01 junho 2009

+ Lusofonia ...

Já confessei aqui (e noutros locais...) que sou um apanhadinho por África.
Pela África continental tanto como pela insular.


Hoje dei de caras com um artigo escrito por pessoal amigo e fixe de Cabo Verde, e embora não tenha qualquer relação direta com Maçonaria não deixa de ter o maior interesse para nós (na minha modestíssima opinião) na medida em que tudo o que significa relacionamento com "portugueses de outras nacionalidades", o seu bem-estar e a convivência fraternal que é mantida tem o maior significado para nós.
Ao fim e ao cabo falamos de uma outra "Irmandade", provavelmente não tão vasta, mas certamente com laços universais também.

E Cabo Verde faz bem a transição entre a África profunda e a Europa. Nas suas cidades espalhadas pelas ilhas Cabo-Verdeanas encontramos a África mais tipicamente africana para logo depois, é só saltar de ilha, entrarmos em cidade que só não está na Europa porque o Atlântico se meteu de permeio.

Mas o nacionalismo sentido dos Cabo-Verdianos não interfere, em nada, com o amor por Portugal e pelos portugueses. Pelo menos no que se refere aqueles que eu conheço.
Transporto então para aqui um artigo publicado no "Expresso das Ilhas" de Cabo Verde referente a um encontro que aconteceu no Porto.

A «constituição da diáspora», a «cidadania democrática», o associativismo emigrante, o semipresidencialismo fraco e a participação política dos não residentes: a propósito de uma agradável estada na Invicta

1. Voltamos a um tema que, há cerca de mês e meio, mereceu a nossa atenção neste mesmo espaço: o da participação na vida do país de origem das nossas comunidades emigradas ou, de uma forma geral, dos nacionais não residentes. Fazemo-lo depois de uma experiência muito gratificante num encontro com cabo-verdianos na cidade do Porto, a convite de uma muito empreendedora Associação cabo-verdiana do Norte de Portugal, dirigida por Martinho Ramos.
Desde logo, surpreenderam-nos a capacidade organizativa e de mobilização da Associação – com o apoio de outros grupos, como o Clube dos Estudantes Africanos - , a par de impressionantes vitalidade e vontade de participar nos assuntos que dizem respeito ao país de origem. O que favorece uma forte ligação a Cabo Verde, aos seus problemas de desenvolvimento, à actividade das instituições e responsáveis políticos, às minudências do viver crioulo nas ilhas, sem esquecer – o que é deveras expressão inequívoca de uma alma cabo-verdiana imensa, de uma comum mátria quiçá congenitamente (ou quase) avessa a amarras territoriais – uma funda e, portanto, indelével marca cultural autónoma.

2. Para além de ilustres convidados da comunidade académica do Porto e de autoridades municipais e consulares (estas, em representação dos países africanos de língua portuguesa), uma plateia constituída por cerca de duas centenas de estudantes, dirigentes associativos, académicos e quadros superiores originários de Cabo Verde pôde dialogar connosco sobre a temática que nos foi sugerido abordar, qual seja a do quadro constitucional das comunidades no exterior, em particular no que toca à participação política em Cabo Verde.

3. Quadro constitucional – o nosso -, diga-se, bem mais tributário, na regulação que faz, de um país de diásporas, do que muitos outros países de emigração ( por exemplo, Portugal), atravessado por uma concepção abrangente e alargada de cidadania, que parece até normativizar o que IOLANDA ÉVORA chamou a criação de «metáforas nacionais», através da constituição de uma cultura nacional sem fronteiras e de uma identidade cultural como sinónimo de identidade nacional [«… Na formação de um Estado-nação para além das fronteiras territoriais, procura-se o reforço do prolongamento dos elos entre o «eu» do emigrante e a nação num espaço mais alargado do que aquele fornecido pelos limites insulares; torna-se necessário garantir o duplo reconhecimento entre emigrantes/imigrantes e o Estado cabo-verdiano…»].
Assim se explica que, por exemplo, se tenha constitucionalizado a participação dos não residentes nas eleições legislativas e presidenciais; que os cidadãos cabo-verdianos havidos também como cidadãos de outros Estados não percam, por esse facto, a capacidade eleitoral activa [ como diz um reputado jurista luso, OLIVEIRA ASCENSÃO, o Estado de origem não é prejudicado pelo facto de os seus nacionais exercerem direitos políticos no Estado de destino. Pelo contrário, a duplicação de direitos é a projecção natural da dupla integração em que os emigrantes se encontram»].
Poderia, assim, dizer-se, seguramente com alguma propriedade, que uma tal evolução (da cidadania, do seu teor ou exigência) corresponde de alguma forma à evolução da visão do Direito, do Estado e da Constituição que vai, no nosso caso, do nacionalismo revolucionário à irrupção da democracia e no que se lhe segue. De uma cidadania, ao fim e ao cabo, acantonada numa dimensão jurídico-formal e consubstanciada numa ideia de pertença a um estado soberano e pela via do substrato político-ideológico daquele, a uma determinada perspectiva de identidade, melhor, leitura de «identidade» nacional (uma nação soberana com um destino ligado à África) a uma dimensão cidadã que acentua a componente individualista-liberal de matriz setecentista e, sobremaneira, a de participação. Diríamos, uma noção de cidadania que afina pelo diapasão do cosmopolitismo, que, designadamente, permite a compatibilização do ser cabo-verdiano com a titularidade de múltiplas nacionalidades.

4. Falou-se (e discutiu-se) sobre a dimensão da participação dos não residentes nas eleições nacionais em Cabo Verde, das dificuldades e dos condicionalismos a uma mais forte participação, verificando-se – se compararmos as eleições e 2001 e as de 2006, seja nas legislativas, seja nas presidenciais – um crescimento de recenseados e de votantes, em números absolutos, mas igualmente um aumento da abstenção
[1]. Falou-se (e discutiu-se) sobre a revisão constitucional em curso, particularmente no que se refere à diáspora, salientando-se a possibilidade de remoção (o que mereceu o nosso acordo, aliás, vindo já de alguns anos e manifestado em escritos diversos) ou não da regra constitucional vigente que limita apenas[2] – numa fórmula discutível do ponto de vista do princípio da igualdade do voto – o impacto do voto dos emigrantes, desde que ultrapassem um quinto dos votos apurados no território nacional (art.º112.º, n.º 2).

