada. É também costume as Obediências emitirem, a pedido, o chamado "Passaporte Maçónico", que permite a identificação do seu portador perante Obediências estrangeiras. Sem qualquer destes documentos, e sem que sejamos conhecidos, é não só possível como quase inevitável vermos a nossa entrada negada numa sessão de Loja. E fora de uma sessão de Loja? Espero que ninguém imagine os maçons a fazer macaquices e "sinais secretos" a estranhos, não vá dar-se o caso de eles serem maçons também... Fora de Loja os maçons, ou já se conhecem previamente, ou reconhecem-se pela sua postura, forma de estar na vida e princípios que defendem.

Dados os modernos meios de identificação (cartões, passaporte maçónico, etc.), a utilidade original dos sinais de reconhecimento é reduzida. Por que se mantêm então, e qual a razão do seu secretismo? Não nos esqueçamos de que a Maçonaria se socorre de símbolos e alegorias para transmitir os seus ensinamentos. Assim, os segredos de grau recordam a cada maçon que deve ser um homem honrado, de bons costumes, capaz de guardar para si um segredo que lhe tenha sido confiado. Por outras palavras, os maçons guardam segredo desses sinais de reconhecimento, uma vez mais, por uma razão muito simples: porque juraram fazê-lo.

Paulo M.

21 agosto 2010

O Grifo



O grifo é um animal mitológico com corpo de leão e cabeça e asas de águia. O leão era considerado o rei dos animais, e a águia o rei das aves, pelo que o grifo era considerado uma criatura majestosa e poderosa. Os grifos eram conhecidos por guardar tesouros e outros bens sem preço.

Ora, o que poucos saberão é que este "tesouro" que é o A-Partir-Pedra tem um grifo a guardá-lo! Senão vejamos: a Águia é o símbolo do Benfica; e quem nasceu a 21 de Agosto é do signo Leão. Consequentemente, um Benfiquista que faça hoje anos é um Grifo: meio Águia e meio Leão!!!

Parabéns, Rui Bandeira! Um grande abraço, e um dia feliz!

Paulo M.

20 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (VI - Epílogo)


Muitos dos "segredos" da maçonaria operativa - especialmente os ligados à engenharia, à arquitetura e à ciência - fazem hoje parte do conteúdo curricular de cursos do ensino superior - e alguns mesmo do ensino obrigatório. Outros ainda, mais ligados à técnica do trabalho artesanal da pedra, ter-se-ão perdido irrecuperavelmente por falta de aprendizes que perpetuassem a arte. Outros, de cariz mais simbólico, apesar de subsistirem, terão distorcido o seu significado a ponto de ser irreconhecível o seu sentido original. A "tecnologia avançada" da época, que as Lojas tão ciosamente guardavam, deixou de ser sigilosa, encontrando-se hoje - com mais ou menos estudo - ao alcance de todos.

Por tudo isto, é inegável que a Maçonaria actual não tenha quase nada em comum com a maçonaria operativa da Idade Média. Então, o que é hoje a Maçonaria? A chave desta questão encontra-se na forma como a própria Maçonaria se define: "A Maçonaria é um sistema peculiar de moralidade, velado por alegorias e ilustrado por símbolos". A Maçonaria é, portanto, um sistema de moralidade, e um que, como vimos já, abraça os princípios do Iluminismo - com o primado da razão enquanto fonte de autoridade e legitimidade - bem como a tolerância religiosa. A Maçonaria, não obstante partindo do princípio da imortalidade e da crença num princípio criador regular e infinito, apresenta uma conceção do mundo afastada da ignorância, do obscurantismo e da superstição, promovendo a busca da virtude, entendida como a força de fazer o bem no seu sentido mais lato do cumprimento dos nossos deveres para com a sociedade e para com a nossa família sem interesse pessoal. A ética da Maçonaria é, por outro lado, uma ética de trabalho, não pondo nenhum obstáculo ao esforço na busca da verdade, nem reconhecendo outro limite nessa busca senão o da razão.

Esse "sistema de moralidade" não é apresentado de uma vez; os princípios vão sendo apresentados de forma progressiva, e vão sendo desvendados novos "segredos" através de histórias alegóricas - que mais não são do que pontos de partida para a reflexão sobre potenciais imperfeições da nossa existência com o fim do auto-aperfeiçoamento. Por outro lado, as alegorias não são apresentadas de forma inequívoca, tendo cada um a liberdade de retirar delas os ensinamentos que lhe sejam mais proveitosos, o que é rigorosamente respeitado e promovido. Os símbolos, do mesmo modo, não têm significados universais, podendo ser interpretados por cada um da forma que entenda. A par de todo o aperfeiçoamento moral e espiritual, promove-se um saber diversificado, muito para além da especialização profissional que é a norma do nosso tempo. Cada um é, por exemplo, incentivado a apresentar oralmente trabalhos que tenha escrito e que podem ser sobre qualquer tema que possa interessar os obreiros da Loja, o que, promove para além do conteúdo apresentado, a prática da Retórica e da Gramática. Enquanto tudo isto sucede, vai cada um aprendendo a respeitar a posição alheia, mesmo que com ela não concorde; a calar um reparo se do mesmo não resulte senão a quebra da harmonia; a exercer a sua Liberdade dentro dos limites que a Igualdade e a Fraternidade impõem.

Mas então, porque continua a Maçonaria a manter "segredos" já revelados? Porque é que se continua a imitar uma profissão extinta, e a perpetuar lendas e símbolos de outros tempos? Por outras palavras, porque é que a Maçonaria é o que é, e porque é que, na Maçonaria, se faz o que se faz, e do modo que se faz? A resposta não poderia ser mais simples: porque funciona. De facto, o passar dos séculos tem demonstrado ter a Maçonaria uma metodologia eficaz de propagação dos princípios que esta acarinha e representa.

Por outro lado, pode dizer-se ser o seu "tradicionalismo" uma das causas da sua longevidade e, contrariamente a tantas associações que aparecem e desaparecem num curto espaço de tempo, a Maçonaria não tenciona deixar de existir de um dia para o outro. De facto, é inegável que nas sociedades atuais, como no século XVII, grassa a ignorância e a mediocridade, prevalece o fundamentalismo e o preconceito, e o oportunismo sobrepõe-se à retidão de princípios. Os propósitos da Maçonaria estão ainda longe de se ter concretizado, e longe de se ter esgotado os motivos da sua existência. Por esta razão, enquanto houver Homens com o firme propósito de se melhorar, de aprender a viver em proximidade com perspetivas diferentes das suas e de praticar a virtude e o bem, haverá lugar para que, por seu intermédio, a Maçonaria torne o mundo num lugar mais justo e mais perfeito.

Paulo M.

18 agosto 2010

Religião e espiritualidade


Raramente publico aqui no blogue textos que não são escritos por mim. Mas toda a regra tem exceções, quando as exceções o justificam. É o caso do texto que abaixo segue. Recebi-o através do Grupo Maçônico Orvalho do Hermon. Não confirmei a factualidade. mas a confiança em meus Irmãos do Grupo leva-me a não duvidar da mesma. E o texto do pastor Ed René Kivitz é de primeira água - e merece ser divulgao, lido e, sobretudo meditado.

