16 março 2022

EM TEMPO DE GUERRA, A LUCIDEZ POSSÍVEL

 Todos vamos vendo as imagens. Todos nos sentimos indignados com a barbárie, com a inútil destruição, com a contabilidade, sempre crescente, do número de mortos. Todos nos emocionamos com as imagens de mulheres, idosos e crianças em fuga desesperada aos horrores da guerra que lhes bateu à porta e, sem pedir licença, lhes entrou pela vida dentro.

A primeira reação é tomar partido. A nossa simpatia vai para quem foi agredido, todos os que foram agredidos. A nossa condenação, dirigimo-la ao agressor, a todos os agressores. Logo de seguida – e muito bem! – desperta a nossa solidariedade, a busca de meios para ajudar quem sofre.

É natural, é humano, horrorizar-nos com o horror, solidarizar-nos com a vítima, condenar o agressor. É quase que instintivo fazê-lo. As nossas emoções impelem-nos a tal. Qual pintura impressionista, retemos a noção geral de que os agredidos, a Ucrânia e a população ucraniana, são as vítimas e que os russos são insensíveis agressores. De um lado os bons, do outro os maus.

Mas a nossa Razão, sendo influenciada pela nossa Emoção, deve impelir-nos a ir para além dela. Se tivermos o cuidado de verificar alguns dados, saberemos que, segundo o censo ucraniano de 2001, mais de oito milhões de residentes na Ucrânia (um pouco mais de 17 % da população total) são russos. É certo que no Dombass, a região mais a leste da Ucrânia, vivem – ou viviam? – cerca de quatro milhões e meio de russos e que esta região não é atacada pelas tropas às ordens de Putin. Mas ainda sobram cerca de três milhões e meio de russos que vivem – ou viviam? – no resto da Ucrânia e que, por isso, sofrem também bombardeamentos, também têm que se abrigar no subsolo ou onde puderem, também estão tão cercados ou atacados como o resto dos seus concidadãos. Um morteiro ou míssil russo, ao explodir, tanto pode matar ucranianos como russos.

Não obstante, neste confronto entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelenski, naturalmente que a nossa simpatia vai para este, a nossa condenação para aquele.

Mas temos que ter em atenção que muitos mais Volodymyr há na Ucrânia e muitos mais Vladimir há na Rússia. E que, se é certo que muitos desses Volodymyr são heróis como o seu Presidente que resiste, outros não o serão tanto assim e seguramente que também alguns haverá que não são flor que se cheire… E, no outro lado, nem todos são filhos de Putin!

Isto é facilmente entendível pela nossa Razão, mas dificilmente aceite pela nossa Emoção. Mas, em tempos de conflito, se temos de atender à nossa Emoção, temos que deixar que continue a ser a nossa Razão a sobrepor-se, a ter a última palavra. Senão, nós próprios cometemos injustiças que, para além de o serem, são sobretudo estúpidas!

Nos últimos dias, vimos e ouvimos notícias de que, cá pelo burgo, nas nossas escolas, crianças russas estavam a ser atacadas, injuriadas, agredidas, só por serem… russas. Mas que culpa têm as crianças de terem nascido num lugar e não em outro, de terem pais de uma nacionalidade ou grupo étnico e não de outro?

Este exemplo, infelizmente real, mostra-nos que não podemos, não devemos, ver o Mundo a preto e branco, os maus de um lado, os bons do outro. Nem todos os russos são agressores (aliás, suspeito, que muitos são, em primeiro lugar, oprimidos…), nem, seguramente, todos os ucranianos gostaríamos de ver casados com as nossas filhas…

Solidariedade e auxílio ao Povo Ucraniano, sim! São os agredidos, batem-se heroicamente em defesa da sua terra, das suas casas, das suas famílias, e merecem todo o apoio que lhes pudermos dar.

Mas tenhamos a lucidez de entender que, do outro lado, não podemos generalizar e classificar todos como os maus, os agressores, os violentos. Do outro lado, também há já milhares de detidos por se manifestarem contra a agressão à Ucrânia. E certamente que muitos combatem só porque são obrigados a fazê-lo.

Nesta guerra, não se trata de um Povo atacar outro. Trata-se um Poder Político atacar outro, indiferente ao sofrimento que causa aos Povos, o do outro e o dele próprio.

Sanções ao país agressor, sim, mas com a noção de que o sofrimento que se inflige ao povo do país agressor não se destina a punir, a castigar, esse povo, mas sim a induzir a cessação da agressão, talvez até por revolta desse povo contra o verdadeiro agressor.

Solidariedade e apoio aos agredidos, sim. Condenação ao agressor, também sim. Mas não deixemos de identificar bem quem é o agressor e quem apenas é utilizado, mandado, quiçá obrigado, por ele.

Esta distinção entre quem na realidade agride, manda agredir e obriga a agredir (e, não sejamos ingénuos, não é só Putin, é ele e toda uma clique que se assenhoreou do poder, para benefício próprio e não do povo que governam) e quem apenas obedece porque tem de obedecer, porque a revolta só é possível quando estão reunidas as condições para que ela possa emergir, é essencial, em termos de futuro.

Porque, por muito difícil, por muito desesperada, por muito horrível que esteja a situação atual, há algo que não podemos olvidar: tal como à Tempestade sucede a Bonança, depois da Guerra há de vir a Paz.

Em tempos de guerra, temos o dever de ajudar quem sofre, quem é agredido, mas não podemos perder de vista que há que preservar as condições para que, o mais brevemente possível, se alcance a Paz. A guerra pode ser desencadeada, pode ser mantida por um qualquer detentor do Poder. Mas a Paz, essa, só é possível entre Povos. Muitas feridas haverá que cicatrizar para que, da mera deposição das armas, se chegue à verdadeira Paz. Para que tal se consiga, temos que ter e transmitir a noção de que os Povos não são inimigos, que o inimigo é quem desencadeia, propicia e mantém a guerra. Porque os Povos, de um e do outro lado, o que anseiam é pela Paz.

Portanto, condenação de Putin e dos filhos de Putin que constituem a clique que lançou e mantém esta barbárie, auxílio ao Povo Ucraniano, mas também solidariedade com quem, de um e do outro lado, quer a Paz e é obrigado, por vontade de alguns, a suportar a guerra.

Solidariedade, principalmente, com todas as crianças, de um e do outro país – e com as crianças russas em Portugal -, que não têm culpa nenhuma dos desvarios dos detentores do Poder.

 Rui Bandeira

09 março 2022

Caraterísticas da Loja Mestre Affonso Domingues, n.º 5

 A Loja Mestre Affonso Domingues, n.º 5, foi fundada em 30 de junho de 1990, no âmbito do Distrito de Portugal da Grande Loge Nationale Française. É uma das cinco Lojas fundadoras da Grande Loja Regular de Portugal, hoje Grande Loja Legal de Portugal / Grande Loja Regular de Portugal. Não é melhor nem pior do que as demais Lojas da Obediência. Mas indubitavelmente que, ao longo dos mais de trinta anos do seu funcionamento criou uma cultura própria, que lhe confere individualidade.

Mais do que descrever o que fez no passado (o passado já passou…), mais do que mencionar o seu estado presente (o presente de agora não tarda nada e já é passado…), mais do que expor os seus projetos para o futuro (o futuro ainda não chegou…), julga-se útil referir (algum)as caraterísticas que compõem a individualidade da Loja Mestre Affonso Domingues, n.º 5.

1)     Na Loja nunca houve, não há e desejavelmente nunca haverá pugnas eleitorais.

Na Loja Mestre Affonso Domingues, é eleito Venerável Mestre o Primeiro Vigilante do ano anterior, e ponto final! E é eleito Tesoureiro o obreiro que o candidato a Venerável Mestre propõe para tal, parágrafo!