5. Abordou-se, de forma particular, a participação nas eleições presidenciais, salientando-se o facto de nenhuma outra eleição justificar tanto a participação de todos os cidadãos, tendo sobremaneira em consideração o sistema de governo vigente (o famigerado semipresidencialismo fraco, que, por sinal, vimos advogando, de forma notória e convicta, inclusivamente em escritos de cariz académico, para quem esteja atento e não tenha a memória enfraquecida ou dominada por fantasmas, desde os primeiros momentos da Constituinte, em 1992), os poderes presidenciais e as funções essenciais de representação, de unidade e de influência política e moral que cabem ao Chefe de Estado, pois fica irremediavelmente mitigado o argumento segundo o qual se corria o «risco» de os não residentes decidirem a sorte do país e não sofrerem as consequências das opções de política adoptadas («não parece justo que sejam pessoas nessas condições – que directamente não sofrerão as consequências da escolha – a determiná-la, impondo-a aos cidadãos residentes no país, esses, sim, directamente afectados por ela» - diz-se).

5. Falou-se (e discutiu-se), enfim, sobre uma hipotética (futura) participação em eleições municipais, na integração social e cultural nos países de residência, a dimensão, a natureza e a suficiência (ou não) das instituições existentes – ao nível do Estado e da administração pública cabo-verdiana, incluindo das que estão sediadas nos estados de acolhimento – e até das vantagens da participação política nos países de acolhimento. Falou-se e discutiu-se com interesse vivo, com paixão muitas vezes, amiúde na base de pressupostos indemonstrados ou falsos, mas, diga-se também, com elevação e respeito pela diferença (não é assim, Silas Leite e Iolando?).

6. Concluiu-se que, se somos realmente diáspora, temos de ser uma diáspora de cidadãos.
Rematámos que (nosso entendimento) o quadro de participação política deve apenas estar condicionado pela regra da incompatibilidade com a ausência do território nacional. Mas a exigência de realização de uma diáspora de cidadãos, a imposição (constitucionalizada) de uma noção de cidadania que não tem como critério as fronteiras físicas do Estado mas que ainda se mantém e alarga aos que mantêm até outra nacionalidade (a do estado de residência) – o «re-significar o ser cabo–verdiano» (IOLANDA ÉVORA) - implica que seja excepção o limite à participação e, não, a regra. Tudo deve ser, pois, feito, para que se reduzam as dificuldades de realização dos princípios fundamentais de um processo eleitoral genuíno, transparente e justo, de forma a garantir, nomeadamente, a seriedade do voto.

7. Bem, houve depois o porto de honra, o convívio generalizado, as perguntas menos discretas, as respostas diplomáticas por vezes, as confidências e as queixas, as mantenhas e a sessão das batucadeiras-estudantes a criar um ambiente de comunhão e de festa, a desaguar no jantar e sarau musical em Gondomar, na demonstração da capacidade de intervenção e de diplomacia dos nosso anfitriões, o Martin, o Keita, o Marco, o Garcia, a Betânia, a Edna, o Mariano, o Caló, a Filomena Paiva e tantos outros que agora recordo com amizade e a quem dedico esta crónica singela e prazenteira.

PS: Meu caro Ludgero, essa cuidada e singelíssima arrumação que fez da direita e da esquerda, francamente… achei piada. Mas fica para depois, que a redacção já não espera mais.jcafa@yahoo.com/jcfonseca@cvtelecom.cv

[1] Nas legislativas de 22 de Janeiro de 2006, num horizonte de 51.602 eleitores (muito longe da realidade demográfica da nossa emigração - 15,97% do total de eleitores), só exerceram o seu direito de voto 11.270 eleitores, o que equivale a uma taxa de abstenção de 78,16%, superior à de 14 de Janeiro de 2001 que era de 73,01% (No total de 28.004 eleitores só votaram 7558). Nas Presidenciais de 12 de Fevereiro de 2006, num total de 51.534 eleitores, votaram 11.344, correspondendo a 77,99% de abstenção, quando em 2001 ela tinha sido de 67,3% (No total de 28.004 eleitores votaram 9157).
[2] Ela não condiciona a participação dos emigrantes nas eleições presidenciais, como o faz, por exemplo, a Constituição portuguesa segundo a qual: «a lei regula… devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional». A ideia de «comunidade nacional», como é formulada na CRP, não é a histórica e culturalmente ligada à existência da diáspora cabo-verdiana; a CRCV parece sufragar não uma noção territorial mas cultural de comunidade nacional.

Agradeço ao "Djibla", Amigão, cidadão cabo-verdiano, ex-campião nacional (português) de ténis de mesa, que me recebeu como um príncipe quando o visitei, as notícias que me vai mandando de S.Vicente.

Aquela "Baía das Gatas"... aquela "Baía das Gatas" é um pedaço único de mundo !!!

Mas não está só, não... Parece contradição mas não é, há por lá mais... pedaços únicos de mundo. Eu vi !

JPSetúbal

29 maio 2009

A Corrida

Ora bem, cá estamos em véspera de fim de semana.
Aqui Vos deixo um vídeo para meditar.
É bom que haja quem fixe estas imagens e as apresente a público para as vermos. Só não sei se são vistas por quem mais precisaria de as ver... mas isso é outra "guerra".
No dia em que os homens percebam que não existem para passar rasteiras uns aos outros mas antes, para se apoiarem e salvarem, teremos todos ultrapassado a crise.

A verdadeira, claro !



Gabriel Garcia Marquez - Aprendi que um homem só tem direito a olhar outro de cima para baixo, quando vai ajudá-lo a levantar-se.