Primeiro o enquadramento factual, tal como o recebi na mensagem do Grupo Maçônico Orvalho do Hermon:

No dia 1°/Abr/2010, o elenco do Santos, atual campeão paulista de futebol, foi a uma instituição que abriga trinta e quatro pessoas. O objetivo era distribuir ovos de Páscoa para crianças e adolescentes, a maioria com paralisia cerebral.
Ocorreu que boa parte dos atletas não saiu do ônibus que os levou.
Entre estes, Robinho (26a), Neymar (18a), Ganso (21a), Fábio Costa (32a), Durval (29a), Léo (24a), Marquinhos (28a) e André (19a), todos ídolos super-aguardados.
O motivo teria sido religioso, a instituição é espírita, o Lar Espírita Mensageiros da Luz, de Santos-SP, cujo lema é Assistência à Paralisia Cerebral
Visivelmente constrangido, o técnico Dorival Jr. tentou convencer o grupo a participar da ação de caridade. Posteriormente, o Santos informou que os jogadores não entraram no local simplesmente porque não quiseram.
Dentro da instituição, os outros jogadores participaram da doação dos 600 ovos, entre eles, Felipe (22a), Edu Dracena (29a), Arouca (23a), Pará (24a) e Wesley (22a), que conversaram e brincaram com as crianças.
Eis que o escritor, conferencista e Pastor (com P maiúsculo) ED RENÉ KIVITZ, da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), fez uma análise profunda sobre o ocorrido e escreveu o texto abaixo que tenho o prazer de compartilhar.

No Brasil, futebol é religião, por Ed Rene Kivitz

Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa.Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.
A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.
Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno; ou se Deus é a favor ou contra à prática do homossexualismo; ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.
O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com d minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.
Mas, quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz.Os valores espirituais agregam pessoas, aproxima os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.
Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de
páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.

Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico, e santista desde pequenininho.


Não sei se o Pastor Ed René Kivitz é ou não maçom. Nem sequer sei se ele aprecia os maçons. Sei que concordo em todas as frases, em todas as palavras, em todas as letras, com o que o Pastor escreveu.

Isto é o que a Maçonaria ensina. Isto é o que os maçons devem e procuram aprender. Que seja ensinado por quem, porventura, não é maçom, não interessa nada. Porque as boas lições são para serem aprendidas, venham de onde vierem. Hoje tenho muita honra em bradar que aprendi com este texto e em aqui o publicar para que outros possam também com ele aprender.
Rui Bandeira, maçom, advogado e benfiquista desde pequenininho.

16 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (V)


Na Inglaterra de meados do século XVII o poder do Rei e da Igreja começavam a ser postos em causa por toda uma classe média emergente, o que levou à guerra civil que devassou a Inglaterra entre 1642 e 1649 e à execução de Carlos I, o que deixou a Inglaterra sem rei. Sob um governo republicano liderado por Oliver Cromwell, a Inglaterra foi governada a ferro e fogo no período de pós-guerra (de 1649 a 1660), depois do que o Parlamento restaurou a Monarquia, tendo Carlos II - filho de Carlos I - sido coroado a 1661, com a idade de 30 anos. Um ano depois casaria com Catarina de Bragança. Carlos II, favorável à causa da liberdade religiosa e patrono das artes e da ciência, ficou conhecido como o Merrie Monarch, o Rei Alegre, quer pela sua boa disposição e pelo hedonismo da sua corte, como pelo alívio pelo retorno à normalidade após o governo de Cromwell.

Enquanto as autoridades política e religiosa em Inglaterra se encontravam diminuídas e fragilizadas - e eram agora mais fonte de desavença do que de união - surgia no Mundo um novo paradigma entre os meios intelectuais da época: o do primado da razão como fonte de legitimidade e de autoridade, num movimento que veio a ficar conhecido como Iluminismo. Este é, historicamente, coincidente com o século XVIII, mas as suas raízes podem ser encontradas algumas décadas antes.

Encontramos, logo após a guerra civil inglesa, a sociedade londrina efervescente de associações e clubes onde os cavalheiros podiam socializar uns com os outros; as temáticas decorriam dos novos interesses da época. Assistia-se, ao mesmo tempo, ao declínio das irmandades (associações de homens, normalmente profissionais do mesmo ramo, com fins de assistência mútua na doença ou na morte), que existiam desde o século XI; para congregar as pessoas já não bastava a ideia de assistência mútua. Foi neste contexto que, em 1660, com o propósito de juntar vários tipos de homens no estudo da Ciência, foi fundada a Royal Society. Robert Moray - um alto oficial do exército e também defensor da tolerância religiosa - conseguiu o apoio da família real para a sua fundação. A Royal Society, de que Moray viria a ser o primeiro presidente, tinha uma característica curiosa: não se iniciava aí discussões sobre política ou religião; falava-se de Ciência. Esta sociedade obteve considerável sucesso, graças ao qual a revolução científica atingiu a Europa através da obra de Isaac Newton, que propunha a visão de um mundo que obedecia a regras passíveis de ser formuladas e entendidas pela mente humana.

Ora, Robert Moray fora iniciado maçon na Mary's Chapel Lodge, e não foi o único "gentleman mason" iniciado numa loja escocesa. Havia muitos outros que, juntando-se em Lojas em Londres ou constituindo clubes, trariam para esta cidade esta visão, esta forma de estar na vida. Sabemos hoje que muitos dos membros da Royal Society se interessavam pelos clubes maçónicos que acabavam de surgir, pois encontravam neles uma mistura dos princípios científicos e racionais que acarinhavam com os princípios morais a que aspiravam, de mais a mais embelezados por uma rica teia de ensinamentos místicos, o que a tornava muito atrativa.

A Maçonaria tornou-se, deste modo, na principal "corrente" - se assim se lhe pode chamar - de clubes de cavalheiros. É verdade que, à semelhança dos outros clubes que surgiam, as lojas constituíam um ambiente onde homens de diferentes convicções religiosas e políticas podiam encontrar-se e confraternizar amigavelmente; contudo, o que a Maçonaria tinha que as outras sociedades não tinham era um propósito mais sério, por assim dizer: tornar os seus membros em pessoas melhores, ensiná-los a ser cidadãos dos seus países, e incentivá-los a cultivar-se intelectualmente.

Através dos primeiros gentlemen masons, oriundos da clique intelectual da época, a Maçonaria abraçara os valores de um Iluminismo que dava os primeiros passos, cunho que se manteria até aos dias de hoje. Os gentlemen masons tinham conseguido propagar um novo paradigma de autoridade, um novo conjunto de princípios, um novo edifício ético. Tomaram os ideais do Iluminismo e um conjunto de princípios morais transversais às várias denominações religiosas da época, enformaram-nos num clube de cavalheiros com tradições seculares, e tornaram-nos apelativos ao cidadão vulgar. Finalmente, após as guerras religiosas e civis, após os ódios fratricidas, a Inglaterra dispunha de um movimento unificador que, em torno de uma espiritualidade não sectária, para além dos partidos e das religiões, juntasse homens que de outro modo se manteriam para sempre afastados.

De 24 de Junho de 1717 - data da fundação, em Londres, da primeira Grande Loja do mundo por quatro Lojas Maçónicas - a 1723 formaram-se, só em Londres, já mais de 30 Lojas Maçónicas, número que explodiu nos anos que se seguiram, com gente de todas as classes a juntar-se à Maçonaria. Os segredos e os conhecimentos tecnológicos dos antigos pedreiros estavam agora ao alcance de todos. As lições morais e a postura perante a própria existência retiradas dos antigos símbolos, associados aos princípios do Iluminismo, viriam a mudar primeiro a sociedade Inglesa, e depois o resto do mundo.

Referências:
http://libcom.org/library/trade-guilds-initiation-through-work-andre-nataf
http://en.wikipedia.org/wiki/Charles_II_of_England
http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Moray
http://en.wikipedia.org/wiki/English_Civil_War

Paulo M.