Nesta Loja não se perde tempo, nem se gastam energias com pugnas eleitorais. Temos mais e melhor que fazer! Com este princípio identitário não se perde tempo em lutas estéreis, não se formam artificialmente grupos, não se estabelecem quezílias. Acordos e desacordos estabelecem-se e discutem-se em relação a opções a tomar, a tarefas a realizar, a projetos a desenvolver. Isso, sim, debate-se o tempo que for preciso até se nos tornar evidente qual o melhor (às vezes, qual o menos mau...) caminho a seguir. Porque não perdemos tempo em questiúnculas de (ilusório!) poder, podemos mais utilmente gastá-lo a debater o que vamos e como vamos fazer.

2)    Cada Venerável Mestre é eleito para exercer um ano de mandato e depois dá lugar a outro.

O Regulamento Interno da Loja prevê a possibilidade de uma (única) reeleição para um segundo mandato, por maioria qualificada. Mas esta é uma possibilidade ali colocada apenas em face da eventualidade de sobrevir um "dia de chuva" tal que nos obrigue a recorrer ao guarda-chuva de uma excecional reeleição. O exercício do ofício de Venerável Mestre por um ano e basta tem duas evidentes vantagens: todos os obreiros interessados e intervenientes na Loja exercem, a seu tempo, o ofício de Venerável Mestre; não se sacrifica demasiado ninguém, pois, como todos os que se sentaram na Cadeira de Salomão sabem, exercer este ofício permite ao seu titular duas alegrias: a primeira quando é instalado para exercer o ofício, a segunda quando (finalmente, ao fim de um loooongo ano...) vê instalado o seu sucessor e é aliviado da responsabilidade de dirigir a Loja.

O Segundo Vigilante de um ano é o Primeiro Vigilante do ano seguinte.

 Este princípio identitário é crucial, pois impede que se criem cliques de direção da Loja, impedindo o Venerável Mestre recém-eleito de ser ele a escolher o seu sucessor. Com efeito, o Primeiro Vigilante é (ver o primeiro princípio identitário acima) o sucessor natural do Venerável Mestre e, consequentemente, não deve ser por ele escolhido, ao contrário da esmagadora maioria dos demais Oficiais da Loja. O Venerável Mestre tem o dever de designar para Primeiro Vigilante o Segundo Vigilante do ano anterior, que foi escolhido para essa função pelo seu antecessor, com a expectativa do próprio, do Venerável Mestre que o nomeou e de toda a Loja, de ser no ano seguinte Primeiro Vigilante e, no subsequente, Venerável Mestre. Assim não proceder, para além de ser uma condenável forma de se arrogar o direito de escolher o seu sucessor, seria uma tremenda falta de respeito pelo seu antecessor, uma forma de lhe dizer meu caro, foste um palerma, fizeste uma má escolha para Segundo Vigilante, eu é que vou ser o Cavaleiro Branco que vai emendar o teu erro e escolher o homem certo para o lugar certo... O incumprimento deste princípio identitário da Loja abriria uma Caixa de Pandora de consequências imprevisíveis, correndo-se o risco de deitar a perder tudo o que a Loja foi e construiu ao longo de mais de trinta anos.

Todos devem saber fazer tudo.

  Por rotina, todos os Mestres da Loja rodam no exercício de todos os ofícios. Sempre que possível, reservam-se para os Mestres Instalados, para além dos Ofícios de Ex-Venerável e de Guarda Interno (o Ex-Venerável do ano anterior), os Ofícios de Orador e de Hospitaleiro, dadas as suas especiais caraterísticas. Os demais ofícios, sempre que possível, são assegurados por Mestres que ainda não passaram pela Cadeira de Salomão. Ao rodar todos os Mestres por (quase) todos os Ofícios, assegura-se que quando o Obreiro chega à Cadeira de Salomão conhece perfeitamente o funcionamento de toda a Loja e está, assim, apto a dirigi-la.

Serviço é serviço, copos são copos.

 Antes da sessão, brinca-se e convive-se. Depois da sessão, idem. Desde o momento em que o Venerável Mestre bate pela primeira vez com o malhete até ao momento em que são dados por findos os trabalhos, trabalha-se! Sobretudo, procura-se executar o ritual sempre o melhor possível, corrigindo em cada sessão eventuais erros cometidos em sessões anteriores.

A espontaneidade e o humor nunca fizeram mal a ninguém.

Entre o ritual de abertura e o ritual de encerramento, e quando não se estão a executar outros rituais, o serviço é serviço, mas não tem de ser macambúzio. Se houver uma nota de humor, todos riem com gosto! E logo se retoma o trabalho… Mas atenção que o malhete do Venerável Mestre é que pontua os trabalhos e, sempre que o entenda necessário, lá está o Orador para moderar algum ocasional excesso… Estamos entre Irmãos, a espontaneidade temperada pela disciplina faz maravilhas pela coesão do grupo!

 Os mais novos são para integrar o melhor possível

 Cada Aprendiz só o é porque foi cooptado para integrar o Quadro da Loja. Cada Aprendiz é um Venerável Mestre potencial. Cada Companheiro é um elemento em transição para Mestre. Toda a Loja procura integrar os elementos mais novos, não só através da sua aquisição dos ensinamentos próprios dos respetivos graus, mas sobretudo na noção e na prática de que todos estão ali para se aperfeiçoarem, para cada um de nós ser melhor hoje do que ontem e pior do que amanhã. O trabalho faz-se com o grupo e os seus resultados são apresentados na Loja e em Loja.

Não há pressas, o tempo é indispensável; não há baldas, o trabalho é imprescindível

 Os interstícios são para cumprir, porque o tempo é um fator indispensável à boa integração no grupo. Ninguém é aumentado de salário sem elaborar e apresentar a sua prancha de proficiência em Loja, porque deve demonstrar a sua evolução aos seus pares.

Eu não sou mais do que tu, tu não és mais do que eu, tu e eu somos iguais.

 O grupo influencia o indivíduo o indivíduo influencia o grupo. Seja Aprendiz, Companheiro, Mestre ou Mestre Instalado. Basicamente todos somos iguais, todos temos de melhorar e todos estamos em processo de aperfeiçoamento. O Mestre guia o Aprendiz e auxilia o Companheiro, mas também aprende com o Aprendiz e beneficia da ajuda do Companheiro. Aprendiz, Companheiro e Mestre são necessárias fases de evolução e aprendizagem, mas todos os que nelas estão são basicamente iguais e como tal nos vemos uns aos outros.

Tudo se debate; mas quando o Venerável Mestre decidir, está decidido.

Tudo se debate, com exceção de política e religião. O debate pode e deve ser vivo. Não há mal nenhum em que se revelem divergências, diferenças de pontos de vista. Tal é necessário para que seguidamente se construam convergências e consensos. No debate, no fundo todos agem como conselheiros do Venerável Mestre. Mas a maioria não tem, necessariamente, razão. O Venerável Mestre pode decidir em consonância com a maioria, mas normalmente a melhor decisão é a que resulta do entendimento da maioria temperado com os contributos da ocasional minoria. E, uma vez tomada a decisão pelo Venerável Mestre, está decidido. Acaba o debate e passa-se adiante…

Ninguém pode obstaculizar à decisão do Venerável Mestre, mas ninguém é obrigado a cumpri-la.

A Maçonaria é essencialmente, voluntária, mas todos jurámos obediência as decisões do Venerável Mestre. Por outro lado, todos somos iguais e ninguém deve ser compelido a fazer algo contra a sua consciência. Do confronto destes dois princípios, há muito que na Loja é consensual que ninguém tem o direito de obstaculizar ao cumprimento da decisão do Venerável Mestre, mas ninguém é obrigado a executá-la, contra a sua consciência.

Eu e tu podemos estar em desacordo, mas que ninguém de fora ouse meter o bedelho.

 O hábito de (quase) tudo debater necessariamente que pode gerar diferenças de opinião, frequentemente conduz a debates acesos. Mas são debates que ocorrem entre nós e diferenças de opinião que resolvemos todos nós. Que ninguém de fora alguma vez tenha a infeliz ideia de meter o nariz onde não é chamado e atacar algum de nós! Os poucos que tiveram a ousadia de o fazer, viram, ao vivo e a cores, como toda uma Loja passa do modo debate para o modo muro de betão e como, se alguém se mete com um de nós, leva com todos!

