17 julho 2011

O símbolo da MAD e a vesica piscis

O texto do Rui Bandeira sobre o símbolo da Loja Mestre Affonso Domingues veio a suscitar - de novo - a questão de fazer a vesica piscis  parte ou não do referido símbolo. Não faz, e vamos ver porquê - sem argumentos, que os factos falam por si mesmos.

Quando dois círculos se intersetam, forma-se uma figura nessa zona de interseção. Caso os círculos sejam diferentes, a figura resultante é assimétrica; caso sejam idênticos, é simétrica:

Nem sempre que dois círculos idênticos se intersetam se forma a mesma figura; esta depende do afastamento entre os centros dos círculos:

À esquerda, a distância entre os centros dos círculos é menor do que o seu raio. No centro, é igual ao raio. Á direita, é maior do que o raio. Quando a distância entre os centros é igual ao raio, cada circunferência passa pelo centro da outra. Isso só sucede na figura do centro, que traça aquilo a que se chama uma vesica piscis; as outras não têm esse nome.

Note-se esta curiosa propriedade da vesica piscis: cada um dos pontos de interseção das circunferências forma, com os dois centros das mesmas, um triângulo equilátero. Uma vez que o triângulo equilátero é um dos símbolos usados para designar o Divino, não é senão normal que em volta da vesica piscis se tenha urdido uma densa teia simbólica, tanto mais quanto os triângulos nem sequer estão nela representados, mas meramente implícitos:

Agora que já sabemos o que é uma vesica piscis, vamos tentar encontrá-la no símbolo da Loja Mestre Affonso Domingues. Para facilitar essa procura, tratei de dar destaque aos círculos que constituem o referido símbolo. Descubra agora quem puder se há alguma vesica piscis na figura da direita:

Temos 2 grupos de círculos iguais: os 6 círculos "de fora" e o do centro por um lado, e os 3 círculos "de dentro" por outro, sendo os primeiros de maior raio do que os segundos. Os do primeiro grupo não se intersetam, apenas se tocando (são tangentes). Os 3 círculos de dentro intersetam-se uns aos outros, mas estão, claramente, mais afastados uns dos outros do que a distância de um raio. A interseção entre qualquer círculo do primeiro grupo e qualquer do segundo também não é uma vesica piscis, uma vez que esta apenas resulta da interseção de dois círculos iguais.

Daqui se conclui que, desde que devidamente definido aquilo de que se fala, muitas vezes os factos falam por si mesmos; não é sequer preciso argumentar.

Paulo M.

P.S.: Corrigi o penúltimo parágrafo, pois o círculo do centro é igual aos de fora.

Referências:
http://ucjcuriosidadesmatematicas.blogspot.com/2010/05/circunferencia-circulo-circunferencia-e.html
http://mathworld.wolfram.com/Lens.html
http://mathworld.wolfram.com/Circle-CircleIntersection.html
http://mathworld.wolfram.com/VesicaPiscis.html

14 julho 2011

Vem aí o 22º Veneravel

À semelhança de anos anteriores na primeira sessão do mês de Julho a Loja Mestre Affonso Domingues elege os seus Veneravel Mestre e Tesoureiro.

Para os cargos de Veneravel e Tesoureiro foram eleitos respectivamente Nuno L. e Vitor M. ambos mestres.

Vitor é uma das apostas da Loja. Não tendo sido iniciado na Mestre Affonso Domingues, nela ingressou vindo de outra Loja quando ainda era Companheiro, concluindo o seu tempo e passando a Mestre. A sua forma de estar não passou despercebida e a sua integração decorreu sem sobressaltos, tanto que hoje foi eleito tesoureiro.

Nuno pelo seu lado é já membro da Loja ha uns anos e progrediu paulatinamente passando por quase todos os oficios de Loja. Nuno apesar da sua antiguidade ainda está na "casa dos trintas" sendo por isso um jovem.

Porque esperamos trabalho de qualidade fomos absolutamente unanimes na escolha.

A instalação decorrerá, previsivelmente, na primeira sessão de Setembro.


José Ruah

13 julho 2011

O símbolo da Loja Mestre Affonso Domingues


Em comentário ao texto, Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o QUATRO, Jocelino Neto perguntou:

Perdoe-me pela análise superficial, mas a vesica piscis faz parte do partido construtivo da imagem que identifica visualmente a R.´.L.´. (Respeitável Loja) Mestre Affonso Domingues? O significado deste símbolo é desvelado apenas aos seus O.`. (Obreiros)?

Quanto à primeira questão, a resposta é negativa. Repare-se que, enquanto a vesica piscis é o espaço comum resultante da interseção de dois círculos iguais com centros na mesma linha horizontal, a uma distância entre si inferior ao diâmetro de cada círculo (cfr. figura abaixo), a estrutura do símbolo da Loja Mestre Affonso Domingues é constituída por três círculos interligados, para além dos outros elementos.

Também a resposta á segunda pergunta é igualmente negativa. Parece haver tendência para envolver tudo o que respeita à maçonaria num véu de mistério, de segredo... Como o propósito deste blogue é precisamente mostrar que essa tendência não é consistente, aproveito o pretexto para explicar as circunstâncias da criação do símbolo da Loja Mestre Affonso Domingues e indicar o que pretende representar cada um dos seus elementos constitutivos. Quer as circunstâncias, quer os significados são o mais prosaicos possível, adianto já...!

Nos primórdios da Loja Mestre Affonso Domingues e da então denominada Grande Loja Regular de Portugal, hoje Grande Loja Legal de Portugal/GLRP, a preocupação era a de aprender, criar e consolidar estruturas, enfim, trilhar o caminho da Regularidade Maçónica e da obtenção do Reconhecimento internacional. Os contactos que havia era com maçons da Grande Loge Nationale Française, que, por vezes, se apresentavam em sessão com a medalha da respetiva Loja. Também maçons portugueses iniciados no estrangeiro em Obediências Regulares podiam finalmente aceder a sessões maçónicas regulares no seu país e, comparecendo em sessões de Loja da novel Obediência Regular, frequentemente usavam as medalhas das suas Lojas de origem. Eu próprio, que tinha sido iniciado na Loja Miguel Cervantes y Saavedra, ao Oriente de Bona, no período em que frequentei a Loja Mestre Affonso Domingues com o estatuto de visitante (até ser admitido como obreiro do seu quadro), usava a medalha da minha Loja-mãe.

A Loja Mestre Affonso Domingues, sendo então a mais apurada na prática ritual, era a Loja mais visitada por obreiros estrangeiros e cedo verificou o costume de cada Loja ter uma medalha que era usada pelos seus obreiros. Foi assim simplesmente natural que a Loja, a certa altura, decidisse criar e mandar fabricar a sua medalha distintiva.

Um obreiro da Loja, artista plástico, elaborou o projeto que, com algumas modificações, sobretudo ao nível das cores (modificações essas que, assinale-se, por ser justo fazê-lo, o autor do projeto nunca viu com bons olhos), veio a servir de modelo para a confecção da medalha.

A imagem dessa medalha veio a ser utilizada como logotipo da Loja nos seus documentos e, a breve prazo, transformou-se no símbolo identificativo da Loja Mestre Affonso Domingues.

O significado dos seus elementos é simples e intuitivo e tem, naturalmente, muito a ver com o nome adotado pela Loja, Mestre Affonso Domingues, o arquiteto do Mosteiro da Batalha, imortalizado num belo texto das Lendas e Narrativas de Alexandre Herculano.

As porções visíveis dos três círculos entrelaçados cruzados por seis semicírculos virados para o exterior, evocam a principal característica da arquitetura gótica, a que pertence o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, mais conhecido por Mosteiro da Batalha, a abóbada em cruzaria. Na figura abaixo, pode-se ver a representação esquemática de uma abóbada de cruzaria sexpartida.
Repare-se: seis arcos quebrados ou ogivais góticos (a que correspondem as seis "pontas" da medalha) unidos e sustentados por três nervuras diagonais estruturais, que suportam e distribuem o peso, a abóbada de nervuras (a que correspondem os três círculos entrecruzados, só parcialmente visíveis)

Cada uma das pontas da medalha termina em forma de flor-de-lis, tal como as existentes no brasão de armas do Mestre de Avis, depois rei D. João I, que ordenou a construção do Mosteiro da Batalha (ver figura abaixo).

Justaposto a este conjunto, estão dois círculos concêntricos, formando uma faixa de fundo branco onde está inscrito o nome da Loja, Mestre Affonso Domingues, e o local da sua fundação e o seu número de ordem na Grande Loja, Cascais - n.º 5, inscrições separadas por duas folhas de acácia, símbolo maçónico conhecido. Inscrito no círculo interior está um triângulo (símbolo maçónico comum), em fundo vermelho (cor do Rito Escocês Antigo e Aceite, rito praticado pela Loja Mestre Affonso Domingues), que contám no seu interior o também comum e conhecido símbolo maçónico do compasso e esquadro, este sobre aquele.

