09 dezembro 2007

Dia de Festa


Como disse Fernando Pessoa e o nosso PVM tem escrito "há momentos únicos".
É de um desses momentos que Vos falo.
A todos os Obreiros da R:.L:.Mestre Affonso Domingues devo um Tiplo Abraço de Fraternidade ritual e principalmente muito profanamente... Amigo.
O dia de ontem ficará para sempre como um marco na minha história pessoal, e mais feliz ainda se um dia me puder aperceber que também para Vocês ele significou algo de bom e de bem.

Foi uma colecção de emoções, desde a apresentação formal do "regresso" do Estandarte/Guião da Loja (infelizmente o nosso original está nas mãos de alguém de que apenas sei o nome da mãezinha respectiva, sendo este um exemplar novo) até ao leilão final do dia, cujo resultado foi bem superior às expectativas e cujo destino será o Cajil e a Cerciama.

Aos nosso Irmãos da R:.L:.Rigor, que vieram de Bragança de propósito para estar connosco, agradeço os 800 Km feitos, a Alegria da presença, a ajuda à Beleza da sessão que nos proporcionaram, a Força que nos trouxeram.
A R:.L:.Mestre Affonso Domingues e a R:.L:. Rigor são Irmãs desde sempre e Irmãs-Gémeas desde ontem.
A Maçonaria ficou mais forte e as nossas obrigações aumentaram.
Quanto ao nosso ágape festivo do Solstício de Inverno... tudo está bem quando acaba daquela maneira.
Nem quero saber se os pratos servidos estavam bem ou mal, se a pingota bebida era rasca ou de luxo.
Tivemos connosco alguns dos mais históricos da Loja, mesmo alguns dos que mais longe fisicamente têm estado mas que reafirmaram de novo que uma vez da "Affonso Domingues", para sempre com a "Affonso Domingues".
Bem hajam meus Irmãos.
JPSetúbal

07 dezembro 2007

Semear a Beleza

Um homem trabalhava numa fábrica que ficava a cinquenta minutos de autocarro da sua casa.

Na paragem a seguir à sua, entrava todos os dias uma senhora idosa, que se sentava sempre junto à janela do autocarro. Abria a mala, tirava um pacotinho e passava toda a viagem atirando algo pela janela. A cena repetia-se todos os dias.

Um dia, curioso, o homem perguntou-lhe o que atirava ela pela janela.

- Atiro sementes. - Respondeu ela.

- Sementes? Sementes de quê?

- De flores. É que eu olho para fora e a berma da estrada é tão vazia... Gostaria de poder viajar vendo flores coloridas ao longo de todo o caminho. Como seria bonito!

- Mas as sementes caem no asfalto, são esmagadas pelos pneus dos carros, comidas pelos pássaros. A senhora acha mesmo que vai germinar alguma semente na berma da estrada?

- Acho, meu filho! Mesmo que muitas se percam, algumas acabarão por cair na terra e, com o tempo, vão dar flor.

- Mesmo assim, vai demorar muito... E precisam de água...

- Eu faço a minha parte! A chuva ajudará. Se alguém deixa cair sementes, as flores hão-de surgir!

E a senhora idosa virou-se para a janela e recomeçou a sua tarefa. O homem, quando desceu na paragem junto ao seu emprego, pensava que a velha senhora já estava senil.

Mas, algum tempo depois, o homem, viajando no autocarro, ao olhar para fora, viu flores na berma da estrada! Muitas flores! A berma da estrada era uma paisagem colorida, perfumada, linda! Lembrou-se então da velha senhora, que não via já há algum tempo. Perguntou por ela ao motorista do autocarro, que conhecia todos os passageiros habituais.

- A velhinha das sementes? Morreu há quase um mês...

O homem voltou para o seu lugar e continuou a olhar a paisagem linda. E pensou:

- Quem diria? As flores nasceram mesmo! Mas de que adiantou o trabalho dela? Morreu sem ver esta Beleza toda!

Nesse momento, ouviu uma criança a rir. No banco da frente, uma menina apontava pela janela, entusiasmada:

- Olha, pai, que lindo! Tantas flores à beira da estrada! Como se chamam estas flores?

Então, o homem compreendeu o que a velha senhora tinha feito! Mesmo não estando já ali para ver, ela fez a sua parte, deixou a sua marca, a Beleza, para a contemplação e a felicidade das pessoas!

No dia seguinte, o homem entrou no autocarro, sentou-se junto à janela, tirou um pacotinho de sementes do bolso e fez toda a viagem atirando-as pela janela... E assim deu continuidade ao que a velha senhora fizera, semeando o amor, a amizade, o entusiasmo e a alegria!

O futuro depende das nossas acções no presente. Se semearmos boas sementes, os frutos das plantas que nascerão serão igualmente bons. Semeemos as nossas sementes!

(adaptação minha de um texto, sem indicação de autor, recebido por correio electrónico)

Rui Bandeira

06 dezembro 2007

Tempo

O que há de mais valioso no Mundo não é dinheiro. nem jóias ou diamantes. Muito menos ouro, dourado ou negro. Nem sequer as crianças - como muitas vezes dizemos. O que há de mais valioso no Mundo é o Tempo. Não se pode comprar nem vender, não se pode guardar nem acumular. Tem-se o que se tem e é esse que se pode e deve administrar o melhor possível.

O que há de mais democrático no Mundo não é o voto. Nem as eleições. Muito menos a separação de poderes. Nem sequer a limitação de mandatos. O que há de mais democrático no Mundo é o Tempo. O dia tem vinte e quatro horas, a hora tem sessenta minutos, o minuto tem sessenta segundos, quer para o multimilionário mais rico do planeta, quer para o mais miserável pária sem abrigo do mais pobre recanto deste Mundo. O rico, por mais que o deseje, não consegue que o seu dia tenha trinta horas, nem a sua hora oitenta minutos, nem o seu minuto cem segundos. O pária miserável pode não ter nada de nada, mas tem exactamente as mesmas horas no seu dia que o multimilionário, os mesmos minutos na sua hora, os mesmos segundos no seu minuto.

O que há de mais implacável no Mundo não é o Mal. Muito menos o Déspota. Nem sequer o Terrorista. O que há de mais implacável no Mundo é o Tempo. Chega, passa e vai, insensivelmente, sempre ao mesmo exacto ritmo.

