09 abril 2008

Tronco da Viúva

No texto Pela Inês!, mencionei que várias Lojas maçónicas da GLLP/GLRP vão recorrer aos seus Troncos da Viúva para auxiliar nas despesas com a viagem e transplante da menina.

Pelo menos na Europa Continental, todas as Lojas maçónicas têm um Tronco da Viúva. O Tronco da Viúva não é mais do que um fundo de reserva de meios monetários destinado a acorrer a situações de necessidade de maçons, de viúvas e filhos menores de maçons já falecidos e, de forma geral, a acções de beneficência.

Os fundos do Tronco da Viúva são exclusivamente obtidos mediante donativos dos obreiros da Loja e seus visitantes ou mediante acções de angariação de fundos a ele destinados - leilões, iniciativas sociais, etc..

Os fundos do Tronco da Viúva, tal como os demais valores da Loja, ficam à guarda do Tesoureiro desta. Mas são separadamente contabilizados dos demais recursos da Loja e só podem ser usados para os referidos fins de auxílio ou beneficência. Os fundos do Tronco da Viúva só podem ser utilizados por decisão do Venerável Mestre ou do Hospitaleiro, Oficiais da Loja em que esta delega o encargo de bem analisar as situações que justifiquem a mobilização desses fundos. Pelo menos anualmente, o Hospitaleiro deve apresentar um sucinto relatório sobre a situação do Tronco da Viúva e a aplicação dos seus fundos.

Em algumas Lojas, pode também existir uma Comissão de Beneficência, encarregada de estudar as acções da Loja neste campo. No Regulamento Interno da Loja Mestre Affonso Domingues está prevista a existência de uma Comissão de Beneficência, constituída pelo Venerável Mestre, pelo 2.º Vigilante e pelo Hospitaleiro. Na prática, porém, a sua activação não tem sido necessária, pois a tradição da Loja de discutir abertamente em sessão de Loja todos os assuntos que a esta dizem respeito possibilita que todas as decisões importantes, neste como noutros campos, seja colectivamente apreciada perante o Venerável Mestre, em ordem a permitir-lhe a mais consensual decisão (ver o texto Decidir em Loja). No entanto, se entre sessões, o Venerável Mestre necessitar de tomar uma decisão urgente sobre assuntos de solidariedade, sabe quem deve, em primeira instância, consultar: o 2.º Vigilante e o Hospitaleiro, que consigo formam a Comissão de Beneficência. A estrutura existe, está prevista, só é accionada se e quando necessário. Felizmente não tem havido situações de urgência que impusessem uma decisão antes de debate em Loja, mas, se e quando houver, já se sabe como proceder.

A designação de Tronco da Viúva tem a ver com a lenda da construção do Templo de Salomão, que foi dirigida por um arquitecto, de nome Hiram Abiff, que, na Bíblia, é referenciado como filho de uma viúva de Tiro. Hiram Abiff é, desde tempos imemoriais, o protagonista de uma alegoria que constitui o cerne da moralidade maçónica, a tal ponto que os maçons, nele se revendo, designam-se a si próprios por Filhos da Viúva. Alegoricamente, nos tempos modernos, a Viúva será a Maçonaria, em especial na sua vertente de solidariedade e beneficência. O Tronco da Viúva é, pois, um dos alicerces da Maçonaria, o reservatório dos bens que lhe possibilitam despender fundos em acções de solidariedade e beneficência. É alimentado pelos seus filhos, os Filhos da Viúva, os maçons.

Externamente, e em cumprimento do comando da moral maçónica de que as acções de beneficência devem ser praticadas discretamente, um maçon ou uma Loja Maçónica nunca revelam ou comentam ou divulgam quanto foi dado para esta ou aquela acção, com quanto se contribuiu para aliviar a necessidade desta ou daquela pessoa. Isso é matéria que só interessa a quem disponibiliza a ajuda e a quem a recebe. A regra é simples e não tem de ser mais específica: em cada momento, deve dar-se o que se pode e seja preciso. Nem menos, nem mais.

A Loja Mestre Affonso Domingues procura manter, se possível, uma reserva mínima para poder acorrer a uma urgente necessidade de um Irmão, de uma viúva ou de um filho menor de um maçon falecido. Mas também nunca tem grande entesouramento no seu Tronco da Viúva. Não faz sentido guardar de mais, deixando necessidades que se podem aliviar sem alívio... Enfim, o Tronco da Viúva da Loja Mestre Affonso Domingues está sempre em equilíbrio instável... Nem demasiado leve (excepto quando tal for necessário), nem demasiado pesado. E é assim que o queremos!

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1. Já chegaram os primeiros donativos para a Inês! Amigo leitor, não se esqueça, colabore também no auxílio à Inês. Contribua com o que puder e quiser. No texto Pela Inês pode ver como o fazer.

2. E é favor anotar na agenda, a letras BEM GRANDES: SÁBADO DE MANHÃ: IR DAR SANGUE NA ESCOLA MELLO FALCÃO DA PONTINHA (quem está longe, pode ir dar sangue ao centro de recolha do Instituto do Sangue mais próximo; lá também aceitam...)

Rui Bandeira

08 abril 2008

Pela Inês!

A Inês sofre de uma doença genética rara, doença de Wilson, que afecta o fígado, resultando em que este órgão não elimine o excesso de cobre introduzido no organismo através dos alimentos. O cobre não eliminado acumula-se e espalha-se no organismo, originando um lento envenenamento.

A Inês suporta este calvário há doze anos. Neste momento, o cobre acumulado afecta já o cérebro desta criança, provocando-lhe várias paralisias. Após muitas consultas em hospitais de Lisboa, Coimbra e Porto, após muitas sessões de fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala, tudo buscando minimizar, na medida do possível, os terríveis efeitos deste implacável envenenamento, surgiu a hipótese de um transplante de fígado.

A família da Inês conseguiu a marcação deste transplante, mas em Cuba, país onde se deslocará a Inês, em princípios de Junho, para se submeter à intervenção. Como é óbvio, as despesas envolvidas têm sido e vão ser muitas e pesadas. A família da Inês tem despendido tudo o que pode no seu tratamento. Mas agora precisa de auxílio financeiro urgente. Junho é já daqui a menos de dois meses, o dinheiro não chega, mas a oportunidade não pode, nem deve, ser desperdiçada.
A RL:. Luís de Camões, sediada na localidade onde mora a Inês, entendeu associar-se a esta campanha de solidariedade. Claro que os maçons, conhecendo este caso e a situação de necessidade em que se encontra a Inês, vão cumprir o seu dever de solidariedade e auxiliar, na medida das suas possibilidades. A Respeitável Loja Luís de Camões vai recorrer ao seu Tronco da Viúva para contribuir com o que pode para as despesas do tratamento da Inês. A Loja Mestre Affonso Domingues vai recorrer ao seu Tronco da Viúva para juntar a sua disponibilidade. Outras Lojas vão recorrer aos seus respectivos Troncos da Viúva e juntar também meios para o mesmo fim. Mas, infelizmente, ainda não chega! As despesas são grandes e nem mesmo os fundos guardados para acorrer a situações de necessidade, mesmo postos em conjunto, chegam para as assegurar.

Mas a Inês não vai ficar sem o seu indispensável tratamento, sem efectuar o imprescindível transplante! Decidi, pois, procurar alargar a cadeia de solidariedade. Nós, maçons, procuramos ajudar, discretamente, quem precisa. Mas também não temos receio nem vergonha de gritar por ajuda, quando tal é necessário. Pela Inês, agora é!

Deixo, pois, aqui um apelo ao donativo de fundos para ajudar a financiar as despesas com o transplante da Inês. Nenhuma quantia é demasiado pequena. Nenhuma boa-vontade é supérflua. Muitos poucos fazem muito e hão-de fazer o necessário.

Quem quiser e puder efectuar um donativo, por favor efectue uma transferência ou um depósito na conta do Banco Best com o NIB 0065 0921 00043890008 19, com a indicação INÊS e envie uma mensagem de correio electrónico para mestreaffonsodomingues@gmail.com confirmando esse facto. Para quem, estando fora de Portugal, quiser efectuar um donativo, pode fazê-lo mediante transferência para essa conta , indicando o IBAN (International Bank Account Number) PT50006509210004389000819. O código SWIFT / BIC do Banco Best é BESZPTPL.

Os fundos recebidos serão na totalidade entregues aos pais da Inês. Mediante o envio da mensagem de correio electrónico confirmativa do donativo, os doadores possibilitarão meio de contacto através do qual receberão confirmação da boa recepção das respectivas transferências, da entrega dos donativos aos pais da Inês e, oportunamente, informação sobre a efectivação do transplante e dos resultados (todos esperamos que positivos) para a Inês.

Caro leitor: normalmente o mais difícil não é ser solidário; é vencer a inércia. Por favor, vença-a. Ajude na medida em que puder e quiser. Pela Inês!

Os nossos amigos leitores que mantêm também blogues, se quiserem também aí divulgar este apelo, também ajudarão. Todas as ajudas são bem-vindas. Pela Inês!

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Entretanto, se puder, não se esqueça também de ir dar sangue no próximo sábado!

Rui Bandeira

07 abril 2008

DAR SANGUE, DAR VIDA ! Homenagear o Gr.19 dos Escoteiros da Pontinha e o casal Sousa Mendes.