Como se vê, é prosaicamente simples a explicação do símbolo da Loja Mestre Affonso Domingues!

Rui Bandeira

12 julho 2011

O Tempo, a Idade e a Maçonaria - I




São condições mais ou menos universais (mas cada Obediência segue regras ligeiramente distintas) de admissão na maçonaria a maioridade e a independência económica; um menor não pode ser maçon, bem como o não pode ser alguém que não tenha meios de sustento. Na GLLP a idade mínima de admissão é de 21 anos, podendo admitir-se candidatos mais novos desde que maiores de 18 anos e apenas em casos excecionais que carecem sempre de autorização especial. Não há, todavia, uma idade superior limite; basta que, como se disse, se seja economicamente independente - pois pertencer à maçonaria acarreta alguns custos fixos - e que se esteja em posse das faculdades mentais.

O limite inferior de idade é compreensível. Mesmo os 21 anos são uma idade muito tenra para se ingressar... Mais do que a idade, é imprescindível a capacidade de ouvir (pois só ouvindo se aprende), a abertura para se admitir estar errado (pois só se aprende se se admitir ou o erro ou a ignorância...) e a capacidade de aceitar que o outro possa ter ideias contrárias às nossas (pois a maçonaria cultiva a tolerância face à diversidade). Quando se é muito novo é difícil ouvir-se os outros, pois um jovem sabe sempre tudo. Admitir-se o erro, então, é coisa ainda mais difícil. Já a infinita curiosidade dos mais novos torna mais fácil o diálogo entre fações opostas, ideias contraditórias, crenças antagónicas.

É à medida que se amadurece que vai surgindo a capacidade de se ver o silêncio não como um açaimo doloroso que se removeria se se pudesse, mas antes como um refúgio, um reduto, um pequeno Éden dentro de nós que podemos defender com um simples sorriso. As amarguras da vida vão-nos mostrando que somos, afinal, pequenos, imperfeitos e efémeros; o ímpeto da invencibilidade da juventude dá lugar a um estado de espírito mais sereno e de maior aceitação das próprias limitações. Todavia, a experiência acumulada acaba por estabelecer o preconceito, dificultando o diálogo.

Como em tantas outras coisas, in medio virtus. Se se for muito novo quando se ingresse a maçonaria, corre-se o risco de não ter ainda atingido a maturidade necessária a que esta possa ser proveitosa e, quando esse momento acabe por chegar, perdeu-se já a novidade, e a oportunidade de fazer a diferença. Sem por outro lado, se pretender ingressar a maçonaria já numa idade avançada, há que acautelar se, de facto, há ainda capacidade - e, acima de tudo, vontade - de aprender coisas novas, de mudar comportamentos, de apurar ideias. É que, quando se entra na maçonaria, entra-se para aprender, e não para ensinar.

A este respeito aprendi na Loja Mestre Affonso Domingues três lições complementares. A primeira passou-se comigo mesmo. Quando entrei, notei uma certa frieza - a roçar a hostilidade - da parte de alguns irmãos da loja. Eu queria aprender, avançar, saber mais, engolir inteiro - e obrigavam-me a estar quieto, a esperar, a mastigar aos bocadinhos e de novo o que já tinha comido antes. Explicaram-me depois que tinha havido algumas más experiências com algumas admissões - os chamados "erros de casting" - de que, mais tarde, a loja se veio a arrepender, e que eu fazia lembrar um ou dois desses. Daí o facto de alguns membros me estarem a dar um "tratamento de choque" para separar logo o trigo do joio desde o princípio. Se tivesse unhas, tocaria guitarra, mesmo com os dedos pisados; se não as tivesse, que seguisse o meu caminho, mas quanto mais cedo isso ficasse claro para todos, melhor.

A segunda deu-se quando assisti à leitura de pranchas de aprendiz. Apesar de ir avisado, foi confrangedor ouvir, dos mestres presentes, as críticas implacáveis, demolidoras e quase a roçar o cruel. É certo que as pranchas não estariam um primor - afinal de contas, eram o primeiro trabalho apresentado à Loja de cada um dos que as elaborara - mas tamanha crítica pareceu-me exagerada. Porém, como disse, tinham-me avisado de que "era da praxe", e assim o tomei. Quando vim a apresentar a minha primeira prancha estava já à espera do que sucederia, e não o estranhei. Não deixou, contudo, de ser algo doloroso ouvir as farpas certeiras que expunham perante todos os mais ínfimos erros do trabalho que tantas noites me levara a elaborar. Aprendi, nessa altura, a confiar; a confiar no juízo dos que me criticavam, pois que o faziam com seriedade e precisão; a confiar que não tomariam as minhas falhas por vulnerabilidades por onde me atacassem; mas, acima de tudo, a confiar na intenção puramente fraterna de quem aponta um erro a um irmão e fica com o coração a transbordar de alegria quando o vê corrigir-se. 

A terceira lição foi mais triste. Pouco tempo depois de iniciado, um aprendiz - por sinal, apadrinhado por um dos mais históricos membros da loja - viria a revelar-se de difícil integração. A sua idade - mais de sessenta anos - não o facilitou, como não o facilitou o facto de ter já bastante conhecimento prévio da maçonaria por via de familiares próximos. Talvez por ser um homem assertivo, de convicções fortes, ideias arrumadas e palavras duras e incisivas, a loja não conseguiu "abalar-lhe os alicerces" da forma pretendida: dando-lhe a oportunidade de se ver a si mesmo e ao mundo de outra forma, mas sem o fazer sentir-se ameaçado nem pessoalmente atacado. Fiquei triste por vê-lo deixar de aparecer, mas acima de tudo doeu-me vê-lo afastar-se magoado. E tudo porque haviam sido criadas expetativas de parte a parte que se viam, no fim, goradas.

De cada aprendiz espera-se que dê o máximo de si mesmo; a loja lá estará para lhe atravessar tantos obstáculos quantos os que ache que ele consegue - e quer - ultrapassar. Uns terão mais capacidade do que outros; uns poderão não ter ainda a pujança que lhes permita correr com os maiores, sem o desconto de serem um "junior"; outros poderão não ter já a força para correr o suficiente que lhes permita atingir os "mínimos olímpicos". A vida é cheia de surpresas, e as portas não se fecham por excesso de décadas de vida; há sempre quem ludibrie as estatísticas. No entanto, sabemos que há uma idade ideal para tudo. É que, como o atletismo, assim é a maçonaria; do mesmo modo que há corridas para seniores, também temos maçons com mais de 80 anos; contudo, esses raramente terão começado a correr tarde; são, antes, atletas que começaram a correr na idade certa, e que ainda não pararam...

Paulo M.

06 julho 2011

Oração de um Mestre a outros Mestres


Novos Mestres:

Foi longo o tempo que mediou entre a vossa iniciação e este dia. É assim que deve ser, porque o Tempo também é construtor e as mudanças perenes não se fazem de um dia para o outro. No dia da vossa Iniciação, simbolicamente terminaram a vossa vida profana e iniciaram a vossa vida maçónica. Hoje, renascem Mestres, em perpétua continuidade do trabalho dos que vos antecederam e em esperançosa construção do futuro que porão à disposição dos que vos sucederem.

Tiveram um longo tempo de aprendizagem, estudo e preparação. A partir de hoje, têm a vossa “carta de condução” de Mestres maçons, que vos possibilita ensinar os que trilham o caminho por vós já percorrido, mas sobretudo testemunha a vossa capacidade para estudar, meditar, trabalhar, melhorar, por vós próprios, segundo as vossas escolhas, os vossos critérios, os vossos métodos. A Sabedoria da Maçonaria, a sua Força, igualmente a sua Beleza, consistem também nesta absoluta, pujante e entusiasmante Igualdade: a todos os que se juntam nesta Instituição é-lhes mostrado um método, apontado um objetivo, proporcionado um meio; quando se dá por terminada a formação de cada um, é-lhe reconhecido, sem reservas, o direito de trilhar o seu caminho em busca do seu objetivo, pelos seus meios e com os métodos que entenda mais adequados. Porque não há respostas unívocas, caminhos certos, percursos exclusivos. Vós sois agora Mestres maçons, é-vos por todos nós reconhecida a vossa plena capacidade de prosseguirem a vossa via sem tutelas, sem reservas, sem limites. Apenas vos dizemos, nós, os Mestres mais antigos: estamos aqui para que, se assim o quiseres, continues a aprender connosco e também para aprendermos contigo, naquilo em que o teu contributo nos seja útil. Simples, afinal!

Mas, se um último conselho me admitis, Mestres, aqui deixo à vossa consideração o seguinte: o tempo decorrido até aqui é muito menor do que o tempo que decorrerá daqui até à vossa meia-noite. Em cada momento deveis fixar novos objetivos, escolher novas tarefas, fixar novas metas. Tendes à vossa frente umas dezenas de anos em que, pese embora percursos que porventura façam complementarmente, não obstante ofícios que vireis a desempenhar, serão fundamentalmente aquilo que hoje sois: Mestres maçons. Nem mais, nem menos, nem diferente.