O que muda é a nossa percepção do Tempo. Se estivermos confortavelmente sentados vendo um belo pôr-do-sol, ouvindo uma música do nosso agrado, bebendo uma bebida da nossa preferência, sendo acariciados pela mulher que amamos, enquanto cheiramos o seu agradável perfume, esse Tempo, por muito longo que seja, parecer-nos-á sempre breve, seguramente muito mais breve do que nos pareceria a exacta mesma quantidade de tempo em que estivéssemos a ser agredidos por um energúmeno feio e malcheiroso, que nos berrava impropérios, sentindo na boca o sabor de alguma porcaria que ele ali nos enfiara...

Cada um dispõe em cada dia do mesmo tempo que todos os demais, exactamente 86.400 segundos em cada dia, nem mais um, nem menos um. Cada um tem a responsabilidade de usar esse Tempo da melhor forma possível, distribuindo-o profícua e harmonicamente entre o cumprimento dos seus deveres, o convívio com aqueles de quem gosta, o descanso, o lazer, o alimento do seu corpo e a nutrição do seu espírito, a busca e o encontro, a reflexão e a acção. Todos temos exactamente a mesma riqueza para gastar em cada dia. Se a aproveitamos ou desperdiçamos, é connosco e seremos nós que sentiremos as consequências, boas ou más, do nosso aproveitamento ou do nosso desperdício. O que não gastarmos, o que não usarmos, não podemos guardar. Está perdido e nunca mais será recuperado...

O Tempo é uma dimensão diferente das outras. O comprimento, a largura, a altura são dimensões em relação às quais nos sentimos exteriores. E medimos o comprimento da mesa, a largura do quadro, a altura do armário. Somos exteriores a essa medida. Mesmo em relação às nossas medidas... Mas a dimensão do Tempo é diferente. Nós todos estamos DENTRO do Tempo. Por isso o não vemos. Por isso o Tempo Presente é tão fugaz que, mal o apercebemos, já é Tempo Passado. Comprimento, largura e altura são dimensões terrenas. O Tempo é dimensão divina. Por isso podemos mudar o comprimento, alterar a largura, modificar a altura do que quisermos, mas não podemos mudar, nem num centésimo de segundo, o Tempo que é. Podemos aproveitá-lo melhor, fazendo mais em menos Tempo. Não podemos mudá-lo. Podemos apenas usar em cada dia a exacta quantidade de Tempo que o Criador determinou que todos e cada um de nós dispuséssemos em cada dia.

O Tempo não pode ser comprado, nem vendido (pode-se comprar ou vender uma ocupação do tempo, o que é diferente), mas pode ser usado, aproveitado, individualmente ou em conjunto. O mesmo Tempo, aproveitado ou usado em conjunto por vários ou por muitos, multiplica-se automaticamente, potenciando a capacidade do grupo que o aproveita em conjunto. No entanto, sendo globalmente mais rentável o Tempo aproveitado em conjunto, o Tempo individual de cada um continua a ser pessoal, só seu, com um significado preciso e definido para esse preciso indivíduo. O Tempo que um músico despende a dar um concerto numa sala de espectáculos é rentabilizado pelas centenas ou milhares de pessoas que desfrutam desse espectáculo. O Tempo de um multiplica-se por muitos. Mas um concerto para mil equivale a mil concertos individuais. O músico é o mesmo. A música é individualmente, quiçá diferentemente, apreendida por cada um dos mil ouvintes. O Tempo de cada um continua a ser pessoal e único. E o mesmo se passa se, em vez de ser um a criar e mil a beneficiar, forem mil e um a criarem para esses mil e um e incontáveis milhares ou milhões mais beneficiarem.

Quando os maçons se reúnem, e repetem o ritual, tratam dos assuntos da ordem do dia, estudam, ensinam ou aprendem símbolos e seus significados, moralidades e seus motivos, condutas e suas consequências, aproveitam em conjunto o Tempo, potenciando o seu valor, cada um beneficiando individualmente, ao seu modo, do uso desse Tempo.

Os maçons aprenderam uma coisa singela: que o Tempo de cada um é potenciado pelo seu uso em conjunto, afectando e aproveitando a cada um da forma que convém a cada qual. Tempo de Estudo, Tempo de Paz, Tempo de Debate, Tempo de Repouso, sobretudo Tempo de Confiança nos seus Irmãos e Tempo de Harmonia com eles. Todos estes Tempos, e mais, valem infinitamente mais em conjunto, revertendo esse valor para cada um dos indivíduos. Por isso os maçons reservam uma parte do seu Tempo para o aproveitar em conjunto com seus Irmãos.

Assim aprendem e praticam entre si e podem e devem praticar no exterior, na sua vida de todos os dias, perante os seus parceiros de vida, de negócios, de viagem, de tudo, que a Cooperação é mais eficaz que a Competição, que a Harmonia é mais gratificante que a Cizânia, que a melhoria de Um ajuda Todos a melhorar e que a melhoria de Todos se reflecte na melhoria de cada Um. E podem e devem viver e aproveitar o seu Tempo na sua vida de todos os dias, perante todos aqueles que os rodeiam, pela mesma forma que vivem e aproveitam o seu Tempo entre seus Irmãos. E o seu exemplo frutificará onde houver condições para que frutifique, em quem estiver apto para tal. E assim o Mundo melhorará mais um pouco. E de pouco em pouco se fará muito. Em pouco Tempo, em muito Tempo, no Tempo que for...

Rui Bandeira

05 dezembro 2007

Mário Máximo: Poeta, Homem de "Culturas" e Administrador da Odivelcultur

Meus Queridos Amigos, Leitores, Co-Blogueiros e demais bichos em vias de... propagação, esta passagem é assim como que ... uma rapidinha, só para Vos pôr a par de uma obra nova de um Amigão, poeta da Nossa Terra !

Isto t'á mau e vai uma crise enorme com o tempo (embora tenhamos à disposição todo o tempo que existe !).
Sorte a Vossa que não têm que me aturar.
Agora aqui vai o que me traz.

Quinta-Feira, dia 6 de Dezembro de 2007, pelas 18.30, na Livraria Barata da Av. de Roma: lançamento do livro DIÁRIO DE UMA ILHA DISTANTE, da autoria.de Mário Máximo, poeta, homem de "culturas" e Administrador da Malaposta.A jornalista MARIA AUGUSTA SILVA fará a apresentação.