Bom fim de semana

JPSetúbal

28 maio 2009

Maçonaria Entreaberta - III

Maçonaria Entreaberta - 3ª e ultima parte


Caso não se atinja essa dimensão, estarão sempre os maçons dominados pelas suas paixões visando objectivos materiais sem projecção espiritual... serão perfeccionistas do ritual, serão grandes doadores para obras de caridade, serão impecáveis nos seus atavios, medalhas, cordões e condecorações, mas pouco terão contribuído para o verdadeiro despertar das suas consciências, ou das dos outros. Pouco poderão contribuir, se a tão pouco se limitarem, a favorecer que a sociedade venha a ser de facto melhor.
Para se chegar a um tal nível, é necessário que tenhamos a visão das três idades que todos atravessamos: a do Pai ou da dependência, a do Eu, ou egocêntrica, e a do Nós ou da solidariedade.
Isto é, o ser humano quando nasce, e quantas vezes até morrer, nunca passa da fase inicial de dependência ou subordinação, primeiro dos pais ou do pai, depois dos professores ou tutores, depois dos amigos, dos patrões, dos leaders, enfim de quem não o permite ser livre por si próprio.
Outros há, que ultrapassam esta fase, entram na do Eu, egocêntrica e competitiva, normalmente com aspectos estimulantes de realização pessoal e profissional em função de metas materiais, atingindo quantas vezes os chamados padrões de sucesso e de convergência europeus, de felicidade e qualidade de vida, mas quantas vezes espezinhando os que encontram no seu caminho.
Não são todos, aqueles que conseguem ascender à terceira fase, a do Nós. A da solidariedade, que pressupõe responsabilidade social, sublimação de interesses materiais, conciliação entre objectivos individuais legítimos, e objectivos de interesse colectivo. Na fase do Nós, a espiritualidade é consequente, é actuante, e não apenas um rictus exterior para salvar aparências, ou apaziguar temores do desconhecido.
O momento da iniciação deveria ser, para aqueles que ainda não atingiram o terceiro degrau das suas vidas, o primeiro degrau de subida a esse nível de consciência, o verdadeiro primeiro dia do resto da suas vidas... A iniciação deveria ser sempre uma porta, um porta mais larga, com mais luz para o Nós, para consciência dos valores universais e espirituais milenários, que a Maçonaria regular representa.
A partir daqui, abre-se ao maçon regular, um caminho... ele aprenderá a comunicar pela palavra, e desde logo pelo juramento; ele aprofundará a capacidade de comunicar pelo gesto, e desde logo pelo colocar-se à ordem de aprendiz; enfim ele conseguirá com a ajuda dos seus irmãos aprender a comunicar pela mente, desde logo, pela primeira vez que se encontre numa cadeia de união.
Assim, ascenderá triplamente, oralmente, gestualmente e mentalmente, a uma nova forma de conhecimento, de si próprio, e dos outros, que como ele iniciados, passará a reconhecer e a tratar por Irmãos.
Se aqueles, que estiveram com a Grande Loja Regular até aos infaustos acontecimentos de 7 de Dezembro e depois a decidiram abandonar, tivessem mais cultura maçónica, se estivessem todos na fase do Nós, se tivessem ultrapassado as fases do Pai, e do egocentrismo do Eu, se já soubessem comunicar não só pela palavra, pelo gesto, mas também pela mente, não teriam afrontado a Maçonaria como o fizeram.
Não teriam eles sido, sim como foram, as vítimas da sua insaciável sanha anti espiritual, porque deixaram prevalecer as suas mesquinhas motivações profanas de interesses de poder material, sobre a responsabilidade do dever maçónico, que não compreenderam, que renegaram e que abandonaram.
Durante a crise aliás, verificou-se a simpatia senão mesmo a adesão aos valores da maçonaria universal pela reacção positiva de vários sectores da sociedade civil, e por uma opinião pública mais conhecedora dos fenómenos iniciáticos. Cedo se compreendeu, pela exposição à comunicação social, que o conflito tinha por génese a purificação da Maçonaria regular, de desvios que a viciavam, contrariando a sua abertura legítima ao mundo profano.
Os ex-maçons, que pelo uso da força e da mentira, violaram a lei civil e a tradição maçónica cometeram em auto-autópsia, um autêntico suicídio maçónico.
Ficou pois, finalmente claro depois da crise da maçonaria regular, quem ficou do lado da legalidade, da moralidade, da regularidade. Enfim, quem é Maçon...
Hoje, sem qualquer dúvida, a nível nacional ou internacional, a Maçonaria regular e universal está representada em Portugal pela Grande Loja Regular de Portugal, designação da assembleia geral da associação cultural sem fins lucrativos, constituída notarialmente segundo a lei portuguesa, sob a denominação de Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.
A Grande Loja, que prosseguiu sem soluções de descontinuidade a sua actividade, congrega múltiplas lojas em todo o País, e mantém relações fraternas com a larga maioria das obediências maçónicas estrangeiras que integram a maçonaria universal, e continua a sua actividade ritual e espiritual, como é dos landmarks, no respeito das leis democráticas portuguesas, das suas autoridades legítimas, da moral social, e da Tradição ancestral maçónica universal.
A Maçonaria regular tem em Portugal, como tem em todo o mundo, um amplo horizonte de serviços a prestar à sociedade em que se insere, e à Humanidade em geral, pois os maçons, na vida profana, e pelo seu exemplo, devem constituir valores seguros de referência.
Devem os maçons envolver-se individualmente, que não em nome da Maçonaria, em projectos sociais, culturais, científicos, económicos e de solidariedade que sob o ângulo da responsabilidade e exigências de profissionalismo e justiça social contribuam para o avanço espiritual da sociedade.
A Sociedade, a Humanidade, só progride se conseguirem condições generalizadas de Paz, de Harmonia, de Fraternidade, de Solidariedade e de Tolerância entre aqueles que partilhem destes valores. As sociedades e a Humanidade serão tanto mais justas quanto menos excluídos sociais houver... só que a exclusão e a marginalidade social não afecta só os pobres de bens materiais, afecta, e de que maneira, os pobres de espírito.
Cabe em geral aos homens de boa vontade, e em especial aos maçons regulares, entre outros iniciados, tudo fazerem para que o advento do III milénio represente um efectivo progresso para a condição humana, para que cada vez haja menos excluídos de um processo de espiritualidade ascendente à compreensão do nosso destino críptico.
Apela-se pois a todos os que lerem estas linhas, Homens de Boa Vontade, e Meus Irmãos:
Confiemos no Grande Arquitecto do Universo, prossigamos a obra infindável do despertar das consciências, sejamos todos melhores num mundo que só assim melhorará, pela generalização da prática dos valores espirituais universais. A porta da Maçonaria fica pois, mais uma vez, entreaberta.....a todos Nós....em particular, aos que têm os pés na terra, a cabeça no céu, e o coração com o dos outros...
Luis Nandim de Carvalho - 1997
Editado por
José Ruah

27 maio 2009

Maçonaria Entreaberta - II

Maçonaria Entreaberta - 2ª parte

Cabe recordar o conceito de seita como foi definido recentemente pelo Parlamento francês , e que identifica "grupos que visam, mediante manobras de desestabilização psicológica, obter a adesão incondicional dos adeptos, a diminuição do seu espírito crítico, a ruptura com as referências comummente aceites (éticas, cientificas, cívicas, educacionais)...estes grupos utilizam coberturas filosóficas, religiosas ou terapêuticas para dissimular os objectivos de poder, submissão e exploração dos adeptos".