13 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (IV)


A admissão de um aprendiz numa Loja operativa não era feita em privado; pelo contrário, envolvia todos os obreiros. Feita à noite - depois de um dia de trabalho - envolvia um ritual durante o qual era exposta ao aprendiz a história e importância da arte, salientado o privilégio que era para ele ser admitido, e explicado o que dele se esperava. A progressão de um artesão era, assim, uma cerimónia em que, envergando os seus trajes e instrumentos de trabalho - nomeadamente o avental e as luvas - para acolher no seu seio um novo membro, participavam quantos já por ela haviam passado.

Para além da transmissão de conhecimento tecnológico, era inculcado no recipiendário todo um conjunto de ensinamentos históricos, religiosos, mitológicos e morais. A utilidade e o âmbito desses ensinamentos, por sua vez, ultrapassava de longe o do mero trabalho da pedra. Podemos compará-los - evidentemente, com alguma latitude de conceito - aos ensinamentos de deontologia e ética que são, ainda hoje, essenciais ao ingresso, por exemplo, nas Ordens dos Médicos ou dos Advogados, mas com um espírito que os tempos modernos já perderam. Na prática, estes rituais - com uma grande componente mística - giravam em torno da leitura das "old charges", episódios retirados da bíblia, da História, da lenda ou do imaginário que descreviam a importância, ascendência e grandes feitos dos construtores ao longo dos tempos, e mostrando serem eles os Mestres da Geometria. Um dos mais antigos manuscritos das "old charges" que persistiu até aos nossos dias remonta a 1588; encontra-se no museu da Grande Loja Unida de Inglaterra, e consiste num rolo de papel com a altura de um homem e um palmo de largura.

Mesmo no final do século XVI dá-se na Escócia um evento essencial ao surgimento da maçonaria moderna: William Schaw, funcionário da Coroa, leva a cabo a tarefa de regular o funcionamento das lojas que, até então, eram completamente autónomas. Fá-lo através de dois textos fundamentais, conhecidos pelos "Estatutos de Schaw", dois textos legais aprovados pela Coroa da Escócia - um em 1598 e o outro em 1599 - que, pela primeira vez, organizavam os pedreiros escoceses em entidades chamadas "lojas" e os sujeitavam a obrigações administrativas. Entre estas contava-se o pagamento de uma jóia para admissão nas lojas, a formalização da estrutura das reuniões, e a obrigatoriedade de existir um secretário que registasse o sucedido em todas as reuniões - aquilo a que hoje chamamos "atas" - o que permite que, por exemplo, a "Mary's Chapel Lodge" tenha registos ininterruptos das reuniões dos últimos mais de 400 anos.

Ficava também formalizado e regulado um antigo costume dos maçons operativos: o uso de senhas e sinais secretos. De acordo com o nível de conhecimento que um maçon obtinha, à medida que progredia na arte, era informado de certas palavras ou certos sinais de reconhecimento. Agora, de acordo com os estatutos de Schaw, tomava carácter obrigatório outro costume: a proibição de um Mestre dar trabalho a um operário a não ser que este lhe desse a sua "chave": a palavra e/ou o sinal que atestavam que estava capacitado a fazer determinado tipo de trabalhos.

Curiosamente, os Estatutos contemplam também um sistema de mnemónicas, de memorização. Recorde-se que, não obstante a maior parte dos artesãos ser iletrada - não sabiam nem ler nem escrever - era necessário que não esquecessem o que aprendiam. Para esse efeito, era-lhes ensinado um sistema de memorização a que os oradores do período Clássico recorriam para não esquecerem os leus longos discursos. Baseado na visualização mental de um edifício com várias divisões, cada uma com vários objetos, cada um dos quais se associava à ideia que se pretendia recordar, consistia na deambulação mental pelo edifício evocando os símbolos em sucessão. É deste método que vêm as "tábuas de traçar" ("tracing boards") ainda hoje usadas em Loja.

A partir de certa altura as lojas operativas terão aceite no seu seio pessoas que não trabalhavam a pedra: nobres, burgueses, oficiais do exército, em suma, pessoas de estratos sociais mais elevados, conhecidos por "gentlemen masons". Os primeiros destes eram aristocratas com funções dentro do governo, e responsáveis pela edificação de palácios, castelos e afins, pelo que havia com os mesmos uma ligação laboral. Por um lado, essas pessoas buscavam o conhecimento que era transmitido nas lojas, e que, por ser secreto, gerava curiosidade, para além do prestígio que a sua nova qualidade de membros lhes conferia. Por outro lado, as lojas, apesar de serem organizações conceituadas e prestigiosas, mais prestígio ganhavam através do reconhecimento social destes seus novos membros. Estes, durante a iniciação como aprendizes nas Lojas, recebiam, além dos segredos, o avental e as luvas (uma vez que não dispunham dos seus próprios objectos de trabalho), e era a última vez que eram vistos: apenas vinham por causa do fascínio com os segredos, e não estavam propriamente interessados no convívio com os trabalhadores.

A aura das lojas operativas prolongou-se até ao tempo dos Tudor, altura em que os pedreiros começaram a perder relevância em virtude do início do uso do tijolo, muito mais barato do que a pedra, que levou ao progressivo abandono desta última, usada a partir daí apenas nas partes mais nobres dos edifícios. Foi assim que, pelo início do século XVII já não havia em Londres lojas operativas em funcionamento. Não fora a admissão dos "gentlemen masons" e as Lojas ter-se-iam extinto de todo; contudo, à medida que o número destes foi suplantando o de membros operativos, foi mudando o funcionamento e o propósito das Lojas. Já não se dedicando à construção de edifícios de pedra, construiam agora templos simbólicos em que cada um aparava e polia as suas próprias asperezas de caráter no sentido de se tornar uma pessoa melhor, tomando com base as regras morais da maçonaria operativa, e como símbolos os instrumentos de trabalho desta bem como as mnemónicas que serviam para recordar as suas lições tecnológicas. Enquanto se extinguia a Maçonaria Operativa, ia surgindo em seu lugar a Maçonaria Especulativa.

Referências:
http://libcom.org/library/trade-guilds-initiation-through-work-andre-nataf
http://www.scottishkey.com/

Paulo M.

11 agosto 2010

O teórico da conspiração


Tendo mostrado, no conjunto de textos anteriores, como uma simples e fácil busca de alguma informação desmonta uma das mais persistentes teorias da conspiração envolvendo a Maçonaria, uma última ponta sobra para desenredar este afinal tão simples novelo: como é possível que uns criem tão toscas atoardas e outros tão candidamente nelas acreditem?

É possível porque a capacidade humana de fazer o inesperado é verdadeiramente inesgotável, digo eu!

Criar tão toscas atoardas decorre, ou de simples e canhestra má fé de quem procura atingir quem não gosta e inventa parlapatices para enganar os incautos - e desses não curo, porque a desonestos não dou importância -, ou de inesperada incapacidade de ajuizar com lógica sobre factos desconexos - e a estes, bem vistas as coisas, nem sequer censuro, porque quem a mais não pode, a mais não está obrigado.

Os verdadeiros teóricos da conspiração - porque os outros, os desonestos, são apenas cáfila inconsiderada e inconsiderável, de má memória e nula honra - são pessoas com uma incapacidade atroz de analisar factos dispersos com um mínimo de lógica, relacionando o que não é relacionável, generalizando o que não é suscetível de generalização (e pouco o é!), unindo o que não tem ponta por onde se lhe pegue. Qualquer boato assume o cariz de verdade absoluta, qualquer hipótese, por muito absurda que seja, atinge foros de certeza inabalável, qualquer especulação se transforma em verdade absoluta, num desvario em que a imaginação se sobrepõe à razão, o sonho à realidade, a hipótese à verificação.

