Em todas as Lojas maçónicas regulares está presente, em todo ou em parte do solo da sala onde ocorrem as sessões de Loja, um pavimento mosaico, constituído por um conjunto de quadrados brancos e negros, colocados alternadamente entre si.
O símbolo remete claramente para a dualidade - mas também para a harmonia entre os opostos. Cada quadrado de uma das cores está rodeado de quadrados da outra cor. É assim frequente referir-se ao recém-iniciado que o pavimento mosaico representa a sucessão entre os dias e as noites, o bem e o mal, o sono e a vigília, o prazer e a dor, a luz e a obscuridade, a virtude e o vício, o êxito e o fracasso, etc.. Mas também a matéria e o espírito como componentes do Homem. Ou, simplesmente, recordar que, como resulta da lapidar equação de Einstein, a matéria é composta por massa, mas também por energia.
O dualismo provém de antigas tradições humanas. A civilização suméria dotava os seus templos de piso em pavimento mosaico, que só podia ser pisado pelo sacerdote no mais alto grau da hierarquia e só em dias de eventos importantes. Convencionou-se que o Santo dos Santos do Templo de Salomão teria um pavimento mosaico.
A filosofia pitagórica postulava que o UM se transformava em DOIS refletindo-se a si próprio e separando-se, original e reflexo, sendo assim o UM o princípio criador estático e o representando o DOIS a dinâmica da Criação. A interação entre o UM e o DOIS gerou o TRÊS, a Criação. Esta resultou, assim, da interação entre o estático e o dinâmico.
De onde resulta que a dualidade é fecunda, que é necessária a presença da dualidade para haver criação. Mas resulta ainda mais do que isso: não basta que exista dualidade, tem que haver interação entre os opostos para que a criação aconteça. Não bastam dois opostos estáticos; é necessário que esses dois opostos sejam dinâmicos e interajam entre si. Não basta, assim, a dualidade, é necessária a polaridade.
O pavimento mosaico recorda-nos assim que a vida é feita de contrastes, de forças opostas que se influenciam entre si, e que é através dessa influência mútua que ocorre a mudança, o avanço, a evolução. No fundo, a antiga asserção de que toda a evolução se processa através do confronto entre a tese a a antítese, daí resultando uma síntese, que passa a constituir uma nova tese, que se defrontará com outra antítese até se realizar uma nova síntese, que é um novo recomeço, assim e assim sucessivamente numa perpétua evolução...
Assim sendo, o que tomamos por mal, por desagradável, o que procuramos evitar, sendo-o assim, não deixa, porém, de ser necessário - pois é do confronto desse mal com o bem, do que queremos evitar com o que gostaríamos de conservar, daquilo que nos desagrada com aquilo que nos conforta, que resulta avanço, mudança, tendencialmente progresso (tendencialmente, porque nada se deve tomar como garantido: por vezes, a mudança mostra-se retrocesso...).
Nesse sentido, o bem, por si só é estático e estéril. O bem só evolui em confronto com o mal. É desse confronto entre ambos que resulta algo, é esse confronto bipolar que é fecundo. Aliás, em bom rigor, só podemos definir o bem em confronto com o mal, tal como necessitamos da sombra para bem apreender o que é a luz... Se Adão permanecesse no Paraíso, ainda hoje Adão seria Adão e nada mais do que Adão, feliz com sua nudez, mas inapelavelmente boçal. Foi o mal da expulsão do Paraíso que obrigou Adão a deixar de ser mera criatura e passar a ser homem; ou seja, a Humanidade só evolui porque sempre necessitou de se confrontar com o perigo, com a fome, com a necessidade, em suma, com o mal, e teve de superar todos os sucessivos obstáculos para atingir sucessivos patamares de bem, de satisfação, sempre confrontada com novos perigos, obrigando a novas superações. É ao superar os sucessivos obstáculos com que se depara que o Homem se supera a si mesmo.
O Pavimento Mosaico não é um espaço estático. É um caminho, com luzes e sombras, com espaços agradáveis e veredas desagradáveis, com seguranças e perigos. Ficar num quadrado branco e dele não sair não leva a lado nenhum... É necessário enfrentar a dualidade com que nos deparamos, suportar a polaridade inerente a tudo o que nos rodeia e, afinal, inerente a nós próprios e... fazer-nos à vida! Se tomarmos mais opções certas do que erradas, teremos mais sínteses brancas do que negras e desbravaremos um caminho de avanço. Se ou quando (porque é quase que inevitável que esse quando, muito ou pouco, cedo ou tarde, sempre apareça...) enveredamos por opções erradas, acabamos por cair em sombria síntese e deparar com retrocesso e não com o desejado progresso. Mas ainda assim, a solução não é ficar onde se foi parar, com receio de novo retrocesso: é prosseguir com nova síntese, efetuar nova opção, desejavelmente que se revele boa, para melhor sorte nos caber. E assim, em perpétuo movimento, em contínua progressão de inesgotáveis sínteses, o homem avança desde a sua tese inicial até à sua derradeira síntese... que, do outro lado da cortina descobrirá que não foi um fim, mas apenas um novo recomeço, uma nova tese para, noutro plano, se confrontar com fecunda antítese...
Um simples pavimento mosaico serve de ponto de partida para a mais profunda especulação. Basta atentar e meditar e estudar e trabalhar dentro de si mesmo, juntando a intuição à razão (outra dualidade; ou melhor, polaridade, de fecunda potencialidade...). O Pavimento Mosaico, se atentarmos na sua perspetiva dinâmica, recorda sempre ao maçom que o principal do seu trabalho não se efetua na Loja, na execução do ritual, na realização de tarefas de Oficial, na discussão de pontos de vista. O principal do seu trabalho faz-se no confronto de si consigo próprio, no uso frequente e equilibrado das duas grandes ferramentas de que dispõe naturalmente, a sua Razão e a sua Intuição, para trilhar sozinho os seus caminhos (e descobrir que, afinal, encontra frequentemente outros nos cruzamentos a que vai chegando). Por isso, o maçom deve reservar sempre uma parte do seu dia para efetuar a mais fecunda atividade que pode efetuar: pensar, meditar, especular. Tem as ferramentas. Só precisa de as usar. Dia a dia. E quanto mais as usar e quanto mais frequentemente as usar, mais fácil é esse uso, mais gratificante é o seu trabalho. Também dentro de cada um de nós há um pavimento mosaico, disponível para o percorrermos e nele ir tão longe quanto cada um quiser e puder!
Rui Bandeira