Venham às nossas sessões, que nós gostamos de ser visitados.

Os visitantes na nossa Loja são sempre bem-vindos! Saudamos com sincera alegria a sua presença e procuramos dar-lhes o melhor tratamento possível: tratá-los como da casa! Por isso, não se admirem se nós discutirmos o que tivermos que discutir, pela forma que houver que discutir, na vossa presença. O visitante é como se fosse da casa, logo, não temos nada a esconder-lhe. Mais: se o visitante também quiser participar na discussão, a sua opinião é bem-vinda e apreciada. Só pedimos que tenha  cuidado com a nossa caraterística anterior… Ah! E os nossos visitantes são sempre também muito bem-vindos aos nossos ágapes, onde – não tenham dúvidas! – terão também sempre um tratamento rigorosamente igual aos da casa. Até no pagamento do custo do ágape…

A nossa Loja denomina-se MESTRE Affonso Domingues

Por favor não digam que a nossa Loja é a Affonso Domingues. Nós sabemos que, quando assim dizem, não o fazem por mal, mas o nome da nossa Loja é MESTRE Affonso Domingues. É um favor que nos fazem se não esquecerem uma parte do nosso nome. E, já agora, quando o escreverem, não esqueçam que o Affonso do nosso nome tem dois ff

Uma vez da Mestre Affonso Domingues, sempre da Mestre Affonso Domingues

Quem entrou na Loja, tornou-se um de nós. Todos aqueles que saíram, quantas vezes para formar outras Lojas ou colaborar na sua formação, fizeram-no no uso da sua liberdade individual, mas sempre sem azedumes nem qualquer espécie de mal-entendidos. Alguns já voltaram e foi como se nunca tivessem saído. A maior parte, quando está connosco, sente-se e é sempre tido e tratado como um de nós, que continua e continuará a ser. A nossa Loja é um espaço de formação, que desejamos marque quem por cá passa, esteja onde estiver. Todos sabem que quem foi um dia um de nós, é e será sempre um dos nossos.

E, neste particular, também os que já franquearam o umbral do Oriente Eterno continuam a ser um dos nossos. Por isso, este texto é dedicado ao nosso muito querido e recordado Luís Rosa Dias, mas também ao Rui Clemente Lelé, ao Alexis Botkine, ao João Damião Pinheiro, ao Carlos Antero Ferreira, ao Luís Prats, ao Jorge Pereira de Almeida, ao Salomão Amram, ao Jorge Silveira, ao Paulo Guilherme d’Eça Leal, ao José Luís Moita de Macedo, ao André Franco de Sousa, ao António Cunha Coutinho, ao Enrique Fugasot, ao José Manuel Severino e ao Eduardo Gonçalves.

 Estamos certos que, lá no assento etéreo onde subiram estão a manter viva e em bom funcionamento a versão do Oriente Eterno da nossa Loja Mestre Affonso Domingues, a que, em devido tempo, nós nos juntaremos.

 Porque uma vez da Mestre Affonso Domingues, sempre da Mestre Affonso Domingues. Aqui e no Oriente Eterno!

Rui Bandeira

13 outubro 2021

O VÍCIO

 


Deixamos, finalmente, “os confinamentos” (!!!).

Não convém embandeirar demasiadamente porque, aprendi em criança, “cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém…” e na verdade os portugueses “desconfinaram” mas o CoronaVírus não. Ou pelo menos eu estou convencido que “ele” continua por aí. É, de resto, a opinião expressa pelos técnicos de saúde que nestes tempos de pandemia pululam as televisões, rádios, jornais,…

Alguma coisa pode ser aproveitada nestes tempos de ócio pandémico e não havendo nada para fazer ocupei alguns momentos a refletir sobre a vida maçónica, em particular no que se refere à RLMAD.

Isto de refletir é, obviamente, uma boa ocupação quando não há mais nada para fazer.

Estamos claramente em tempo de “vacas magras” (alguma vez não estivemos ?).

Empresas (de todas as dimensões) a ressentirem-se da paragem da economia mundial, muitas a fecharem portas e a desaparecerem do mercado, desemprego a aumentar inevitavelmente, famílias inteiras em gravíssimas dificuldades e a esperança em melhores dias, sendo a última coisa a morrer (como de costume), mantém-se muito ténue.

Direi que é maior a desconfiança e o medo do que a esperança em recuperação rápida.

Esta reflexão trouxe-me para os meses do calendário que, para muitos, ficam cada vez “mais compridos” enquanto os vencimentos ficam cada vez mais curtos, obrigando a prodígios de imaginação para a manutenção do dia a dia das famílias. A dificuldade com as obrigações pecuniárias mensais foram em muitos casos disfarçadas, durante estes quase 2 anos de “fechamento”, por efeito das moratórias que a banca promoveu com o apoio estatal. Só que este sistema acabou ou está em vias de acabar com o regresso das prestações a terem de ser cumpridas sob pena de sofrerem as penas previstas nos contratos acordados na época em que ninguém podia prever a pandemia, nem as dificuldades que arrastou. 

Estas dificuldades são evidentemente generalizadas tocando também, e em muitos casos fortemente, alguns Irmãos.

Sabe-se que a admissão na nossa obediência implica uma “contratualização” com o cumprimento de um conjunto de regras comportamentais, morais e éticas, às quais se juntam outras de carater pecuniário.

Nada a obstar em termos regulamentares. O candidato, enquanto candidato, fica a conhecer as regras que irão balizar a sua existência maçónica se admitido e quando admitido. Mas a vida dá muitas voltas, como bem se constata, e nenhum de nós está livre de ser apanhado por uma qualquer dessas voltas que lhe altere a situação financeira deixando-o em dificuldades no cumprimentos dos seus deveres materiais. Todos nós sabemos que as propaladas vantagens de toda a ordem que a Maçonaria proporciona aos seus membros são uma ficção e os Maçons estão tão sujeitos às condições do mercado de trabalho como qualquer outro cidadão. E se entre os Maçons há quem viva com o conforto suficiente para não sentir, ou sentir muito pouco, estas dificuldades, também há os que as sentem com todo o peso do sofrimento arrastado pelo desemprego e/ou pela redução dos seus ganhos mensais.

Há pois Irmãos em dificuldade e a há que ter em atenção o que se passa com os mais vulneráveis. É um trabalho que compete às Lojas e em particular ao Irmão Hospitaleiro, inteirar-se do que acontece com cada membro da loja, sentir os sinais de dificuldade e movimentar os meios práticos para amenizar essas situações.

“Quem não tem dinheiro não tem vícios” é provérbio antigo e até sou capaz de aceitar esta “boca” com alguma razoabilidade.

Vício (do termo latino "vitium", que significa "falha" ou "defeito") é um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem.

Fui buscar esta definição à Wikipédia. Não é grande “coisa”, mas serve para o efeito que pretendo neste momento.

No mundo da Maçonaria os integrantes são escolhidos e reconhecidos como Maçons por quem já é Maçon. Digamos que a integração na Maçonaria, sendo um ato voluntário individual não o é só.

É também, e muito, a vontade de quem já ganhou o reconhecimento de Maçon e reconhece agora, também, naquele outro, as qualidades humanas necessárias para integrar o conjunto dos seus Irmãos.

A responsabilidade do cumprimento dos deveres maçónicos não é exclusivamente individual, é também responsabilidade de quem convidou, desafiou, reconheceu o “outro” para integração na Ordem Maçónica.

E esta responsabilidade deve ser verdadeiramente assumida por toda a Loja, em Irmandade (é esse um dos seus deveres) e em particular pelo seu Padrinho. Por isso, e para isso há “Padrinhos”, na Maçonaria tal como na vida civil corrente, no registo do nome do recém-nascido, no casamento, no batizado… Sempre alguém que se co-responsabiliza pelo bom resultado do ato que é celebrado.

Ora bem, misturar a integração Maçónica com os “vícios” é, pelo menos, leviano !