Neste conceito de seitas, aparecem como elementos caracterizadores e indiciadores da existência da marginalidade do grupo, os atentados ou ameaças à integridade física... o discurso com características anti-sociais... perturbações da ordem pública... tentativas de infiltração dos poderes públicos... etc.
Nada disto tem a ver com maçonaria, nem com religião. Exemplos de seita antimaçónica temos historicamente em Itália a loja P2 (propaganda due). Desde logo antimaçónica, porque secreta, porque não realizando iniciações, por ausência completa de observância dos landmarks, por não reunir regularmente, não cumprir com constituições ou regulamentos maçónicos, por ter objectivos materialistas e ilegais.
Os maçons regulares devem reunir-se em lojas regulares, exclusivamente masculinas, que estão congregadas institucionalmente em Grandes Lojas, ou mesmo Grandes Orientes que globalmente trabalham à glória do Grande Arquitecto do Universo. Não é possível entender-se na Maçonaria Universal a existência de Lojas regulares que o não sejam pela legitimação da transmissão da regularidade, e acrescente-se, pela manutenção, dos "standards" dessa regularidade, fixados nos "landmarks".
Para os regulares também não é pois possível a existência de lojas regulares autónomas - estas serão lojas selvagens, não reconhecidas pela comunidade maçónica universal. Mas também não é possível, existirem dentro da mesma Grande Loja ou Grande Oriente, se pretender obter o reconhecimento internacional, lojas a funcionarem regularmente de acordo com a Tradição, e lojas irregulares a funcionarem liberalmente, isto é sem aceitação unânime do landmark da crença no Grande Arquitecto do Universo.
Neste quadro o que é possível então?
Os maçons regulares consideram que a Maçonaria, como substantivo, só pode ter uma acepção que é a do sentido de uma organização masculina, iniciática deísta e simbólica. Não se reclamam do exclusivismo esotérico nem do exclusivismo iniciático que reconhecem poder existir em outras organizações. De facto, o termo maçonaria como adjectivo, tem sido usado para qualificar outras organizações de base humanista e que pretendem por uma via iniciática substituída (não a sagrada), desenvolver igualmente a filosofia de fraternidade, igualdade e liberdade, valores cívicos essenciais ao pleno desenvolvimento dos valores espirituais da Maçonaria, como é o caso, entre outros dos Rosa Cruzes.
Deste modo, não é possível a cooperação ritual, em loja, ou mesmo em Grande Loja, entre maçons regulares e irregulares, ou entre maçons regulares e quaisquer outro grupo de iniciados, não maçons, ou mesmo mulheres que se reclamem da Maçonaria.
Mas não deixa de ser possível a colaboração em iniciativas de carácter profano em que maçons regulares, e outros homens e mulheres de bem, pretendam desenvolver iniciativas que visem proporcionar à sociedade uma divulgação de valores que sejam universais, como a Paz, a Harmonia, a Solidariedade, a Fraternidade e a Tolerância. De facto algo de essencial aproxima todos os que se reclamam da Maçonaria: as preocupações humanistas, e o envolvimento em acções humanitárias. Uns os regulares, porque crentes em Deus, Grande Arquitecto do Universo são espiritualmente humanistas, outros porque irregulares, e laicos, cientes na natureza do Homem, são igualmente humanistas. Por via espiritual ou existencialista, aceitam todos o Humanismo.
A cooperação dos maçons com outras entidades, parte porém de pressupostos mínimos que são essenciais, e até tão naturais em consciências civicamente bem formadas que quase seria desnecessário referi-lo. De facto, não há nenhum projecto no mundo cívico ou profano, que possa envolver maçons, se não for compaginável com o respeito pela legalidade e liberdade democráticas. Nem se concebe que pudesse ser de outro modo.
Por isso, um dos pontos porventura mais salientes da crise que alguns dos ex-maçons regulares em Portugal ocasionaram publicamente, em finais de 1996, e que se auto excluíram da maçonaria regular, a partir do dia 7 de Dezembro, com a usurpação das instalações de Cascais da obediência iniciática - Grande Loja Regular de Portugal - e depois, pela tentativa de domínio dos altos graus maçónicos, é o da sua ausência de cultura democrática, moral e maçónica.
As autoridades maçónicas internacionais ou estrangeiras depositárias das tradições iniciáticas da maçonaria regular já tomaram aliás, posição iniludível. Seja ao nível das Grandes Lojas, seja ao nível dos sistemas dos Altos Graus, em especial do Arco Real, dos Grandes Priorados, e dos Supremos Conselhos do grau 33º : - Em Portugal, só existe uma Grande Loja Regular legítima, e que se insere na associação sem fins lucrativos denominada Grande Loja Legal de Portugal/GLRP.
A própria opinião pública, que condenou aqueles actos, surpreendeu-se, e com razão, com o facto de tal ter podido ocorrer desencadeado por quem se dizia maçon, e sempre publicamente se tinha apresentado como tal!
Quer com isso dizer-se, que muitos dos que se lançaram na aventura anti-maçónica da "casa do sino", como ficou a ser conhecida a instalação administrativa da Grande Loja Regular de Portugal, em Cascais, se esqueceram, ou nunca tinham interiorizado os ensinamentos que deveriam ter recebido na sua iniciação, e posteriormente com o simbolismo das demais subidas de grau, ou, ainda mais grave, na ascensão nos altos graus, ditos de perfeição. Ou seja, aqueles ex-maçons, ou pior, anti-maçons, que são hoje, violaram a importância dos seus juramentos, e com isso tornaram-se perjuros; renegaram a sua condição de maçons, e auto-excluíram-se da maçonaria regular e universal.
Uns intencionalmente, e perseguindo projectos de poder pessoal só possíveis pela pérfida violação da lei civil, da moral social e da tradição maçónica; outros, que os acompanharam, fizeram-no, uns, por ingenuidade ou falta de preparação maçónica, outros ainda porque não eram livres, e dependentes de salários, de relações familiares, e de empregos, não puderam libertar-se do jugo dos seus amos e senhores, ou, na melhor das hipóteses de relações de amizade possessivas.
Esqueceram-se, que mais valia ter a garganta cortada, no simbolismo expressivo de um dos juramentos maçónicos, do que faltar aos sãos propósitos de escolher os caminhos da virtude, de praticar o bem, assim, resvalaram nos caminhos do vício, ou seja decidiram praticar o mal.
Esqueceram-se, que no próprio catecismo de muitos ritos maçónicos, se exemplifica, para além do simbolismo: - mais grave ainda do que ter a garganta cortada, é ficar a ser considerado como perjuro, e passar a ser conhecido entre os maçons de todo o mundo, como homem indigno, sem palavra e sem honra...
Mas para tanto é preciso que se tenha honra. Que se seja livre, e de bons costumes...
Ora a questão essencial da cultura maçónica, começa por se colocar desde logo no momento da iniciação: - Só homens livres e de bons costumes podem ser iniciados, e desde que sejam crentes, em Deus, Grande Arquitecto do Universo. Não se trata de frases feitas para recitar como ladainhas, mas antes de conceitos que só fazem verdadeiro sentido se interiorizados, apreendidos, e assim sentidos na profundidade de um compromisso solene e sagrado, porque sob a sua honra, e sobre o livro sagrado.
O que quer dizer livre? De maior idade? Auto-suficiente economicamente? Não dependente de vícios que condicionem ou até anulem a nossa vontade? E de bons costumes? Que quer dizer? Que não se achem condenados pela sociedade civil, quer dizer apenas uma conformidade formal com a moral social dominante e vigente? Ou, antes terá o significado de bons costumes no sentido do respeito dos elementares deveres contidos na declaração universal dos direitos do homem?
Estas questões cruciais deveriam ser sopesadas aquando cada um que deseje ingressar na Maçonaria, se decide preencher o formulário de pedido de admissão. Por isso mesmo, há que favorecer a uma maior abertura ao mundo profano, e divulgação contida, daquilo que se pode entreabrir da Maçonaria... para que se saiba ao que se vai, pelo menos quanto a requisitos mínimos. E para que a sociedade não tenha, por receio ao secretismo do desconhecido, o impulso de o combater e de condenar.
Aliás, o verdadeiro segredo maçónico consiste na percepção interior da consciência do processo iniciático. É por isso e por natureza intransmissível, por qualquer outro que não seja o próprio, e mesmo assim, se encontrar palavras com que se possa exprimir de forma inteligível para quem não tiver sido, por sua vez, também iniciado.
Não há revelação de segredo maçónico por divulgação de quaisquer fotografias, frases, e até mesmo gestos que carecem de significado para quem não foi iniciado. Se de outro modo houvesse entendimento possível, todos os segredos da maçonaria estariam já revelados nos mais de 90.000 livros recenseados, que foram publicados sobre o tema, dos vários filmes e vídeos editados pelas Grandes Lojas Regulares, incluindo a Grande Loja Unida de Inglaterra, e das milhares de páginas que se encontram na Internet, quer assumidas oficialmente por várias obediências maçónicas, quer pelas páginas pessoais de vários internautas maçons. Não sejamos hipócritas... Hoje, a Maçonaria não se pode contentar em promover a iniciação daqueles que lhe batem à porta fascinados pelo sobrenatural do secretismo do mistério, pela enganosa ambição de negociatas mirabolantes só reservadas aos eleitos das suas imaginações, pelo pseudo poder oculto do domínio de coisas e de outros. Não e não.
A Maçonaria deve sim, ser uma resposta e uma via iniciática e redentora para aqueles que procuram um auxilio solidário no despertar e formar da suas consciências. Dos que pretendem ascender a um saber milenário e iniciático, que acreditam e querem continuar a acreditar no Criador, na Paz, na Harmonia, na Solidariedade, na Fraternidade e na Tolerância de todos os homens.
A Maçonaria deve ser uma escola de escol, de virtudes, uma oportunidade de auto aperfeiçoamento fraterno e universalista, para quem a procura, um caminho consequente de sublimação e de superação de limitações. Para tanto, é preciso maturidade de idade e de consciência, é preciso que se tenha uma percepção espiritualista da condição humana derivada da crença no Grande Arquitecto do Universo, é preciso enfim, ter-se já uma consciência suficientemente evoluída que permita a cada um dos maçons contribuir para que o profano iniciado se integre perfeitamente no caminho maçónico, que consiga sublimar os seus objectivos meramente materialistas, para se colocar numa posição ou patamar de espiritualidade actuante.
Fim da 2ª parte
Editado por
José Ruah

