O sétimo Venerável Mestre foi eleito em Julho de 1996 e foi instalado em Setembro do mesmo ano, com grande expectativa e grandes esperanças da Loja. Era um elemento da "nova geração", que fora iniciado já depois da constituição da Grande Loja e, sobretudo, o primeiro elemento que não pertencia ao círculo restrito de amizades de Fernando Teixeira, o Grão-Mestre fundador. Era unanimemente reconhecida a sua capacidade, o seu interesse, o seu dinamismo, esperava-se que ele fosse o catalisador dos novos rumos da Loja, novos rumos que os mais ansiosos e inconformados vinham debatendo há algum tempo, que com ele se começasse a dar resposta às principais perguntas que na Loja se fazia então: que fazer com este grupo? Como evoluir? Que iniciativas tomar?
José Ruah, o sétimo venerável Mestre, nem quando foi eleito,nem quando foi instalado sequer remotamente intuiu quão grande, quão radical, seria a mudança que ocorreria no seu Veneralato.
José Ruah, ensarilhado pelas circunstâncias, envolto no imprevisto, lançado no olho do furacão, pouco teve oportunidade de fazer - mas fez mais do que muitos, talvez, até hoje, tenha sido o Venerável Mestre que, contas feitas, mais fez pelo preservar da identidade da Loja.
José Ruah, tolhido pela tempestade, batido pelos ventos da discórdia, encharcado pela chuva da cizânia, acabou por cumprir menos de meio mandato - mas essa menos de metade valeu por vários mandatos completos.
José Ruah, assediado por uns e por outros, sitiado pela urgência, acompanhado por todos, pouco fez do seu projecto para esse ano - mas salvou e fortaleceu o projecto da Loja Mestre Affonso Domingues.
Os primeiros tempos na Cadeira de Salomão são de adaptação. Os mais experientes sabem-no. Por isso, o Venerável Mestre que termina o seu mandato procura deixar algum trabalho encaminhado para ser executado pelo seu sucessor: candidatos já votados e aprovados, prontos para serem iniciados, Aprendizes com pranchas lidas e em condições de serem passados a Companheiros, Companheiros com formação terminada, aptos a serem elevados a Mestres, Mestres com pranchas de traçar prontas para apresentar seus planos na Oficina. Assim, os primeiros tempos do novo Venerável Mestre, enquanto este se ambienta e afina a orientação que pretende incutir à Loja, estão assegurados. É por volta de fins de Novembro, Dezembro, que os projectos verdadeiramente do novo Venerável Mestre começam a ser implementados.
No caso do José Ruah, ambientação feita, projectos afinados, execução em começo e... ocorre o "pulo do lobo", o golpe da Casa do Sino!
De um dia para o outro, a Loja fica sem instalações, ocupadas pelos golpistas, com recurso a seguranças armados, é pressionada a aderir ao golpe, por uns, e instada a permanecer leal ao Grão-Mestre eleito, por outros. Os mais antigos e experientes, incluindo todos os ex-Veneráveis, são amigos de Fernando Teixeira e pronunciam-se pela adesão à cisão. Os Mestres mais novos, já iniciados depois da constituição da Grande Loja e formados no respeito da legalidade e no cumprimento dos princípios da Regularidade, tendem a manter-se fiéis ao Grão-Mestre eleito e internacionalmente reconhecido e aceite como tal. Os Companheiros e Aprendizes ficam desorientados no meio do caos que se instala.
E todos se voltam para José Ruah, todos esperam do Venerável Mestre que indique o caminho, aponte a opção, escolha o rumo. Todos, na Loja e fora dela, de um lado e do outro, têm a clara noção que, muito provavelmente, a Loja seguirá a via por que enveredar o seu Venerável Mestre. Todos, na Loja e fora dela, de um lado e do outro, rapidamente se apercebem que a opção que a Loja Mestre Affonso Domingues tomar tem todas as condições para ser determinante na opção de outras Lojas e muitos outros obreiros: a esmagadora maioria dos obreiros da Grande Loja fora iniciada pela Loja Mestre Affonso Domingues, os seus elementos ajudaram a consagrar muitas Lojas, de Norte a Sul, do Litoral ao Interior. A influência da Loja Mestre Affonso Domingues podia ser determinante para o sucesso da cisão ou para o suporte do Grão-Mestre eleito e agora contestado.
Por isso, as pressões, internas e externas, foram enormes, foram esmagadoras, foram asfixiantes. E todas, ao mesmo tempo, se exerciam sobre quem tinha o poder de cortar o nó górdio por um ou outro dos lados, sobre quem segurava a Espada Flamejante da Loja Mestre Affonso Domingues, o seu sétimo Venerável Mestre, José Ruah.