"... Diário de uma Ilha Distante é a história de um imponderável amor. Um amor que merece as estações, todas as estações, que lhe dão forma. Aliás, um amor não é mais do que a sua história. Se não houver história não há amor digno desse nome. Pela primeira vez, na minha obra, um livro de poemas é a história de um amor. Ou será a história da metáfora (da metafísica poética) de um amor ? Talvez seja apenas um amor simbólico.
... Com este Diário de uma Ilha Distante criei mais um arquétipo dentro de mim. Através da poesia posso percorrer todos os caminhos e chegar atodos os jugares. Mesmo aos lgares onde só existe o poder da metáfora !"
Mário Maximo (excerto da Nota do Autor)


CONVITE

A Editora SeteCaminhos tem o prazer de convidar V.Exa.
para a apresentação do livro
Diário de Uma Ilha Distante
de Mário Máximo.
A sessão terá lugar no dia 6 de Dezembro de 2007 pelas 18h 30m,
na Livraria Barata na Av. de Roma, nº 11-A em Lisboa.
A apresentação do livro fica a cargo da jornalista e escritora
Maria Augusta Silva.

Contamos com a sua presença.


Mário Máximo nasceu em 19 Setembro de 1956, na cidade de Lisboa. A sua vida repartiu-se por Olival Basto (até aos sete anos), Lisboa (até aos trinta e cinco) e Odivelas, onde reside há mais de uma década. Desde bastante cedo ligado às questões da literatura e da criatividade literária, deram os jornais a conhecer muitos dos seus poemas, mas também o conto e a crónica. O guionismo para televisão tem sido outra das suas ocupações. Em 1986 publicou o primeiro livro: um livro de poemas. Desde então, sucederam-se mais cinco livros de poemas e um romance. Em 1999 o Instituto das Bibliotecas e do Livro atribuiu-lhe a Bolsa de Criação Literária, pelo projecto de poesia Oração Pagã.


JPSetúbal

04 dezembro 2007

Moto contínuo

(...) oh Rui, não tem defeitos com mais necessidade de empenho e melhoramento do que a escrita?! (...)

(Simple Aureole, em comentário ao texto Reflexão.)

O maçon busca o seu aperfeiçoamento em todos os aspectos da sua vida e do seu comportamento. O seu trabalho, nesse sentido, deve ocorrer em todos os momentos, em relação a todas as actividades, relativamente a todas as suas características.

O que se faz em cada momento deve procurar-se fazer sempre bem feito, cada vez mais bem feito. A necessidade de análise do que foi feito para ver onde e como se pode fazer melhor não deve ocorrer em espírito de crítica ao passado, às opções tomadas, às acções realizadas. Deve, antes, processar-se como meio e rampa de lançamento para melhorar o que se está fazendo e o que se irá fazer.

Por isso, o maçon acaba por tender a ser um optimista. Porque não se abate com os erros passados, antes os usa como alavancas para as melhorias futuras. Se fizer bem o seu trabalho, só pode melhorar...

Nunca é só num campo, num aspecto, que o homem precisa de se aperfeiçoar. É em todos, é em tudo. Porque o homem é uma integralidade complexa, cujo comportamento, cuja acção, decorrem de mil detalhes.

Assim, à interrogação do Simple Aureole, a única resposta admissível é, sem hesitação, que sim. Mas impõe-se acrescentar que, no momento em que me dedico à escrita, é a escrita que procuro melhorar. Naquele momento, é a prioridade absoluta porque esse é o momento que é, isso é o que se faz e o que se faz deve fazer-se sempre com total dedicação, se se quiser fazer bem feito.

Quando outras coisas se fazem, outras coisas devem beneficiar da dedicação absoluta, outras coisas são objecto da procura da melhoria, do anseio da aproximação da perfeição.

Só assim o homem se pode desenvolver equilibradamente - dando o melhor de si em relação a tudo e procurando que esse melhor se aproxime cada vez mais da excelência.

E não se pense que esta postura é impossível de manter, por cansativa. Quando o homem descansa, também então deve procurar fazê-lo cada vez melhor, obter o repouso que lhe carregue as baterias para novo ciclo de trabalho. Quando se diverte, deve procurar divertir-se plenamente - ou então, não estará, pura e simplesmente, a divertir-se.

A tudo isto, em vez de aperfeiçoamento, podia muito bem chamar-se, simplesmente, viver.

Porque, bem vistas as coisas, viver é muito mais do que simplesmente existir, assistir á sucessão dos dias e das noites. Viver é crescer. Por fora, primeiro, por dentro, sempre. Viver é descobrir e praticar e aproveitar o sentido da Vida. Viver é tentar. Viver é errar e remediar o erro. Viver é melhorar.

É da natureza humana procurar ir sempre mais além. Quem disso desiste, ou está doente, ou se resignou a simplesmente vegetar, cedeu à sua animalidade e sufocou o seu espírito. Esse já não almoça, limita-se a comer a sua ração... Esse já não regressa a casa, limita-se a abrigar-se. Esse já não vive, limita-se a aguardar pela morte.

É por isso que, mesmo tendo muitas mais coisas, muitas mais características, para aperfeiçoar, também não prescindo de procurar aperfeiçoar a minha escrita - se o consigo, ou não, essa já é outra história... Entre a busca do aperfeiçoamento e o sucesso nessa demanda há muito caminho a percorrer...

E esse percurso é muito mais fácil quando nos ajudam a pensar, a questionar, a analisar, como sucedeu com o comentário do Simple Aureole. O meu muito obrigado!

Rui Bandeira

03 dezembro 2007

Perfeição e perfeccionismo

(...) perfeição é virtude, mas perfeccionismo é defeito!


(Simple Aureole, em comentário ao texto Reflexão.)


A primeira reacção a esta máxima é de concordância. Mas não nos fiquemos pelas primeiras impressões.

Todo o maçon sabe que a perfeição é apanágio apenas da Divindade, do Criador, que cada religião denomina do modo que entende e que os maçons, respeitadores de todas as religiões, chamam de Grande Arquitecto do Universo. A bem dizer, não são apenas os maçons que sabem que a perfeição é apanágio unicamente do Criador. Todos os crentes, maçons ou não, o sabem.

Assim sendo, perfeição é virtude, mas virtude que se reconhece humanamente inatingível. É um arquétipo, um modelo, que deve servir para nos indicar a direcção dos nossos esforços, o que sabemos objectivo inatingível, mas de que nos devemos procurar aproximar tanto quanto humanamente for possível.