Tenho para mim que seria muito bom que as causas, os princípios da Maçonaria, se tornassem verdadeiros vícios para todos, mesmo para os não Maçons, daqueles vícios que se agarram à pele, que se integram no sangue correndo pelas veias enchendo o coração e o cérebro. É minha convicção que a Humanidade teria muito a ganhar.

Mas “quem não tem dinheiro não tem vícios” aplicado à Maçonaria, não !

A Maçonaria não é um vício, tal como não é, não pode ser, um degrau de promoção individual, seja ela social ou financeira. Ou ambas…

JPSetúbal

02 outubro 2021

TEMPO DE OBRAS NA RLMAD

 

                                                   


O 29º Venerável Mestre

No 29º Veneralato os Obreiros da RLMAD não puderam dar continuidade ao processo de escolha do seu VM seguindo o sistema habitual da Loja instituído há muitos anos.

Este tema da eleição do VM na RLMAD já foi aqui abordado e explicado há algum tempo

(https://a-partir-pedra.blogspot.com/2017/05/da-ilusoria-natureza-do-poder-em.html?m=0)

  e sempre se confirmou ser um bom processo, dele resultando sempre o VM adequado e preparado para a função.

Porém desta vez as coisas não correram de forma tão linear quanto é habitual. Na verdade e em sequência das divergências de interpretação de algumas decisões da Loja em exercícios anteriores, o Obreiro Mestre que estava na linha de sucessão para a candidatura entendeu que devia recusar esse direito e afastar-se da Loja abrindo assim uma situação de rotura nos procedimentos habituais da RLMAD.

A Loja ficou desta forma face a uma situação de dificuldade operativa inesperada e que se somava à tensão existente entre obreiros com entendimentos diferentes sobre decisões anteriores.

O circunstancialismo da situação fez com que os mais antigos Mestres da Loja, reconhecidos como suportes da tradição dos trabalhos e da sua filosofia (ao fim e ao cabo foram eles os construtores da RLMAD tal como ela é)  entendessem que seria bom fazer um intervalo na linha de sucessão e tentar retomar os trabalhos com a regularidade tradicional, resolvendo por um lado as divergências existentes e regressando à linha de desenvolvimento da Loja, que tão bons resultados tem dado, de resto reconhecidos por todas as Lojas Irmãs como exemplo de boa Maçonaria.

Desta forma como 29º Venerável Mestre ocupou a cadeira de Salomão o Irmão Rui Bandeira, bem conhecido escriba deste sítio, e seu principal alimentador.

O Irmão RB foi eleito regularmente como 29º VM:. da R:.L:.M:.Affonso Domingues como um dos mais antigos, dos mais experientes e sabedores obreiros da Loja. Durante os dois Veneralatos anteriores a RLMAD passou por um período especialmente conturbado, resultado de sensibilidades diferentes que resultaram em diferentes interpretações de decisões tomadas atempadamente e regularmente pela Loja.

Sem ser desejada, acabou por se tornar inevitável a saída de vários obreiros que acabou por resultar no levantamento de colunas de uma nova Loja, significando enfim que a RLMAD dava origem a mais um núcleo maçónico dentro da nossa respeitável Ordem.

O VM anterior apanhou com um turbilhão de desencontros de opinião e coube ao Rui restabelecer em definitivo a velocidade de cruzeiro no percurso da RLMAD. A sua sabedoria, experiência e bom senso foram escolhidos pela Loja para “assentar a poeira” dos ventos diferenciados que tinham soprado nos últimos anos.

Com calma, com segurança e com suave firmeza  a Loja retomou a sua vida diária, com a elaboração do trabalho maçónico, regular.

As divergências restantes foram sendo resolvidas e como se esperava no final do Veneralato a Loja regressara à sua vida normal, com os trabalhos a serem desenvolvidos regularmente.

Dizer que o Irmão Rui Bandeira refundou, neste Veneralato, a RLMAD é obviamente um exagero, mas que a fez regressar ao trabalho com a comunidade dos seus Obreiros mais unidos e focados no interesse geral da loja, parece-me indesmentível

J.P.Setúbal

19 fevereiro 2021

A importância do Ritual


Meus Irmãos, saúdo-vos fraternalmente, em todos os vossos graus e qualidades.

A suspensão dos trabalhos presenciais por virtude da pandemia em curso revelou-nos a falta que o Ritual, a execução do Ritual, nos faz. É essa a natureza humana: muitas vezes só nos damos conta do que é importante quando o não temos. Mas não é sob esta perspetiva que escolhi expor a Importância do Ritual. Vou procurar incidir a nossa atenção sobre a razão por que o Ritual é importante, porque só tendo-se essa noção é que nos apercebemos completamente da importância do mesmo.

Começo por fazer uma afirmação que aparentemente não tem nada a ver com o tema e que é – como todas! – discutível, mas cujo mérito vos peço que julgueis apenas no final desta nossa conversa: a Maçonaria não se ensina, aprende-se!

Não quero com esta afirmação dizer que os mais experientes não devem partilhar com os mais novos o que aprenderam, o que sabem. Com esta frase, enfatizo que, em Maçonaria, o que é importante, não é o que se transmite, mas antes o que se apreende. Porque a experiência, a vivência, a personalidade, do que transmite são diferentes das do que recebe. Assim, o que verdadeiramente interessa não é o que se ensina, se partilha, se transmite. O que importa é o que se aprende e, mais do que isso, o que se apreende, o que se interioriza. E aquelas e estas não são necessariamente - atrevo-me mesmo a dizer que raramente são - a mesma coisa. E, bem vistas as coisas, é inevitável que assim seja, pois, como já há pouco referi, o que transmite e o que recebe têm personalidades, vivências, capacidades, características diferentes. Assim, o que transmite tem necessariamente uma noção diversa do que aquele que recebe. Este, daquilo que é transmitido, receberá o que, na ocasião, estiver apto e pronto a receber, será tocado pelo que, no momento, o sensibilize. Em suma, o que ficará é o que ele aprende e apreende, não o que o que transmitiu julga que ensinou…

Não tenho, portanto, a pretensão de ensinar nada! Tenho apenas a esperança de que, da maçada a que agora vos submeto, cada um de vós retenha algo de útil.

Em meu entender, para uma correta abordagem da importância do ritual impõe-se que previamente distingamos entre Conhecimento e Sabedoria. O Conhecimento é tudo aquilo que aprendemos e estamos aptos a utilizar, quando necessitemos. A Sabedoria é algo mais profundo. Baseia-se, é um facto, nos conhecimentos que adquirimos. Mas reside na intuição, na capacidade adquirida de, relacionando tudo o que conhecemos, daí seleccionar o que efetivamente importa, o que é adequado para um momento específico, uma situação concreta. Nem sempre aquele que tem mais conhecimentos é o que tem a sabedoria necessária para escolher a via justa, a palavra indicada, o gesto preciso, a atitude certa perante uma dada situação concreta. Numa muito grosseira aproximação, poderíamos dizer que a sabedoria resulta do conhecimento sublimado pela experiência. É através dos êxitos e fracassos na nossa escolha na utilização dos nossos conhecimentos que sublimamos o nosso Conhecimento em Sabedoria, que passamos do Conhecer ao Saber.

Memoriza-se e utiliza-se o que se conhece; desenvolve-se e internaliza-se o que se sabe.

O meio privilegiado para rápida aquisição de Conhecimento é o Estudo. Para se chegar à Sabedoria é preciso tempo e vivência. Mas há um meio para acelerar esse percurso, para induzir a Sabedoria: a utilização, execução e prática do Ritual. Se o Estudo é um meio de aquisição de Conhecimento, o Ritual é indutor de Sabedoria.