26 maio 2009

Maçonaria Entreaberta - I

Iniciamos hoje a publicação de primeira de 3 partes de um texto que cremos ter qualidade para estar neste espaço. Este texto que nos chegou por via indirecta, mas que imediatamente foi reconhecido como tendo sido escrito por Luis Nandim de Carvalho, 2º Grão Mestre da GLLP/GLRP, em 1997 época conturbada para a Maçonaria Regular Portuguesa. Solicitada a devida autorização para publicação, que nos foi concedida, ficou ao critério do editor, e dada a grande dimensao do mesmo, a respectiva separação em 3 partes a serem publicadas em dias consecutivos.
Relembramos que este texto data de 1997 e é um artigo de opinião pessoal .
Maçonaria Entreaberta
Quando um maçon usa ritualmente da palavra, em Loja, em sessão ritual, fá-lo a Bem da Ordem. Isto é, o maçon nunca se exprime por uma motivação pessoal e egoística, antes deve sempre preocupar-se e identificar-se com a organização iniciática que é a Maçonaria, assumindo pois uma postura altruísta e filantrópica.

Por natureza, o maçon é pois solidário na sua espiritualidade, o que resulta da sublimação da sua dimensão meramente terrena e materialista.
É esta atitude que alguns cínicos chamaram já de "insanidade maçónica", conceito anti-maçónico, porque anti-institucional, e que pretende ridicularizar os valores maçónicos, considerando-os só próprios de insanos.