O perfeccionismo não é mais do que o desejo, a atitude, a procura, da perfeição. Ou seja, a busca, necessariamente infrutífera, do inatingível.

Nesse sentido, não podemos dizer que perfeccionismo é defeito. Não se deve considerar defeito a busca da perfeição, ainda que se saiba que é uma tarefa que, mesmo com a melhor execução possível, está sempre votada ao fracasso. No entanto, que gloriosos fracassos a Humanidade obteve! Deleitamo-nos com os fracassos da obtenção da perfeição que Leonardo da Vinci conseguiu com a sua Gioconda e que Michelangelo atingiu com a sua escultura de David. E poderia gastar centenas de linhas com imensos outro exemplos...

O perfeccionismo de Michelangelo quando, de um único bloco de pedra, extraiu a figura de David não pode ser considerado defeito!

No entanto, a impressão corrente é, efectivamente, que a máxima acima transcrita está correcta. Tal, em meu entender, deve-se ao facto de se ter negligenciado que toda a máxima tende a ser uma simplificação e que é inevitável que as simplificações acabem por dar uma ideia errada da realidade.

Penso que agora se impõe o uso de um ou dois adjectivos. Não é o perfeccionismo que é defeito, é o perfeccionismo estéril que é defeito. E o perfeccionismo paralisante.

É defeito o perfeccionismo estéril quando se busca melhorar algo que está já tão bem que a percepção humana já não conseguirá detectar a diferença obtida com a melhoria. Seria um perfeccionismo estéril se Stradivarius procurasse fabricar os seus violinos tão bem feitos que o som que um excelente executante deles tiraria não soaria apenas límpido e belo aos ouvidos humanos, mas também nas frequências de som que o ouvido humano não pode atingir. Talvez um mecanismo de captação de som demonstre claramente que na frequência de 100 Khz ocorre distorção. Mas, como o ouvido humano apenas capta som entre 20 Hz e 20 Khz, que diferença faz? Para o humano, aqueles violinos têm um som que nos parece perfeito. Mesmo que nós, intelectualmente, saibamos que não é, para quê continuar a buscar a perfeição para além da capacidade do nosso ouvido? Esse perfeccionismo é estéril, nada se ganha com ele. Esse é defeito!

Também há um tempo de criar e um tempo de terminar e mostrar. Se um pintor continuamente busca aperfeiçoar a sua pintura e se pretender só a expor quando for perfeita, nunca a exporá. Nunca a dará por concluída, porque sempre descortinará um leve, levíssimo, quase imperceptível, defeito num pequeno traço, numa pequena aplicação de cor. Esse perfeccionismo é paralisante, porque nunca permite que alguém dê por concluída a sua tarefa, que se descortine que a melhoria que seria possível obter é já tão ínfima que não merece o esforço de a obter. Esse perfeccionismo paralisante é defeito!

Mas o perfeccionismo saudável, a simples e honesta busca da perfeição, sabendo-se que esta é inatingível, mas que cada um dela se deve aproximar tanto quanto conseguir, com utilidade e no tempo asado, esse perfeccionismo nunca é defeito. É a virtude possível, em contraponto com a Virtude impossível a nós, humanos, a Perfeição.

O óptimo é inimigo do bom. Todos o sabemos. Mas isso não quer dizer que nos contentemos com o bom, que não busquemos o melhor, no caminho para o óptimo. Ponto é que não queiramos atingir o inatingível. Se o quisermos, o preço costuma ser que não se consegue o óptimo, nem o melhor, nem o bom e possivelmente nem o sofrível...

Reconhecer a nossa limitação humana em atingir a perfeição divina, mas esforçar-se por se aproximar desta quanto for humanamente possível, viável e adequado - esse deve ser um lema de vida do maçon.

Rui Bandeira

30 novembro 2007

Reflexão

Sexta-feira. Seis horas da tarde. Começo a escrever o quinto texto da semana.

A cabeça fervilha de ideias boas e originais. Infelizmente, as originais não são boas e as boas não são originais...

Entre a qualidade e a novidade, opto pela qualidade. É melhor publicar uma ideia boa de outro do que uma má ideia minha...

Li no blogue The Burning Taper uma citação de Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido por Voltaire, que me parece a afirmação de uma boa ideia: Conhecemos melhor uma pessoa através das suas perguntas do que através das suas respostas.

Pensando bem, é verdade. A resposta que alguém me dá pode ser trabalhada, dirigida para causar uma determinada impressão. Mas, normalmente, se se conseguir saber aquilo sobre que alguém se interroga, logra-se ter uma mais precisa noção das suas preocupações, dos seus interesses, dos seus receios, das suas prioridades. Enfim, do que a pessoa é.

Nesse sentido, aparentemente não deixo entrever nada do que eu sou neste blogue. O que escrevo - é a noção que tenho - é afirmativo, opinativo, descritivo. Tenho o objectivo, a pretensão e a prosápia de divulgar um pouco do que é a Maçonaria, o seu objectivo, o seu método, os seus meios, os seus símbolos. Afirmo, descrevo, interpreto. Não (me) questiono.

Logo, não importa o que escrevo. Não interessam os dados que divulgo no meu perfil, nem sequer a imagem da minha fotografia. Nem pelo meu perfil, nem pelo que escrevo permito que me conheçam. Porque não faço perguntas que não sejam meramente retóricas.

Reflicto. É bom, isso! O objectivo deste blogue não é que me conheçam. Quem me conhece, conhece-me! Quem não me conhece, se me quer conhecer, conheça-me! O objectivo deste blogue é mostrar um pouco do que é a maçonaria, do que são, como pensam, os maçons. Eu incluído. Tão só!

Duvido! Releio alguns textos que escrevi. Distraio-me. Mais do que confirmar ou infirmar a minha impressão, verifico que a minha escrita, na busca da beleza, afinal é simplesmente rebuscada, complicada, rococó. Mais do que apresentar as ideias, de as ilustrar, de as sublinhar, embrulho-as (e, logo, escondo-as) em frases grandes, complexas, cheias de vírgulas, parêntesis e travessões - como esta! Mas esta não conta. Foi escrita assim de propósito para ilustrar o que quero dizer!