O homem de ciência formula hipóteses e testa-as experimentalmente. Se as hipóteses se confirmam, em experiências repetidas e repetíveis, passam a ser consideradas verdades científicas; se as experiências não confirmam as hipóteses, disso busca o cientista ensinamento para, à luz dos resultados obtidos, formular novas hipóteses, que submeterá de novo à prova de fogo da experimentação.

O teórico da conspiração, pelo contrário, encanta-se por uma hipótese que assola o seu espírito e toma-a por verdadeira e apregoa-a como tal, não só sem se preocupar em testá-la através da experiência, como rejeitando toda e qualquer demonstração da inveracidade da sua adorada iluminação.

O cientista quer saber. Ao teórico da conspiração apenas interessa a sua especulação, elevada por artes da sua vontade ao patamar do que ele passa a considerar verdade absoluta e inderrogável.

O teórico da conspiração tem, mais que uma incapacidade, um desinteresse inato pela verificação das suas mirabolantes hipóteses, pela busca de informação que confirme, alicerçando, ou infirme, derrubando, a sua querida efabulação.

Que ninguém venha com os seus factos perturbar os belos argumentos de um teórico da conspiração - não só não são, sequer, ouvidos esses factos, como o que ousa atalhar com a simples e chã lógica é repelido como conspirador, cujo único objetivo é impedir, subverter, dificultar, o conhecimento generalizado da "verdade" proclamada pelo teórico da conspiração. Simples factos - verificáveis - são inaptos para abalar qualquer dos brilhantes argumentos do teórico da conspiração.

Ao teórico da conspiração não importa se e vero; basta-lhe que lhe pareça bene trovato.

O teórico da conspiração efabula alegremente ao sabor da sua inspiração, de forma a denegrir quem não gosta, ao arrepio da lógica, da razoabilidade, da verdade. Relacionar factos dispersos ao sabor da sua imaginação criadora, extraindo conclusões que se não podem extrair, vendo tenebrosas ligações entre factos independentes e coincidentes apenas pela força das coisas, é a sua especialidade, amorosamente cultivada contra e acima de tudo e de todos.

O teórico da conspiração facilmente extrai uma curiosa conclusão, por exemplo, deste acervo de factos, cada um por si verdadeiro, mas não relacionáveis necessariamente:

- A Loja Mestre Affonso Domingues trabalha no Rito Escocês Antigo e Aceite;
- A cor do Rito Escocês Antigo e Aceite da Maçonaria é o vermelho;
- A cor da camisola do equipamento principal do Benfica também é o vermelho;
-Os maçons Rui Bandeira, José Ruah e JPSetúbal são obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues
- O maçom Rui Bandeira é adepto do Benfica; o maçom José Ruah também; o maçom JPSetúbal, idem;
- Os maçons não revelam a identidade, os nomes, dos outros maçons (que, sendo ainda vivos, não se tenham assumido publicamente como tal) - ou seja, a quem lhes pergunta, respondem: No Names, Boy!;

CONCLUSÃO (obviamente brilhante e irrefutável): a claque adepta do Benfica No Name Boys foi criada pela Loja Maçónica Mestre Affonso Domingues!!!!

Pouco importa que isto não tenha qualquer lógica, que se extraiam conclusões de factos não interrelacionáveis. Uma vez que à mente do teórico da conspiração assole esta ideia, passa, de imediato, à categoria de Verdade Irrefutável, a ser divulgada e repetida, à exaustão, contra toda e qualquer demonstração da sua irrazoabilidade!

E isto não é o pior!

O pior é que, mal um teórico da conspiração lance esta excelsa "verdade", logo outro não menos diligente teórico da conspiração fará mais uma "extraordinária descoberta":

- Vários elementos da claque No Name Boys foram condenados, em 1.ª instância (no momento em que escrevo isto a sentença ainda não transitou em julgado, mas isso não interessa nada, para um teórico da conspiração que se preze...) por tráfico de drogas e posse de armas proibidas.

SEGUNDA CONCLUSÃO (não menos brilhante e obviamente não menos irrefutável):

Os maçons fazem tráfico de droga e possuem armas proibidas!!!

O exemplo é obviamente exagerado e disparatado (chama-se a isto, em Lógica, a Demonstração do Erro pelo Absurdo). Mas não ponho as mãos no fogo de que, um dia deste, não apareça um iluminado qualquer a clamar que os No Name Boys são todos maçons e que os maçons fazem tráfico de droga e possuem armas proibidas... invocando em abono da sua tese este texto, ao abrigo do princípio (obviamente irrefutável...) com a verdade me enganas...

Que os teóricos da conspiração, pobres espíritos que a mais não alcançam, se entretenham com alarvidades deste género, isso a mim não me preocupa. Afinal, dos simples é o Reino dos Céus... O que me admira, me faz abrir a boca de espanto, é que gente manifestamente inteligente, e culta, e capaz, aceite sem sombra ou rasto de espírito crítico, as baboseiras espremidas de tão simplórios espíritos, no fundo e afinal numa mistura de crendice acéfala com a mais pura preguiça de verificar a veracidade de factos e da sua efetiva possibilidade de relacionação.

Que um simplório qualquer tenha parido a abstrusa tese de que os maçons - vá-se lá saber porquê, para quê e com que vantagens - conseguiram, à socapa e à falsa fé do Povo, inserir símbolos seus na nota de um dólar americano, não me preocupa. O que me perturba é que, anos passados, ainda haja gente inteligente, culta e capaz que acredite nisto, sem sequer se dar ao trabalho de gastar cinco minutos (não precisa de mais...) para verificar a perfeita insanidade deste disparate!

Mas isto sou eu, que me sinto incomodado por estes maçadores dos teóricos da conspiração andarem para aí a denunciar tudo e todos e temo que ainda descubram o meu maçónico plano de agente de forças extraterrestres para dominar a Terra e entregar, de mão-beijada, a sua escravizada população ao domínio dos senhores de Sirius, que há uma mão-cheia de anos deram uns quantos segredos aos meus antepassados maçons, para com eles executarmos tão execrando plano (Uupppsss! Entusiasmei-me... Isto não era para escrever... Era segredo... Façam de conta que não leram esta última frase e continuem felizes enquanto preparamos o dia do Domínio Final...).

Rui Bandeira

09 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (III)



Uma das ordens profissionais mais poderosas na Idade Média era a dos pedreiros. Os "mestres pedreiros" eram uma mistura dos atuais arquitetos e engenheiros civis, dominando as vertentes técnica e estética; por produzirem obras duradouras e imponentes, boa parte das quais de caráter religioso, eram socialmente reconhecidos como servidores de Deus.

A construção de grandes edifícios de pedra era multi-disciplinar, e implicava conhecimentos avançados de física, mecânica e matemática para a conceção da estrutura, para além do domínio da metalurgia, escultura, pintura e química para a ornamentação, que por sua vez tinham motivos baseados no conhecimento da história, da teologia e da mitologia. Congregava, por isso, as mentes mais brilhantes da época, e eram detentores de "segredos" como o teorema de Pitágoras, ou o desenho de certos ângulos e figuras geométricas a partir de instrumentos simples como um fio e dois ou três pedaços de madeira.

Por essa razão, a par dos estatutos - que eram públicos e regulavam a relação das corporações com a sociedade envolvente – havia regulamentos que visavam a defesa dos segredos do ofício e que, por não se pretenderem revelados, eram apenas oralmente transmitidos de mestre para aprendiz ou de mestre para companheiro. Porque a maioria da população dessa época era analfabeta, essas técnicas, ao ser transmitidas, eram "embelezadas" com histórias que constituíam mnemónicas que pretendiam ajudar a que não esquecessem os passos da sua execução. Por outro lado, estas "histórias" permitiam que as técnicas fossem referidas simbolicamente entre quem as conhecesse sem revelar o seu sentido oculto.