Também na vida profana, isto é no seu quotidiano cívico, o maçon deve actuar de acordo com as suas responsabilidades próprias, isto é a bem da Ordem, o que significa nada fazer que ponha em causa a sua respeitabilidade e dignidade de instituição milenária, por via da contenção e da discrição. E por outro lado, pela via activa, tudo deve fazer para que os ideais universais dos valores da Paz, da Harmonia, solidariedade, fraternidade e tolerância, sejam efectivamente difundidos, aceites e praticados pelo maior número de pessoas, sejam ou não crentes no Grande Arquitecto do Universo.

Quer isto dizer, que não se pode ser maçon sem se respeitar a ordem democrática e da moral vigente, que aliás devem estar em consonância nas sociedades civilizadas contemporâneas. Um maçon que não se identifique nesses termos com a sociedade em que se integra, dificilmente poderá ser manter a sua condição de Maçon, porquanto nenhum legítimo dever profano deve estar em contradição com o juramento maçónico.
O maçon contemporâneo deve pois actuar de acordo com uma cultura maçónica espiritualista consequente, isto é, que compatibilize os valores humanistas universais, com os valores espirituais universais. Numa síntese, o maçon deve ter os pés na terra, a cabeça no céu, e o coração com o do dos outros... O que significa que o maçon deve sempre procurar superar as suas limitações, auto aperfeiçoar-se na busca de ser melhor do que é, especialmente em relação aos outros, qual bom samaritano. Correlativamente, cabe à Maçonaria proporcionar-lhe as condições objectivas para que tal lhe seja possível.

Esta postura é a exigida aos maçons regulares, também ditos tradicionais ou de via sagrada, aqueles que trabalham nas suas Lojas sob invocação de Deus, Grande Arquitecto do Universo, sobre o livro sagrado, o esquadro e o compasso.

Quanto aos outros, ditos maçons irregulares, ou liberais, ou de via substituída, que se reúnem segundo a aparência dos mesmos ritos, decorações e ideais, já dispensam a via espiritual, e trabalham sobre a Constituição de Andersen, a do País da sua nacionalidade, enfim sobre a própria declaração Universal dos Direitos do Homem, e sem necessariamente invocarem Deus, o Grande Arquitecto do Universo. Isto é: uns, os regulares, partem de um pressuposto que é o da crença no Criador, os outros partem do postulado da liberdade de crença ou não no Criador, uns e outros, sem se remeterem a uma posição contemplativa, buscam o seu próprio aperfeiçoamento, "não faças aos outros aquilo que não gostavas que te fizessem", mas com efeitos diversos ao nível de intervenção na sociedade.

De facto, enquanto os regulares se situam no plano do sagrado, os outros colocam-se no campo do laicicismo, e consequentemente envolvem-se mais directamente na vida profana que procuram aperfeiçoar, senão mesmo transformar.

Para um maçon "regular" a sociedade só será mais perfeita se isso decorrer do processo de aperfeiçoamento individual, de cada um, enquanto para um maçon "irregular", o essencial é ser ele o agente da transformação da sociedade. Isto é, passa o maçon em vez de ser o destinatário das suas reflexões e consciência, para procurar o auto aperfeiçoamento, a considerar-se o agente de transformação e da perfeição da sociedade.

Bem se compreende que esta atitude possa gerar desde logo, a quebra de harmonia entre os maçons. Ultrapassada a intimidade de cada um, em que só cada qual é juiz de si próprio, e de acordo com os parâmetros da sua autodefinição, sendo portanto responsável pela sua própria consciência, os maçons irregulares confrontam-se exteriormente sobre as várias actividades que poderão contribuir para transformação e aperfeiçoamento da sociedade...e estas serão tantas quantas as percepções do que é a perfeição da sociedade.
Uma outra questão que pode lançar alguma confusão quanto ao termo maçon, para além da referida distinção entre maçons regulares e irregulares, na terminologia mais amplamente consagrada, é a possibilidade de existirem maçons que trabalham regularmente mas em situação institucional de irregularidade, e a de maçons institucionalmente irregulares, mas que trabalhem regularmente nos seus templos e Lojas.
De facto, para se ser maçon não basta uma auto proclamação. É necessário que "os seus irmãos o reconheçam como tal", isto é, é essencial que se tenha sido iniciado, por outros maçons, cumprido com as suas obrigações de maçon, esotéricas, simbólicas e incluindo as materiais, e que se integre numa Loja, integrada regulamentarmente numa Grande Loja ou num Grande Oriente, devidamente consagrados, consoante as terminologias tradicionais. Ora, desde logo se pode vislumbrar a possibilidade de maçons integrados numa Grande Loja ou um Grande Oriente irregular (nomeadamente por não ter sido regularmente constituído, respeitar globalmente a crença em Deus, Grande Arquitecto do Universo, nem obedecer a outros landmarks), praticarem numa determinada Loja uma actividade em tudo igual aos que actuam numa Loja regular, integrada numa Grande Loja ou Grande Oriente Regular.

Todavia tal não basta, e uma prática maçónica, só se pode admitir como regular, se reconhecida como tal, por quem de direito, ou seja, por uma Grande Loja, ou Grande Oriente regularmente constituído e em regularidade de funcionamento.

Aos que se consideram maçons regulares, para que efectivamente o sejam, é necessário serem reconhecidos como tal, é indispensável que tal estatuto lhes seja reconhecido. De facto o reconhecimento é essencial para atestar um dos requisitos fundamentais e integradores da regularidade, que é o da legitimidade da transmissão da própria regularidade. Só assim se constitui legitimamente a regularidade.

Um pouco à semelhança do próprio processo de reconhecimento da independência dos Estados, em que não basta a proclamação unilateral de independência, é crucial que a comunidade internacional a reconheça, e depois, para se ser verdadeiramente membro de pleno direito da comunidade internacional, ou de comunidades regionais (como os Estados membros da União Europeia), é ainda necessário o respeito da legalidade universal, que tem como referência a declaração universal dos direitos do homem.

Um maçon que respeite as regras da regularidade, tem pois de respeitar as suas regras essenciais: Os landmarks, as constituições, os regulamentos, a regularidade da transmissão maçónica, enfim o próprio cumprimento das leis civis. Um maçon que portanto seja irregular quanto à sua filiação numa Grande Loja ou Grande Oriente irregular, não pode ser considerado regular pela comunidade maçónica regular... não pode pois aceder a sessões rituais regulares. Só o poderá fazer se, e quando por um processo dito de regularização, deixar a sua obediência irregular e for recebido como regular por uma obediência maçónica com estas características.
E quanto ao inverso? Um maçon iniciado regularmente, a trabalhar regularmente, integrado numa Grande Loja ou num Grande Oriente que perdeu o seu reconhecimento como regular pela comunidade maçónica universal? A resposta é simples... passa a ser incluído na irregularidade. Este só tem também uma solução à sua disposição, se não quiser permanecer na irregularidade e afastado do convívio maçónico regular universal: é ingressar numa obediência maçónica reconhecida como regular.