Reflicto. A beleza não está no enfeite. Nem no complexo. Ou no acrescento. Muito menos no rococó. A verdadeira beleza está na simplicidade. E essa é que é difícil de atingir. Portanto, essa é que tem valor. Tenho a mania que escrevo bem. Leio-me e verifico que não. Venho escrevendo rebuscado. Não bem. A forma deve servir para realçar a ideia. Não para a esconder em folhos e voltas de frases arrebicadas . Vou procurar corrigir-me. Usar menos vírgulas, parêntesis e travessões e mais pontos finais. Este texto já procura ser assim. Menos rebuscado. Menos pretensamente elegante. Mais claro. Mais sóbrio. Mais perceptível.

Releio o que escrevi neste texto até agora. Parece-me que o objectivo está a ser cumprido. Suspeito que bem de mais! Agora vejo pontos finais em abundância e dificilmente lobrigo vírgulas, parêntesis e travessões. Do oito para o oitenta! Ou talvez do oitenta para o oito. A profusão de adjectivos também se mostra ausente. Hesito. Agora esta escrita lembra-me a de António Lobo Antunes ou a de José Cardoso Pires. Rio-me. Censuro-me da ideia. Não há padeiro que consiga fabricar a quantidade de pão que eu preciso de comer para eu poder chegar perto dos calcanhares de Lobo Antunes ou de Cardoso Pires... É melhor mudar de assunto e ir reflectir para outras paragens.

O que importa são as ideias que se transmitem. Não como se transmitem, a seco ou embrulhadas em enfeites. Será! Mas se o enfeite for demasiado, o leitor desiste de procurar a ideia e, sobretudo, de reflectir nela! Se a ideia for apresentada demasiado secamente, o leitor faz uma careta e vai procurar algo mais agradável. Nem sequer presta atenção à ideia e, portanto, não reflecte nela! O segredo está no equilíbrio. Escrever "bonito" sem substância é estéril. Debitar ideias como gráficos do Orçamento Geral do Estado é inútil: ninguém que não seja já especialista do assunto lê!

Equilíbrio, pois. Apresentar ideias realçando as ideias, não os arrebiques. Mas apresentando-as bonitas! Um pouco de perfume realça-as; um frasco de perfume despejado sobre elas afasta-nos, de mão no nariz! Um pouco de maquilhagem dá-lhes graça e atrai-nos. Aplicar a drogaria toda no seu frontispício fá-las parecer damas da noite, disponíveis para aluguer...
E as minhas ideias podem ser boas ou más, bonitas ou feias, mas são honestas! Que ninguém disso duvide, que a ninguém isso admito!

Pensa quem lê que este texto não tem nada a ver com Maçonaria. Errado! O maçon busca aperfeiçoar-se. Para o fazer, tem de se questionar e questionar o que faz. Ser crítico de si próprio. Não renegar o que é nem o que fez, mas analisar o que foi e o que agiu, para que possa procurar ser melhor e fazer melhor.

Insiste quem lê que então este texto não tem nada a ver com a citação de Voltaire. Faça o leitor o favor de ir lá atrás relê-la. Nem sequer tem uma pergunta. Errado outra vez. Este texto está cheio de perguntas. Faça o favor de as procurar. De ler o texto em todos os seus sentidos e nos seus vários níveis. Em Maçonaria, o conhecimento nunca está à vista. Está sempre encoberto. É preciso procurá-lo. Raspar a superfície da aparência. Espreitar para dentro do seu conteúdo. As perguntas é aí que estão. E, atrás delas, estou eu!

São seis e meia da tarde de sexta-feira e estou a acabar de escrever este texto. Errado novamente! Este texto foi todo pensado, foi todo feito, de manhã. Entre as seis e as seis e meia da tarde, só lhe meti as palavras dentro!

Rui Bandeira

29 novembro 2007

Foi um cometa que causou o Dilúvio - é simple(s)!

Hoje recebi uma mensagem de correio electrónico do simple, que transcrevo na parte que interessa para este texto (em bom rigor, vai mesmo ser esse o texto...):

Caríssimo:

Não pretendo, de modo algum, "impingir-lhe" temas para o blog; não faltava mais nada.

(...)

Dito isto, envio-lhe mais uma história, desta vez sobre um mito. Sendo o simbolismo algo de muito importante na Maçonaria, pareceu-me esta uma história interessante, pois trata da (possível) origem de uma das lendas colectivas mais difundida pelo mundo: a do Dilúvio; esta será, mesmo, transversal a muitas culturas pelo mundo fora, o que terá causado alguma estranheza na comunidade científica. Uma das hipóteses que se coloca será a da queda de um asteroide ter provocado um enorme tsunami, há cerca de 5000 anos atrás. Deixo-lhe os links - do New York Times e da Discover Magazine - para o caso de querer ler algo sobre o assunto:

Claro que, como na Maçonaria, também na Ciência há quem se debruce sobre conjecturas implausíveis (como é que o José Ruah lhes chamava? Eso-histéricos? Esse artigo dele estava hilariante...) mas mesmo esse permitem que, no pior dos casos, abramos o espírito a interpretações diversas daquilo que tínhamos como mais ou menos certo. E, se não for de todo verdade, não deixa de ser uma história interessante. Ou, como dizem, si non è vero, è benne trovato…

(...).

Vale a pena seguir os atalhos e ler as histórias. Atenção que o artigo do Discover tem duas páginas...

E, depois de ter lido os artigos, cá para mim é simple(s): não me admiro nada que a culpa do Dilúvio tenha sido do cometa!

Só há uma coisa que não entendi: como é que o bom do Bruce Massa (o arqueólogo referido no artigo do Discover) conseguiu determinar que o dito cujo cometa provocou o Dilúvio precisamente, exactamente, em 10 de Maio de 2.807 Antes de Cristo?

Isto é precisão a mais! É o borrão que estraga a pintura! E esta data será do calendário gregoriano ou do juliano? E a hora, minha gente? Então o homem consegue uma precisão destas e não faz mais um bocadinho de esforço e não determina a hora da queda do cometa?

Rui Bandeira

28 novembro 2007

O lugar do Aprendiz

O local onde uma Loja maçónica se reúne é pelos maçons designado de Templo. Dentro do Templo, e no decorrer de uma reunião de Loja, tudo existe segundo uma ordem determinada e todos têm assento em locais definidos. O sentido de ordem, a segurança que psicologicamente é transmitida a quem se encontra num local ordenado, onde tudo e todos estão no seu lugar, ajudam à criação de uma atmosfera de confiança, descontracção e concentração que é preciosa, quer para o bom desenrolar da sessão, quer para o conforto de todos, quer para a predisposição para atender aos assuntos do espírito, deixando-se efectivamente os metais à porta do Templo.