Porventura dias vivereis em que vos interrogareis sobre a continuidade do vosso interesse na Arte Real. É normal, natural e talvez até inevitável. Todos temos momentos de dúvida, de fraqueza, de necessidade de nos repensarmos. É para esses momentos, para esses dias, que deveis estar prevenidos com esta essencial mensagem: o que importa acima de tudo é o que buscais. E o que buscais não está na Loja, está no local mais importante do Mundo: dentro de vós próprios. O que buscais é aquela inefável partícula do Arquétipo Primordial da Perfeição, cuja busca é quiçá o verdadeiro sentido da Vida. A Maçonaria, a Loja, a Mestria, tudo o que aqui fizerdes ou construirdes, são simples meios dessa vossa busca.

Lembrai-vos: por mais importante, indispensável, precioso, que seja o trabalho que desempenhardes em Loja, é sempre menos importante do que o trabalho que deveis desempenhar fora da Loja – e não estou, obviamente, a falar das vossas profissões. Falo-vos do trabalho de construção do Templo, do vosso Templo de que hoje fostes reconhecidos como Arquitetos. Sois vós que dirigis esses trabalhos. Sois vós que o executais. Todos os dias. Aqui e fora daqui. Sobretudo fora daqui. Especialmente dentro de vós.

E quando tiverem momentos de dúvida, de desalento, quando vos perguntardes porque vir à Loja, lembrai-vos: os espaços de tempo em que estamos em Loja não são os momentos em que trabalhamos. São os nossos momentos de lazer, o prémio que nos atribuímos pelo nosso esforço diário, o momento em que convivemos, em que mostramos aos demais o resultado, naquele preciso momento, do nosso trabalho, da nossa evolução, em que detetamos e apreciamos a evolução dos demais, em que, em conjunto, executamos sempre e sempre os mesmos gestos, dizemos as mesmas palavras, temos as mesmas posturas, no que é afinal uma pausa, um recarregar de baterias em união de espíritos e de vontades, para seguidamente voltarmos a executar o interminável e solitário trabalho da construção do nosso Templo.

Mestres, assumi com o orgulho que, na justa medida, também é qualidade: sois agora Mestres maçons, mas, mais do que aqui, sois Mestres maçons lá fora e, sobretudo, dentro de vós. Aqui sois apenas – e basta, e é muito! – reconhecidos como tal!

Rui Bandeira

04 julho 2011

Bem comum e liberdades individuais



Li hoje uma notícia sobre um "motoqueiro" de 55 anos que, de cima da sua Harley, protestava contra a lei que passava a obrigar ao uso do capacete. Enquanto o fazia teve que fazer uma travagem brusca, foi lançado sobre o guiador, caiu de cabeça e, como não usava capacete... morreu.

Uma vez mais se me colocou esta questão: até onde pode, ou deve, a sociedade regular as liberdades individuais? Dever-se-á deixar ao juízo (ou falta dele...) de cada um o uso de capacete? E se o motoqueiro for um pai de família, que depende dele para o seu sustento? E se for uma pessoa com um cancro em fase terminal? E se do acidente decorrerem custos de tratamento enormes, pagos por todos os contribuintes - muitos dos quais até teriam votado a obrigatoriedade do uso do capacete?

O consumo de drogas deve ser liberalizado? E a condução sob a influência de drogas? E conduzir zangado? Se uma Testemunha de Jeová (religião que proíbe as transfusões de sangue) se apresentar inconsciente num hospital em consequência de um acidente, deverá o médico de serviço deixá-la morrer por falta de uma transfusão, ou salvar-lhe a vida recorrendo a algo que a sua religião proíbe, quando não haja tratamento alternativo? E se a pessoa estiver consciente e recusar a transfusão? E se for o filho pequenino dessa pessoa que esteja doente, e ela peça aos médicos que antes deixem o filho morrer do que lhe dêem uma transfusão?

Até que ponto podemos ou devemos sacrificar o indivíduo ao bem comum? Ou o bem comum ao indivíduo? Há séculos que estas questões se discutem. E há séculos que ficam sem resposta - ou pelo menos sem uma resposta categórica, uma vez que recebem respostas diferentes, cada uma fundamentada sobre distintas premissas. Não é, porém, por se saber a priori que não há uma resposta universal que deve deixar de se discutir estas questões. É importante que cada um tenha as suas próprias respostas, mesmo que estas sejam diferentes das daqueles que o rodeiam. E se não é essencial que todos afinem pelo mesmo diapasão, é desejável que todos tenham consciência da diversidade de respostas, e de que há pelo menos alguma legitimidade nessa diversidade.

Assim sucede - ou deve suceder - numa loja maçónica. Não é importante que todos pensem igual; pelo contrário, é bom que pensem diferente, para que todos tenham a oportunidade de aprender, desde cedo, o  respeito pelas ideias com que não se identificam.

Paulo M.

29 junho 2011

Lição de um Mestre aos seus Companheiros - II


Nota - A primeira lição de um Mestre aos seus Companheiros foi publicada neste blogue por Jean-Pierre Grassi, em 13 de abril de 2009

Meus muito prezados Irmãos:

O vosso aumento de salário é, na realidade, um aumento de responsabilidades. Ao vos conferir o 2.º grau, vos declarar prontos a trabalhar sem a proteção da abeta do vosso avental, que passa, assim, a partir de agora, a repousar estendida sobre o corpo principal do vosso vestuário de trabalho, ao vos atribuir a designação de Companheiros, esta Oficina reconhece o vosso bom trabalho até aqui, as vossas qualidades intrínsecas, a mudança para melhor operada em vós, o vosso imenso potencial. Por tudo isso, cabe-me a mim – e com muito gosto e regozijo o faço! – dar-vos os parabéns.

Mas também me incumbe alertar-vos de que a vossa celebração, embora merecida, deve ser breve. Sois agora Companheiros, mas não deixastes de ser Aprendizes. Sois agora Aprendizes também já Companheiros, adicionalmente. Por isso comecei por vos dizer que o vosso aumento de salário é afinal um aumento de responsabilidades. Não deveis deixar de estudar e analisar e investigar os símbolos e utilizar esse estudo para vosso aperfeiçoamento moral e espiritual. Aliás, hoje mesmo vos apresentámos dois novos símbolos, para vosso estudo e meditação. Mas o sentido do que hoje vivestes é que, ao trabalho que até agora fizestes deveis acrescentar o estudo do Homem, das Ciências e das Artes. Na antiguidade, o estudo da do Homem, da Vida e da Natureza e suas regras chamava-se, simplesmente, Filosofia. Com a autonomização dos vários campos do Saber Humano, do sincretismo da Filosofia foram-se emancipando as várias Ciências e Artes. O que hoje vivestes procura alertar-vos para a necessidade e conveniência de, ao estudo dos símbolos e da espiritualidade, acrescentardes sempre o estudo e o progresso no conhecimento das coisas práticas do saber humano – afinal, as Ciências e Artes.

Inerente à conceção maçónica do que deve ser o Homem está a noção de equilíbrio. O que está em cima é como o que está em baixo. Tão importante é a Busca Espiritual como o Conhecimento e a Prática. Desenvolvimento Espiritual sem Conhecimento Científico é vão misticismo, estéril contemplação. Primazia absoluta do Conhecimento sem adequado Crescimento espiritual é perigoso Materialismo, vereda maldita para o abismo da Amoralidade.

A Maçonaria pretende estimular e propiciar a evolução dos seus membros para a plenitude do Homem Completo – e esse tem duas faces, tão inseparáveis como as de uma moeda: o Espírito e a Razão, a Espiritualidade e o Conhecimento Prático, o que é de Deus e o que a César pertence.

Trabalhai, pois, meus Irmãos, nestes dois indispensáveis e complementares campos. Só assim sereis verdadeiros Homens Completos e Equilibrados.

Rui Bandeira

27 junho 2011

Perceção, verdade e tolerância - V (conclusão)



A Maçonaria não pretende, ao contrário da Religião, tratar da relação entre o Homem e o seu Criador; apenas trata da relação entre o Homem e o Homem. Nascida em tempos conturbados de guerras fratricidas de origem  religiosa, a Maçonaria tinha - e tem ainda hoje - o propósito de estabelecer entre homens bons uma ligação mais forte do que as forças que os afastam em virtude das diferentes fações - religiosas, partidárias, ideológicas ou outras - a que os mesmos pertençam.