É verdadeiramente o "muitos em um".

A Vossa presença homenageia, em simultâneo o nome do casal heroico, Angelina e Aristides de Sousa Mendes, o Gr.19 dos Escoteiros da Pontinha que estão em comemoração dos seus 40 anos, o nome de Mestre Affonso Domingues através da nossa respeitável Loja e dão uma ajuda preciosíssima a quem precisa de sangue.

Vejam bem quantos coelhos com uma cacetada apenas.

No Sábado, dia 12, muita gente espera por Si !

Meus Irmãos, meus Amigos, Companheiros destas e outras lides, ou apenas visitantes do A-PARTIR-PEDRA, apareçam no próximo Sábado na Pontinha, bem no centro da Freguesia.

A Escola Melo Falcão está a 50 metros da estação do Metro e colada a um parque de estacionamento com lugar para todos.

A Fraternidade faz-se, sentindo-a.
A Solidariedade faz-se, fazendo-a.

O exemplo extraordinário de Aristides de Sousa Mendes e sua Mulher merecem ser recordados da melhor maneira que é possível. E essa é seguir o seu exemplo de Solidariedade sem limites, de Fraternidade sem fronteiras.
Dia 12 a Vossa presença é indispensável, SIM !
Mesmo com chuva, vento e frio... há Gente a precisar de ajuda. Como podemos nós recusar ?



JPSetúbal



04 abril 2008

Estranha mulher

Recebi este texto por correio electrónico, enviado pelo PauloFR, já há alguns meses. É da autoria de Maria Ivone Corrêa Dias, membro da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás (Brasil) e a sua publicação aqui é uma homenagem que presto a quem teve tanta sensibilidade ao escrevê-lo:

Eu sei que ela existe (embora eu nunca a veja...), mulher estranha, de mãos imensas, semeando esmolas, misteriosamente, cercada de respeito, de lendas e de temor. As mãos dessa mulher têm forma de amor, mãos que ninam os berços da orfandade, mãos que põem luz na noite da viuvez, mãos que cortam o erro como espadas, mãos que abençoam, que denunciam crime e que trazem, no gesto que redime, toda a unção das próprias mãos de Deus.

Essa mulher tem a graça das Acácias, a ternura que consola a dor alheia, o bem que ela faz gravando só na areia, vem a onda e o leva ao seio do grande Artista que vela sobre o triste, o fraco e o oprimido.

Essa mulher, se escuta algum gemido, se pressente a dor, a injustiça, a queda, como o vento desloca-se, flecha ousada e firme na pressa de salvar, servir e se esconder.

Ela está de pé às portas da miséria...

Junto ao incapaz, ela é o braço potente, amparo ela o é ao lado do indigente, arrimo da velhice, luz da juventude, e ante a própria morte, aos pés do ataúde, essa mulher é esteio, é força e segurança.

Seus braços, quais colunas talhadas na rocha, já sacudiram tronos, muralhas e cidadelas, já libertaram escravos e enriqueceram os pobres, já ergueram nações sobre cinzas de impérios...

Ela já viu morrer os filhos em prol da liberdade, e, embora chorando sobre os seus tristes restos, seu braço ergueu, em sagrado protesto, a bandeira santa do amor universal.

De sua mesa farta, tal como em família, reparte ela o pão da graça feminina, sem humilhar aquele a quem sobrou pobreza, e sua mão direita, segundo o evangelho, jamais presenciou o que a esquerda fez.

A ordem do Senhor: "Amai-vos uns aos outros" à frente do seu Templo essa mulher gravou, e como irmãos se tratam milhões de filhos seus, homens predestinados, cidadãos benditos que não se envergonham - oh não - de crer em Deus.

Essa mulher estranha, sem jóias e sem fraqueza, essa mulher estranha, temida e venerada, mil vezes perseguida, vencendo com galhardia, é cidadã do Mundo, é a MAÇONARIA.

Quando eu for grande, gostava de conseguir escrever assim...

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Segunda-feira vou estar ausente e sem contacto com computadores, pelo que nada publico aqui. A partir de terça-feira, se nada vier a ocorrer em contrário, voltarei. Bom fim de semana!

Rui Bandeira

03 abril 2008

Um outro olhar - A Face Esotérica da Cultura Portuguesa

Terá lugar no próximo dia 8 de Abril, terça-feira, pelas 18,30 h, na Sala do Arquivo dos Paços do Conselho da Câmara Municipal de Lisboa (Praça do Município), a sessão de lançamento do novo livro de José Manuel Anes, Um outro olhar - A Face Esotérica da Cultura Portuguesa.

A apresentação da obra estará a cargo da Professora Doutora Helena Barbas, docente da Universidade Nova de Lisboa e crítica literária do semanário Expresso, e do Professor Doutor Paulo Pereira de Almeida, docente do ISCTE.

José Manuel Anes foi Grão-Mestre da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP entre 2001 e 2004 e é titular de um valoroso currículo profano, maçónico e bibliográfico, sendo um criminalista reconhecido, antropólogo das novas religiões e estudioso das antigas espiritualidades.

José Manuel Anes é um dos defensores do urgente resgate do imaginário adormecido em Portugal para reencontrar novos desígnios para este terceiro milénio. Na primeira pessoa, apresenta-nos esse seu «outro olhar», ao mesmo tempo que faz a ponte e aborda sem tabus temas actuais e polémicos. Um dos mais importantes é o papel de Portugal no contexto internacional, que deve ser, sobretudo, de mediação entre países, fomentando o diálogo e o entendimento. Talvez esteja aí algo da ideia do Quinto Império. Completa esta obra uma série de artigos do autor que, pela sua importância história para o tema, ali são compilados. (texto retirado da referência ao livro no sítio da sua editora, Ésquilo)

Para atiçar a curiosidade dos leitores do blogue, aqui fica um pequeníssimo excerto do livro:

«Imaginariamente, sou [um mago]. Todos somos, mesmo o humilde pastor da Serra da Estrela ou o analfabeto, todos somos magos. Acho que este imaginário é absolutamente indispensável. Nunca conseguiria ser apenas um químico


«[O objectivo da criação da alquimia] é o Homem sentir-se o criador do universo, ou pelo menos co-criador - e também criador de si próprio, como escreveu Pessoa.»


José Manuel Anes


Na mesma sessão, será também apresentada a 3.ª edição, revista e aumentada, de uma outra obra de José Manuel Anes, Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos. Sobre esta obra, escreveu, no seu prefácio, Paula Cristina Costa:

«José Manuel Anes oferece-nos um estudo detalhado e rigoroso, com toda a credibilidade científica que já lhe é conhecida, aliada à sua hábil – e rara! – neutralidade na exposição destas matérias. (...)

Através da leitura deste estudo de José Manuel Anes, sentimos reforçada a ideia de que a apetência por parte de Pessoa para as questões esotéricas – hermetismo, alquimia, cabala, misticismo, magia, gnosticismo, mediunismo, astrologia, maçonaria, templarismo, rosa-crucianismo, teosofia, etc. – não se desenvolve de todo como um mero pré-texto para a sua criação literária, i.e., uma mera apropriação de temas esotéricos para ilustrarem tematicamente a sua obra poética, mas muito pelo contrário, o recurso ao esoterismo parece ser o verdadeiro modo de ser, a verdadeira vivência da sua vida e da sua obra poética.»

No final da sessão será servido um Porto de Honra. E, ao longo de toda ela, José Manuel Anes, como é seu hábito, espalhará a sua contagiante simpatia. O que é mais uma excelente razão para ir à sessão de lançamento do novo livro e da nova edição.

Rui Bandeira

02 abril 2008

As pequenas iniciativas

Li na edição electrónica do jornal Diário da Serra, de Tangará da Serra, Mato Grosso, Brasil o seguinte apontamento, escrito pela jornalista Lucélia Andrade e publicado ontem:

A Loja Maçônica Estrela de Tangará em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-MT), iniciou ontem um curso de processamento de carne de frango. O curso que está sendo realizado gratuitamente, na sede da maçonaria, terá a duração de cinco dias. Ele é voltado para diferentes profissionais que tem como propósito repassar o que aprenderem para demais pessoas. Segundo uma das responsáveis pela organização do curso, Lourdes Garcia Carvalho, a solicitação foi feita pela Maçonaria ao Senar, que aceitou o pedido e está ministrando todos os cuidados necessários para o preparo da ave. Durante o curso, as alunas irão aprender todo o processo de manuseio da ave, incluindo abate, cuidados com a higiene, cortes, desossagem, descongelamento, além de receitas. Hoje no período da manhã e tarde as alunas estarão iniciando o processo prático.

Este é um bom exemplo de integração da maçonaria com a comunidade. Mais: de prestação de serviço à comunidade, de serviço que esta precisa e que lhe é útil.