Com efeito, o Estudo estimula, faz funcionar, desenvolve a Inteligência Racional. Mas o Ritual, a sua prática, esse, estimula e desenvolve a Inteligência Emocional. E esta é bem mais profunda do que aquela, pois combina o conhecimento, o raciocínio, com a Intuição. O que estudamos pode não nos tocar e dar-nos apenas, pela memorização, a ferramenta necessária para agir. Mas só o que nos toca, nos emociona, efetivamente guardamos para saber como utilizar a ferramenta. A ferramenta é útil, mas saber utilizá-la pela melhor forma é indispensável…

Para entendermos porque e como o Ritual e o seu exercício estimulam a nossa Inteligência Emocional e, logo, induzem a obtenção de Sabedoria, devemos ter presente que, nos primórdios da Humanidade, quando ainda não tinha sido inventada a escrita – e muitas e muitas gerações de humanos viveram sem que houvesse escrita… -, a aquisição de conhecimentos e o acesso à Sabedoria processavam-se através da Tradição Oral. Era exclusivamente por essa via que os mais velhos e os mais experientes transmitiam o que sabiam aos mais novos e sem experiência.

Não havia então propriamente aulas, nem escolas. Os mais velhos e experientes diziam o que tinham aprendido, executavam perante os mais novos os gestos que era necessário fazer, repetiam, uma e outra vez, e faziam repetir muitas e muitas vezes, as palavras, os gestos, os atos de que dependiam, tantas vezes, a alimentação, a segurança e a sobrevivência, não só individuais como do grupo.

Ora, repetir uma e outra vez as mesmas palavras, para transmitir as mesmas noções, executar muitas e muitas vezes os gestos e as acções adequados para a obtenção dos resultados pretendidos mais não é do que… executar um ritual! Um Ritual é um conjunto de palavras, gestos e atos proferidas e executados sempre da forma similar.

Então, nos primórdios da Humanidade, aprendia-se e vinha-se a saber através da repetida execução de rituais. Era pelo que se via, pelo que se ouvia, pelo que se executava, pelo que exaustivamente se repetia, que se entranhava em cada um o que fazer e como fazer para obter alimento, para garantir segurança, para melhorar e curar maleitas, para adquirir o conforto possível.

Os rituais aprendidos e executados propiciavam, assim, a sabedoria necessária para sobreviver e viver o melhor possível.

O cérebro humano foi portanto, desde muito cedo, formatado em primeiro lugar para reagir aos estímulos visuais e auditivos.

Só mais tarde, muito mais tarde, o cérebro humano adquiriu a capacidade e habilidade de decifrar o código da escrita. A criação da escrita foi um avanço civilizacional imenso. Permitiu registar o que se tinha por importante, aquilo que anteriormente tinha de ser adquirido e mantido à custa de repetições. A escrita e a habilidade de a utilizar permitiram à Humanidade um meio mais fácil de registar e dar acesso ao Conhecimento. O cérebro humano naturalmente adquiriu, assim, também a capacidade de adquirir Conhecimento através da escrita, da leitura, do estudo.

Mas tenhamos presente que a camada mais profunda do nosso cérebro é desde sempre estimulada auditiva e visualmente e por execuções ritualizadas do que se pretende transmitir. A aquisição de Conhecimento através da escrita, da leitura, do estudo é uma habilidade mais recentemente adquirida, logo, mais superficial no nosso cérebro.

Não nos enganemos: o estudo, a aquisição de Conhecimento pelo estudo, dá trabalho. Esse trabalho é recompensado pelo desenvolvimento da nossa Inteligência Racional, pela habilidade de memorizar, de relacionar, de aplicar. Mas é apenas a Razão que é aplicada e fortalecida.

Para se desenvolver, para se utilizar a Inteligência Emocional, a que nos permite, quantas vezes sem sabermos como, intuitivamente dizer a palavra certa, executar o gesto adequado, efetuar a ação necessária sem termos de longamente pesar os prós e os contras, sem necessitarmos de fazer exaustivas análises e cálculos, para isso temos de recorrer às camadas mais profundas do nosso cérebro – e essas desde o início dos tempos foram estimuladas pelo que se via e ouvia, pelo que se repetia uma e outra e muitas vezes, pelo que se ritualizava.

Por isso afirmo que o Ritual é o indutor de mais rápida passagem do Conhecimento à Sabedoria, acelerando o que só a Experiência, a Vida vivida, os erros cometidos e as vitórias alcançadas nos permitiria atingir, não fora ele.

Meus Irmãos: até agora tenho sempre falado de Ritual, sem adjectivar e, sobretudo, sem utilizar o adjectivo maçónico.

Porque o ritual, penso tê-lo demonstrado, existe desde sempre e desde sempre aumenta a capacidade humana de discernir, em suma, de saber. E não há “o “ ritual, há muitos rituais, respeitando a muitos momentos, ocasiões e atividades. Existem, bem o sabemos, rituais religiosos. Mas também de outra natureza, uns mais solenes e utilizados em ambiente de Poder ou de significado social, outros mais simples, íntimos até. Atrevo-me a dizer, por exemplo, que todos os casais com algum tempo de ligação criam os seus rituais próprios, indutores de segurança, conforto e manutenção da relação afetiva. 

Uma categoria de rituais que merece referência é o ritual que podemos denominar de grupal, o que marca, define e corporiza a integração de alguém num determinado grupo. Aí não está em causa a aquisição ou consolidação de conhecimentos ou o acesso a sabedoria, mas simplesmente o estabelecimento de uma união grupal, a que o neófito passa a aceder.

Todo o ritual é importante, precisamente porque correspondendo à mais antiga e natural forma de a Humanidade processar a aquisição de conhecimentos, ganhar e manter confiança, obter conforto e segurança. Não é assim porque queremos que seja, assim é porque a nossa evolução como espécie o determinou. Talvez algo grandiloquentemente, pode-se afirmar que a Civilização se alicerça em rituais. 

Mas os Rituais Maçónicos, esses, partilhando com os demais a mesma natureza de meios indutores de aquisição de Sabedoria, têm ainda uma valência própria, quiçá não exclusiva, mas seguramente que identitária.

Os rituais maçónicos têm uma tríade de caraterísticas, duas delas já referidas e uma terceira que podemos considerar própria. Os rituais maçónicos assumem a natureza de indutores de Sabedoria, são também, particularmente nos rituais de Iniciação e de Aumento de Salário rituais grupais, mas também assumem a natureza de explanação e aprofundamento de Princípios e Valores.

Esta uma especificidade não negligenciável. Os vários rituais dos diferentes ritos maçónicos apresentam-nos e definem-nos Valores e Princípios a que os maçons devem corresponder. Não estão aqui em causa conhecimentos a interiorizar. Estão, diretamente, aspectos e referências morais a seguir, a cumprir, a divulgar.

Os rituais maçónicos ao promoverem Princípios e Valores apelam diretamente às caraterísticas básicas do cérebro humano. Os princípios e Valores expostos, facultados, não se destinam a ser meramente apreendidos pela Inteligência Racional, através do estudo e da aquisição de conhecimentos. Procura-se atingir a Inteligência emocional, o âmago da personalidade de cada um e aí efetuar as modificações inerentes a esses Princípios e Valores.

Busca-se a aceleração do processo. Em vez da mera aquisição pela Inteligência Racional e posterior enraizamento através da experiência, busca-se a inserção direta e eficaz na mente do maçom, atingindo o que o Ritual, desde os primórdios da Humanidade toca: a Inteligência Emocional, logo as profundezas do ser que cada um de nós é. Não se semeia, para que porventura nasça e cresça. Planta-se para que, no mais curto espaço de tempo, haja frutos. 

Os rituais maçónicos destinam-se assim, para além da integração de indivíduos em grupos, a propiciar a modificação de cada um, através da interiorização de Princípios e Valores morais, que devem nortear a conduta de cada um,

Expostos de forma ritualizada, muitas vezes repetida, encenada e praticada, tais Princípios e Valores entranham-se diretamente no âmago essencial de cada um, assim propiciando o seu aperfeiçoamento.

Este processo de aperfeiçoamento não é imediato. É demorado, é evolutivo, depende de patamares.

É por isso que é um erro pensar-se que, sabido o ritual, aprendido a executar o mesmo com perfeição, o nosso trabalho está terminado.