Não esqueçamos, ainda, o contexto físico em que tudo isto se dava. Aquando da construção de um grande edifício, a primeira edificação a efetuar-se era um barraco onde os pedreiros se abrigavam, comiam, dormiam, guardavam as ferramentas e passavam os tempos livres - as "lojas". Ainda hoje este termo é usado em algumas regiões do nosso país para designar o espaço térreo sob a zona habitacional, e onde se guardam os animais e as alfaias agrícolas. Grupos de homens passavam aí juntos meses a fio, e por vezes anos; por isso era importante minimizar-se os conflitos, estabelecer uma hierarquia clara, e fomentar o espírito de grupo. Ora, nada torna um grupo mais coeso do que o estabelecimento de regras, costumes e valores partilhados. Não é difícil imaginar a formação dos aprendizes orientada não só para o aspeto prático do desempenho das funções como para o estreitamento destes laços entre os que habitavam a mesma loja.

Por outro lado, numa época em que as comunicações entre povoações mais longínquas podiam demorar semanas ou meses, era comum o estabelecimento de meios de reconhecimento; assim, quem chegasse a uma terra estranha e se dirigisse a alguém dizendo-se enviado por fulano, podia simplesmente identificar-se revelando um segredo apenas conhecido deste e do seu interlocutor. Deste modo, fazia parte dos segredos de algumas associações de artesãos os meios pelos quais se poderiam fazer reconhecer noutra terra ou perante um estranho que aparecesse.

Havia, por fim, outra razão para que algumas das técnicas não fossem reveladas. Numa época de grande superstição e ignorância, a simples aplicação de uma técnica científica podia ser - e era-o frequentemente - interpretada como bruxaria ou invocação de demónios. Não será, de facto, muito mais cómodo atribuir o sucesso alheio à ação de forças sobrenaturais do que admitir o seu mérito e, eventualmente, a sua superioridade intelectual? Para evitar "contratempos" dessa natureza é que muito do conhecimento da época, especialmente o ligado à química e à matemática, era cuidadosamente ocultado, não fosse confundido com artes de bruxaria ou adivinhação... Manter e saber guardar um segredo era, assim, mais do que o mero cumprimento de um dever ou a defesa do ganha-pão: era uma verdadeira "técnica de sobrevivência".

Paulo M.

06 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (II)



Durante a Idade Média eram os artesãos quem, empregando a destreza manual, a criatividade e o saber acumulado ao longo de gerações, produzia a maior parte dos bens. Por esta altura, os métodos, técnicas e saberes próprios de cada ofício - resultado de séculos de experimentação, erro e repetição (e, bastas vezes, de alguma sorte) – estavam já muito mais próximos do saber científico do que da magia, obtendo resultados consistentes quando sob condições controladas. Por isso mesmo o seu valor era imenso, pelo que constituíam segredos ciosamente guardados.

A classe dos artesãos dividia-se em dois grupos: os que tinham o seu próprio negócio - os mestres - e os que o não tinham; estes últimos subdividiam-se em assistentes pagos - ou companheiros - e aprendizes. O grupo mais influente dentre os artesãos era o dos mestres, os que detinham o seu próprio negócio e gozavam de grande prestígio nas suas comunidades.

Quem quisesse aprender um ofício tinha, primeiro, que ser aceite como aprendiz por um mestre artesão. Este iria, ao longo do tempo - frequentemente, de anos - ensinar-lhes primeiro as bases e depois, técnicas progressivamente mais elaboradas. Em troca, era frequente ficar o aprendiz obrigado a trabalhar um certo número de anos para o seu mestre. No âmbito da sua formação, os aprendizes aprendiam, assim, os “segredos do ofício”, primeiro através da observação do trabalho do mestre e depois através da prática. Esta transmissão de conhecimento queria-se fortemente restrita e regulada, pelo que não só os mestres artesãos apenas revelavam os segredos à medida da progressão dos recipiendários, como os aprendizes tinham, frequentemente, que jurar guardar os segredos que lhes eram confiados, Assim, era-lhes absolutamente proibido revelá-los quer a estranhos quer a aprendizes que ainda os não conhecessem.

No momento em que conseguisse trabalhar sem supervisão, podia o aprendiz passar a ser considerado assistente ou companheiro, altura em que passava a receber salário - pois que, até aí, era comum pouco mais receber que alimentação, guarida e a roupa de trabalho. Ao longo do tempo os assistentes continuavam a aprender com o seus mestres, sempre sob condição de segredo. Por fim, se a certa altura, o assistente conseguia angariar para si mesmo clientes que lhe permitissem autonomizar-se e estabelecer-se por conta própria, passava então a ser mestre de uma oficina. Era esta a progressão profissional nesta classe e nesta época.

Não é senão natural que, no sentido de defender os seus direitos e interesses comuns, os mestres artesãos tivessem procurado associar-se; podemos assim, sem medo de errar, presumir serem as associações de artesãos tão antigas quanto as respetivas artes. Ao longo dos séculos, cada uma dessas associações foi sendo reconhecida perante a sociedade enquanto interlocutor de toda a classe profissional que lhe dera origem. Era frequente as corporações assistirem os seus membros doentes, e tomarem a cargo as viúvas e órfãos dos artesãos menos prósperos. Davam dinheiro e comida aos pobres, e ofereciam aos hospitais a carne que sobrava dos seus banquetes. Refletindo a religiosidade omnipresente na Idade Média, as associações de artesãos operavam sob o patronato de um santo, que era considerado o especial protetor dessa arte, e em honra de quem era comum existir pelo menos uma pequena capela na zona da povoação em que os respetivos artesãos laboravam.

O auge do poderio das guildas - associações ou corporações profissionais medievais - deu-se no século XIV; nessa altura, nenhuma associação de artesãos podia existir legalmente sem a licença do rei, do príncipe, do abade ou do senhor do município onde pretendiam estabelecer-se. O reconhecimento real destas corporações de artesãos passava pela elaboração de leis especiais que lhes permitia governarem-se a si mesmos. Estas leis eram elaboradas com base no testemunho oral dos membros mais seniores de cada corporação; podia-se considerar, assim, serem leis produzidas pelas corporações, verdadeiros estatutos aprovados e aceites pelo Rei, e não uma lista de regras estabelecidas e impostas pelas autoridades. Esses estatutos quase sempre detalhavam com precisão as condições de trabalho, dias e horas de laboração, tamanho dos artigos, a qualidade da matéria-prima, e mesmo o preço de venda; tentavam, igualmente, prevenir fraudes e falsificações, pelo que os mestres eram, por exemplo, obrigados a marcar com o seu cunho pessoal os bens que produziam.

Havia, ainda, regulamentos internos, mas desses falarei no próximo post.

Referências:
http://www.medieval-spell.com/Medieval-Guilds.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Artisan

Paulo M.

04 agosto 2010

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da conspiração (IV - conclusão)

Nos três textos anteriores, expliquei detalhadamente como a pirâmide de 13 degraus e o Olho da Providência foram incluídos no Grande Selo dos EUA e, ulteriormente, na nota de um dólar americano, demonstrando que essa inclusão nada tem a ver com Maçonaria e que a simbologia ali utilizada nada teve a ver com a mesma.

Mas afinal os ditos símbolos são maçónicos ou não?

O Olho da Providência é uma ancestral representação da Divindade. Na mitologia egípcia, encontramos o "Olho de Ra", também chamado de "Olho de Hórus".