Este é um bom exemplo de que não é necessário - porventura, em muitos casos, nem sequer será conveniente... - imaginar grandes projectos, fabulosas organizações, paradigmáticas iniciativas, para uma Loja maçónica ser útil ao meio em que se insere. Os grandes projectos, as fabulosas organizações, as paradigmáticas iniciativas porventura captarão benevolentes aplausos e educados encómios. Mas quantas vezes não são apenas montras de vãs vaidades? Quantas vezes não servem mais o enchimento dos egos dos seus autores do que as comunidades a que supostamente se dirigem? E quantos grandiosos projectos, brilhantes organizações, fantásticas iniciativas não passam da imaginação dos seus autores, de conversas sem real significado, precisamente por serem demasiado grandes, demasiado caros, demasiado complexos, para as possibilidades de quem com eles sonha? E potencialmente preparam-se extraordinárias iniciativas, mas realmente faz-se... nada!

Ao contrário do que, por vezes, alguns parecem pensar, a verdadeira História não se faz de gestos heróicos e extraordinários. Faz-se com o labor diário, o esforço aplicado, de muitos desconhecidos, que efectivamente constroem, fabricam, criam. A História dos notáveis é apenas uma montra que distrai os que se limitam a olhar para as aparências da moda do momento e não vão verificar a efectiva qualidade dos artigos. Mas a Humanidade evolui, cresce, desenvolve-se, mediante milhares e milhões de pequenos gestos, milhares e milhões de anónimas contribuições, milhares e milhões de vivências e esforços diariamente assegurados.

A Maçonaria tem significado verdadeiro, não nos
confortáveis salões dos abastados deste mundo, mas no que pode acrescentar - a todos e a cada um, do mais rico ao mais pobre, do mais ilustrado ao analfabeto, do celebrado ao pária. A Maçonaria é um processo de aperfeiçoamento individual, mediante a integração num grupo, destinado a contribuir para o aperfeiçoamento da sociedade. E este ocorre, muitas vezes - talvez quase sempre... -, não por celebrados e alegadamente importantes actos, sob os holofotes das televisões e os elogios dos fazedores de opinião, mas em pequenos actos, singelos gestos, minúsculas contribuições que, pelos seus propósitos, pela repetição, pela adequação às pequenas necessidades (que, por serem pequenas e discretas, não devem deixar de ser satisfeitas) efectivamente existentes na sociedade, acabam por significar e valer muito mais do que os tais grandiosos, mediáticos, mas esporádicos, empreendimentos.

Não há grandes nem pequenas causas. Os esforços, as organizações, os projectos valem pela efectiva utilidade, pelas reais ajudas que proporcionam, não pelos brilhos das lantejoulas ou a perfeição dos fatos de cerimónia usados pelas ditas famosas e ditos famosos que "abrilhantam" com a sua presença langorosas iniciativas "sociais" de grande visibilidade, duvidosas intenções e reduzida utilidade.

Maçonaria é a Loja Estrela de Tangará co-organizar um curso de processamento de carne de frango, que será bem mais útil ao meio em que se insere e às pessoas que o frequentam do que mil brilhantes discursos em opulentas cerimónias. As minhas homenagens aos Irmãos da Respeitável Loja Estrela de Tangará pela iniciativa. Que a repitam. Que organizem outras, não importa quão simples, não interessa se modestas, desde que efectivamente úteis para o meio social em que se inserem. E que o exemplo destes Irmãos frutifique. Muitos poucos fazem muito. Se cada Loja maçónica efectuar uma - apenas uma! - iniciativa, modesta, mas útil para o meio em que se insere, por ano, teremos centenas de milhares de pequenos passos dados pela Humanidade em cada ano. E assim é que se avança. Um passo de cada vez. E assim é que se faz a diferença. Assim se é maçon!

Rui Bandeira

01 abril 2008

Registo

No passado sábado, dia 30 de Março, teve lugar a Assembleia de Grande Loja da GLLP/GLRP do equinócio da Primavera. Como habitualmente, esta Assembleia de Grande Loja foi dedicada essencialmente a trabalhos administrativos. Estando prevista uma revisão do Regulamento Geral e do Estatuto da Associação GLLP, a Assembleia foi precedida, na manhã desse dia, por uma reunião entre a Comissão encarregada da elaboração das respectivas propostas e os representantes das Lojas, destinada a debater as propostas apresentadas e a analisar as posições transmitidas pelas Lojas. Essa reunião foi bastante profícua, tendo permitido limar algumas arestas, aperfeiçoar as propostas de alteração e expurgá-las de soluções menos adequadas, tendo-se atingido soluções consensuais que permitiram, em Assembleia, a rápida aprovação das praticamente consensuais emendas.

Ao princípio da tarde, teve lugar o também habitual Conselho de Veneráveis Mestres, reunião de todos os Veneráveis Mestres de todas as Lojas da GLLP/GLRP com a equipa do Grão-Mestrado, destinada à análise da actuação das Lojas, informação, coordenação e planificação dos trabalhos para os próximos meses. Esta reunião, que ocorre, normalmente, com uma periodicidade trimestral, é sempre um excelente meio de contacto entre os responsáveis máximos em exercício nas Lojas e de estabelecimento de plataformas e projectos de colaboração.

Ainda antes da Assembleia de Grande Loja, reuniu a Assembleia da Associação GLLP, a associação de direito civil que corporiza a personalidade jurídica da Obediência, que tratou dos indispensáveis assuntos inerentes à vida de uma associação de direito privado: debate e votação das contas do ano transacto, debate e votação do orçamento e eleições dos titulares dos órgãos sociais. Enfim, profanidades, mas profanidades necessárias...

A Assembleia de Grande Loja procedeu então à formal aprovação das alterações ao Regulamento Geral, contas e Orçamento. Burocracias, mas não só, já que estes instrumentos são essenciais à normal vida da Obediência e neles se espelham escolhas importantes sobre os caminhos que a mesma trilhará no futuro próximo.

Mas tudo isto não é o verdadeiro objectivo deste texto. Esse apresenta-se em quatro parágrafos, já de seguida.

É normal que em todas as Assembleias de Grande Loja exista um período de intervenções "a bem da Ordem", isto é, um período destinado a intervenções sem sujeição a ordem de trabalhos definida. Tradicionalmente, esse período era aproveitado pelas Lojas para a apresentação de cumprimentos ao Grão-Mestre, aos Grandes Oficiais e às demais Lojas, em intervenções protocolares espelhando o sentimento de fraternidade que a todos une. No princípio e durante algum tempo, era um intervalo agradável nos trabalhos. Mas o número de Lojas foi crescendo. O que inicialmente era uma dúzia de breves apresentações de cumprimentos, que não consumiam mais de um quarto de hora, passou a ser um penoso e longo exercício de repetitivas intervenções de dezenas de Lojas. Havia que atalhar. A Maçonaria preza as suas tradições - e a afirmação e reafirmação dos sentimentos fraternais é indubitavelmente uma delas -, mas deve evoluir e promover mudanças sempre que necessário. E, em regra, as melhores soluções acabam por ser simples, ovos de Colombo à vista de toda a gente, mas ignorados até que alguém se lembra de para elas chamar a atenção.

Desde o início do mandato do actual Grão-Mestre que se optou por uma solução que, mantendo a afirmação da fraternidade, obviou à perda de tempo e à penosidade de sucessivas intervenções parecidas de dezenas de Lojas: em cada Assembleia de Grande Loja intervém, para a tradicional apresentação de cumprimentos e manifestação de regozijo pela presença e convívio de todos, apenas UMA loja, que assegura a dita intervenção em nomes de todas as Lojas presentes. A escolha da Loja que intervém é simples e feita de forma transparente: por ordem do respectivo número no cadastro da Grande Loja.

O ano passado houve quatro sessões da Assembleia de Grande Loja. A deste fim de semana foi a quinta sessão, desde que se inaugurou, com proveito, este sistema. A Loja Mestre Affonso Domingues é a Loja n.º 5 no cadastro da GLLP/GLRP. Logo, nesta Assembleia de Grande Loja, a intervenção para a protocolar apresentação de cumprimentos foi da responsabilidade da Loja Mestre Affonso Domingues e assegurada pelo seu actual Venerável Mestre, JPSetúbal.

Não se trata de nada particularmente especial. Mas não quis deixar de aqui registar este acto. Até porque, se a GLLP/GLRP mantiver, como todos esperamos, a sua saudável evolução e o seu paulatino crescimento, em número de obreiros e de Lojas, o mais certo é que idêntica situação não volte a ser assegurada pela Loja Mestre Affonso Domingues (basta que a média de criação anual de novas Lojas não seja inferior ao número de Assembleias de Grande Loja) ou, pelo menos, só volte a ser assegurada por ela daqui a muitos e muitos anos. E isso merece registo!

Rui Bandeira

31 março 2008

On the level

On the level (Sobre o nível) é um blogue maçónico de alta qualidade. O seu responsável, Ken Dennis, é um maçon canadiano, iniciado, passado e elevado em 2006 na Loja North Bay, n.º 617, da Grand Lodge of Ancient Free and Accepted Masons of Canada in the Province of Ontario.

Este blogue é um dos que mais frequentemente consulto, quer pela sua variedade, quer pela ponderação das opiniões nele expressas, quer ainda pelo muito material informativo que ali se encontra.

Ken Dennis não é um autor de textos muito prolífico. Mas também não deixa o blogue muito tempo sem ser actualizado. E tudo o que escreve prende pelo interesse. Até porque faz da concisão uma imagem de marca.