A Maçonaria procura, nesse sentido, estabelecer um meio-termo, um máximo denominador comum, um common ground com que todos se identifiquem, que a todos inclua e a ninguém deixe de fora. Quando James Anderson foi incumbido de compilar e redigir as regras e regulamentos da Maçonaria, escreveu:

"Um maçom é obrigado, pela sua condição, a obedecer à lei moral, e se compreender corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu, nem um libertino irreligioso. Mas, embora em tempos antigos os maçons devessem, em cada país, ser da religião desse país ou nação, qualquer que fosse, entende-se agora ser mais acertado somente obrigá-los à religião com a qual todos os homens concordam, deixando suas opiniões particulares para si mesmos; isto é, ser homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e honestidade, quaisquer que sejam as denominações que os distingam."

Esta noção de que os maçons poderiam ser de qualquer fé ou religião, e apenas deveriam aderir à "religião com a qual todos os homens concordam", é uma ideia claramente oriunda do conceito de "Religião Natural", conceito muito em voga no Iluminismo, e a propósito do qual podemos ler na Wikipédia:

"As ideias, para serem válidas, devem ser baseadas na razão inata do Homem. No caso da religião, isto significa que deve haver uma religião natural, isto é, deve haver um conjunto de ideias religiosas que emanam da natureza humana - ideias que são inatas da mesma forma que as ideias lógicas, matemáticas e científicas. Eles teriam, portanto, validade geral no sentido de que todas as pessoas em todos os momentos, independentemente de sua situação cultural, as devessem possuir."

A ideia de uma "religião natural" não é, propriamente, uma ideia da Maçonaria, mas uma ideia sua contemporânea que a influenciou, no sentido de que especula ser possível encontrar-se, de entre todas as religiões, um certo conjunto de regras comuns; estas seriam aquelas que a Maçonaria tomaria para os seus seguidores, de modo a lograr o seu propósito: ser um elo de união entre os homens. E nesse sentido, em vez de se cingir aos caminhos da Moral, abraçou os da Razão, muito menos controversos e muito mais passíveis de estabelecer princípios incontroversos.

Contudo, ao procurar encontrar um conjunto de regras morais retiradas do seu contexto religioso, a Maçonaria foi tomada, pela maioria das religiões organizadas, por um concorrente, por um antagonista, e como tal condenada, e rotulada como relativista ou sincretista ou mero "travesti" religioso. O que parece escapar aos seus detratores é que a Maçonaria não procura de modo algum substituir ou minimizar a religião de cada um, antes incentivando cada um a que viva a sua fé da melhor forma possível.

Os fins últimos da Maçonaria são a harmonia, a fraternidade e a paz entre os Homens, pelo que dá preponderância a estes princípios, mesmo que sob pena de relegar as convicções religiosas de cada um à esfera privada. Na verdade, a Maçonaria não quer saber em que é que cada um acredita, desde que acredite em alguma coisa, e guarde essa convicção afastada de controvérsias, contendas e cizânias. E esta postura - condenada por muitos que pretendem propagar verdades absolutas mesmo que à espadeirada  - é uma das  que caraterizam, distinguem e orgulham os maçons.

Paulo M.

22 junho 2011

Lição de um Mestre ao seu Aprendiz - V



Meu Irmão, finalmente estás onde deves estar, estás entre nós! Sempre que um novo elemento se junta a nós, toda a Loja se alegra. Mais um homem bom quer tornar-se melhor e, fazendo-o, nos ajudará, a todos e cada um de nós, a sermos um pouco melhores também! Sê, pois, muito bem-vindo, Irmão. Todos esperamos que, sempre, gostes tantos de estar connosco como – não o duvides! – todos e cada um de nós gostaremos sempre de estar contigo.

Hoje, encerrou-se um ciclo na tua vida e iniciaste um novo ciclo. Hoje, deixaste para trás a tua vida profana e iniciaste o teu percurso como maçom. E não duvides também que, a partir de hoje, em todos os aspetos da tua vida, em todos os momentos dela, em todos os locais onde te encontrares, com quem estiveres, não mais estará apenas o homem que há algumas horas entrou neste edifício – a partir de agora, sempre, em todos os lugares, com todas as pessoas, estará o maçom! Porque passaste por uma Iniciação que, a ti, como a milhões de outros antes de ti, subtilmente já te começou a mudar e que, se é esse o teu sincero propósito – e todos nesta sala acreditámos e acreditamos que sim! – te ajudará a melhorar, um pouco cada dia, mas sempre e sempre e mais e mais.

A partir de agora, tens muitos símbolos para estudar, para sobre eles meditares, tirares tuas conclusões e aplicares essas conclusões em ti, na tua vida, no teu comportamento. É esse, em síntese, o nosso método, o método maçónico que desde tempos imemoriais os maçons de todo o mundo usam. Basta olhares em teu redor e verás objetos, representações, mas também gestos, palavras, atos, condutas, que, tudo isso, tem significado simbólico que a ti te cabe descobrir, para que uses essas tuas descobertas em benefício de ti próprio, não do que hoje és, mas do que vais ser, do que vais ser em cada dia sendo um pouco diferente e melhor do que no dia anterior.

Muitos símbolos te rodeiam, mas agora quero apenas chamar-te particularmente a atenção para dois, que não escolhi ao acaso. Dois que, sei-o porque mo disseste, especialmente te tocam: o maço e o cinzel.

O maço e o cinzel são as ferramentas básicas com que deves, de imediato, começar a trabalhar. Simboliza o maço a força, o poder, a energia que transmite ao cinzel, a ferramenta subtil que, aproveitando a Força que lhe é transmitida pela energia da mão que empunha o maço, utilizando-a, distribuindo-a harmoniosamente com a sua ponta, mediante o seu sábio manuseio, em variados ângulos de colocação sobre a pedra, desbasta esta, retira as suas asperezas, transforma a rudeza do informe bloco em trabalhada e lisa pedra que, com sua devida esquadria, está apta a ser colocada no espaço que lhe está destinado na construção.

Assim também deves recordar-te em todos os momentos que sempre, mas sempre mesmo, deves diligenciar para que o maço da tua Força de Vontade seja aplicado com o cinzel da Sabedoria na pedra bruta que é o teu caráter, desbastando-lhe as asperezas, as irregularidades, retirando-lhe e reparando-lhe as imperfeições, moldando-o com a devida esquadria para que se integre harmoniosamente na sociedade e constitua uma forte e bela pedra essencial ao todo em que se integra.

As asperezas, as irregularidades, as imperfeições que hás de, dia a dia, um pouco de cada vez, mas persistentemente, ir retirando de ti próprio, tu, melhor do que ninguém, saberás, descobrirás, quais são. E tu próprio alterarás o que tiveres a alterar. Ninguém o fará por ti!

Para isso, precisas de, permanentemente te conheceres, cada vez mais e melhor, a ti próprio. Só assim saberás – tu e mais ninguém – o que aperfeiçoar, onde e como trabalhar, para que amanhã estejas um pouco melhor do que hoje.

Portanto, meu muito prezado Irmão, pega no teu maço, manuseia o teu cinzel e desbasta tua pedra. O resultado do teu trabalho será, mais cedo ou mais tarde, verificado por todos, mesmo os mais distraídos. Mas, antes e acima de tudo e de todos, será apreciado por ti próprio, que, em resultado do teu trabalho, desde que sério, desde que persistente e incessante, te sentirás cada dia mais forte, mais apto, melhor. Sobretudo contigo mesmo!

Rui Bandeira

16 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Conclusão


Quando inicio uma série de textos, embora tenha uma ideia geral sobre a estrutura da mesma, não tenho fixado o sentido de cada texto. Elaboro cada texto separada e sucessivamente, alguns já depois de iniciada a publicação da série. Tenho um ponto de partida, uma direção projetada, espero um determinado ponto de chegada, mas só o evoluir dos textos e o estudo que faço na preparação de cada um acabam por determinar a evolução da série e só no final verifico se a conclusão que posso tirar é a que antecipava no momento em que decidi iniciar a série.

Quanto ao tema que hoje termino, a tese defendida foi expressa logo no início: a referência maçónica aos números, a numerologia maçónica, deriva da filosofia pitagórica. Percorrido o ciclo de textos, continuo a perfilhar a tese, mas reconheço que a mesma não passa disso mesmo, de uma tese, de uma hipótese, que necessitará de confirmação fáctica e, na medida do possível, documental.

Ao longo destes textos, foi possível verificar que a relação da Maçonaria com os números é bem mais restrita e simplificada do que a original filosofia pitagórica. Desde logo, aos números pares, à exceção do DOIS, não dedica a maçonaria particular atenção. E a atenção maçónica, em diferentes graus de desenvolvimento, concentra-se em especial nos primeiros números primos: UM, DOIS, TRÊS, CINCO e SETE. Quanto ao significado maçónico, entendo que é herdeiro do significado pitagórico, embora notoriamente simplificado, quando não mesmo apenas um resíduo do conceito pitagórico original.

Nesse sentido, a conclusão final, no meu entender, confirma a expetativa inicial, sem contudo lhe ter acrescentado prova concludente. Portanto, hipótese era, mais do que hipótese não é, por agora.

