O maçom e a Religião
Tal como em relação à Política, é vedada, no seio da Maçonaria Regular, toda a discussão ou controvérsia religiosa. Mas, sendo uma agremiação em que apenas são admitidos crentes, obviamente que a espiritualidade, em geral, e as convicções religiosas, em particular, são objeto da atenção dos maçons.
Como procedem então os maçons para satisfazer o seu interesse na espiritualidade e nas convicções religiosas sem violar a proibição de discussão ou controvérsia religiosa?
De uma forma espantosamente simples e de uma eficácia comprovada ao longo de centenas de anos: estabeleceram o denominador comum e, para além dele, deixam ao íntimo de cada um as respetivas opções.
O maçom Regular é crente num Criador do Universo. Esse o denominador comum. Quais as características, poderes, atuações, propósitos, intervenções, etc., do Criador do Universo - isso é matéria do foro íntimo de cada um. Cada um crê no Criador tal como o concebe, tal como a religião que pratica o levou a entender, aceitando ou discordando que tenha a característica A ou B, o poder X ou Y, que atue no Universo criado, e como, ou não atue, com plano específico ou sem ele, com ou sem intervenções concretas. Isso é com cada um e ninguém tem nada com isso - portanto, não se discute.
As religiões monoteístas têm diferentes designações para o Criador: Jeovah (ou Javeh), Allah, Deus... Ao longo da história, homens mataram homens em insanas guerras, uns lutando por Deus e outros por Allah, outros ainda invocando Jeovah - todos estupidamente esquecendo, ou escondendo, ou não atendendo, que essas são todas designações que os humanos dão à mesma Entidade...
Como resolvem os maçons esta questão? Sempre com a mesma eficaz simplicidade: coletivamente, designam o Criador por uma denominação que - mais uma vez - é um denominador comum - Grande Arquiteto do Universo. E cada um, no seu íntimo, perante a sua religião, designa-o como entende.
No entanto, seria estulto não reconhecer que a religião condiciona a cultura de homens e de sociedades. A cultura judaica resulta de manifesta influência da religião judaica. O mesmo se pode referir em relação à cultura e religião islâmicas e, ressalvadas as assinaláveis diferenças internas, à cultura e religião cristãs.
Como conciliar estas diferenças? Ainda e sempre, com a eficaz simplicidade que resulta da Tolerância e da Harmonia: o meu Irmão é, enquanto individualidade, importante para mim, como eu sou para ele - não importam as diferenças culturais ou de pensamento religioso. Tal como não faria sentido distinguir entre louros e moremos, entre os que têm olhos azuis e os que os têm castanhos , entre os que são altos e os que são baixos, não faz sentido distinguir entre os que professam a religião A ou a crença B.
Pelo contrário, é muito mais frutuosa a cooperação, a entreajuda dos diferentes. O louro reage melhor ao frio, o moreno suporta melhor o sol - distribuamos tarefas aproveitando essas diferentes potencialidades. O de olho azul vê melhor com pouca luz e o de olho castanho tem olho de águia com a mais intensa luminosidade - atribuamos esforços tendo isso em conta. Os altos arrumam melhor as prateleiras e os baixos encontram melhor o que está no fundo dos armários baixos - aqueles que tratem das prateleiras, enquanto estes se ocupam dos armários...
Ainda e sempre, o que os maçons há muito aprenderam e diariamente aplicam é que a diversidade é uma riqueza, uma vantagem, não um ónus, não algo que se deva corrigir.
Portanto, não me interessa a religião específica de meu Irmão. Basta-me a nossa crença comum no Grande Arquiteto do Universo. Este plano comum é apto e suficiente à nossa vivência em comum da espiritualidade. Não perdemos tempo em discutir as diferenças, não entramos no que seria um infantil jogo de "o meu Deus é mais poderoso que o teu" (afinal, é o mesmo...), "a minha maneira de ver o meu Deus lava mais branco do que a tua" (afinal, o que realmente importa é como cada um se aperfeiçoa, melhora, se dignifica na sua passagem por esta vida e se prepara para o Mistério que está para além do Oriente). Achamos que é muito mais útil, mais eficaz, mais inteligente, retirarmos da vivência espiritual do outro as lições e as técnicas e os princípios que nos sejam úteis para melhor aperfeiçoarmos a nossa própria vivência. E, ao mesmo tempo, abrirmos ao outro a nossa própria vivência espiritual, para que o outro dela retire e aprenda e utilize o que para ele seja mais útil.
No fim de contas, se fôssemos todos iguais, se pensássemos todos da mesma maneira, se professássemos todos idênticas convicções religiosas - o que é que cada um podia aprender com os demais? Mais do mesmo?
Para o maçom, a religião, as diferentes religiões não são pomos de discórdia, de discussão, de controvérsia. São oportunidades de diálogo, de aprendizagem, de cooperação no crescimento de cada um.
E isto, meu caro leitor, os maçons praticam-no em Loja e procuram também assim o fazer fora de Loja, entre si e com todas as demais pessoas. Com a certeza que, se algum dia se conseguir que todos identicamente se comportem, o Mundo será muito melhor!
Rui Bandeira