No Budismo, Buda é frequentemente referido como o "olho do Mundo".

Na iconografia cristã medieval e da Renascença, o símbolo é representado através de um olho inscrito no interior de um triângulo e é utilizado como representação da Santíssima Trindade.

Na iconografia maçónica original, este símbolo não existia. A mesma resumia-se ao compasso, ao esquadro, a outras ferramentas da Arte da Construção e a pouco mais.

Mas não olvidemos que a Maçonaria nasce cristã. Só mais tarde, em resultado de todo um percurso de prática da Tolerância evolui para a presente configuração aberta que admite todos os crentes, qualquer que seja a sua religião ou crença particular, num sincretismo que balança entre o teísmo e o deísmo (no meu entender, sendo originariamente teísta e assim se mantendo, mas evoluindo para incluir também as conceções deístas).

Originariamente os maçons eram todos cristãos. Católicos, da Igreja de Inglaterra, luteranos, ou calvinistas, mas todos cristãos. Não admira, assim, que, seja por influência cultural, seja pela crença religiosa, todos os maçons conhecessem e interiorizassem os símbolos cristãos, incluindo o Olho da Providência, símbolo da Santíssima Trindade.

A primeira aparição do Olho da Providência na iconografia maçónica surge apenas em 1797 (já depois da criação do Grande Selo dos Estados Unidos), com a publicação do Freemasons Monitor por Thomas Smith Webb. Ali foi incluída a representação do Olho Que Tudo Vê ou Olho da Providência, como forma de recordar a todos os maçons que os seus pensamentos e atos são observados por Deus, o Grande Arquiteto do Universo. E, a partir daí, foi-se expandindo, também nos meios maçónicos, a utilização do Olho da Providência, como representação e símbolo da Divindade.

Resumindo: o Olho da Providência é ancestralmente um símbolo da Divindade. Desde a Idade Média e Renascença que foi utilizado como símbolo cristão da Santíssima Trindade e nessa aceção foi incluído no Grande Selo dos Estados Unidos e, por essa via, mais tarde, na nota de um dólar americano. Só posteriormente a essa inclusão no Grande Selo é que, pela primeira vez, foi utilizado em ambiente maçónico. Hoje, é correntemente utilizado como símbolo maçónico. Mas essa utilização atual corresponde a uma apropriação pela Maçonaria do símbolo cristão pré-existente.

Quanto à pirâmide de 13 degraus, não tem qualquer significado ou simbologia maçónicos. A iconografia maçónica baseia-se nas ferramentas do ofício da construção e no Antigo Testamento. Particularmente importante nessa iconografia é o Templo de Salomão e a Lenda associada à sua construção. Nada na Maçonaria remete para a Tradição egípcia ou suméria, nem para as pirâmides egípcias (bem vistas as coisas, meros jazigos de gente rica e poderosa...) ou sumérias (tidos como artefatos destinados a favorecer a observação astronómica).

Referências a pirâmides maçónicas? Só no romance de Dan Brown, O Símbolo Perdido! Mas essa não é, de modo algum, uma referência relevante! Por três razões: 1. Trata-se, assumidamente, de uma obra de ficção; 2. Trata-se de uma obra, assumidamente, escrita por alguém que não é maçom; 3. Trata-se de um romance escrito já no século XXI, insuscetível de criar qualquer tradição, e, obviamente, impossível de ter servido de fonte a um qualquer eventual símbolo maçónico existente no século XVIII nos Estados Unidos da América!

Resumindo e concluindo: os badalados símbolos maçónicos do Grande Selo dos Estados Unidos da América e da nota de um dólar americano nem sequer são... símbolos maçónicos! O mais perto que lá se chega é da verificação que, depois da inclusão do Olho da Providência no Grande Selo dos Estados Unidos da América, a Maçonaria apropriou-se e passou a usar também o símbolo, até aí essencialmente cristão do Olho da Providência.

Factos são factos!

Não que eu acredite que os teóricos da conspiração deixem os factos abalar os seus (pobres) argumentos...

Fontes das informações contidas neste texto:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Olho_da_Provid%C3%AAncia
http://en.wikipedia.org/wiki/Eye_of_Providence
http://www.masonicinfo.com/eye.htm

Rui Bandeira

02 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (I)


Arthur C. Clarke, escritor, inventor e futurista, autor de "2001, odisseia no espaço", afirmou um dia que "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia ("any sufficiently advanced technology is indistinguishable from magic"). De facto, se considerarmos que a "magia" consiste no uso de métodos sobrenaturais para manipular forças naturais, pode dizer-se que a tecnologia, por ultrapassar de longe o que podemos encontrar na natureza, pode, num certo sentido, ser considerada "sobrenatural". A tecnologia não deixa, contudo, de se basear solidamente - e unicamente, diria eu - no estudo das leis naturais.

Explicar o funcionamento de muitos dos artefactos que nos rodeiam está bem para além do conhecimento do cidadão comum. Já não falo de saber explicar como funciona, por exemplo, um telemóvel ou um televisor; mas quantos saberiam explicar como funciona um simples relógio mecânico - como um despertador de corda - ou uns binóculos? Para os explicar são necessários alguns rudimentos de ótica num caso, e de mecânica no outro. No entanto, uma vez transmitidos e apreendidos os conceitos, poder-se-ia avançar para o entendimento de engenhos mais avançados - como um motor a vapor, por exemplo. Por outro lado, se tentarmos explicar como funciona um despertador sem nos assegurarmos de que o nosso interlocutor sabe o que é uma alavanca e quais os seus princípios subjacentes, o que é por sua vez essencial ao entendimento de como funciona uma roda dentada, então estamos condenados ao fracasso. O conhecimento desta natureza deve ser tansmitido de forma sequencial, começando-se pelo simples e criando-se progressivamente alguma complexidade com base no conhecimento adquirido, de modo a garantir-se a sua interiorização.

Há casos conhecidos de exposição de alguns povos a tecnologias para as quais estes não dispunham de bases de entendimento, e do subsequente aparecimento de cultos de caráter religioso em torno das mesmas. Um dos exemplos famosos é o culto à carga, um tipo de prática religiosa que apareceu em muitas sociedades tribais tradicionais aquando do contacto e interação com culturas tecnologicamente mais avançadas. Esses cultos focam-se na obtenção de riqueza material (a "carga") da cultura avançada através de práticas e rituais mágicos e religiosos, crendo que a riqueza lhes fora facultada e destinada pelas suas divindades e antepassados. É assim que, enquanto que é para nós evidente que o lançamento de mantimentos por avião durante uma fome é um ato de solidariedade, para alguns dos que recebem essa ajuda é de magia que se trata.

O modo racional e científico de olhar o mundo está de tal modo imbuído da nossa forma de pensar eurocêntrica e ocidental que nos custa a ponderar as alternativas. Muitos dos povos do mundo ainda estão arredados dos fundamentos da forma de pensar que levou ao surgimento do pensamento e do método científicos: a experimentação e repetição, o isolamento das causas dos fenómenos, o raciocínio e a matemática enquanto ferramentas de trabalho. Em seu lugar encontramos uma profusão de conhecimentos passados de geração em geração em que se mistura informação útil sobre plantas, animais e metodologias validáveis com superstições, demonologias e pura feitiçaria. De facto, a própria matriz cultural subjacente à interiorização enquanto "fenómenos mágicos" de meros acontecimentos naturais dificulta tremendamente a tentativa de explicação da sua verdadeira natureza. Não é, assim, senão natural que manifestações de tecnologias estranhas sejam interpretadas como poderosas magias aos olhos de quem apenas encontra magia no mundo que o rodeia.