Ken Dennis faz do blogue On the level um espaço de divulgação maçónica. Para além dos seus textos, publica ali textos de referência de várias proveniências e pranchas elaboradas por Mestres Maçons de várias origens e com diferentes experiências. Interessado em conhecer uma breve história da Maçonaria no Japão? Está aqui! E que tal satisfazer a sua curiosidade sobre a Maçonaria em Barbados? Veja este texto! Sabe o que é um cowan? Não? Então veja nestoutro texto! E por aí fora temos uma vasta variedade de assuntos ligados à Maçonaria, que nos permite horas e horas de leitura: Poesia maçónica, Humor maçónico, Historietas maçónicas, História da Maçonaria, O que é a Maçonaria, Maçons Canadianos, enfim, motivos de interessa não faltam!

Através deste espaço, tem-se ainda acesso a um apreciável conjunto de livros maçónicos, em ficheiros .pdf e .doc.

De cada vez que se se acede a este blogue, o mesmo mostra-nos uma diferente fotografia ou imagem maçónica. E possibilita a inscrição para a recepção de uma newsletter de temática maçónica.

Em resumo, este é um espaço muito bem concebido e funcional, adequado para lermos o que vai sendo publicado, precioso como elemento de consulta, útil para leitura temática.

Não é pois de admirar que, só em subscritores de RSS (o que aqui no A Partir Pedra identificamos como "Últimos textos via RSS"), o On the level tenha mais de seis centenas!

O On the level está sobre o nível e é de alto nível!

Rui Bandeira

28 março 2008

Conhece-te a ti mesmo


Esta pequena história foi-me enviada pelo Simple há alguns meses. Guardei-a, aguardando a oportunidade de aqui a publicar. É hoje! Não sei quem é o seu autor - o Simple não mo disse. Ilustra um dos objectivos básicos buscados pela Maçonaria: o auto-conhecimento. Como condição necessária para ir mais além. Um bom motivo de reflexão para o fim de semana!

Um homem idoso está sozinho junto um caminho, não sabendo que direcção tomar, pois não se recorda nem de onde veio nem para onde ia. Senta-se um momento para repousar as suas pernas cansadas, quando olha para cima e se depara com uma mulher velha como a História. Ela dirige-lhe um sorriso sem dentes e pergunta-lhe:

Então, diz-me lá qual o teu terceiro desejo."

"Terceiro desejo?" - pergunta o homem estupefacto - "Mas como posso eu ter um terceiro desejo sem ter tido um primeiro e um segundo?"

"Já te concedi dois desejos," - diz a velha - "mas o teu segundo foi que pusesse tudo como estava antes de teres pedido o teu primeiro desejo. É por isso que não te recordas de nada, pois tudo está como antes de teres pedido o teu primeiro desejo. Resta-te, por isso, apenas mais um."

"Seja," - diz o homem - "não acredito nisto, mas mal não há-de fazer. O meu desejo é este: quero conhecer-me a mim mesmo, e saber quem sou."

"Curioso," - responde a velha, antes de desaparecer para sempre - "Esse foi o teu primeiro desejo."

Esta pequena história adverte-nos também para o facto de o auto-conhecimento não ser necessariamente fácil. Pelo contrário, pode ser um fardo. Daí que o segundo desejo tivesse sido o da reversão do resultado do primeiro. Mas mostra-nos também que o Homem sabedor anseia antes e acima de tudo conhecer-se a si mesmo, pois intui que só com esse auto-conhecimento estará preparado para ir mais além. Daí que o terceiro desejo não pudesse deixar de ser o primeiro... E, no fundo, tudo tem um preço. E, para se obter o que se pretende, há que pagar o seu preço. O preço do auto-conhecimento é a responsabilidade acrescida que traz a quem o atinge. Sem desculpas. Sem descontos. Mas vale a pena pagá-lo. Pelo menos, como escreveu Pessoa, se a alma não é pequena...

Rui Bandeira

27 março 2008

Palavra, honra, integridade

O significado da Maçonaria é mais bem explicado assim: num mundo de infindáveis escolhas e incontáveis tentações, esta complexa e sempre em mudança fraternidade tem um modo de ensinar um princípio simples a cada indivíduo, não importa onde viva ou em que acredite. Esse princípio explica que, enquanto a riqueza, títulos e fama podem facilmente ser retiradas de um homem, tudo o que ele realmente tem neste mundo é a sua palavra, a sua honra e a sua integridade. Estas são as chaves para uma grande vida e um grande homem. Sem elas, não se é nada, com elas é-se tudo o que se precisa de ser.


Irmão Wachter
Merchantville Lodge, n.º 119
Pennsauken, New Jersey

Encontrei esta frase neste texto publicado no excelente blogue On the level - que um dia destes será objecto de um texto especificamente a ele dedicado.

Dificilmente se acharia um meio mais simples e mais ilustrativo de definir o que busca ser, o que deve ser, o que é um maçon: um homem que respeita a sua palavra, de honra e com integridade. Estas três noções deverão estar sempre no nosso pensamento. Como diz o texto do IrmãoWachter , quem as tem, tem tudo o que necessita e pode considerar-se um homem de bem, livre e de bons costumes. O maçon deve dotar-se em todas as circunstâncias destas características e mediante elas sempre se comportar. Assim será digno da sua condição de maçon.

Ontem, em reunião da Loja Mestre Affonso Domingues, lembrei-me desta citação. Olhei à minha volta. Todos os que comigo estavam eram efectivamente homens que respeitam intransigentemente a sua palavra, de impoluta honra e com indefectível integridade. E mais uma vez confirmei porque me sinto bem quando estou com os meus Irmãos. Porque nos sentimos sempre bem, sempre seguros, sempre confiantes, quando estamos junto de homens de palavra, de honra e de integridade!

Rui Bandeira

26 março 2008

O silêncio do Companheiro

O Companheiro continua ainda sujeito à regra do silêncio. Não intervém em Loja, salvo quando é dispensado do dever de silêncio para apresentar uma prancha.

Em relação aos Aprendizes, já no texto O silêncio do Aprendiz procurei explicar a razão de tal determinação e as vantagens que a mesma traz para o Aprendiz. As mesmas razões valem para o Companheiro. Embora num estádio mais avançado, o Companheiro encontra-se ainda num processo de evolução, de formação. O silêncio permite-lhe a necessária concentração. A desnecessidade de intervir liberta-o para mais bem se focar no seu trabalho. E mais rapidamente estará pronto para a Elevação a Mestre.

Um Companheiro já não é um Aprendiz e por isso efectua já um trabalho diferente. E percebe que não é já tão proximamente acompanhado. A sua autonomia na Arte Real vai-se criando, a sua evolução vai depender cada vez mais de si mesmo e cada vez menos do auxílio dos Mestres. Sente-se cada vez mais próximo destes, cada vez mais como estes. E assim deve ser. O objectivo é que cada maçon seja Mestre de si mesmo, por si mesmo, com as suas próprias forças e capacidades.

Mas um Companheiro não é ainda um Mestre. Ainda tem um caminho a percorrer. Cada vez se sente mais seguro nesse caminho, mas ainda tem de o fazer. Por isso, ainda não tem a prerrogativa, dos Mestres, do uso da palavra em sessão.

O silêncio do Companheiro vai-se-lhe tornando progressivamente mais penoso. Porque se vai sentindo mais capaz. Porque, em cada sessão vai cada vez mais sentindo que teria algo de útil a dizer, a contribuir. Mas a penosidade é um preço que normalmente se tem de pagar para atingir o que vale a pena!

Também para a Loja cada vez é mais penoso o silêncio do Companheiro. Dia a dia, todos vão sentindo a sua evolução. Dia a dia, todos vão notando que teriam algo a ganhar com a contribuição deste Irmão. Dia a dia vêem o maçon iluminar-se e o profano de antanho esmaecer. Dia a dia anseiam pelo dia em que finalmente ouvirão o maçon em Loja. Mas esse é o preço que o grupo deve pagar para ter mais um elemento válido e que cooperará no aperfeiçoamento de todos e de cada um.

O Companheiro e a Loja vão sentindo que aquele cada vez soletra menos e lê e escreve melhor. Mas um e outra esperam pacientemente pelo momento em que a voz se erguerá lendo com a perfeição que humanamente seja possível atingir. Porque um e outra não desejam, não buscam menos do que isso!

O silêncio do Companheiro é uma ajuda no início desta fase, um desconforto a meio, um fardo no final. Todos o percebemos. E quando vemos esse fardo a pesar, sabemos que a hora está a chegar, que a crisálida vai muito brevemente metamorfosear-se. E a Elevação acontece naturalmente.

O silêncio do Companheiro é a sua preparação para a sua Elevação a Mestre. Para que, quando tiver direito a usar da palavra, já saiba quando se deve calar! Para que entenda perfeitamente o valor da Palavra e a valia do Silêncio. Então estará pronto!

Rui Bandeira

25 março 2008

A Regra de Ouro

Para os cristãos, a semana que passou foi a Semana Santa. Outras religiões têm dias, semanas meses ou outros períodos que consideram santos, sagrados ou de assinalar. Faz parte da convicção religiosa assinalar, marcar determinados períodos de tempo destinados a condutas e celebrações que buscam a aproximação do Homem com a Divindade.