Posso garantir-vos, com base na minha experiência de mais de 30 anos de maçom, que não é assim que funciona.

Decorar o ritual, executá-lo na perfeição, são ainda tarefas do Intelecto, da Inteligência Racional. O que importa é senti-lo, vivenciá-lo, apreender aqui e ali algo de novo, algo que nos chama agora a atenção e em que não reparáramos antes. Porque esse é o processo de entranhamento das noções transmitidas pelo ritual, esse é o processo de passagem do Conhecimento à Sabedoria.

Se há algo que verdadeiramente aprendi com os nossos rituais é que se está sempre a aprender algo de novo com os mesmos. Em mais de trinta anos de Maçonaria, já repeti, já executei, já vi serem repetidos, já vi serem executados, os nossos rituais centenas de vezes. Nunca me incomodei com a repetição. Nunca deixei de me concentrar na sua execução. E, trinta anos passado, ainda me sucede que subitamente encontro algo de novo, apesar de ser o mesmo ritual que pratico e a que assisto ao longo deste tempo.

Tal sucede por uma simples razão: encontro numa ocasião aquilo que então estou preparado para encontrar. As palavras, os gestos, os atos, são os mesmos desde o princípio. Mas antes eu não compreendera aquele particular significado, porque ainda não estava preparado para tal. Porque tive de seguir uma evolução, compreendendo aqui algo que mais tarde me permitiu perceber aquilo, que me modificou e levou a entrever aqueloutro pormenor, num processo evolutivo permanente.

É para isso que serve o nosso ritual. Porque o ritual maçónico não é um simples ritual igual a todos os outros que a Humanidade segue. O ritual maçónico é um meio de Construção e Aperfeiçoamento de Nós.

É esta a sua importância!

 

 

Rui Bandeira

Comunicação por meios virtuais no âmbito da Academia Maçónica

18/2/2021

 

 

 

15 outubro 2020

A Loja pós-pandemia


A interrupção dos trabalhos presenciais em resultado da pandemia constituiu, obviamente, um apreciável transtorno para a Loja. Interrompeu-se a programação do ano, bem como o contacto presencial entre os obreiros da Loja. Ao fim de algum tempo, passou-se a utilizar os meios técnicos disponíveis para passar a reunir em videoconferência, nas mesmas noites em que normalmente haveria sessões de Loja. Foi o remédio possível, mas rapidamente se verificou que... não é a mesma coisa! Nem poderia ser, claro.

Inicialmente, nas duas ou três primeiras videoconferências, ainda houve a alegria do reencontro, ainda que por meios virtuais. Mas depois começou a ouvir-se o lamento, de cada vez mais de nós até ser evidente haver unanimidade nesse sentimento, de que... falta o ritual! E falta, efetivamente. 

Mas em quase todas as situações podemos escolher ver o copo meio vazio ou olhar para o copo meio cheio. O copo está meio vazio, porque falta o ritual. Mas, por outro lado, afinal o copo está meio cheio, porque nos demos conta de que falta o ritual!

Efetivamente, antes da pandemia (e subjetivamente este “antes da pandemia” começa a parecer-nos algo como “no século passado”...) quantos de nós REALMENTE tínhamos a noção da importância do ritual? Cada um que confesse a si próprio: é ou não verdade que, antes da pandemia, ao menos uma vez, em momento de maior cansaço ou num assomo de aborrecimento, se pensou que a repetição uma e outra vez do ritual era, afinal, uma perda de tempo e que mais valia tratar-se do que se tinha a tratar, debater-se o que se tinha a debater, decidir o que se tinha a decidir sem se “perder tempo” com a repetição de um ritual já conhecido? E não terá porventura havido alguma vez em que o ritual de encerramento foi “despachado” em alta velocidade porque já era tarde e o ágape esperava?

 Pois bem, agora vimos, agora sentimos, que o ritual nos faz falta. Que a repetição daquelas frases, por alguns já centenas de vezes ouvidas, nos conforta, que a audição desse diálogo nos sintoniza, que os princípios, os lemas, os símbolos  dele constantes nos relembram as condutas que devemos seguir, as melhorias que nos esforçamos por fazer, o sentido da vida que buscamos.

 Se algo de bom para a Loja resultou da paragem em resultado da pandemia, foi isto mesmo: lembrou-nos como o ritual é importante, como nos faz falta, como integra a essência de ser maçom.

 Assim, enquanto nos mantemos nesta “apagada e vil tristeza” de nos irmos vendo (alguns de nós, que a outros as videoconferências nada dizem) bimensalmente por videoconferência, comecemos, cada um de nós de si para si e todos em conjunto, a preparar o regresso à Luz das nossas reuniões presenciais e ao reencontro com o ritual.

 Porque – não nos enganemos – há que preparar esse regresso e nos prepararmos para esse regresso, pois este interregno deixou marcas, fez-nos perder o hábito de “ir à Loja”, potenciou a nossa preguiça (e venha de lá o mais pintado dizer que preguiça é coisa que não sente e nunca sentiu, que eu logo fraternalmente terei de o apodar de Irmão mentiroso... Um dos vícios para que cavamos masmorras é a preguiça...). Pelo que, quando regressarem as reuniões presenciais, haverá que sacudir todos e cada um de nós para desalojar a instalada rotina de “não ir à Loja” e motivar todos para comparecer... até porque vai haver ritual!

 Na minha ótica, três ações serão necessárias, quiçá indispensáveis.

 1)      Nas duas ou três primeiras sessões, fazer um trabalho mais pronunciado de divulgação e de motivação de todos a comparecer. No limite, organizar que cada um da metade mais assídua tenha a tarefa de contactar, motivar e tentar, por todos os meios exceto a força física, que os menos assíduos agora venham. Não só porque vai haver ritual, mas afinal porque vai haver um RECOMEÇO, um novo ciclo, a organização e funcionamento de uma nova Loja pós-pandemia (quer nós estejamos cientes disso ou não, este interregno pandémico é um corte, uma separação, entre a Loja de antes e a Loja de depois, que será o que nós quisermos, pudermos e conseguirmos fazer dela. Então, os menos assíduos, os menos interessados, os mais ocupados com trabalho, família e tudo o resto que normalmente se atravessa à frente da “ida à Loja”, que melhor oportunidade têm de contribuir para uma Loja mais à medida do seu interesse, das suas necessidades, do que aproveitar o RECOMEÇO e a folha em branco que ele transporta para escrever nela o que mais lhe interessa, para ajudar a fazer da Loja o que eles sentem que falta? A Loja pós-pandemia far-se-á com todos, os que antes vinham mais e os que antes vinham menos (ou não vinham de todo...), que agora podem ajudar a refazer a Loja mais a seu gosto!

 2)       A segunda necessidade a satisfazer é... RITUAL, RITUAL, RITUAL. Se sentimos que o ritual nos está fazendo falta, vamos matar a fome dele! Deveremos dar prioridade, nos primeiros tempos, à execução ritual e, sobretudo, à execução de vários rituais, designadamente o de Iniciação, o de Passagem e o de Elevação. Exceto os dinossauros da Loja (eu e mais um ou dois), miraculosamente ainda não extintos, os elementos do Quadro da Loja podem porventura ter ouvido falar, mas não tiveram experiência dos primórdios dela. E os primórdios dela resume-se a uma palavra triplamente dita: ritual, ritual, ritual. Durante mais de um ano, por imposição do Grão-Mestre Fundador, era a nossa Loja e só a nossa Loja que fazia Iniciações, Passagens e Elevações. No fim desse tempo estávamos exaustos, já deitávamos ritual pelos olhos fora, mas foi com esse trabalho que forjámos a argamassa que constituiu a coesão da Loja e que nos ajudou, ao longo de três décadas, a superar crises e adversidades. A Loja pós-pandemia vai recriar a sua coesão e a execução ritual vai certamente ter um papel nisso. Mas não esqueçamos que para fazer um ritual de Iniciação temos de ter candidatos já inquiridos e admitidos pela Loja à Iniciação. Aproveite-se o tempo de pausa para ultimar as inquirições de quem está nos passos perdidos, de forma a votarmos a sua admissão à Iniciação na primeira sessão presencial de Loja. Para fazer Passagens, temos que ter Aprendizes com o interstício cumprido e as respetivas pranchas lidas. Haverá que verificar se estão reunidas as condições de Passagem também logo na primeira sessão presencial, para programar a Passagem de quem pode fazê-lo logo nas sessões seguintes e assegurar o cumprimento dessas condições aos que ainda as não reunirem, para serem passados logo depois, numa fase subsequente tão rápida quanto possível. E o mesmo quanto às Elevações.