José Salomão Ruah fez então jus ao seu segundo nome e agiu com sageza e prudência dignas do Rei que tal nome usou e por tais Virtudes ficou conhecido: primeiro esperou, depois aguardou; olhou, viu, ouviu, sentiu; deixou a poeira assentar, os pássaros pousar, a contenda acalmar. Durante dois meses, fez saber a todos os obreiros que a Loja estava com os trabalhos suspensos, até que fosse tempo de decidir. Acalmou as hostes internas, exasperou os que de fora aguardavam pelo apoio dele e da Loja; ouviu as razões dos revoltosos e a versão do Grão-Meste contestado e de quem o apoiava, assegurou-se das intenções de uns e de outros.
Quando o tempo foi de decidir, convocou uma reunião de todos os elementos da Loja. Aí anunciou que a sua decisão era que a Loja é que ia decidir, que o grupo é que se ia assumir. Pela gravidade da situação, anunciou, e todos concordaram, que a decisão não seria apenas tomada pelos Mestres, mas por todos os Obreiros, Mestres, Companheirosa e Aprendizes, um homem, um voto. Logrou obter consenso quanto ao mais importante: o principal era preservar a Loja e a sua identidade, qualquer que fosse o seu caminho, e esse podia ser um, não de dois, mas de três: ficar fiel ao Grão-Mestre eleito, aderir à cisão, ou bater com a porta na cara de uns e de outros e decidir seguir o seu caminho como Loja independente e quem criou os problemas que os resolvesse...
Fez aprovar os princípios de que cadaum seria livre de tomar a opção que entendesse, mas que a opção da maioria seria a opção seguida pela Loja e os minoritários tomariam o seu caminho sem azedumes e sem pôr em causa a Unidade e o Património Moral da Loja, afastando-se pacificamente. Garantiu que ficasse assente que a porta que se abria para os que saissem se abriria de novo, sem hesitação nem problema, para aqueles que porventura ulteriormente desejassem regressar. E, após duas reuniões, em que todos falaram, serenamente, sem azedumes, sem ataques pesooais, sem criticar as opções do parceiro do lado, a maioria optou por permanecer fiel ao Grão-Mestre eleito e assim ficou também a Loja. Quem tomou a decisão de se afastar, não foi criticado pela maioria que ficou; as amizades mantiveram-se; os contactos cordiais e os reencontros agradáveis mantiveram-se e mantêm-se. Alguns dos que então partiram já voltaram. Um desses já voltou a partir, agora para o Oriente Eterno. Os demais, estejam onde estiverem, estejam com quem estiverem, continuam e continuarão a ser dos nossos. Porque honraram a sua palavra. Porque respeitaram a Unidade e a Identidade da Loja que ajudaram a criar, a crescer e a desenvolver-se e porque, portanto, muito do que a Loja foi, algo do que é, um pouco do que será, também é deles.
Este legado, o de ter conseguido que a Loja saísse mais forte e mais unida daquela profunda crise, deixou-o José Ruah - e não sei se outrem, naquelas circunstâncias, o teria conseguido deixar. O seu papel no reforço da Identidade da Loja foi, assim, imenso e assinalá-lo é um simples acto de justiça.
E - é curioso! - nunca mais em Loja se voltou a ter a dúvida existencial de "que fazer com o grupo". Desde então, todos aprenderam, todos sabem, todos transmitem aos mais novos, que o grupo serve para ajudar a aperfeiçoar os seus elementos e que estes e cada um destes faz o que se sentir bem a fazer, em prol de si, da Loja, da Maçonaria, do País e da Humanidade, sem qualquer ordem de preferência, com a ajuda dos demais. E, daí para a frente, sempre soubemos o que fazer e sempre tivemos que fazer - até um blogue...
Para obter e atingir a pretendida Unidade da Loja, José Ruah pagou um preço: garantiu antecipadamente aos que ficassem em minoria que ele não iria dirigir a maioria. Ele, Venerável Mestrte da Loja Mestre Affonso Domingues, dirigira a Loja com todos os seus obreiros. Não a dirigiria apenas com alguns.
Não sei porque assim decidiu. Eu não decidiria assim e nunca entendi bem essa sua decisão, embora, naturalmente a tivesse respeitado. Até hoje, não compreendo a necessidade de assim ter procedido (talvez agora o José Ruah me elucide...). Mas o certo é que o José Ruah assim o disse e assim o fez: não voltou a dirigir a Loja que, até ao fim do seu mandato, e na falta de um Ex-Venerável (todos acompanharam a cisão) teve de, excepcionalmente, ser dirigida, com a devida autorização do Grão-mestre, pelo 1.º Vigilante, actuando no impedimento do Venerável Mestre eleito. Até ao fim do seu mandato, José Ruah manteve-se ausente. Regressou, com toda a naturalidade, depois de eleito e instalado o seu sucessor. E hoje, volta e meia...dá-nos música!
Rui Bandeira