Interlúdio
Fiquei levemente aborrecido, mas sou um optimista. E um optimista consegue sempre descortinar algo de bom no que corre mal, consegue sempre antecipar algum sol no meio de uma tempestade.
A pausa forçada permite-me reequilibrar um pouco a minha produção de textos aqui no blogue. Como tive oportunidade de referir aqui, este ano maçónico esperava que a minha contribuição para o blogue se cifrasse em dois textos por semana. Isso não se tem revelado possível. O reforço que se anunciava não se concretizou. Até agora, pelo menos. Os afazeres e as falhas de inspiração dos outros autores habituais de textos no blogue também os têm impedido de publicar mais assiduamente. Como resultado, para garantir o cumprimento do desejado objectivo de pelo menos um texto em cada dia útil, tenho tido necessidade de publicar quatro e, por vezes, cinco textos por semana.
Não me queixo. A publicação de textos no blogue é um acto voluntário, quem corre por gosto não cansa e quem não pode, arreia. Mas esta necessidade de garantir um ritmo elevado de publicação não deixa de me preocupar, sobretudo pelos possíveis reflexos na qualidade dos textos. Não é possível haver ópera todos os dias... E quanto mais dias houver função, menor será a proporção da ópera no meio da música...
A qualidade dos textos aqui publicados é para mim importante. Para escrever qualquer coisa de qualquer maneira, mais vale estar quieto e tentar fazer algo de mais útil... Procuro, portanto, escrever de forma a expor ideias, pensamentos, conclusões, que sejam dotados de alguma Sabedoria, que tenham alguma Força para inspirar ou influenciar quem lê e que sejam textos com alguma Beleza de escrita.
Porém, para escrever algo com uma sofrível Sabedoria é preciso reflectir. E quanto mais frequentemente se tiver que publicar, menos tempo se tem para reflectir no que se escreve...
Para escrever algo com a Força suficiente para marcar quem lê o texto, tem de se escrever convictamente. E a necessidade de publicar todos os dias obriga, por vezes, a escrever sobre detalhes, ligeirezas ou curiosidades, sobre os quais dificilmente se consegue transmitir convicção... Não que não haja lugar a textos sobre detalhes, ligeirezas e curiosidades aqui no A Partir Pedra. Claro que há, até por uma questão de saudável variedade de temas e estilos. Mas gostaria de poder programar mais descansadamente a mescla do sério com o ligeiro, para poder tentar até o ligeiro dotar de alguma Força...
Para escrever textos com alguma Beleza, com alguma qualidade de escrita, necessito de muita transpiração... Não sou um artista das letras, não escrevo particularmente bem, tenho consciência que mais não sou do que um medíocre alinhavador de palavras, um sofrível escrevinhador, um razoável divulgador de pensamentos. Mas, embora com reduzido sucesso, procuro, tento, teimo, que o que escrevo tenha, aqui ou ali, algo que possa ser considerado como não feio de todo. Para tentar não me distanciar muito desse objectivo, mister é que releia, emende, corrija, melhore o que a minha pouco inspirada mente vai dolorosamente expelindo. Mas a necessidade de publicar a um ritmo diário permite-me menos tempo para que o faça... E, no entanto, para mim é importante ter possibilidade de reler e aprimorar os textos que vou escrevendo, antes de os publicar. Nunca cesso de me surpreender como a simples alteração de disposição, de humor, entre o momento em que escrevi um texto e aquele em que o revejo, me possibilita aprofundá-lo com novos detalhes, enriquecê-lo com novas cambiantes, adorná-lo com mais uma ou outra imagem.
Procuro, sempre que possível, escrever com alguma antecedência, ter de um a cinco textos aptos a serem publicados, de forma a poder revê-los, melhorá-los, afiná-los, antes da publicação de cada um e, até, poder jogar com a respectiva ordem de publicação. Mas ultimamente isso não tem sido possível: os meus próprios afazeres nem sempre me têm permitido escrever todos os dia úteis e a reserva de textos foi sendo utilizada.
Procuro, pelo menos, escrever de manhã e só publicar ao fim da tarde, para ainda ter um tempinho para o meu subconsciente me ajudar a providenciar por uma ou outra afinação. Mas dias há em que nem isso tem sido possível, em que tenho escrito e imediatamente publicado. Resultado: quando releio o que já está publicado, mais frequentemente do que eu gostaria deparo com detalhes que deviam ter sido melhorados. E isso aborrece-me. Porque quem me lê tem direito ao melhor do que sou capaz, não apenas ao que saiu...
Portanto, a avaria de ontem teve o resultado positivo de me permitir uma pequena folga, que, espero, me ajudará a poder melhorar um pouquinho a qualidade do que publico. Porque ontem não publiquei e o texto que estava prestes a ser publicado fica de reserva para um dia destes (após revisão e aperfeiçoamento...) e hoje pude, a propósito, exercitar a minha capacidade de escrever sobre nada, ganhei mais um dia para reflectir sobre algumas coisas que ainda não tinha decidido se iria escrever sobre elas aqui no blogue - e que entretanto já deu para me decidir pela afirmativa -, de forma a que valha a pena escrever sobre elas. Escrever sobre nada dá-me tempo para reflectir sobre a substância do que escreverei um dia destes. Hoje, escrevi sobre a espuma de algo sem importância, enquanto me preparo para escrever sobre o âmago de assuntos bem mais importantes.
O que uma avaria propicia e o que a capacidade optimista de retirar algo de positivo do que corre mal possibilita!
Rui Bandeira