 3)       Finalmente, a terceira necessidade a satisfazer é cíclica na nossa Loja: estabelecer qual o nosso projeto nos tempos mais próximos, que iniciativas vamos assegurar, em que é que nos podemos distinguir das demais Lojas.

Para satisfazer esta necessidade vai ser necessário apresentar ideias, formular projetos, debater prioridades. Este é, por exemplo, um dos pontos que porventura permitirá que os mais desinteressados se voltem realmente a interessar. Mas não tenho ilusões. O passado mostra-nos que este não é um processo fácil, nem rápido, nem sequer particularmente eficiente. Ter ideias, apresentá-las, defendê-las, harmonizar com as sugestões dos demais, estabelecer pontos de entendimento e planos de ação nunca foi, não é e não será nunca fácil. Mas se há algo que os trinta anos da nossa Loja mostram é que este processo, quantas vezes anárquico ou demorado, acaba sempre por, cedo ou tarde, dar resultados positivos. Às vezes de forma não esperada, às vezes sem decisão formal da Loja, mas por avanço de dois ou três a que outros se juntam e acaba por se estar perante um projeto da Loja. Pouco importa. A seu   tempo, algo se fará. E cada coisa que se faça é mais um elemento fortalecedor da Loja e da sua coesão. Nem sempre poderemos avançar rápido. Teremos porventura de fazer pausas, de reordenar prioridades. Mas algo se fará. E muito mais se discutirá e projetará e fará mais à frente.

E verificaremos que, compreendendo que o ritual é importante e dando-lhe a importância que lhe é devida, ele não é tudo. Na Loja, como na vida, o equilíbrio é fundamental e o caminho faz-se caminhando. A Loja pós-pandemia vai necessariamente ser diferente da Loja de antes, mas a essência do que nós somos, essa, vai permanecer. Esta é a Loja Mestre Affonso Domingues! 

Rui Bandeira

Prancha apresentada na sessão virtual da Loja de 14 de outubro de 6020, E. M.


22 setembro 2020

Comunicação do Grão Mestre da GLLP/GLRP aos Irmãos por ocasião do Equinócio de Outono


Lisboa, 22 de Setembro de 6020 

O Equinócio dos tempos que desconhecemos 

Meus Queridos Irmãos, 

Muito gostaríamos de estar reunidos na Assembleia Maçónica da Grande Loja para comemorar o Equinócio do Outono, à semelhança do ano passado, ocasião que foi para todos nós muito especial porquanto estiveram presentes mais de 800 Irmãos, e muitos e ilustres visitantes de 34 delegações oriundas de 26 países espalhados por todo o mundo. 

Há muito que vivemos tempos desafiantes, inquietantes, estranhos e perigosos. Mas a humanidade, ao longo dos milénios, sempre teve enormes problemas para resolver e agora, não sendo os mesmos, incumbe-nos a nós estar à altura dessas interrogações, enfrentando esses perigos e receios. 

O Equinócio é o evento celeste que ocorre duas vezes no ano, em Março e em Setembro. Nos equinócios ambos os hemisférios se encontram igualmente iluminados pelo Sol, na sua órbita aparente vista da terra passa pelo equador celeste, tornando o dia e a noite iguais na sua duração. 

Assim, a linha divisória entre o dia e a noite observada do cosmos torna-se vertical, "ligando" os polos Norte e Sul do nosso planeta. Dá-se o início da mudança das estações. 

É nos equinócios que os maçons recebem as bênçãos do equilíbrio, da igualdade e da justiça, sempre numa contenda para prevenir o desequilíbrio moral, espiritual e social que quotidianamente nos afectam e prejudicam. 

Devemos todos reflectir nisto porque a Maçonaria não vive fora do mundo e das realidades que a cercam e, por isso mesmo, não poderemos nunca ser indiferentes face ao tão vasto horizonte de eventos e desafios com que nos confrontamos. 

Hoje, dia 22 de Setembro de 2020, assinalamos o Equinócio do Outono e não podíamos deixar de o celebrar apesar de o mundo todo - e a maçonaria também - estar confrontado com incógnitas, dúvidas e receios de tamanha dimensão que a todos inquietam e a todos afectam de sobremaneira. 

E celebramos a efeméride porque somos fiéis ao nosso passado histórico e aos “landmarks” que nos impelem a manter viva a chama da maçonaria universal, independentemente dos tempos, devido a esses mesmos constrangimentos que se torna mais premente dizermos presente, e avançarmos para a linha da frente das carências e daquilo que se impõe fazermos. 

Provavelmente, nunca como hoje o planeta Terra, o nosso mundo, se tornou tão próximo de nós. 

Evidenciando as suas fragilidades, é certo, mas também dizendo-nos que o mundo é um só e que, se a todos pertence, igualmente de todos necessita para que a sua sustentabilidade continue a vigorar. 

A pandemia trouxe incomensuráveis problemas e brutais malefícios, mas serviu e serve para mostrarnos que a humanidade é uma só e que todos precisamos de nos unir para subsistir, lutando contra o que desregula a natureza e prejudica a sobrevivência humana e todo o ecossistema planetário, com a sua incontável e maravilhosa biodiversidade. 

É urgente, pois, intervir onde for e como for necessário, visando a recuperação da normalidade da vida em sociedade, mantendo a economia a funcionar, até para que o essencial, como os alimentos, nunca faltem. 

Todavia, é também preciso equilibrar tal desiderato com as acções de combate à pandemia, fazendo o que as entidades sanitárias entendem dever ser feito para evitar as infecções na população, e para diminuir as sobrecargas dos serviços hospitalares. 

Nada é ou será fácil neste equilíbrio, até pelos custos económicos que lhe estão associados e sobretudo quanto aos gastos com a saúde e com os subsídios aos desempregados. Mas torna-se imperioso prosseguir nesta linha para não colocar em risco a nossa saúde e a nossa sobrevivência colectiva. 

É tempo de agir! 

E agir é, por exemplo, dar atenção e reflectir sobre temas que já fazem parte das nossas preocupações e sobre os quais devemos mostrar a nossa inquietação cívica, como as Migrações e as Alterações Climáticas. 

Há um ano realizámos uma Conferência sobre as Migrações, esse enorme problema que continua, infelizmente, na ordem do dia. As migrações continuam a ser hoje uma questão incontornável a nível mundial, e como fenómeno social, económico e político assumem um papel central na opinião pública e no debate político. 

Com base na Carta das Nações Unidas para os Direitos do Homem, documento tão nobre e respeitado por todos aqueles que reconhecem nos valores da maçonaria o melhor quadro genético para a sociedade atingir a felicidade desejada, devemos encarar o problema das migrações como um desafio à própria afirmação do Homem como Ser Justo e Solidário. 

Cientes dos problemas decorrentes de semelhante fenómeno e das suas naturais reacções locais, não deixaremos que nesta reflexão se esqueça a dimensão humana de um problema, que a todos afecta, e perante o qual ninguém pode ficar indiferente. 

O Governo português transmitiu recentemente à Comissão Europeia a sua disponibilidade para participar no esforço europeu de solidariedade para o acolhimento de pessoas que se encontravam no campo de refugiados de Moria. O Secretário-geral da ONU, António Guterres, pede solidariedade europeia para com os Refugiados de Lesbos. Em Lesbos mais de 10.000 pessoas (quase 1.000 são crianças) dormem ao relento e estão a passar fome, situação perante a qual ninguém deve ficar de braços caídos. 