É uma boa ocasião para publicar aqui no A Partir Pedra uma imagem que me mandou o Simple Aureole. Como ele, considero-a significativa e interessante. E um bom exemplo da razão por que a Maçonaria considera igualmente respeitáveis todas as convicções religiosas.

A Regra de Ouro, ou ética da reciprocidade, como muito bem a designa o Simple Aureole, mostra-se presente nas principais convicções religiosas do Mundo. Monoteístas, politeístas, deístas, teístas, ocidentais, orientais. A imagem acima reproduzida é elucidativa (clicar sobre a imagem para a aumentar). Abaixo, fica a tradução do texto. Traduzo da esquerda para a direita, de cima para baixo. A ordem de apresentação das religiões segue apenas esta ordem "gráfica". Não ilustra, nem defende, nem apresenta qualquer ordem de importância, de relevância, de concordância. Penso que ninguém teria dúvidas, mas é sempre bom deixar ficar claro...

Fé Baha'i - Não imponhas a ninguém um fardo que não desejas que seja imposto a ti e não desejes para ninguém o que não desejas para ti mesmo. (Baha'u'llah, Gleanings)

Hinduísmo - Este é a todo o dever: não faças aos outros o que causaria dor se feito a ti. (Mahabharata 5:1517)

Budismo - Não trates os outros de maneira que tu próprio achas que te feriria. (Udana-Varga 5.18)

Confucionismo - Uma palavra que resume a base de toda a boa conduta ... Gentileza agradável. Não faças aos outros aquilo que não queres seja feito a ti mesmo. (Confucius, Analects 15.23)

Islão - E nenhum de vós realmente é crente até que deseje para os outros aquilo que deseja para si mesmo. (O Profeta Maomé, Hadith)

Taoísmo - Considera o ganho do teu vizinho como o teu próprio ganho, e o prejuízo do teu vizinho como o teu próprio prejuízo. (T'ai ShangKan YingP'ien, 213-218)

Judaísmo - O que é odioso para ti, não o faças ao teu vizinho. Esta é toda a Torah; tudo o resto é comentário. (Hillel, Talmud, Shabbat 31a)

Sikhismo - Não sou um estranho para ninguém, e ninguém é um estranho para mim. Na verdade, sou um amigo de todos. (Guru Granth Sahib.pg. 1299)

Jainismo - Devemos tratar todas as criaturas do mundo como gostaríamos de ser tratados. (Mahavira, Sutrakritanga)

Zoroastrianismo - Não faças aos outros o que for injurioso para ti. (Shayast-na-Shayast 13.29)

Espiritualidade Nativa Americana - Estamos tão vivos quanto mantivermos a Terra viva. (Chefe Dan George)

Unitarianismo - Afirmamos e promovemos o respeito pela rede interdependente de toda a existência, de que somos uma parte. (Princípio unitariano)

Cristianismo - Em tudo, faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti; esta é a lei e os profetas (Jesus, Mateus, 7:12)

Não sei se a Regra é de Ouro. Mas parece-me integrar uma Ética Universal...

Rui Bandeira

24 março 2008

+ Ambiente

Volta não volta... volta o tema.
É incontornável ! É impossível passar-lhe ao lado ! Cada vez mais… Cada dia que passa, cada descuido que temos, cada papel fora do “papelão”, cada árvore a menos.

Gostaria que o texto estivesse em português. Não está, mas o “espanhol” é bem compreensível e eu não tenho outra versão do vídeo. Fica mais um grito de alarme.
Sou otimista em relação e esta matéria (reparem que até já escrevo sob as regras do novo acordo ortográfico) como em relação a quase tudo, mas… mas não defendo o “fia-te na virgem e não corras …”
Mesmo otimista há que actuar. Há que correr !
Continuo a acreditar na reciclagem, dos lixos, mas principalmente na dos homens.

É cá uma fezada…

- Não vale a pena viver se não acreditarmos que há uma salvação para o mundo. (Prof. Agostinho da Silva)

JPSetúbal

21 março 2008

21 da Março - POESIA (?)


Depois de tanto tempo, para o A-Partir-Pedra foram séculos (!), de ausência conjunta dos "posteiros" domésticos parece-me que seria excessivamente excessivo (!) não termos hoje, aqui, ao menos um cheirinho de poesia, neste dia que se resolveu para recordar os poetas (?) e que é simultâneamente o "Dia da Árvora" e o primeiro da Primavera...
É certamente o dia ideal para comemorar a "Prima Vera"... mas sendo essa uma comemoração demasiadamente terrena e material entenderam os nossos "maiores (?)", salvo sejam, dedicar este dia a algo bem mais espiritual que é a poesia.
Mais espiritual quando é, porque sei de alguns "poetas" que andam por aí e que são tão calhordas que não há poema que os salve.
Depois temos também o dia da árvore. Cá por mim faço o que posso, ou seja, não faço fogo na floresta e ontem plantei duas árvores. Bem, aqui para nós não foram mesmo duas árvores, antes duas plantinhas que, se pegarem, serão trepadeiras.
Mas também este acaso tem a ver com o dia porque também conheço por aí algumas trepadeiras que não interessam a ninguém. Veremos se as minhas pegam e dão algum gozo a quem vier a olhar para elas.

Posto este intróito, aqui Vos deixo algumas pérolas, mais conhecidas umas, certamente menos outras, mas interessantes todas.

A POESIA
I
Correu vales e montes a mentira,
Montada no corcel da fantasia…
Mas ela vai cair, pressente o dia
Em que há-de sucumbir, bufando em ira.
Que lhe teça a mortalha a nossa Lira,
Que seja a sua morte a poesia!...

II
E, em vez de se cantar a formosura
Da mulher elegante e de bom porte;
Cante-se quem motivou a desventura
Daqueles que merecem melhor sorte
- E que, cavando a própria sepultura,
Buscando a vida, só acham a morte!...

(António Aleixo)


OS PÉS AFASTADOS

Os pés afastados,
as coxas em cunha,
joelhos levantados,

a emoção desperta,
a boca entreaberta,

os olhos sem ver,
o corpo a tremer,
a cheia que vem…

… e foi assim,

no início e no fim,

que tu foste mãe!

(Martin Guia)

QUERIA

Queria viver dos teus beijos.
Queria viver do teu ar.
Queria sentir teus desejos.
Queria sentir teu amar.

Queria, queria, ó se queria,
Saber o que sentes por mim.
Para sentir que sentiria,
Que o amor não terá fim.

(Miguel Roza)

De “HANGAR DE SONHOS”

Cheguei há pouco à minha Ilha do Recolhimento. O navio que me trouxe regressa
agora. Já o vejo na busca sem fim do seu novo horizonte. Não aceitei retirar as minhas
malas. Os meus laços com a memória. Não tem valia nem uso a bagagem que trazemos no porão quando aportamos à nossa Ilha do Recolhimento. A pergunta deixou de ser “Quem
sou ? para passar a ser Quem serei? Nem sequer identifico o que sinto. O navio que me
trouxe já não se avista do porto desta ilha onde me encontro. A minha Ilha do Recolhimento.
Sou aqui para sempre!

(Mário Máximo)

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Fernando Pessoa)


Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo que sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

(Forbela Espanca)

SONETO
Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a boca a bocejar, sombrios:
Deslizam vagarosos, como os Rios,
Sucedem-se uns aos outros, igualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pálido sempre com os lábios frios,
Ora, desfiando os meus rosários pios...
Fora melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter como têm os mais rapazes,
Olhos boiados em sol, lábio vermelho!

Quero viver, eu sinto-o, mas não posso:
E não sei, sendo assim enquanto moço,
O que serei, então, depois de velho.

(António Nobre)

BUSQUE AMOR NOVAS ARTES

Busque Amor novas artes, novo engenho
Pera matar-me, e novas esquivanças,
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, enquanto não pode haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê,

Que dias há que na alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.

(Luís de Camões)


JPSetúbal

17 março 2008

Outra vez "Estados Maçónicos da América"

O canal Infinito, incluído no conjunto de canais da grelha básica da TV Cabo, em Portugal, volta a emitir hoje, 17 de Março, a partir da 21 horas, com repetição a partir das 2,30 horas da madrugada de hoje para amanhã, o documentário "Estados Maçónicos da América", que faz parte de um conjunto de quatro documentários com o título genérico de "Sociedades Secretas".

Este documentário tinha já sido emitido pelo mesmo canal nos passados dias 16 e 17 de Outubro de 2007. Na ocasião, publiquei aqui no A Partir Pedra um comentário sobre ele, que agora reproduzo:

Afinal consegui ver o documentário. E gostei. É um documentário sério, bem feito e, sobretudo, com rigor factual. Com efeito, tanto quanto me pude aperceber, todos os factos ali mencionados são rigorosamente verdadeiros. Quanto à sua interpretação ou aos comentários em relação a eles produzidos, posso concordar ou discordar, achar que está certa ou errada, mas impõe-se reconhecer que a postura dos autores do documentário é equilibrada e sensata.

É certo que lá vieram à baila os símbolos maçónicos da nota de dólar e o projecto urbanístico de Washington e ainda o caso Morgan. Mas tudo isso veio a propósito, foi devidamente enquadrado e inserido num relato cronológico da instauração e evolução da Maçonaria em solo americano, feito com uma louvável objectividade jornalística.