Como todos os outros obreiros, o Aprendiz tem o seu lugar determinado. Ou, melhor dizendo, uma zona da sala destinada a que ele ali se coloque e assista a tudo o que se passa. Esse lugar, essa zona, situa-se nas cadeiras traseiras do lado Norte da sala.

O lado Norte aqui em causa é, como quase tudo em Maçonaria, simbólico. Pode, portanto, corresponder ou não ao Norte geográfico. Normalmente, as salas onde decorrem as reuniões de Lojas têm a forma rectangular, com a entrada colocada num dos lados mais pequenos. E quando não tem essa forma, utilizam-se os adereços necessários para que o local onde decorre a reunião tenha essa disposição. O lado onde se situa a entrada é, por convenção, designado de Ocidente. Logo, o lado oposto, onde se coloca a Cadeira de Salomão, é o Oriente. A generalidade dos obreiros toma assento nos lados direito e esquerdo da entrada. Convencionado que está que a entrada se situa no Ocidente, o lado direito de quem entra é, portanto, o Sul e o lado esquerdo de quem entra é o Norte.

Portanto, o Aprendiz toma assento na segunda fila do lado esquerdo de quem entra. Como sempre, esta disposição tem um significado simbólico. Para ser entendido, há que ter presente que a Maçonaria nasceu no hemisfério Norte. Neste hemisfério, o que está situado a Norte é menos ensolarado, menos iluminado. Em termos de Maçonaria, o Aprendiz ainda está na fase de transição da vida profana para a vivência maçónica. Está em processo de aprendizagem dos símbolos, dos princípios, da vivência, da Maçonaria. Está no início do percurso que todos os maçons procuram fazer, do seu aperfeiçoamento, da busca do Conhecimento do significado da Vida e da Morte, da Criação, do Universo, do Material e do Imaterial. Está, como os maçons dizem, no início do caminho para a Luz. O Sol nasce a Oriente. Simbolicamente a Luz que o maçon busca encontra-se a Oriente. Daí que seja no lado que simboliza o Oriente que se encontra a Cadeira de Salomão, onde toma assento o Venerável Mestre, que conduz a Loja e os seus Obreiros na busca, individual e colectiva, do aperfeiçoamento e do Conhecimento, na busca da Luz. O Conhecimento, para quem não está preparado, pode ser nefasto, pode ser incompreendido ou mal compreendido e, logo, recusado, afastado, distorcido. Portanto, o acesso à Luz deve ser gradual, em função da capacidade, da preparação, do Caminhante. Consequentemente, aquele que está ainda menos preparado, aquele que está ainda na fase inicial da sua Jornada, deve ser protegido do excesso de Luz, para que nele se não torne nefasto o que deve ser benfazejo. Assim, deve tomar assento na zona mais protegida da Luz, ou seja, no Norte.

Quanto ao facto de tomar assento nas cadeiras traseiras, e não na primeira fila, tal deve-se, quer ao facto de, quanto mais ao Norte estiver, mais protegido estar da Luz em excesso, quer, muito mais prosaicamente, ao facto de o Aprendiz ainda ter uma reduzida intervenção nos trabalhos e ser conveniente deixar a primeira fila ser ocupada por quem pode intervir ou necessita de circular pela sala...

Esta regra só tem uma excepção: no dia da Iniciação, finda a respectiva cerimónia, o nóvel Aprendiz toma assento, até ao final da sessão (e só nessa sessão), na primeira fila do Norte. Também por uma razão muito prática: não faz sentido ser colocado mais atrás, porventura obrigando outros obreiros a desviarem-se para lhe dar passagem, para o que resta da sessão. Dá muito mais jeito manter reservado um lugar na primeira fila que, a seu tempo, será então ocupado pelorecém-iniciado. Afinal, depois do turbilhão de emoções que constitui a Iniciação, sabe bem sentar-se pertinho, pertinho, no primeiro lugar disponível e facilmente acessível...

A partir da´sessão seguinte, e durante todo o tempo em que for Aprendiz, tomará, então assento na zona que lhe está destinada, os assentos traseiros do lado Norte. Protegido na sua zona, subtraído a movimentações, o Aprendiz está sossegado, em plenas condições de se concentrar, de tudo observar, de tudo apreender. Em Maçonaria, o Aprendiz é um Homem do Norte...

Rui Bandeira

27 novembro 2007

A Maçonaria Americana e os novos tempos

A Maçonaria nos Estados Unidos da América teve uma evolução diferente da Maçonaria Europeia. Para além das especificidades e idiossincrasias do grande País da América do Norte serem claramente diferentes da mentalidade europeia (esta conformada por uma história milenar, algo que os americanos, com paciência, também virão a ter: basta-lhes aguardar uns oitocentos anos...), a Maçonaria Americana não se desenvolveu confrontada, como sucedeu com a Maçonaria Europeia, com a existência, muito precocemente criada (no primeiro século da institucionalização da Maçonaria Especulativa), de dois ramos diferentes: a Maçonaria Regular, centrada no estilo britânico da Grande Loja Unida de Inglaterra, e a Maçonaria Liberal, oriunda das concepções que vieram a prevalecer no Grande Oriente de França e, a partir deste, para diversas Obediências Maçónicas Liberais, com significativa existência em diversos países europeus e na América do Sul.

Com efeito, não tendo vivido de perto as incidências do grande conflito ocorrido nos finais do século XVIII e primeira metade do século XIX entre a tradicional, monárquica, mas constitucional, potência marítima europeia - a Inglaterra - e a potência continental, que se tornou revolucionária, instável, oscilando entre a República, o Império e a Monarquia Constitucional - a França -, os Estados Unidos da América desenvolveram a maçonaria segundo os princípios da Regularidade, directamente herdados da sua Potência Colonizadora, sem presença importante da maçonaria de pendor Liberal.