Paulo M.

30 julho 2010

Por que são secretos os rituais maçónicos



Como se disse já, a Maçonaria tem apenas três tipos de segredos: os rituais, os meios de reconhecimento e a identidade dos seus membros. Debrucemo-nos hoje sobre os rituais.

Recordo claramente o "ritual" de início de cada dia de escola: entrávamos todos em fila, ordeiramente e em silêncio, colocávamo-nos em locais pré-determinados, respondíamos à chamada, preparávamos os instrumentos de trabalho (a caneta e o caderno diário) e escrevíamos o local e a data do dia, seguidos do sumário; depois disso, cada um tinha procedimentos a seguir - se, por exemplo, pretendia falar, tinha que levantar o braço - bem como tinha variadas limitações à sua ação - não podíamos levantar-nos sem autorização, por exemplo.

Identicamente, os rituais maçónicos determinam e regulam uma série de acontecimentos que sucedem durante uma reunião (a que os maçons chamam "sessão"), no sentido de conferir alguma ordem aos trabalhos - precisamente do mesmo modo que numa sala de aula. Assim, fazem parte dos rituais procedimentos meramente administrativos como o são a chamada ou a leitura da ata da sessão anterior. Estes procedimentos nada têm de secreto, e poderia dizer-se que só não se referem por não o merecerem, de tão enfadonhos que são...

Por outro lado, os rituais também são uma espécie de "peças de teatro", no sentido em que há vários "atores" com "falas" e ações bem definidas e pré-determinadas. Estas ações são um pouco mais elaboradas do que é costume noutras circunstâncias do nosso dia-a-dia, e muito do que se diz e faz é simbólico. O simbolismo, em si, não é oculto; já o significado que lhe é atribuído em determinado contexto pode sê-lo. Há coisas que estão à vista desde o primeiro dia em que se entra num templo maçónico e que nunca são explicadas, antes sendo deixadas - como tantas outras - à interpretação e interiorização de cada um. De outras é dada uma explicação em determinado contexto, como na cerimónia de Iniciação - em que se passa de Profano a Aprendiz - na passagem de Aprendiz a Companheiro, ou na de Companheiro a Mestre. Esses "rituais secretos" nada têm de interessante para quem esteja fora do contexto. Imaginem um músico a assistir a uma secretíssima reunião de alta finança num banco; ou uma pessoa como eu, avessa a futebol, a assistir às secretíssimas reuniões do Mourinho com a sua equipa em vésperas de um grande jogo... Para essas pessoas, pouca ou nenhuma valia teria esse conhecimento.

Então porquê o secretismo? Por uma razão: porque, para aqueles a quem interessa, há um momento certo para se saber. E porque é que há esse "momento certo", e não se pode saber logo? Procurei um bom paralelismo que o explicasse, e creio que o encontrei: imaginem-se a ler um bom livro policial, daqueles bem elaborados; ou a ver um bom filme de suspense. Agora imaginem que alguém chega, e vos diz: "Ah, conheço, já vi, foi o mordomo na biblioteca com o candelabro." Pior: imaginem que vo-lo dizem mesmo antes de iniciarem o livro ou o filme. Acham que irão retirar o mesmo prazer, ler com o mesmo empenho, analisar com o mesmo estímulo? Claro que não. A experiência ficou arruinada pelo conhecimento prévio. O mesmo se passa com os rituais maçónicos. Por isso se recomenda a quem pretenda ingressar a Maçonaria que não leia, não procure, não se informe. Mas, se o fizer, apenas a si mesmo se prejudica - na mesma medida de alguém que, sorrateiramente, ludibriando-se a si mesmo, ardendo de curiosidade, fosse ler as últimas páginas do tal romance policial.

Por isso, e se não pretendem alguma vez ser admitidos na Maçonaria - ou se pretendem mas querem garantir que a experiência fique irremediavelmente arruinada - então basta procurarem que, com o auxílio do nosso "amigo" Google, terão, com alguma diligência e arte, acesso a dezenas de versões de rituais maçónicos de diversas épocas, locais e obediências.

Encontrarão também, se as procurarem, partituras de obras musicais famosas, e mesmo vídeos das mesmas. Mas - ah! - só quem já cantou num coro ou tocou numa orquestra sabe o quão diferente é estar de fora a ver, ou participar de dentro. Tentem que vos expliquem a diferença, e serão unânimes: "não dá para explicar, tens que viver a experiência para a compreenderes". Com um ritual maçónico - já o adivinharam - passa-se o mesmo. Não se explica, não se revela, não se estuda - vive-se, ou não se entende.

Paulo M.

28 julho 2010

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da conspiração (III)


Nos textos anteriores, mostrei que as imagens do verso da nota de um dólar americano são, afinal, o verso e reverso do Grande Selo dos Estados Unidos e que os símbolos ali insertos nada têm a ver com a Maçonaria e tudo têm a ver com a independência daquele país. Nada que abale as "certezas" dos teóricos da conspiração, sei-o bem. Mas o meu propósito é esclarecer as dúvidas de quem as tem, não abalar "certezas" de iluminados por "verdades ocultas"... Os teóricos da conspiração, em síntese, clamam que, na nota de dólar, e no Grande Selo dos EUA, os maléficos maçons introduziram símbolos seus (não esclarecem para quê, mas isso são detalhes...). Não se comovem com as explicações demonstrativas de que os símbolos em causa não são maçónicos, sobretudo quando formuladas por um maçom - que, obviamente, faz parte da Grande Conspiração Maçónica e está a querer ocultar, disfarçar, esta ponta levantada do véu da Grande Conspiração Maçónica...

Não basta, portanto, a demonstração que já fiz. É preciso ir mais além. E ir mais além é divulgar o processo de criação do Grande Selo dos EUA - e deixar que cada um ajuíze, em função dessa informação e dos demais elementos fornecidos, a validade da teoria da conspiração!

Logo em 4 de julho de 1776, dia da Declaração de Independência, o então designado Congresso Continental nomeou a primeira comissão para desenhar o Grande Selo ou emblema da nova nação. Acabaram por ser necessários seis anos, três comissões e os contributos de catorze homens para que o Congresso finalmente viesse a aprovar tal símbolo dos Estados Unidos. O desenho aprovado incluía elementos das propostas de cada uma das três comissões sucessivamente designadas.

Compunham a primeira comissão Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e John Adams. Dos três, só o primeiro foi maçom. E a sua proposta não foi aceite!

Franklin escolheu uma cena alegórica do Êxodo, que descreveu como "Moisés de pé à beira-mar, estendendo a sua mão sobre este e causando o afogamento do exército do Faraó". A divisa que propôs foi: "A Rebelião Contra Os Tiranos É Obediência A Deus". Jefferson sugeriu uma representação dos Filhos de Israel perdidos, guiados de dia por uma nuvem e de noite por uma coluna de fogo, para o verso do Selo; para o reverso, propôs a efígie de Hengest e Horsa, os dois irmãos que foram os lendários líderes dos primeiros colonos anglossaxões na Bretanha. Adams escolheu uma pintura chamada " Julgamento de Hércules", na qual este tem de escolher entre o florido caminho da Facilidade ou o rude carreiro do Dever e da Honra. Não sendo versados em heráldica, pediram a ajuda de um artista plástico de Filadélfia, Pierre Eugene du Simitiere (não foi maçom), que veio a elaborar uma proposta com um brasão com seis secções, simbolizando os seis países de onde eram originários os habitantes das colónias independentistas (Inglaterra, Escócia, Irlanda, França, Alemanha e Holanda), rodeado pelas iniciais dos treze estados. Suportavam o brasão uma figura feminina, a Liberdade, e um soldado americano. Sobre o brasão, o "Olho da Providência" inscrito num Triângulo Radiante e a divisa E plurubus unum.