Não lograram fugir à tentação de formular questões sensacionalistas e de verbalizar suspeitas sem fundamento? Não, não lograram. Mas o documentário é feito por quem está de fora da Maçonaria e para quem está de fora da Maçonaria. É natural que, por desconhecimento, tenham sido formuladas. É natural que quem está de fora se interrogue sobre o que realmente é a Maçonaria e sobre a razão da sua fama de secretismo. Se tal não nos agrada, somos nós, maçons, que temos de fazer alguma coisa em relação a isso, não quem está de fora e se interroga a nosso respeito.

É a nós, maçons, que cabe a tarefa de desmistificar a nossa fama de secretismo, elucidando sobre os nossos princípios, os nossos objectivos e sobre o nosso método. E também esclarecendo as razões porque não gostamos de divulgar as poucas coisas que não divulgamos. Há tempos, publiquei, aqui no A Partir Pedra, um texto em que, a propósito da Cerimónia de Iniciação, julgo ter esclarecido, de forma entendível por toda a gente, porque não divulgamos como é essa cerimónia. Qualquer pessoa de boa fé entende a lógica da razão apresentada e, assim, não alimenta suspeitas infundadas. Se assim nós, maçons, procedermos, se colocarmos à disposição do conhecimento público tudo aquilo que não é matéria reservada nossa e se, em relação a esta, dissermos claramente que é reservada e apresentarmos a razão por que o é, de forma clara e compreensível, faremos mais pelo derrubar dos preconceitos contra a Maçonaria do que com mil polémicas com os histéricos das teorias a conspiração...

O documentário em causa apresentou factos objectivamente verdadeiros. Efectuou análises sensatas e especulações compreensíveis. Referenciou, mais do que uma vez, a irrazoabilidade das teorias da conspiração e das posições anti-maçónicas dos fundamentalistas religiosos. Formulou perguntas que é natural que quem está de fora formule. É, em resumo, um trabalho sério e de qualidade. Se e quando o canal Infinito o retransmitir, ou o transmitir noutros pontos do globo, recomendo que seja visto por quem tem interesse pela Maçonaria.

Pois bem, a retransmissão é agora! Quem não viu ainda, aproveite agora para ver. Quem já viu, se tiver tempo e vontade, pode rever.

E agora despeço-me durante uma semana inteirinha, que tiro de férias e vou passear... Volto a escrever aqui, se nada o impedir, a partir de terça-feira, 25 de Março. Boa Páscoa a quem a celebra. Dias felizes para todos!

Rui Bandeira

15 março 2008

Loja Lessing 61 completa 128 anos hoje (13Março)

Ora cá temos os nossos Irmãos (duplamente !) Brasileiros em época de festa.

Não há muitas lojas maçónicas no mundo que se possam dar ao luxo de comemorar 128 anos, razão mais do que suficiente para enviarmos um TAF intercontinental a estes nossos irmãos, de parabéns pela data maravilhosa que comemoram.
Vão igualmente os votos de que o GADU proporcione a estes nossos Irmãos muitos mais anos de muito e bom trabalho maçónico.

Que a pedra trabalhada por Vós permita a edificação do templo que o Homem anseia e precisa.


Templo próprio começou a ser construído
em 1895 e é onde as reuniões ocorrem até hoje
Uma das lojas maçônicas mais antigas do Rio Grande do Sul completa hoje 128 anos: a Loja Lessing 61, de Santa Cruz do Sul. A história da maçonaria em Santa Cruz teve início bem antes da expedição do Brevê Constitutivo, documento que representa a Carta Constitutiva vinda do Poder Central – o Supremo Conselho do Grande Oriente do Brasil. Os membros já se reuniam através de triângulos maçônicos. De posse da carta, datada de 13 de março de 1880, fundou-se a Loja Lessing. Mesmo não possuindo templo, os integrantes trabalhavam nas dependências do Clube União. Seu primeiro mestre foi Friederich Wilhelm Bartholomay. Hoje a loja está subordinada às Grandes Lojas, cuja potência foi fundada em 1928. Em julho de 1895 começou a construção do templo próprio, onde até hoje os maçons se reúnem para suas reuniões, na Rua Tenente Coronel Brito. A inauguração do prédio ocorreu em junho de 1897. No ano seguinte foi fundada a Sociedade Beneficente Lessing, com o objetivo de administrar a sede da loja. O primeiro presidente foi Carlos Trein Filho. O nome Lessing veio do maçon alemão Gotthold
Lessing, nascido em 1729, na cidade de Kamenz. Foi dramaturgo, poeta e crítico, de família evangélica-luterana. Estudou Teologia e escreveu sua primeira obra literária, O Jovem Sábio, em 1748. Ele viveu até 1781.

JPSetúbal

14 março 2008

O Filho


Mais uma história edificante que recebi por correio electrónico e que adapto para este espaço:

Um homem muito rico e o seu filho tinham uma grande paixão pelas artes. Possuíam uma valiosíssima e variada colecção de pintura, onde quase todos os grandes mestres, de Rafael a Picasso, de Leonardo a Dali, de Rembrandt a Warhol estavam representados. E passavam juntos horas e horas a admirar as fantásticas obras de arte.

Por desgraça do destino e loucura dos homens, o filho foi para a guerra. Numa batalha, enquanto tentava resgatar um outro soldado ferido, foi atingido e morreu. O pai sofreu profundamente a morte do seu único filho.

Um mês mais tarde, alguém bateu à sua porta. Era um jovem, que trazia uma grande tela nas mãos e que disse ao lutuoso pai:

- O senhor não me conhece, mas eu sou o soldado por quem o seu filho deu a vida. Nesse dia terrível, ele salvou muitas vidas. Estava a abrigar-me num local seguro, quando uma bala lhe atravessou o peito. Morreu instantaneamente. Ele falava muito de si e do seu amor pelas artes.

E, entregando ao aturdido pai a tela que levava, acrescentou:

- Sei que não é grande coisa. Eu não sou grande artista. Mas sei que o seu filho gostaria que eu lhe desse isto.

O homem abriu a tela e viu que era um retrato do seu filho, pintado pelo jovem soldado. Admirou a forma como a personalidade do seu filho fora captada na tela pelo jovem soldado. Quis pagá-la ao seu autor. Mas este recusou. Era um presente, o mínimo que poderia fazer em reconhecimento de quem lhe salvara a vida.

O pai mandou emoldurar a tela e colocou o quadro, de forma bem visível, junto da sua extraordinária colecção de pintura. Sempre que alguém visitava a sua casa, ele mostrava, orgulhoso, o quadro que retratava o filho, antes de mostrar a sua rica colecção de pinturas de famosíssimos pintores.

Algum tempo depois, o homem morreu. O seu testamenteiro anunciou um leilão, onde seria vendida a sua valiosa colecção de pintura. No dia marcado, muita gente e gente muito importante compareceu no local do leilão, muitos antecipando a possibilidade de adquirirem obras de arte de artistas famosos.

Iniciado o leilão, a primeira obra a ser exposta para ser licitado foi o quadro do retrato do filho, que o jovem soldado pintara.

O leiloeiro começou:

- A primeira obra a ser leiloada é este quadro intitulado "O Filho". Não tem base de licitação fixada. Quem dá o primeiro lance?

Silêncio na sala!

O leiloeiro insistiu:

- Quem faz uma oferta por este quadro?

Do fundo da sala, alguém gritou:

- Ninguém se interessa por isso, pintado por quem ninguém conhece! Retire-o do leilão e passe às verdadeiras obras dos artistas famosos! É por essas que todos aguardamos!

O leiloeiro, no entanto, persistiu:

- Quem oferece algo por esta pintura? Duzentos euros? Cem euros?

A sala explodiu em protestos:

- Não viemos cá por essa coisa! Viemos pelas obras de arte a sério: os Van Gogh, os Picasso, os Renoir...

Imperturbável, o leiloeiro continuava a deixar a pergunta, qual ladainha:

- Quem oferece um lance pelo quadro "O Filho"?

Finalmente, de um canto da sala, uma voz tímida disse:

- Eu ofereço dez euros pelo quadro.

Era o jardineiro da propriedade. Era um homem pobre, não podia dar mais. E não se teria atrevido a fazer qualquer oferta, se alguém se tivesse interessado pelo quadro.

O leiloeiro prosseguiu no seu trabalho:

- Há uma oferta de dez euros. Alguém dá vinte?

Mas ninguém fez mais qualquer lance. Aliás, todos pareciam aliviados por finalmente o quadro pintado por um desconhecido ter sido licitado e poder-se finalmente prosseguir o leilão, com as obras de arte a sério!

O leiloeiro, profissional, prosseguiu:

_ Há uma oferta de dez euros. Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três, vendido por dez euros.

E bateu o martelo, assinalando o fim da licitação pelo quadro "O Filho".

Um rumor agitou a sala. Enfim, ia começar o leilão a sério!

Porém, o leiloeiro, largando o martelo, anunciou:

- Senhoras e senhores, muito obrigado pela vossa comparência, o leilão terminou!

Um coro de vozes indignadas fez-se ouvir:

Terminou?!!? Então as pinturas célebres? O Miró? O Modigliani? O Grão Vasco? O...?