Enquanto na Europa a Maçonaria Liberal se expandiu ao ritmo do avanço dos exércitos napoleónicos e das ideias saídas da Revolução Francesa, sob a trilogia Liberdade-Igualdade-Fraternidade e a Maçonaria Regular seguiu os caminhos mais institucionais da ligação às monarquias constitucionais, sob a trilogia Sabedoria-Força-Beleza, o espírito prático dos americanos (Nação construída desde o berço da sua Declaração de Independência sobre os pilares da Liberdade-Igualdade-Fraternidade, princípios fundamentais da sua identidade colectiva, que a sua Maçonaria não precisou de reivindicar), pouco virado para as abstracções da Sabedoria-Força-Beleza, erigiu como lema da sua Maçonaria Regular o lema Fraternidade-Auxílio-Verdade (Brotherly Love- Relief-Truth).

A Maçonaria Regular americana desenvolveu-se, assim, sem concorrência de outras orientações, privilegiando a Fraternidade entre os seus membros e a Solidariedade.

Mas as últimas décadas têm revelado problemas. Registou-se, entre os anos 60 e 80 do século passado um acentuado declínio de interesse pela Maçonaria, expresso numa significativa diminuição da entrada de novos elementos. Toda uma geração se desinteressou da Maçonaria! A partir da década de 90 do século XX, a situação começou a alterar-se, o declínio cessou. Um pequeno aumento de novas adesões é registado. A geração do século XXI redescobriu o interesse na Maçonaria! Mas isso veio pôr novos problemas. A diferença de idades entre os "velhos" e os "novos" é importante. A diferença de experiências (os "novos" não viveram a II Guerra Mundial, nem a da Coreia e têm uma vaga ideia da aventura militar no Vietname...; os "velhos" mostram-se avessos a qualquer mudança, ao que quer que altere, por pouco que seja, o que sempre fizeram) e de mentalidades (os "velhos" defendendo com unhas e dentes a concepção da Maçonaria como clube social e fraternal, dedicado à filantropia; os "novos" sedentos de estudo e análise, de obtenção de conhecimentos, de debate e aprofundamento e entendimento das lições dos rituais e dos autores maçónicos, aspirando a um trabalho mais ao jeito da Maçonaria Europeia) cavou um fosso entre estas duas gerações que nem sempre está a ser fácil de ser ultrapassado.

Os conflitos vão surgindo, as incompreensões aparecem. Para quem está de fora, é visível que as tensões se acumulam e que alguma mudança vai ter que haver, de forma a que um novo e saudável equilíbrio, minimamente confortável para ambos os lados, "velhos" e "novos", se alcance. Os mais ponderados, de uma e de outra geração, vão aconselhando calma e paciência e apontando, por um lado, que os "novos" têm muito a ganhar se atenderem à experiência dos mais antigos, ainda que isso implique retardar um pouco os passos da mudança por que anseiam (afinal de contas, os mais velhos já não conseguem andar com a vivacidade da juventude...) e, por outro, que os mais "velhos" têm de conseguir adaptar-se às mudanças e à evolução dos tempos, que o imobilismo não é solução e que o mais assisado será deixar a nova geração conduzir a Maçonaria para os carris do século XXI, ainda que isso lhes cause alguma desorientação e dificuldade na assimilação de novas referências. Os mais ponderados, em suma, assumem que nem o imobilismo nem a mudança brusca são desejáveis.

Esta evolução é, obviamente, um processo lento, doloroso, algo conflituante, por vezes. Mas tem de ocorrer. Quanto mais cada geração conseguir dialogar com a outra, procurar entender os seus anseios e receios e buscar harmonizá-los com os seus próprios receios e anseios, mais fácil a jornada se tornará, menos perigos haverá, menos derivas ocorrerão.

Para já, a Maçonaria Liberal está aproveitando a brecha e acabou de ser anunciada a criação do Grande Oriente dos Estados Unidos da América, em articulação com a "Maçonaria Moderna" (ou Liberal) de França e do resto da Europa e do Mundo ("traduzindo": do Grande Oriente de França e das Potências Maçónicas da Maçonaria Liberal agrupadas na CLIPSAS.

Não me incomoda nada. Há lugar para todos e a Maçonaria Liberal, sendo um ramo diferente da Maçonaria Regular com ela partilha o essencial dos princípios. Em democracias estabilizadas, as diferenças são mais de postura do que de fundo e resumem-se a questões que não devem fazer com que cada uma das tendências incompatibilize ou menorize a outra (aceitação ou não de ateus na Obediência, diferentes modos de intervenção na sociedade, diferentes posturas quanto às organizações mistas e femininas que se reclamam dos princípios maçónicos, e pouco mais, se é que algo mais...). Na Europa, é pacífica a implantação dos dois ramos da Maçonaria e é até existente, nalguns lados, ou encarada, noutros, a colaboração em assuntos profanos ou para o mundo profano, das Obediências de uma e de outra tendência. Cada uma das tendências procura contribuir para melhorar os seus membros e a Humanidade, à sua maneira. Talvez até se revele bom que a Maçonaria Liberal também se implante nos EUA. Talvez cada uma das tendências funcione como catalisador para o crescimento e melhoria da Maçonaria e, por conseguinte, também da outra Obediência. Mas que a Maçonaria Liberal soube aproveitar o momento para "meter uma lança... na América", lá isso é verdade! E só há que registá-lo...

Quanto à Maçonaria Regular americana, se é que de fora algum conselho é admissível, esta evolução será talvez um bom pretexto para reflectir que o imobilismo geralmente só impede mudanças harmoniosas, gerando mudanças tempestuosas e causando efeitos inesperados. Talvez esta brecha explorada pela Maçonaria Liberal na fortaleza Regular que era a Maçonaria Americana seja um exemplo disso mesmo... E, quanto aos mais "novos", talvez devam também ter em atenção que, se é necessário lavá-lo, convém não deitar fora o bebé com a água do banho... Ou, neste caso, será bom não deitar fora os "velhos" juntamente com a água corrente no desaguar da Maçonaria no século XXI...

Entendam-se! Afinal de contas, são Irmãos! Enquanto estão tão entretidos a brigar pelo tabuleiro do jogo, os "primos" já vos entraram em casa e também querem ficar com algumas das peças...