Caso ainda diverso e que não merece comentário, é o dos profanos e/ou, ex-maçons que se integram na anti-maçonaria, quer contra a maçonaria regular, quer contra a maçonaria irregular, desrespeitando a leis civis, e quanto aos primeiros os seus valores espirituais, e quanto aos segundos o seus valores humanísticos. Os anti-maçons estão fora da maçonaria.
Não se trata de um jogo de palavras. É essencial e constitutivo da regularidade maçónica o seu reconhecimento. Não pode haver maçonaria regular ao arrepio dos landmarks, com violação da constituição de uma obediência, dos seus regulamentos, com violação das leis civis, com a prática de crimes assim considerados pela sociedade profana democrática. A comunidade maçónica internacional condena e denuncia estas situações, que merecem denúncia pública de todos os maçons e homens de boa vontade.

Resta acrescentar, que não existe possibilidade de um movimento que se pretenda espiritualista, esotérico, simbólico, iniciático e universalista se desenvolver contra as próprias leis democráticas de um Estado de Direito, que se integre na comunidade internacional democrática.
A Maçonaria laica, humanista mas materialista, profana porque não sagrada, resvala com grande facilidade em dois dos mais temíveis desvios que podem fazer perigar a excelência da ideia e filosofia maçónicas: a politização e o negocismo.

De facto, grande é a tentação da opção pela via política directa, como suporte e instrumento directo da acção maçónica, para se implantar na sociedade ideias e ideais de liberdade, justiça social, igualdade, solidariedade... só que ao fazê-lo, faz-se perigar inexoravelmente a paz, a harmonia, a tolerância... a via maçónica torna-se pois irregular, na medida em que as lojas deixam logo de ser os locais de serena elevação espiritual, para passarem ao lado do esoterismo iniciático e simbólico que as caracterizam na sua pureza, para se assumiram como mais um local a profanar pelo imediatismo da gestão política dos interesses materiais.
Além da politização, o outro risco é o negocismo, a pretexto da solidariedade a estabelecer com os irmãos mais necessitados, ou para viabilizar ideais de solidariedade para com terceiros, ou mesmo para fortalecer financeiramente a instituição maçónica. O afastamento das preocupações de elevação espiritual cedo cedem passo ao "primum vivere, deinde philosophare..." Daqui à tentação do materialismo do "vale tudo" é um pequeno passo.
Dir-se-á que a maçonaria regular sofre também destas duas tentações. Decerto que sim, mas em menor grau, porque de tal modo infringiria um dos seus landmarks e consequentemente, arriscaria a perder a sua própria natureza. A maçonaria regular, que não pode por definição ser política, sofre antes, e mais gravemente de um potencial risco de desvio, que é o de se transformar em seita, pelo sectarismo messiânico, ou pseudo-esotérico de que os seus adeptos possam ser levados a reclamarem-se como iluminados.

De facto alguns, seduzidos pela aparência temporal do poder espiritual, enveredam por caminhos insondáveis de mistério, lado a lado com fórmulas de cultos iluminados de ilusionismo, cartomancia, bruxaria, satanismo, e seus similares de magia negra. Estão a um passo de enveredarem por seitas, naturalmente anti-maçónicas.

Fim da 1ª Parte


Editado por
José Ruah

25 maio 2009

Curso de Pós-Graduação em Filosofia e Fundamentação Maçónica - Conclusão

O nosso escriba em pousio, Rui Bandeira, deu aqui noticia em 22/10/2007 e em 16/04/2008 sobre o Curso de Pós-Graduação em Filosofia e Fundamentação Maçónica idealizado pelo Grande Oriente do Estado de Mato Grosso (GOEMT), em parceria com o Centro Universitário Cândido Rondon (Unirondon) e com o Instituto Creatio.

Chega-nos por via electrónica a informação da sua conclusão através do seguinte texto:


"Com muita alegria que escrevo ao irmão para informá-lo de que concluímos o curso de pós "Lato sensu" em Filosofia e Fundamentação Maçônica. Onde chegaram ao final 14 alunos mestres maçons. O que nos deu muita alegria, que fizemos o lançamento de um livro em dois volumes com os artigos das monografias dos formandos. O primeiro volume, foi lançado no XIV Encontro Nacional de Cultura Maçônica, ocorrido em Cuiabá-MT nos dias 17 e 18 de abril. O segundo volume será lançado na cerimônia de entrega dos certificados de pós aos mestres maçons, no dia 20 de agosto na UNIRONDON, com a presença da Reitora e dos três Grãos Mestres, ou seja, do GRANDE ORIENTE DO BRASIL; GRANDES LOJAS DE MATO GROSSO E GRANDE ORIENTE DO ESTAO DE MATO GROSSO. Em anexo a capa do I volume do livro lançado em abril. Desde já nossos agradecimentos, pela palavras publicadas a nós em 2008, que nos serviu de estimulo a continuar e concluir este curso.

S.'.F.'.U.'..
TFA. Ir.'. Medson Janer da Silva.
Coordenador do Curso."

Queremos concelebrar com os nossos Irmãos de Além Atlantico este sucesso com o nosso aplauso apropriado.


José Ruah



22 maio 2009

Como falamos a democracia?

Sou um amante de África !
Quando aos 20 e poucos anos desembarquei em Luanda e fui a correr beber, pela primeira vez na vida, uma Coca-Cola (no Portugal da Europa era proíbido comercializar a Coca-Cola e mais todas as outras "colas") fiquei apanhado.
Foi assim uma espécie de "tiro e queda" cuja explicação só é localizável no conceito de espaço, naquele momento completamente pulverizado.
Entendi de repente que um "metro" é muitissimo "mais comprido" do que eu tinha percebido antes. O conceito de distância era outro, e recebi por essa via um valente e violento soco mental que me fez alterar por completo a visão do mundo.

Não sei se me orgulho disto.