O tumulto crescia. Toda aquela importante gente e gente de importância manifestava um indignado ultraje e irada decepção.

Então, vindo de um discreto canto da sala, onde sempre estivera, o testamenteiro tomou a palavra e esclareceu:

- O testamento do dono da fabulosa colecção de pintura por que aqui estais continha uma cláusula, com instruções para ser mantida rigorosamente em segredo até este preciso momento. Embora eu devesse anunciar o leilão de toda a colecção, só o quadro "O Filho" seria posto a licitação. Quem o arrematasse, ficaria com toda a colecção e herdaria todas as demais propriedades e meios de fortuna do falecido. O senhor que arrematou "O Filho" fica com tudo!

Nem sempre as coisas famosas e consideradas são as mais importantes. Todos os trabalhos, ainda que modestos, ainda que executados por desconhecidos, devem ser valorados e apreciados. Esta história é isso mesmo, uma história. Mas tem o mérito de chamar a atenção para a vacuidade muitas vezes inerente à fama, à glória, ao reconhecimento público. O famoso deve a sua fama a um misto de acaso com trabalho e valor. Outros também trabalharão tanto como ele e terão uma valia equivalente à dele, mas o acaso promoveu um e não o outro. O acaso de uma melhor aparência ou de um encontro certo, na hora certa, com a pessoa adequada. Admiremos o famoso. Normalmente, essa fama tem alguma valia subjacente. Mas não ignoremos o desconhecido, não desdenhemos de sua valia, só porque as luzes dos holofotes não caem sobre ele. Afinal de contas, todo o famoso começou por ser um desconhecido!

E, sobretudo, na nossa actividade, trabalhemos, trabalhemos sempre o melhor possível, demos sempre o melhor de nós, façamos o melhor que formos capazes. Devemos a nós próprios executar o melhor possível o nosso trabalho e dar o melhor uso que conseguirmos ao nosso valor. O resto, se vier, vem por acréscimo - e talvez por acaso...

(Ah! E não se enganem: a imagem que ilustra este texto não é o retrato do Filho, pintado por um desconhecido. Esse não consegui localizar... Portanto, optei por uma reprodução de... um auto-retrato de Picasso!).

Rui Bandeira

13 março 2008

O avental do Companheiro


Ao contrário do que sucede com o ritual de Aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceite, o ritual de Companheiro não faz qualquer referência ao avental usado pelos obreiros da oficina do segundo grau.

Os Companheiros podem - como todos os maçons, quaisquer que sejam os seus graus ou qualidades - usar o avental todo branco de Aprendiz maçon. Simplesmente, enquanto os Aprendizes o usam com a aba levantada, pelas razões que aqui expliquei, os Companheiros usam-no com a aba deitada sobre o corpo rectangular do artefacto. A necessidade de protecção do Companheiro é já menor, o seu progresso na Arte Real já lhe permite dispensar uma alargada área de protecção. O seu trabalho na moldagem do seu carácter, no aperfeiçoamento de suas qualidades, na luta contra seus defeitos, já lhe permitiu determinar a forma como a sua pedra se integrará no grande templo projectado pelo Grande Arquitecto do Universo, laboriosa e demoradamente edificado pela Humanidade, desde os alvores da Criação. Agora o tempo é de limar as arestas que ainda subsistem, de polir a pedra, de a aparelhar para que cumpra a sua função, não apenas bem, mas de forma bela e agradável, contribuindo não só para a edificação, mas também para a decoração do Templo Colectivo Supremo.

Tenho para mim que, originariamente, a única distinção que, a nível do avental, existia entre Aprendizes e Companheiros era a forma como era posicionada a aba. O avental, em ambos os graus, era o mesmo.

Modernamente, o avental de Companheiro, continuando a ser confeccionado em pele ou tecido de cor branca, de forma rectangular e cortado em ângulos rectos nas quatro extremidades, apresenta um debruado estreito, na cor do rito, ao longo das suas extremidades (as quatro linhas delimitadoras da sua forma rectangular, mais as duas linhas delimitadoras da aba, formando, em conjunto com a linha superior do avental, um triângulo.

A cor do rito é a vermelha, no Rito Escocês Antigo e Aceite e a azul clara, no rito de York e na sua variante (rito de Webb) em uso nos Estados Unidos. A Maçonaria irlandesa usa a cor verde.

A fina linha colorida delimitadora das extremidades do avental simboliza o estado dos trabalhos do maçon: a sua pedra já tem forma, já é cúbica, o seu trabalho agora é alisá-la, aperfeiçoá-la, desde logo limando as suas arestas.

Na Maçonaria Continental Europeia, o avental de Companheiro acaba por ser o menos usado, apenas durante o tempo em que o maçon permanece no segundo grau.

Um pequeno detalhe importa ter em atenção, para evitar a possibilidade de confusões. Os aventais comummente em uso nas lojas americanas pelos Mestres que não sejam Oficiais da Loja ou Grandes Oficiais é muito semelhante ao avental de Companheiro europeu. Assim, se porventura algum visitante americano comparecer numa loja europeia envergando um avental com linhas de cor estreitas, delimitando as suas extremidades, atenção que, em princípio, não é um Companheiro, é um Mestre Maçon, só que sem ser Oficial de Loja ou Grande Oficial.

Para finalizar, e a título de mera curiosidade: o M do logótipo do Gmail não tem nada a ver com o avental de Companheiro Maçon. É apenas a dita letra desenhada a vermelho num sobrescrito. Não vale a pena imaginar teorias da conspiração...

Rui Bandeira

12 março 2008

Enrique Fugasot, masón caballero


Enrique Mario Fugasot Corbi. Uruguaio. Diplomata. Esteve dois anos e tal servindo o seu País na sua Embaixada em Lisboa. Maçon de muitos anos. Um senhor!

O Enrique juntou-se à Loja Mestre Affonso Domingues na infância desta, na primeira metade da década de noventa do século passado. Todos éramos então muito inexperientes, quase todos maçons de safras recentes, tacteando o caminho, aprendendo a aprender. O Enrique tinha já muitos anos de Maçonaria. E tinha a experiência da vida e o treino de diplomata. Obviamente que se apercebeu da inexperiência de quase todos. Certamente que viu serem cometidos erros que já não cometia há dezenas de anos. Evidentemente que reconheceu as dúvidas e as dificuldades de quem começa e ainda não está seguro do que faz e do que deve fazer.

O Enrique, porém, nunca deixou escapar um qualquer assomo de superioridade, um sinal de enfado, um resquício de impaciência. Integrou-se no grupo e deu-lhe a sua experiência de Irmão mais velho, sem nunca se impor. Quando se cometia um erro, brandamente, na primeira oportunidade, conduzia a conversa de modo a vir a dizer que, lá no Uruguai, se fazia assim e não como aqui fora feito. E, obtida a atenção de todos, explicava, sempre com um sorriso, o porquê de qualquer coisa se fazer assim e não assado e motivava o grupo para fazer bem, sem nunca o ter criticado por ter feito mal. Quando o grupo hesitava sobre o caminho a seguir, o rumo a tomar, a decisão mais adequada, calmamente recordava uma qualquer situação similar que se lhe deparara anos atrás e aconselhava, sem nunca procurar impor, o que lhe parecia o melhor a fazer. Se o sangue fervente da juventude parecia impelir para algum conflito ou desacordo mais áspero, pacientemente recordava a ética que imperava entre nós e que sempre deveria ser respeitada, por muito quente que estivesse a cabeça - e instantaneamente arrefecia todas as cabeças quentes, mostrava o valor da concórdia, a riqueza das diversidades de opiniões, a mais-valia do encontro dos planos de entendimento e das soluções de compromisso.

O Enrique foi um maçon antigo e experiente que, na hora certa, esteve junto de nós para nos transmitir a sua sabedoria, a sua experiência, os seus conhecimentos rituais e filosóficos e os seus estritos princípios éticos. Foi o Enrique que ensinou à Loja o que era e como se exercia o ofício de Orador. Em que consistia ritualmente, mas também substancialmente. Hoje, a Loja tem vários elementos capazes de bem exercerem este ofício. Todos, directa ou indirectamente, aprenderam com o Enrique ou com quem com ele aprendeu. Ainda hoje - e temos presentemente um excepcional Orador! -, se me pedissem para definir o arquétipo de Orador de Loja, seria o Enrique Fugasot que surgiria no meu espírito! Sei do que falo! Fui Orador da Loja Mestre Affonso Domingues. Foi dos ofícios que mais gosto me deu assegurar. Em relação a este ofício, quase tudo aprendi com o Enrique!

Ser maçon é dar e receber do grupo, da Loja. O Enrique deu à Loja Mestre Affonso Domingues a sua grande experiência, a sua confortante simpatia, o seu inexcedível saber fazer. Da Loja Mestre Affonso Domingues recebeu o que necessitava: o apoio de um grupo de amigos, que o acompanhou a si e à sua família enquanto estiveram em Portugal, o calor humano que ajuda a superar a ausência do país natal, o auxílio nas pequenas coisas em que nós portugueses, somos às vezes tão denodadamente complicados e complicativos e que tanto desesperam os estrangeiros, até que se acostumem com essas nossas recorrentes manias da complicação e aprendam a desfrutar o muito de bom que, apesar disso, sabemos apreciar da vida...