A Comissão apresentou o seu relatório com as quatro propostas ao Congresso. Este escolheu a proposta de Pierre du Simitiere, mas pretendendo alterações. Insatisfeito, não deu a sua aprovação final, vindo a ser nomeada uma segunda comissão. Do conjunto de propostas desta primeira comissão, foram incluídos no desenho final do Grande Selo a divisa, o "Olho da Providência" e a inclusão da data 1776.

A segunda comissão nomeada foi constituída por James Lovell, John Morin Scott e William Churchill Houston. Tal como os anteriores nomeados, procuraram a ajuda de alguém mais versado em heráldica, Francis Hopkinson, que foi quem fez a maior parte do trabalho. Nenhum dos quatro foi maçom. Embora tal tenha sido alegado quanto a Hopkinson, não existe qualquer prova ou registo disso. Hopkinson, um dos signatários da Declaração de Independência, ajudara a desenhar a bandeira americana e foi autor dos Selos de vários Estados. Apresentou duas propostas, com temas de guerra e paz. A primeira continha um escudo com treze barras diagonais, alternadamente vermelhas e brancas, suportado num dos lados pela Paz, uma figura feminina com um ramo de oliveira, e no outro por um guerreiro índio, com arco e flechas. Por cima, uma constelação radiante de treze estrelas. A divisa era "Preparado Para A Guerra E Para A Paz". No verso, a Liberdade, sentada numa cadeira, segurando um ramo de oliveira, com a divisa "Perene pela virtude" e a data 1776. Na segunda proposta, o guerreiro índio foi substituído por um soldado segurando uma espada e a divisa foi encurtada para "Para A Guerra Ou Para A Paz". A Comissão escolheu a segunda proposta e apresentou-a ao Congresso. Mais uma vez, o Congresso não deu a sua aprovação, vindo a nomear uma terceira comissão. Da proposta desta segunda comissão, transitaram para o desenho final as treze listas no escudo e respetivas cores, a constelação de estrelas rodeada por nuvens, o ramo de oliveira e as flechas (da primeira proposta de Hopkinson).

A terceira Comissão nomeada foi constituída por John Rutledge, Arthur Middleton e Elias Boudinot. Rutledge veio a ser substituído por Arthur Lee, mas a nomeação deste nunca foi oficialmente formalizada. Tal como sucedera com as duas comissões anteriores, o grosso do trabalho foi delegado num especialista em heráldica, Willam Barton. Nenhum destes homens foi maçom. A proposta de Barton, que a Comissão veio a submeter ao Congresso, continha um escudo ladeado por uma jovem, representando o Génio Da República Americana Confederada" e por um soldado americano. Ao alto, uma águia. No escudo, um pilar com uma Fénix Em Chamas. As divisas eram "Em Defesa Da Liberdade" e "Só Virtude Invicta". No reverso, uma pirâmide de treze degraus encimada por um "Olho da Providência" radiante (da primeira comissão) e as divisas "Com O Favor De Deus" e "Perene". Ainda uma terceira vez, a proposta não mereceu a aprovação do Congresso. Da proposta da terceira comissão, transitou para o desenho final a pirâmide de treze degraus.

Em 13 de junho de 1782, o Congresso entregou ao seu Secretário, Charles Thomson (não foi maçom) os projetos das três comissões e encarregou-o de elaborar um novo desenho. Thomson, utilizando elementos das propostas das três comissões, elaborou o que veio a ser o projeto finalmente aprovado. De seu, as divisas Annuit Coeptis (Ele aprova o nosso empreendimento) e Novus ordo seclorum (Nova Ordem Dos Séculos). Antes da submissão final ao Congresso, solicitou a Barton que efetuasse uma revisão final, tendo este alterado o sentido das listas para vertical e a posição das asas da águia. O projeto final assim resultante foi submetido ao Congresso em 20 de junho de 1782 e nesse dia finalmente aprovado!

Como se vê, uma conceção detalhadamente analisada, feita, refeita e feita de novo, com a participação de catorze homens, dos quais apenas um maçom - e cuja proposta em nada contribuiu para o resultado final!

E é perante estes factos - comprovados, registados! - que os teóricos das conspirações brandem as suas "certezas"! Mais palavras para quê?

Fontes das informações contidas neste texto:

http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Seal_of_the_United_States#History
http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Seal_of_the_United_States#Speculation_and_conspiracy_theory

Rui Bandeira

26 julho 2010

Tudo se aprende, nada se ensina


O mundo só se nos mostra pelos nossos sentido, e a complexidade e a variabilidade da realidade ultrapassam a nossa capacidade de absorver a individualidade de cada ocorrência. Para lidar com essa complexidade generalizamos, sintetizamos e normalizamos, considerando, de acordo com a nossa vivência, serem idênticas coisas que, na verdade, são ligeiramente diferentes. Este mecanismo faculta-nos mais informação, que por sua vez nos permite entender, antecipar e reagir melhor àquilo que sucede em nosso redor. No entanto, não há duas vidas iguais; não há duas experiências do mundo iguais; não há duas realidades iguais. Por isso é que o mundo, tal como o apercebemos, é, mesmo que impercetivelmente, distinto do mundo tal como é apercebido por qualquer outra pessoa. Assim, porque cada um é fruto da visão que tem do mundo, é natural que seja única e irrepetível a matriz que estabelece a própria conceção identitária de cada um de nós.

Assim, podemos dizer que a nossa identidade passa pelas convicções que decorrem da nossa experiência ao longo da nossa passagem pelo mundo. Ora, essas nossas convicções - especialmente a política e a religiosa - são um pouco como a nudez física. Assim, há quem, (à semelhança dos nudistas - e, até, dos exibicionistas) esteja disposto a desnudar a sua intimidade do ser, do crer e do pensar, expô-la e questioná-la; e, no outro extremo, quem (à semelhança de quem nem ao médico revela a nudez) sinta como agressão o mero questionamento das suas convicções, sentindo que tal abalaria a delicada construção interna da sua relação consigo mesmo, com o mundo e com os outros.

Uma Loja Maçónica pode ser vista como um ecossistema de poucas dezenas de pessoas que se reencontram vezes e vezes a fio e que sabem que podem "baixar as defesas" e, sem receio, expor o seu ser, o seu saber e a sua experiência para benefício dos demais. Cada um apresenta, na medida que entende fazê-lo, e mediante o seu grau de conforto em revelar-se, a sua visão do mundo e a súmula que dela fez - a sua pessoal e única experiência - com o intuito de que cada um dos demais possa ver o mundo por outros olhos e retire daí os ensinamentos que entenda.

Atacar essa matriz assim exposta seria atacar a pessoa no que tem de mais íntimo, de mais pessoal, de mais sagrado. Por isto, uma das primeiras coisas que se aprende na Maçonaria é a respeitar a diferença e a diversidade, sejam estas de pontos de vista, de crenças ou de convicções. Cada um dá um pouco de si; quem quer, colhe daí o que lhe aprouver. Ninguém é obrigado a aderir a conclusões conjuntas, a versões definitivas, a consensos alargados; estes procuram-se apenas até onde é possível fazê-lo sem atropelar a convicção e a vontade de cada um.

É esta uma das formas através das quais a Maçonaria toma homens bons e os torna melhores. É assim que, em Maçonaria, tudo se aprende e nada se ensina. E é assim, e por isso, que, em Maçonaria, se aprende a calar tudo quanto possa perturbar este equilíbrio.

Paulo M.