Um outro aspeto não logrei dilucidar, ao longo do estudo para este conjunto de textos: no pressuposto de que a numerologia maçónica deriva da filosofia pitagórica, por que forma ocorreu essa derivação?

Uma das possibilidades é que os conceitos filosóficos pitagóricos tivessem sido oralmente - e reservadamente - transmitidos em conjunto com os conhecimentos de geometria, no âmbito do ofício de construtor em pedra, seguindo um percurso já neste blogue referenciado na série de textos dedicada à Lenda do Ofício. Consistente com essa possibilidade é a enorme simplificação, quase corruptela, dos conceitos maçónicos em relação aos originais pitagóricos, denotando uma progressiva deterioração e simplificação dos significados originais através do percurso numa longa cadeia de transmissão oral. Não pude, porém, confirmar se existem indícios dessa transmissão nos documentos operativos medievais que foram encontrados, sobretudo no Reino Unido.

Outra possibilidade é a de a introdução desses conceitos na Maçonaria ter sido efetuada por via "erudita", aquando da evolução da maçonaria operativa para a maçonaria especulativa e redação dos modernos rituais.. Se a extrema simplificação dos conceitos conduz, numa primeira análise, ao ceticismo em relação a esta hipótese (o erudito introdutor dos conceitos deveria conhecer os termos da filosofia pitagórica e seria natural que a introdução dos conceitos nos rituais fosse efetuada em termos mais consistentes com a filosofia original), mais cuidada reflexão alerta-nos para o facto de que, não existindo registos escritos das teses pitagóricas, o simples passar do tempo levou a que, mesmo os estudiosos, acabassem apenas por ficar com umas leves luzes (e porventura algumas apagadas...) sobre os conceitos originais, efetivamente perdidos no tempo. Repare-se que, mesmo em meios académicos, existem referências - não particularmente desenvolvidas e nem sempre inteiramente coincidentes - ao UM, DOIS, TRÊS e QUATRO, mais breves ao CINCO e ao DEZ e verifica-se uma omissão, ou quase, em relação ao significado pitagórico do SEIS, SETE, OITO e NOVE. Logo, o "erudito" que porventura tivesse introduzido os conceitos pitagóricos nos rituais ter-se-ia sentido a pisar terreno mais seguro ao concentrar-se nos três primeiros números, onde a própria representação geométrica dos mesmos é mais claramente elucidativa. O CINCO já tem manifestas referências a outros entendimentos, até da Renascença, e o SETE herda, na Maçonaria, o que será apenas um possível significado pitagórico do número, à falta de mais completa confirmação.

Resumindo: a tese exposta ao longo desta série de textos é isso mesmo, uma tese, uma teoria, uma hipótese, que será, ou não, objeto de confirmação documental ou, pelo menos, confortada com indícios históricos bastantes. Se o for, haverá ainda que procurar determinar se a evolução dos pitagóricos para a moderna maçonaria especulativa se fez por via "popular", através do ofício da construção em pedra e da maçonaria operativa ou se decorreu de uma introdução "erudita", aquando da elaboração dos rituais pós-transição para a maçonaria especulativa.

Rui Bandeira

15 junho 2011

Perceção, verdade e tolerância - IV



"Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema do Iluminismo." disse Kant. Deste lema pode também apropriar-se a maçonaria. Esta esteve na linha avançada do Iluminismo, promovendo as ciências, as artes e a razão ao serviço do Homem. Esta tríade tem de facto vindo, paulatinamente, a dar-nos cada vez mais e melhores meios para entendermos o mundo de forma objetiva, permitindo confirmar - e refutar - muitas das convicções que antes tínhamos sem que as pudéssemos provar.

Se - como afirmam alguns - a ciência tem vindo a "tentar tirar o lugar a Deus", explicando e atribuindo a fenómenos naturais o que dantes era do foro do maravilhoso e do sagrado, não era senão de esperar que o entusiasmo de uns se tornasse no anátema de outros, tornando o choque inevitável. Esse choque foi interiorizado de formas diversas em diferentes culturas. Em França deu origem a um anticlericalismo feroz, cujos princípios estiveram na génese da Maçonaria Liberal. Na Alemanha e na Inglaterra, por seu lado, esse choque foi mais suave, até porque os seus maiores pensadores e filósofos da época procuravam a harmonia entre a razão e a espiritualidade, e cedo entenderam que há convicções que a ciência não pode provar ou refutar.

De facto, as verdades da fé não são, por definição, demonstráveis. As "provas da existência de Deus" passaram já de moda por isso mesmo. Se algo é demonstrável, então não é precisa a fé para que nos convençamos da sua veracidade: basta a constatação. Por outro lado, se a fé é necessária, então de nada serve tentar-se recorrer à razão, pois esta não está no seu meio. Ora, todas as religiões apresentam, em maior ou menor grau, em maior ou menor quantidade, postulados, axiomas ou dogmas que não podem ser demonstrados nem são passíveis de discussão; se não apresentassem dogmas e apenas se confinassem ao que a razão pode demonstrar não seriam religiões, mas meras disciplinas científicas.

Mais: a maioria das religiões reclama para si a verdade. Não uma verdade, mas a verdade. A maioria afirma mesmo, clara e inequivocamente, deter o "monopólio" da Verdade, da Salvação e do Bem. Não contentes com isso, muitas demonizam, excluem e proscrevem os seguidores de qualquer outra religião. Nos melhores dos casos, aceitam que uma pessoa boa possa, sem culpa própria, estar equivocada, não devendo por isso ser excluída da recompensa que essa religião anuncia estar reservada aos "eleitos", seja esta o Paraíso, o Nirvana, ou qualquer outra designação que se lhe dê.

Ora, se todas as religiões acreditassem nas mesmas coisas, ou se tudo aquilo que afirmassem fosse compatibilizável, poderíamos, no limite, tomar todas essas afirmações por verdadeiras. Contudo, não é o que se verifica. De facto, cada fé, cada religião, cada crença, se distingue das demais precisamente pela singularidade dos seus dogmas. Assim, como seria facilmente demonstrável, é racionalmente impossível que todas estejam certas.

Acolhendo no seu seio crentes de diversas facções e correntes, a maçonaria não poderia privilegiar uma religião em detrimento de outra, sob pena de alienar uns para agradar a outros. Assim, a fé de cada um é, dentro da maçonaria, um assunto pessoal que não se discute em loja. Cada um é livre de depositar a sua fé onde queira, sem que essa mesma fé seja questionada, escrutinada ou contrariada; todas são aceites.

Não quer dizer isto que um maçon, pelo facto de o ser, tenha que aceitar como verdadeiros todos os dogmas de todas as fés e religiões professadas por todos os maçons do mundo; pelo contrário, espera-se de cada maçon que acredite e preste culto de acordo com os preceitos da sua própria fé. Espera-se, por outro lado, que aceite que cada pessoa possa ter um sistema de crenças diferente, e que este possa ser tomado por verdadeiro por cada um que nele acredite, e como tal deva ser respeitado.

A posição da maçonaria é, assim, clara: promove e discute as verdades que a razão pode demonstrar, e respeita sem discutir aquelas que são do foro da fé. Contudo, por ser promotora de uma atitude tida, por um lado, por disruptiva e iconoclasta enquanto promotora da ciência e da razão, e por outro lado por relativista e sincrética em face da multiplicidade de verdades incompatíveis entre si que as diversas religiões professam, a maçonaria tem, desde a sua origem, sido afastada, repudiada e condenada pela maioria dessas mesmas religiões.

Paulo M.

08 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o DEZ



A imagem que encima este texto é a Década pitagórica, a representação gráfica e geométrica do número DEZ. Constitui o desenvolvimento das representações dos três primeiros números: a mónade (que define o ponto), a díade (definidora da linha) e da tríade (definidora da superfície), replicando o triângulo regular desenhado na tríade até ao máximo possível na superfície dos dois círculos gerados pela díade, através do movimento da mónade. Conseguem-se assim inscrever nessa superfície DEZ triângulos regulares.

A década, o último dos números que englobavam os princípios do cosmo, não simbolizava, porém, o fim, antes um ponto de reunião para um novo recomeço, numa viagem sem limites. Os pitagóricos entendiam o DEZ como o símbolo do mundo e dos céus, encerrando o ciclo básico da construção do universo, contido nos números do UM ao DEZ.

Para os pitagóricos, dado que DEZ é igual a UMA vez DUAS vezes CINCO, a década é o resultado da interação da mónade, da díade e da pêntade (ou seja, do Princípio Criador, da dinâmica, da ação, desse princípio e da Vida).