A constatação da "saloíce" bacoca que antes enchia a minha visão do mundo não me parece que possa constituir exatamente uma glória. Mas era assim e portanto não há volta a dar-lhe.
Terá sido então esse choque que me fez apaixonado por aquela terra ?
Agora penso que sim, embora encontre várias outras razões complementares que ajudaram à festa.
O clima é outro componente. A forma de relacionamento aberto entre as pessoas, totalmente diferente da mesquinhez continental é ainda outro a ajudar à paixão. A não utilização de dinheiro inferior a um escudo (os "tostões" não interessavam a ninguém, não valia a pena gastar tempo a contá-los !) também ajudou.


Para quem não saiba o que é isso dos "tostões" adianto que foram, na época, os "cêntimos" atuais. Portanto o que acontecia naquela terra supostamente atrasada, existente num continente supostamente atrasadíssimo (era a ideia ensinada no continente), era que tudo se passava a uma dimensão 100 vezes maior. A unidade mais pequena, lá, valia 100 vezes mais do que a unidade mais pequena do pequeno Portugal europeu.


Esta ideia não foi materializada de imediato mas foi esta a realidade encontrada.
Bem, toda esta explicação para explicar uma paixão... como se as paixões tivessem explicação.

Burro ! Não melhorei nada !!!


Finalmente, como apaixonado por África vou lendo e contactando tudo o que as oportunidades do dia-dia me vão permitindo. Foi assim que apanhei este texto de Mia Couto, curiosamente no dia a seguir a tê-lo encontrado e trocado uma conversa breve com ele, numa passadinha que deu pela Malaposta onde foi ver a apresentação local de "Chuva pasmada", coisa assim a modos que uma autobiografia de criança, conforme me disse que era.

E porque em textos anteriores "brinquei" um pouco com a lingua portuguesa (lembram-se do "bilinguismo" e da "iberofonia" ? Vão lá atrás meia dúzia de textos e verão) encontrei neste comentário do Mia Couto uma aproximação curiosa da ideia central que o tal de Roberto Moreno apresenta no seu conceito de "geolíngua".
Repare-se que um é moçambicano e outro brasileiro e não tenho qualquer indicação de que se conheçam.
Desde logo são personalidades de tal forma diferentes que há mesmo uma forte probabilidade de não saberem um do outro.

Aqui Vos deixo para se entreterem:


Como falamos a democracia?


Os nacionalistas africanos não ficaram à espera que um vocabulário apropriado nascesse nas línguas maternas dos seus países.

Na bela cidade de Durban, falávamos eu e outros escritores africanos da surpresa do modo como, no Zimbabwe, tantos ainda apoiam Robert Mugabe. Havia, no grupo, escritores de vários países de África. Aproveitámos o que melhor há nas conferências literárias: os intervalos.

A nossa perplexidade não se limitava ao caso zimbabweano. Como é que povos inteiros, em outras nações, se acomodaram perante dirigentes corruptos e venais. De onde nasce tanta resignação?

Uma das razões dessa aceitação reside na forma como as línguas se relacionam com conceitos políticos da modernidade. Por exemplo, um zimbabweano rural designa os seus líderes nacionais como entidades divinizadas, fora das contingências da História e longe da vontade dos súbditos. O mesmo se passa em quase todas as línguas bantus.

A questão pode ser assim formulada:
- Como pensar a democracia numa língua em que não existe a palavra «democracia»?
- Num idioma em que «Presidente» se diz «Deus»?

Nas línguas do Sul de Moçambique, o termo para designar o chefe de Estado é «hossi».
Essa mesma palavra designa também as entidades divinas na forma dos espíritos dos antepassados, traduzindo uma sociedade em que não há separação da esfera religiosa. Parece uma questão de ordem linguística. Não é.

Trata-se do modo como se organizam as percepções e as representações que uma sociedade constrói sobre si mesma. A sacralização do poder não pode casar com regimes em que se supõe que os líderes são escolhidos por livre votação, numa sociedade em que os súbditos se convertem em cidadãos.

Esse assunto escapa muitas vezes a quem se especializou em organizar seminários sobre cidadania e modernidade em África. A problemática política é vista, quase sempre, na sua dimensão institucional, exterior à intimidade dos cidadãos. Quando o participante do seminário explicar à sua comunidade o conteúdo dos debates usará a sua língua materna. E sempre que se referir ao Presidente ele fará uso do termo «deus».

Como pedir uma atitude de mudança nestas circunstâncias?
O que se pode fazer?
Será que os falantes destas línguas estão condenados à imobilidade por causa desta inércia linguística?

Na realidade, existem tensões entre a lógica interna de algumas destas línguas e a dinâmica social. Estas tensões não são novas e sempre foram resolvidas a favor da adaptação criativa e da criação de futuro.
Já no passado, as culturas africanas (e todas as outras em todos os continentes) tiveram que se moldar e se reajustar perante aquilo que surgia como novidade.

Eu mesmo testemunhei o modo veloz como as línguas moçambicanas se municiaram de instrumentos novos, roubando e apropriando-se de termos não próprios. Com o uso generalizado esses termos acabaram indigenizando-se. Sem drama linguístico, sem apoio de academias nem de acordos ortográficos os falantes dessas línguas «pediram» de empréstimo palavras de outros idiomas.
Moçambique é, nesse domínio, um caldeirão dessas mestiçagens.
Os nacionalistas africanos não ficaram à espera que um vocabulário apropriado nascesse nas línguas maternas dos seus países. Eles começaram a luta e essa mesma dinâmica contaminou (mesmo com uso de termos e discursos inteiros em português) as restantes línguas locais.

Tudo isto nos traz a convicção do seguinte: a capacidade de questionar o presente necessita de língua portadora de futuro. A necessidade de sermos do nosso tempo e do nosso mundo exige línguas abertas ao cosmopolitismo.
África – tantas vezes pensada como morando no passado – já está vivendo no futuro no que respeita à condição linguística: quase todos africanos são multilingues. Essa disponibilidade é uma marca de modernidade vital.

O destino da nossa espécie é que cada pessoa seja a humanidade toda inteira.

(Crónica de Mia Couto, escritor moçambicano, publicada na edição de Abril da revista África 21 )

Como viram aqui está outro defensor do bilinguísmo sendo que, para mim, este é bem mais representativo.

Mas de facto há uma enorme aproximação no conceito base.

JPSetúbal