Está na hora de passarmos das palavras aos actos e demonstrarmos a nossa solidariedade. Solidariedade essa que não deve reduzir-se a simples ajuda ou assistência, dando-lhe apenas um significado económico ou material. Não há Solidariedade sem Caridade, sendo esta a principal fonte de todo o valor moral que impregna cada um de nós, no nosso coração. A solidariedade significa a dimensão social da caridade. Na verdade, não há futuro sem solidariedade

Citando Dionigi Tettamanzi: “Há muitas etnias e povos diferentes, mas todas as etnias têm a sua raiz e o seu desenvolvimento na única etnia humana, de modo que todos os povos se encontram num mesmo tecido vivo e unitário da família humana”

É preciso olhar para os migrantes numa óptica global, como pessoas, portadoras de direitos e deveres, merecedoras do nosso respeito e de igual dignidade pessoal, que é devida a cada ser humano. 

No discurso do “Estado da União” Úrsula von der Leyen pediu uma gestão conjunta de todos os países da EU na questão dos Refugiados. 

A crise sanitária é agora, segundo von der Leyen, outro meio para afirmar a Europa como potência à escala global. A crise pandémica mostrou “quão frágil é a nossa comunidade de valores”, afirmou ela defendendo que a União tem de “liderar a resposta global” à covid-19. Criticou ainda os “nacionalismos” na busca de uma vacina, e defendeu a cooperação no desenvolvimento de uma vacina disponível para todos, e não apenas para aqueles que tenham capacidade para as adquirir. von der Leyen assegurou ainda que “a Comissão atribui a maior das importâncias ao Estado de direito” e que o respeito pelas regras democráticas “não é negociável”. E revelou também estar em preparação um plano para combater discursos racistas e de ódio. 

Nós, Maçons, temos o dever de olhar para as questões climáticas. O Secretário-geral da ONU defendeu que os Estados "devem agir juntos face à ameaça climática", a qual é "muito mais grave do que a pandemia em si". "É uma ameaça existencial para o planeta e para as nossas próprias vidas", referiu. "Ou estamos unidos ou estamos perdidos", avisou o secretário-geral da ONU, apelando, em particular, à adopção de "verdadeiras medidas de transformação nos domínios da energia, transportes, agricultura, indústria, e no nosso modo de vida, sem as quais estaremos perdidos". 

Por causa da pandemia do novo coronavírus, várias reuniões internacionais sobre questões ambientais agendadas para este ano tiveram de ser adiadas, suscitando receios de novos atrasos na luta contra as alterações climáticas. 

A 26.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP26), que pretendia relançar o Acordo de Paris (após o anúncio da retirada dos Estados Unidos em 2017), estava prevista para este ano em Glasgow (Escócia, Reino Unido) e foi adiada para Novembro de 2021. 

Apesar do confinamento em massa, registado a nível mundial por causa da pandemia ter desencadeado uma quebra nas emissões (até 8% a nível mundial, de acordo com algumas estimativas), os cientistas já salientaram que o desenvolvimento global não irá abrandar sem mudanças sistémicas, particularmente nas áreas da energia e da alimentação. 

De acordo com os especialistas da área do ambiente da ONU, a emissão de gases com efeito estufa teria de diminuir 7,6% por ano durante a próxima década. 

A transformação a partir do Green Deal tem na prossecução da neutralidade carbónica da UE até 2050 o “coração da nossa missão”, disse a presidente da Comissão Europeia, von der Leyen. 

Defendeu, assim, que é preciso acelerar o passo para atingir esse objectivo, e anunciou que iria propor que a meta de redução de emissões até 2030 suba de 40% para 55%. 

Ao nível das temperaturas, o ano de 2019 foi o segundo mais quente desde 1880, altura em que começaram os registos modernos de temperaturas. 

Temos de nos mobilizar em torno destes objectivos e procurar influenciar todos para as causas que, pela sua dimensão humana e solidária, nos tocam, enquanto maçons, de forma especial. 

Recuperar e trazer para o tempo presente aquilo que de bom e útil nós maçons fizemos no passado, deve estar sempre na base do nosso pensamento e acção. 

Neste equinócio do Outono quero agradecer e saudar todos os Veneráveis Mestres, e a todos aqueles maçons, que ousaram contrariar esse imobilismo resultante da pandemia, realizando Sessões virtuais, e mantendo dessa forma viva a egrégora da Loja, para satisfação intelectual, filosófica e espiritual de todos os Irmãos. 

É verdade que todos sentimos a falta dos Templos e do Ritual. Os Rituais são acções simbólicas, cuja encenação e participação têm um efeito poderoso na nossa mente e espírito ao ensinar-nos importantes lições e, no limite, e ao ajudar-nos a moldar o nosso carácter e a pautar a nossa vida, através de cerimónias iniciáticas de celebração e passagem. 

Os rituais, como actos simbólicos, representam os valores que produzem uma comunidade coesa, que é capaz de harmonia e de um ritmo comum, sem os quais cada um de nós se sente isolado. A repetição, e portanto a sua prática, é uma característica essencial dos rituais. 

Nós não nascemos maçons, tornamo-nos maçons. E por isso impõe-se também uma palavra especial para todos os Irmãos Aprendizes. Do Aprendiz espera-se trabalho, conhecimento e construção permanente. Não basta a cerimónia de iniciação, nem os juramentos. É preciso o trabalho no Templo, numa busca permanente pela separação entre a luz e as trevas. A maçonaria pretende fazer de um homem bom um homem melhor.

Há, no entanto, Irmãos Aprendizes que, por força da pandemia, desde o dia da sua iniciação não voltaram a reunir em Templo. Mas não devem esmorecer! Eu estarei convosco, estaremos todos convosco, neste nosso caminho na busca incessante de mais luz e, portanto, de mais conhecimento. 

Assim, fruto da nossa experiência adquirida iremos a partir de Outubro, salvo se a situação pandémica e a DGS não o permitirem, realizar Sessões, em regime experimental, gradual e transitório, com um número máximo de 10 Irmãos em Templo e cujas regras estão em fase final de conclusão, e que oportunamente serão divulgadas. 

Esta solução resulta, por um lado, do trabalho e reflexão no seio da nossa Grande Loja e, por outro, de reuniões virtuais, realizadas com outras Obediências Regulares como a UGLE e a GLNF. 

Todos temos a firme convicção que alguma coisa tem de ser feito, sem riscos desnecessários, preservando a nossa segurança, na estrita observância das regras sanitárias, que nos permita de forma gradual retomar a nossa tão desejada e necessária actividade maçónica, para nossa alegria e felicidade. 

O que move o mundo é a busca constante da felicidade e isso é sobretudo um caminho, um percurso individual e colectivo que nunca tem fim pois se tivesse, a obra estaria concluída e tal resultado, bem sabemos, nunca poderá estar terminado, a não ser quando o GADU nos chamar para junto Dele, fechando-se, então, para cada um de nós, a magnifica Abóbada Celeste. 

Durante estes novos tempos de pandemia, que nos têm mantido afastados dos nossos afectosfraternais e contactos pessoais e sociais, realizámos diversas iniciativas. Pela sua importância e mérito destaco duas iniciativas, ambas com a “chancela” da Academia Maçónica: a Revista “O Aprendiz” que hoje publica o n.º 1, desta nova fase editorial; e a Academia de Verão - que contribuiu, seguramente, para ampliar o conhecimento e sabedoria de todos os Irmãos. 

Vamos continuar a demonstrar, por palavras e pelo nosso trabalho e obras, que a Maçonaria e os Maçons, estejam onde estiverem e sejam quais forem as condições, continuam a ser, como sempre foram, obreiros da liberdade, da paz, da harmonia, da justiça, da tolerância e do amor. Mas também motivadores de progresso, de desenvolvimento, de ciência, de educação e de solidariedade. 

Fraternalmente, 

Armindo Azevedo 

Grão Mestre