Tal como a mónade, qualquer número multiplicado por DEZ mantém o original, apenas o transportando para um nível mais alto, tornando-o uma versão aumentada de si próprio (UM vezes DEZ = UMA década; DOIS vezes DEZ igual a DUAS décadas; TRÊS vezes DEZ igual a TRÊS décadas, e assim sucessivamente)

Aécio (filósofo grego) escreveu:

DEZ é a verdadeira natureza do número. Todos os gregos e todos os bárbaros contam até DEZ e, chegando ao DEZ, voltam novamente para a unidade. Pitágoras afirma mais uma vez que o poder do número DEZ reside no número QUATRO, a tétrade. Esta é a razão: se começarmos na unidade e somarmos os números sucessivos até QUATRO, obteremos o número DEZ (UM + DOIS + TRÊS + QUATRO = DEZ). E, se ultrapassarmos a tétrade, ultrapassamos também DEZ... De forma que o número que está ao lado da unidade é inerente ao número DEZ, mas potencialmente ao número QUATRO. E, deste modo, os pitagóricos costumam invocar a tétrade no seu juramento de compromisso: "Por aquele que deu à nossa geração a Tetraktys, que contém a fonte e a raiz da natureza eterna..."

Este texto introduz-nos uma variante de representação gráfica da década também utilizada pelos pitagóricos, com um especial relevo na música (recorde-se que, para os pitagóricos, o Universo era constituído na sua essência por números, cujos valores essenciais se relacionavam em perfeita harmonia, como na música, expressão da perfeição da Criação). Essa variante é a tetraktys, abaixo representada.

A tetraktys foi o diagrama para as descobertas pitagóricas na música. Pitágoras fez experiências com fios de diferentes, mas proporcionais, comprimentos, colocados como unindo horizontalmente os pontos representados na figura, fios esses colocados sob a mesma tensão, vindo a descobrir a relação entre o comprimento de um fio a vibrar e a altura do som da nota. A tetraktys contém as razões sinfónicas da harmonia matemática na escala musical: 1:2, a oitava; 2:3, a quinta perfeita; e 3:4, a quarta perfeita.

Os pitagóricos também por esta forma encontraram harmonia nos números, uma harmonia que consideravam (e talvez não erradamente...) refletida na natureza, na arte, na ciência, no som, uma harmonia quiçá misteriosa, seguramente não totalmente compreendida, mas simbólica e indubitavelmente bela.

E quanto à Maçonaria?

Não conheço nenhuma especial relevância, em termos maçónicos, do número DEZ, a exemplo do que sucede com todos os números pares, exceto o primeiro, o DOIS.

Mas, olhando para a tetraktys, reparo que, não sendo ela utilizada pelos maçons, no entanto estes utilizam - e correntemente! - uma versão (muito) simplificada dessa representação gráfica. Usam-na correntemente sempre que utilizam abreviaturas. É uma representação muito simplificada, mas com justificação. Afinal de contas, os maçons, desde a sua iniciação que são confrontados com os significados simbólicos do UM, do DOIS e do TRÊS - e estes três valores podem (todos e cada um) ver-se representados, simplesmente, assim:

Fonte:

O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

01 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o SEIS, o SETE, o OITO e o NOVE


Em relação aos números pitagóricos do SEIS ao NOVE, escasseiam elementos disponíveis nas consultas que fiz, pelo que agrupo os quatro num único texto, com breves referências a cada um deles.

A héxade, representação gráfica do número SEIS segundo os pitagóricos, está representada pela imagem acima. Era chamada pelos pitagóricos "A Perfeição das partes". O SEIS resulta da multiplicação do DOIS (atividade concretizadora do Princípio Criador) pelo TRÊS (a Criação).

Não conheço especial referência maçónica a este número.

A héptade (imagem abaixo) é a representação gráfica do SETE. A designação SETE, segundo os pitagóricos, derivava do verbo grego sebo, que significa "venerar". Septos, em grego, significa "santo, divino".
O SETE resulta da adição do TRÊS (a Criação) com o QUATRO (o Universo), representando assim o resultado do ato divino. O SETE é o número da religião - religar o mundo sensível ao divino.

Em Maçonaria, o SETE é referido em relação ao grau de Mestre. Sem grande desenvolvimento, direi que a simbologia maçónica inerente a este número é herdeira da simbologia pitagórica (não desenvolvo mais, porque a explicação obrigaria a referenciar passagens da Cerimónia de Elevação a Mestre e do catecismo de Mestre, que entendo não dever divulgar).

A representação gráfica do OITO é a ogdóade (nesta imagem, algo rebuscada, mas não encontrei mais simplificada representação de dois quadrados sobrepostos, formando oito "pontas", triângulos).
O OITO representa o primeiro cubo (DOIS elevado ao cubo, ou seja, 2 x 2 x 2). Consequentemente, o OITO divide-se em dois QUATROS , cada um destes em dois DOIS e cada um destes em dois UNS, refazendo-se a original mónade. Os pitagóricos consideravam o OITO a essência do amor, da prudência e da lei.

Nenhuma referência particular conheço na Maçonaria ao número OITO.

Finalmente, o NOVE era representado graficamente pela enéade. O NOVE é o primeiro quadrado de um número ímpar (3 x 3). Ou seja, a Criação ao quadrado. Ou, por outras palavras, o NOVE, para os pitagóricos, simbolizava a MATÉRIA.

Em Maçonaria, também este número tem um significado semelhante, mas adaptado à respetiva simbologia de base. O maçom é um construtor, mas essencialmente um construtor de si próprio, do seu caráter, do seu Templo. O resultado, sempre em evolução, da sua construção é o Homem em aperfeiçoamento, a "matéria" no seu estádio mais nobre. Associado ao grau de Mestre, o NOVE representa a construção do maçom e o júbilo que resulta do êxito dessa construção.

Fontes:

http://www.pucsp.br/pos/edmat/mp/dissertacao/marcos_munhoz_cano.pdf
http://designconsciousness.blogspot.com/2009/01/heptad.html
http://www.sacred-texts.com/eso/sta/sta16.htm

Rui Bandeira

29 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - III


Como vimos, a interpretação direta dos sentidos pode ser muito enganadora. A razão permite-nos, contudo, interpretar aquilo de que nos apercebemos do mundo, e construir acerca do mesmo conjeturas que o tornem mais previsível - aquilo a que chamamos normalmente as "leis da física". Ora, em grego, "φύσης" ("físis") quer dizer, simplesmente, "natureza". As "leis da física" não são senão... as "leis da natureza"!!!

Em ciência as palavras têm significados precisos. "Teoria", "lei" e "hipótese" não significam a mesma coisa. Por exemplo, fora da ciência, pode-se que algo é "apenas uma teoria", ou seja, é pressuposto de que pode ou não ser verdade. Em ciência, uma teoria é uma explicação que é geralmente aceite como sendo  verdadeira.


Uma "hipótese" é uma suposição feita com base na observação. Normalmente, uma hipótese pode ser apoiada ou refutada através da experimentação ou observação. Pode provar-se que uma hipótese é falsa,  mas não pode provar-se que é verdadeira.

Uma "teoria científica" resume uma hipótese ou conjunto de hipóteses que tenham vindo a ser suportadas por   repetidos testes. Uma teoria é válida enquanto não haja uma prova que a refute. Basicamente, se se acumula provas que apoiem uma hipótese, então, a hipótese pode passar a ser aceite enquanto uma boa explicação para um certo fenómeno. Pode dizer-se que uma teoria é uma hipótese cuja veracidade é aceite.

Uma "lei" generaliza um conjunto de observações. No momento em que é elaborada, não há exceções que a refutem. As leis científicas explicam as coisas, mas não as descrevem. Uma forma de distinguir uma lei de uma teoria é questionando se a sua descrição nos dá os meios de explicar "porquê". Por exemplo: através da Lei da Gravidade de Newton podemos prever o comportamento de um objeto que cai, mas não podemos explicar por que é que ele cai.

Como se pode ver, não há "prova" ou absoluta "verdade" na ciência. O mais próximo que temos são factos, que são observações razoavelmente inquestionáveis desde que efetuadas em condições controladas e passíveis de ser reproduzidas. Todavia, em ciência, não se pode demonstrar que nada é verdadeiro, só se pode demonstrar que é falso. Não há "prova" na ciência.


A ideia de que era possível explicar-se os fenómenos naturais apenas com base na observação e interpretação da natureza não foi do agrado de todos. Alguns acreditavam - e muitos acreditam ainda - que o mundo não é passível de ser entendido sem se ter em conta alguma intervenção divina, uma centelha sobrenatural, ou pelo menos algo transcendente e espiritual.

É aqui que entram em campo outras verdades: as chamadas "verdades reveladas" ou, simplesmente, a "fé". A fé é, por definição, contrária à constatação. A partir do momento que algo possa ser demonstrado deixa de ser passível de ser acreditado. A fé só é necessária se não tivermos meios de comprovar aquilo em que acreditamos.