O Enrique esteve connosco, fez parte do quadro de obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues dois anos e tal, talvez um pouco mais. Depois, chegou a hora de ser recolocado - é a sina dos diplomatas, nunca podem fixar-se demasiado tempo num mesmo posto... - e foi para outro posto. Em 1998, era cônsul do Uruguai no Rio de Janeiro - a imagem que ilustra este texto é de uma carta que ele escreveu nessa qualidade em 16 de Novembro desse ano. Despedimo-nos dele e ele despediu-se de nós com o mútuo sentimento de um tempo bem passado, de uma amizade bem conseguida. Depois, como é comum nestas circunstâncias em que as distâncias e as vidas separam os amigos, primeiro houve contactos e notícias com alguma frequência, depois os contactos e as notícias foram rareando, ao fim de alguns anos, o Enrique era já apenas uma memória agradável para os mais antigos, um nome que os mais novos ouviam, de vez em quando, invocado por aqueles, enfim uma imagem que mansamente vai ganhando a cor sépia das fotografias antigas. Até que, há dois dias, o José Ruah - que está de pousio quanto à escrita aqui no blogue mas, como ele diz, não anda longe e anda sempre atento - me mandou uma mensagem de correio electrónico. Encontrara, nas suas navegações pela Internet, uma referência ao Enrique: a notícia da sua passagem ao Oriente Eterno, lá no seu Uruguai, em 22 de Setembro de 2005. A notícia que explica a ausência de notícias.

O Enrique Fugasot tinha já a sua idade. Nos tempos de hoje, em que a longevidade aumenta, não admiraria que nos acompanhasse mais alguns anos. Mas também não nos surpreende que a sua caminhada por aqui tenha chegado ao fim. É a lei da vida, a lei que a todos se impõe.

Tenho pena, claro, de não ter a possibilidade de voltar a encontrar-me com o Enrique, de conversarmos mansamente, de voltar a desfrutar da sua companhia. Mas sei que o Enrique teve uma vida cheia, produtiva e, sobretudo, vivida segundo os princípios éticos que sempre o nortearam e que a todos devem nortear. Foi uma vida que valeu a pena ser vivida. Foi um cavalheiro maçon que tive muita honra em conhecer, muito gosto em com ele privar e um enorme privilégio em com ele aprender. Foi mais um Irmão que deixou a sua marca na Loja Mestre Affonso Domingues, que contribuiu - e muito! - para ela ser o que hoje ela é. Foi um Mestre que a todos ensinou. Agora é uma recordação serena e agradável. Continuará a ser uma inspiração benfazeja!

ENRIQUE, MI HERMANO, HASTA SIEMPRE!

Rui Bandeira

11 março 2008

Serei crente?

aqui fiz referência ao excelente blogue Grémio Estrela d'Alva. É um blogue que continuo a visitar regularmente, sempre com com gosto e proveito. Deparei há dias com um notável texto intitulado Serei ateu?, que me inspira o texto de hoje. Não é uma resposta, nem uma manifestação de desacordo - pelo contrário! O meu propósito é tão somente complementar as ideias expressas naquele texto com o meu, de algum modo simétrico, entendimento. Daí, aliás, a escolha do titulo deste meu escrito...

Mas, para bem entender ao que aqui venho, faça o leitor, antes de mais, a fineza de aproveitar o atalho que acima coloquei e ler o dito texto Serei ateu?, da autoria de Carl Sagan. Vale a pena!

Já está? Prossigamos, então!

Ao ler o referenciado texto de Carl Sagan, a minha primeira reacção foi de admiração por ser possível uma tão grande comunhão de pensamento entre duas pessoas que, de alguma forma, estruturaram a sua forma de ver o mundo a partir de pressupostos opostos: noventa e muitos por cento daquilo que Carl Sagan naquele texto escreveu poderia ter sido escrito por mim - se, para tanto, tivesse tido engenho e arte... No entanto, enquanto Carl Sagan se define como ateu (embora colocando na devida perspectiva a sua posição), eu defino-me como crente. E, parafraseando o que Carl Sagan escreveu, também eu julgo adequado colocar um ponto de interrogação à frente da minha afirmação, porquanto também eu, na mesma linha, me considero crente até que alguém me prove racional e definitivamente que não existe um Criador.

Concordo plenamente com o entendimento de Carl Sagan sobre a racionalidade, o método científico, o cepticismo, a invenção de seres sobrenaturais pelo Homem, a inocuidade moral do ateísmo, as religiões, os fundamentalismos e os princípios que nos unem na Augusta Ordem Maçónica, independentemente das suas variantes!

No entanto, com essa tão grande, tão extensa, concordância, definimo-nos simetricamente: ele ateu, eu crente; ambos cum granum salis, o que vale por dizer, salvo melhor opinião e com reserva de mudança de opinião, se sobrevierem elementos que levem ao convencimento da necessidade dessa mudança.

Como é isso possível? Como é possível que tão similar forma de pensar conduza a conclusões diversas e, não diria opostas, mas simétricas? Será que a um se sobrepõe a Fé à Razão, ao contrário do outro? A tentação primária é afirmá-lo. Mas creio que seguir tal tentação seria um erro!

Pelo contrário, julgo ser asado concluir que ambos baseamos a nossa postura não só em postulados racionais, como até no mesmo postulado essencial: pese embora todo o Conhecimento Científico, toda a Especulação Racional, todos os Postulados de todas as Crenças, há duas afirmações opostas que, até agora, são racional e cientificamente indemonstráveis e racional e cientificamente irrefutáveis em absoluto: Deus existe; Deus não existe!

Para cada argumento que se possa aduzir em abono de que Deus existe, existe um argumento com igual força que o refuta; para cada argumento que se apresente demonstrando que Deus não existe, existe um outro, de igual fortaleza que defende essa existência.

Para não alongar muito este texto, apresento uma sumaríssima demonstração desta realidade, a um nível propositadamente primário: à pergunta quem criou o Mundo?, respondem os crentes que foi Deus; mas de imediato surge então a irrespondível pergunta de quem criou Deus?; similarmente, a tese da Ciência contemporânea de que o Universo teve origem num Big Bang é reduzida à sua dimensão de nada realmente explicar se se pergunta o que (ou quem...) criou, originou esse Big Bang, como e de onde surgiu essa tão fenomenal e extraordinária Força que do Nada fez surgir o Tudo. E, sendo postulado da Ciência que tudo o que existe pode ser reproduzido (e nisso se baseia a Ciência Experimental), como se explica que, desde há biliões e biliões de anos, só haja conhecimento de UM Big Bang, quando seria de esperar uma repetição do fenómeno?

E por aí fora se poderia, horas e dias e meses e anos, argumentar, especular, refutar, insistir. Bem o pontua Carl Sagan: não é possível, à luz dos nossos conhecimentos e da nossa razão, nem provar, nem refutar a existência de Deus.

Carl Sagan, legitimamente, acolhe-se ao seu cepticismo científico para concluir (se bem ajuízo): porque não está provado que exista Deus, não creio que exista e portanto classifico-me como ateu; não posso, no entanto, excluir que se possa vir a provar que existe e, se assim vier a suceder, mudarei de posição.

Com igual legitimidade, a minha posição é a de que se não pode provar e se não provou que Deus não exista e a única explicação que encontro para o Universo e para o sentido da Vida é essa existência e portanto classifico-me como crente; não posso, no entanto, excluir que outras prova e explicação possam vir a surgir e, logo, mantenho a minha mente aberta e atenta...

Quando olho, numa noite sem nuvens, o Firmamento e vejo milhares e milhares de pontos de luz, maravilho-me com a grandeza, o rigor, a precisão, do Universo e concluo que só uma Vontade Superior e uma Capacidade inentendível ao nível humano pode ter criado toda aquela incomensurável maravilha e mais a Vida que alberga e mais o Homem e a sua capacidade de abstracção, de ética, de razão... Penso que, se tudo isto fosse tentado explicar como um mero fenómeno natural, então ficava por explicar como e porque foi único, e assim, e de onde veio a força, e a matéria, e...

É exactamente pelo mesmo uso da Razão que sou crente. É por ter o mesmo cepticismo que Carl Sagan que, como ele, acrescento um ponto de interrogação ao meu postulado.

Temos a mesma ética, os mesmos princípios. Olhamos ambos para a mesma cerca - só que cada um do seu lado. O que não é nenhuma tragédia... O que nos diferencia não é a Razão, que ambos partilhamos, nem a Fé, que, penso, ambos admitimos apenas como possível consequência, nunca fundamento. O que nos diferencia, creio, é algo intermédio: a Convicção. A Convicção que se funda na Razão e que, quando a Razão não sabe, não pode, dar resposta, parte dela para ir além dela. A Convicção que parte da Razão para, de braço dado com a Intuição, procurar descortinar para além do ponto de partida e do horizonte que nele é visível.

É por isso que dois homens habituados a ser racionais e cépticos podem, sem desdouro nem problema, ter diferentes convicções. Até ao horizonte, vêem o mesmo e de igual forma; para além do horizonte, cada um interpreta os elementos que tem e intui o que pensa que para lá estará.

Um triplo e fraterno abraço ao Carl Sagan, deste seu leitor que muito admira o que escreve,

Rui Bandeira