Eu não "acredito" que há uma árvore em frente da minha casa; eu "sei" e "constato" que ela existe, seja através do tacto, seja através da visão, e da troca de experiências com a minha família e vizinhos. No entanto, se me disserem que "há um ninho em cima da árvore" e eu não o tiver visto, passa isso a ser matéria de fé: acredito em quem mo disse. Porém, se for ver a árvore e estiver lá o ninho, deixo de acreditar, e passo a constatar. E se não houver ninho nenhum, constatarei na mesma que... não devia ter acreditado.

Há, todavia, muitas "verdades" mais difíceis de comprovar. Será que o Homem foi mesmo à Lua? Há ainda hoje quem não acredite... como há quem creia que a Terra não é esférica. A estes últimos bastaria uma viagem de avião para se lhes comprovar o errados que estão. Quanto à Lua, seria mais difícil, mas não impossível: aquilo em que acreditam - ou o que refutam - é do âmbito da realidade material.

Mas como se prova a veracidade - ou falsidade - da declaração de alguém que diz ter visto um fantasma? Falado com um espírito? Recebido uma mensagem do Além? Como se refuta - ou prova - que há vida para além da morte? Como se faz prova da existência de Deus - ou do seu contrário? Como se distingue um iluminado de um alienado, um burlão de um profeta, ou um místico de um doente mental?

Como se prova ou refuta uma verdade que não é passível de ser demonstrada pela razão? Todos passámos já por estas questões. A este respeito a Maçonaria tem uma resposta clara: não se prova, não se refuta, e, acima de tudo, não se discute.

Paulo M.

Fontes

25 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o CINCO

A partir do ponto do UM e da linha do DOIS emergiu a superfície do triângulo regular do TRÊS e depois o volume da pirâmide quadrangular, de base quadrada, do QUATRO. Com a pêntade, acima representada, os pitagóricos representaram o CINCO. O CINCO não é representado por uma forma geométrica regular clássica, antes por uma forma complexa (uma estrela de cinco pontas inscrita num pentágono regular, por sua vez inscrito num círculo, o qual está inscrito na vesica piscis). A representação gráfica do CINCO abandona a sequência lógica que verificámos anteriormente. Do ponto nasceu a reta, desta a superfície e desta o volume. Mas a pêntade, ou pentagrama estrelado, não parte de nenhum ponto central, nem da reta da díade ou do triângulo da tríade e muito menos da pirâmide da tétrade. A pêntade quebra com a sequência lógica. No entanto, olhando para o símbolo, temos uma sensação de harmonia, de que este símbolo evolui logicamente dos anteriores, embora nos escape essa lógica...

A resposta a esta perplexidade encontra-se se não esquecermos e tivermos presente que os pitagóricos encaram os números como a essência de tudo o que existe. O UM (a mónade, o ponto) é a essência do Princípio Criador; o DOIS (a díade, a linha) é a essência da atividade concretizadora do Princípio Criador; o TRÊS (a tríade, o triângulo regular, a superfície) a essência do resultado da união do Principio Criador e da sua atividade, a Criação; o QUATRO (a tétrade, o quadrado, o volume da pirâmide quadrangular de base quadrada) é a essência do resultado do ato da Criação, o Universo. O CINCO (a pêntade, o pentagrama estrelado) é a essência de quê? Basta pensarmos um pouco para vermos claramente a sequência lógica, o que se segue: a Vida!

A Vida é complexa, ilógica, imprevisível; no entanto, profundamente lógica e harmónica. É bela como o pentagrama estrelado, complexa como a sua emergência geométrica, livre, nascendo fora dos cânones antecedentes, singularmente harmónica como a imagem da pêntade.

O CINCO pitagórico simboliza a VIDA, passo seguinte após a Criação do Universo.

Na Natureza, o pentagrama estrelado aparece por toda a parte: repare-se na estrela-do-mar; na disposição das sementes no interior de uma maçã. O valor CINCO aparece também com frequência na Natureza, desde as simples cinco pétalas de uma flor à quantidade de dedos que temos em cada mão e em cada pé e ao número dos nossos sentidos.

Na Antiguidade, a pêntade era reverenciada e a sua construção geométrica mantida secreta (o hábito do secretismo vem de longe...). Os pitagóricos usaram a pêntade como um sinal secreto para se reconhecerem uns aos outros (onde é que eu também já vi isto...?). A construção desta forma geométrica foi mantida secreta e oralmente transmitida muito depois de a Escola Pitagórica ter desaparecido: as guildas de artesãos que usavam o seu simbolismo nas catedrais góticas não escreviam acerca dela. O método de construção do pentagrama estrelado só veio a ser publicamente revelado a artistas e filósofos pelo professor de Leonardo da Vinci, Luca Pacioli, no seu livro Divina proportione.

A Maçonaria herdou diretamente esta simbologia da pêntade e aplica-a particularmente no grau de Companheiro, o tempo em que o maçom se deve especialmente dedicar ao estudo da Natureza e sua leis, de tudo o que é construído, de tudo o que o homem aprendeu. Em Maçonaria, o CINCO é assim associado ao Companheiro maçom.

Fonte:

O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

22 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - II


Como vimos, os nossos sentidos ficam postos em causa, não podendo ser considerados fonte inquestionável de verdade. Não podem ser a única fonte de validação daquilo que tomamos por certo, nem nos permitem, por sim mesmos, saber se aquilo de que estamos convictos é, de facto, verdade. Mas o que é a verdade? Haverá uma verdade, ou muitas verdades? Dizem algumas filosofias orientais que "A verdade é uma, as perceções são muitas". Mas poderemos nós saber qual é a "verdade verdadeira"?

O conceito de "verdade" não é universal, ainda hoje sendo debatido. Os pensadores da antiguidade clássica, como Sócrates, Platão e Aristóteles, consideravam ser a "verdade" a correspondência entre ideias (ou pensamentos) e coisas (ou objetos). Se a ideia correspondia à coisa, a ideia era verdadeira. A perceção da essência da coisa não era questionada; confiava-se nos sentidos. Este pensamento foi o dominante até ao século XIII, em que Tomás de Aquino afirmava ser "a verdade é a (ad)equação entre as coisas e o intelecto", e que "Um juízo é verdadeiro quanto está conforme com uma realidade exterior". A verdade era atingida, nesta perspetiva, sempre que se fazia corresponder à realidade objetiva uma representação em pensamentos, palavras ou outros símbolos.

Todavia, a expressão verbal não é inteiramente inequívoca. As línguas não são absolutamente tradutíveis entre si; há conceitos que se perdem sempre que se procura exprimir certa ideia numa língua distinta que   não possua, no que concerne certa palavra, o mesmo campo semântico.  Essas palavras "difíceis" são aquelas que, por essa mesma razão, tendem a surgir na sua expressão original nos textos traduzidos. A razão é simples: conceitos subtis ou extremamente complexos podem carecer de uma extrema precisão para que sejam adequadamente expressos, transmitidos e entendidos, e a linguagem pode ser - e frequentemente é - um obstáculo a esse processo.


O Universo era ainda visto como algo de abarcável pela mente humana, como algo de belo, coerente e consistente; como um enorme relógio tiquetaqueando com persistência a sua quase infinita complexidade, mas sempre confinado a certas regras, a certa regularidade, a certa previsibilidade. A própria mente humana era vista como um maravilhoso micro-cosmo, pois que se era capaz de abarcar o Universo, devia ser ela mesma imensamente complexa. Conhecer a verdade consistia, assim, apenas na questão de se construir um sistema lógico-matemático formalmente coerente e consistente com o qual se estabelecesse uma correspondência com o Universo físico.

Note-se que está implícita uma premissa ainda nunca provada, em nenhum lado demonstrada: que o Universo físico se rege por leis matematicamente exprimíveis. O que nos parece hoje claro e evidente foi absolutamente revolucionário no seu tempo, e constituiu a base da Ciência: que a Natureza não é caprichosa, nem as suas forças decorrem dos caprichos dos deuses do Panteão, mas antes é passível de ser medida, racionalizada, entendida, prevista e reproduzida de acordo com regras (muitas vezes simples) numéricas, quantitativas, objetivas. É esta uma das mais fantásticas coincidências, e vista por muitos cientistas crentes como a verdadeira "marca do Criador": o termos um mundo que podemos descobrir, entender, e mesmo inferir sem nunca ter visto, por haver esta correspondência entre a Matemática e a Física, que funciona nos dois sentidos: há descobertas da física que obrigam à criação de novas linguagens matemáticas para as poder exprimir; e sucede descobrir-se que o que se julgava serem puras elucubrações da matemática pura conhecidas há décadas explica na perfeição uma qualquer nova descoberta do mundo da física.

Esta correspondência é, porém, frágil. Por um lado, não há nenhuma "prova" de que o mundo se reja sempre por leis matematicamente exprimíveis. Por outro lado, a matemática e a lógica - antes consideradas edifícios inexpugnáveis de racionalidade e consistência - vieram a revelar - de forma demonstrável - que algumas verdades matemáticas seriam sempre indemonstráveis, não deixando de ser verdadeiras; e que havia paradoxos - verdadeiro anátema num sistema lógico - que não podiam ser ultrapassados. Não sabemos, ainda, as consequências que estas descobertas matemáticas virão a refletir na física, mas é fascinante imaginar que aparentes incongruências físicas se venham a descobrir nos locais onde descobrimos as incongruências matemáticas.


Recapitulemos então: os nossos sentidos, para além de incompletos, são imperfeitos. A nossa visão só se apercebe de um estreitíssimo espetro eletromagnético a que chamamos "luz visível"; só conseguimos aperceber-nos de certos sons cuja intensidade ultrapasse um certo limiar; e há muitas coisas no mundo de que não nos apercebemos de todo. Por outro lado, o nosso cérebro pode interpretar de forma inadequada os estímulos que recebe nos nossos órgãos sensoriais. As ilusões de ótica são um exemplo clássico, bem como o exemplo do efeito McGurk. A razão na sua manifestação mais objetiva - a matemática e a lógica - vêm a revelar-se igualmente incapazes de constituir sistemas absolutamente coerentes e à prova de quaisquer ataques. Por fim, quando queremos transmitir aquilo de que nos inteirámos sobre o mundo que nos rodeia, não somos capazes de o fazer senão através de meios igualmente imperfeitos e passíveis de introdução de novas imprecisões, novas discrepâncias e novos erros, decorrentes do recurso a linguagens e a símbolos.

Cientes destas limitações, surgem novas ideias em torno do conceito de verdade. Surge, por exemplo, a ideia de que a "verdade" é algo de construído, decorrente de cada contexto histórico, social e cultural, refletindo somente as convenções interpretativas dominantes em cada um desses contextos. Ou a ideia de que a verdade é passível de plebiscito ou a consenso, correspondendo a visão "verdadeira" àquela com que todos - ou aqueles que estão em maioria - concordam. Esta interpretação levou a que chegasse a haver tentativas de decretar novos valores para o "pi" e para a raiz quadrada de 2 - felizmente postas de parte.

Hoje em dia a "verdade", numa perspetiva quer pragmática quer científica, é considerada algo de incompleto, parcial e falível. É um limite para que se tende, algo de que nos conseguimos aproximar, mas sempre sob escrutínio, continuamente posta em causa, e passível de vir a ser contrariada e substituída por uma "verdade mais verdadeira". Perdida pelo caminho fica a inocência da busca da "verdade objetiva", da "verdade absoluta", e a ilusão de se poder conhecer as coisas tais como elas são.

Paulo M.

Fontes:
http://en.wikipedia.org/wiki/Truth

18 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o QUATRO


A representação gráfica do QUATRO, a tétrade, a forma geométrica que, segundo os pitagóricos, representa este número, obtém-se pela forma ilustrada pela imagem que encima este texto.

Recordemos que o UM (que determina o ponto) e o DOIS (que determina a linha) são facetas do Princípio Criador, aquele estático, potencial, este dinâmico, a concretização da potência original, e que os pitagóricos entendiam que estes dois números eram os progenitores de todos os demais números básicos (até DEZ). O "filho" primogénito era o TRÊS, que determina o triângulo equilátero, primeiro polígono regular. O QUATRO determina o quadrado.

A forma mais simples de o desenhar, partindo doa intersecção dos dois círculos (a vesica piscis) é traçar uma linha horizontal unindo os centros dos dois círculos (figura do DOIS) e uma linha vertical ligando os dois pontos de interseção dos dois círculos. Seguidamente, com centro no ponto de interseção destas duas linhas, traça~se um círculo unindo os dois centros dos dois círculos iniciais. Finalmente, ligam-se os quatro pontos de interseção entre o círculo menor e as linhas horizontal e vertical previamente traçadas, desenhando-se um quadrado perfeito, inscrito nesse círculo menor.

QUATRO é o primeiro número formado, quer pela adição, quer pela multiplicação de iguais (DOIS mais DOIS e também DOIS vezes DOIS). Assim, os pitagóricos consideravam o QUATRO o primeiro número par e o primeiro número "feminino". O quadrado de lado par, segundo eles, representava a Justiça, pois é o primeiro número divisível de qualquer maneira em partes iguais (Quatro é igual a DOIS mais DOIS e também a UM mais Um mais Um mais UM).

Mas, se observarmos com atenção a imagem, vemos que o quadrado, combinado com os dois segmentos de reta que o cruzam diagonalmente, nos dão a perceção de volume, figurando uma pirâmide quadrangular. O QUATRO, para os pitagóricos, prossegue a evolução dos conceitos geométricos, espelho da Criação: ponto, linha, superfície, agora volume. Neste sentido, o QUATRO pitagórico representa o Universo resultante do ato criador, que tudo conteve, contém e irá conter.

Em termos de Maçonaria, não conheço qualquer referência particular ao número QUATRO. Porventura pela complexidade doa sua representação gráfica, pela reduzida relevância do quadrado na simbologia maçónica ou pela simbologia "feminina"atribuída pelos pitagóricos ao QUATRO, este valor não mereceu particular interesse na Maçonaria.

Na minha opinião, este facto (que se repetirá em relação a outros dos números básicos dos pitagóricos) não afasta - e, mesmo, corrobora - a tese que venho explanando de que os ensinamentos maçónicos, no que toca aos números, derivam e são uma corruptela da filosofia pitagórica. Mas reconheço que, à míngua de comprovação documental histórica, esta tese vale o que vale. Pode ser bene trovata, mas não tenho meios nem conhecimentos bastantes para poder provar ser vera...

Fonte:
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

15 maio 2011

Perceção, verdade e tolerância - I


Como sabemos nós que os nossos sentidos não nos mentem? Como podemos validar se a nossa perceção dos acontecimentos e do mundo é igual à dos outros perante a mesma realidade? Poderemos confiar nas conclusões que decorrem daquilo que os nossos sentidos nos indicam? Em caso de discrepância de interpretação, poderemos saber onde está a verdade? Haverá uma verdade absoluta e objetiva, ou tudo é relativo e subjetivo? E o que é que isto tem que ver com Maçonaria?

O mundo - a realidade que nos é exterior - não pode ser diretamente apercebido pelo nosso cérebro. Este tem que valer-se dos nossos sentidos para se aperceber das características das coisas. Dizem os empiristas que é "ver para crer". Mas será assim? Lá porque eu vejo o céu e digo que é azul, e a pessoa ao meu lado também o vê e diz que é azul, como posso eu saber que a perceção que ela tem da cor é a mesma que a minha? Como sei que ela não vê o céu vermelho, ou verde - e lhe chama "azul" porque aprendeu que aquela cor se chama "azul"? De facto, é algo de muito difícil - para não dizer impossível - de se aferir.

Os nossos sentidos são as janelas que o nosso cérebro tem para o mundo. Através dos sentidos temos a perceção de como o mundo é. Mas será que os nossos sentidos nos dizem a verdade, ou será que nos enganam? Como podemos saber se algo é verdadeiro? Será o céu verdadeiramente azul?

A perceção não pode ser dissociada da interpretação. Não  somo capazes de "ver" apenas, sem interpretar o que vemos, e o que fixamos não é senão a interpretação que fazemos daquilo de que nos apercebemos. Não somos máquinas de filmar; não é assim que funciona o nosso cérebro. Os nossos sentidos não são confiáveis enquanto fonte de verdade. Vejamos um exemplo. Se virmos alguém dizer "ba - ba - ba" e olharmos para a sua boca, um dos sentidos reforça o outro. O nosso cérebro "ouve" o "ba - ba - ba". Mas se, a certa altura, a imagem passar a ser a de uma pessoa que diz "fa - fa - fa", e o som se mantiver? O que acontece?

Sem experimentar, podemos especular que ouviremos "ba - ba - ba" e notaremos que a pessoa está a fazer um movimento de boca que não corresponde ao som que ouvimos. Mas não é isso que acontece. Incrivelmente, passamos a ouvir "fa - fa - fa". E, se fecharmos os olhos, ouvimos "ba - ba - ba". Não acreditam? Vejam aqui.

Imaginemo-nos em tribunal a testemunhar o que ouvimos. "Mas ouviu mesmo o réu dizer fa-fa-fa?", e juraremos, por tudo o que é mais sagrado, que sim, e o nosso testemunho condená-lo-á. Mas onde fica a verdade no meio de tudo isto? Perguntemos a uma centena de pessoas que assistiram ao acontecimento. Todas dirão: "Sim, ele disse fa-fa-fa." Todas, menos uma. Será um mentiroso? Não, apenas um cego, cujo cérebro não foi iludido pela inconsistência entre os dois sentidos. Na sua limitação, apercebeu-se da realidade melhor do que aqueles que julgavam ver a luz.

Paulo M.

Fontes:
http://donn.wordpress.com/2003/10/07/truth/
http://www.youtube.com/watch?v=G-lN8vWm3m0
http://taoism.about.com/b/2009/08/24/truth-perception.htm