Rui Bandeira

26 novembro 2007

O Grão-Mestre Fundador

Fernando Teixeira foi o Grão-Mestre Fundador da Obediência Maçónica Regular Portuguesa, internacionalmente reconhecida, em que se integra a Loja Mestre Affonso Domingues, que se denominou, inicialmente de Grande Loja Regular de Portugal e que presentemente se denomina Grande Loja Legal de Portugal/Grande Loja Regular de Portugal (GLLP/GLRP). O seu currículo maçónico está resumido na página dedicada aos Past Grão-Mestres do sítio da GLLP/GLRP, na forma seguinte:

Curriculum Vitae maçónico

- Grau 33 do Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceite.
- Membro Honorário do Grande Priorado de Helvetia.
- Cavaleiro Benfeitor Honorário da Cidade Santa, do Grande Priorado Lusitano.
- Grande Prior do Capítulo Português do Arco Real.
- Membro de Honra da Grande Loja de Washington D.C.
- Membro de Honra da Loja "Atlântida" da Grande Loja de Espanha.
- Grande Oficial Honorário do Grande Oriente de Itália.
- Membro Honorário (Venerável de Honra) da Loja "Oldest Ally" da Grande Loja Unida de Inglaterra.
- Grande Oficial Honorário da Grande Loja de Porto Rico.
- Grão Mestre Honorário "Ad Vitam" da Grande Loja da Roménia.
- Medalha de ouro da Grande Loja Nacional Francesa.

Em 1984, Fernando Teixeira sai do Grande Oriente Lusitano e funda a Grande Loja de Portugal.
Em 1989, é designado Grão Mestre do Distrito de Portugal da Grande Loja Nacional Francesa.
Em 29 de Junho de 1991, a Grande Loja Regular de Portugal é constituída e reconhecida internacionalmente como Obediência Regular em Portugal, tendo Fernando Teixeira sido nomeado o seu primeiro Grão Mestre.
Reeleito em Setembro de 1994, é substituído em Setembro de 1996, a seu pedido e por motivos de saúde, tendo sido nomeado Grão Mestre Jubilado.

Quando relembro na minha memória Fernando Teixeira, a expressão que assoma ao espírito para definir a marca que deixou em mim é a de Príncipe da Renascença. Fernando Teixeira possuía um carisma invulgar, sabia que o tinha e utilizava-o sem tibiezas. Como Grão-Mestre, governou a Grande Loja com mão de ferro envolta em luva de pelica e sorriso cúmplice. Impunha a sua vontade como um rei absoluto, mas ouvia todos os obreiros, desde os mais próximos colaboradores ao mais recente e imberbe Aprendiz com interesse, agrado e atenção. E não se coibia de elogiar uma boa ideia, um ponto de vista interessante, vindo de um obscuro obreiro e de ordenar (é o termo: Fernando Teixeira, mesmo quando pedia, ordenava...) aos seus mais íntimos colaboradores, aos que asseguravam os mais altos ofícios na Grande Loja, que executassem a boa ideia, que atentassem no ponto de vista interessante.

A imagem que guardo de Fernando Teixeira é a de um homem com uma notória superioridade intelectual, uma cultura enciclopédica, que impressionava os demais e os predispunha para seguirem as suas orientações. Daí o seu carisma. Mas também era um homem perfeitamente consciente desse seu carisma e que o utilizava, sem qualquer hesitação, para garantir que a sua vontade imperasse. Fernando Teixeira foi, sem dúvida, um homem brilhante, que era óptimo ter como amigo, mas que era temível ter como inimigo...

A Grande Loja muito deve a Fernando Teixeira, à sua enorme inteligência, à sua habilidade no trato, à sua capacidade diplomática. Tendo sido criada na esfera de influência da Grande Loja Nacional Francesa, obteve, em tempo recorde, o reconhecimento das Grandes Lojas da esfera de influência anglo-saxónicas, as Grandes Lojas americanas e a Grande Loja Unida de Inglaterra e, com ele, o reconhecimento em todo o Mundo, como a Potência Maçónica Regular em Portugal. Conseguiu, em escassos dois anos, o que outros, mais ricos, fortes e poderosos, em outras paragens levaram anos e anos a obter.

Criou a Obediência a partir quase do nada, com espartana administração dos escassos recursos disponíveis. Sabia e fez saber que a afirmação da Obediência passava também pelo seu apuro ritual. Ensinou e exigiu que se aprendesse.

Fernando Teixeira foi, sobretudo, um grande líder. Com todas as características de um líder. Com todas as virtudes de um líder. Também com os defeitos que o hábito da liderança cria. Era uma vedeta e comportava-se como tal - mas todos gostavam dele assim mesmo e todos esperavam que fosse precisamente assim que se comportasse. Era autoritário e proclamava o seu orgulho em o ser - mas todos se sentiam confiantes no seu exercício da autoridade.

Os cinco anos de exercício do ofício de Grão-Mestre por Fernando Teixeira foram muito frutuosos. Do nada, ou quase, a Obediência cresceu, implantou-se, estruturou-se, organizou-se.

Fernando Teixeira apreciava as boas coisas da vida e afirmava-o sem tibiezas. E gostava de pompa e circunstância, sobretudo nas cerimónias em que recebíamos dignitários estrangeiros. Misturava a solenidade com a humanidade e singeleza com a naturalidade só acessível aos eleitos. Recordo-me de, ainda Companheiro, o ver entrar com pomposa solenidade, usando um riquíssimo avental e o seu Colar de Grão-Mestre, numa sessão de Grande Loja. A dada altura, essa sessão de Grande Loja ficou restrita aos Mestres - o que impôs que os Aprendizes e Companheiros aguardassem no exterior o desenrolar dos trabalhos até à altura em que podiam reentrar. Mas os trabalhos eram demorados e o tempo passava... De repente, no hall do hotel onde os mais novos procuravam consolar o seu aborrecimento, a caminho do tédio, aparece Fernando Teixeira, com todos os seus paramentos. "Fiz um intervalo nos trabalhos, para vir cá fora fumar uma cigarrilha e fazer-vos um pouco de companhia, que já estão há muito tempo à espera..." E cavaqueou durante dez minutos com os Aprendizes e Companheiros, após o que reentrou para recomeçar a sessão. E claro que deixou cá fora umas dezenas de incondicionais, resgatados do tédio da espera por dez minutos de atenção do Grão-Mestre...

Foi assim Fernando Teixeira, príncipe da Renascença, homem brilhante e carismático, que gerou incomensuráveis fidelidades.

Fernando Teixeira gostava do Poder - e assumia-o. Mas a saúde começou a traí-lo e resignou-se a deixar o ofício de Grão-mestre. Mas o perfume do Poder não deixou de o atrair. Conviveu mal com a saída do ofício. Não deixou respirar o seu sucessor. Estava então, também rodeado de alguns próximos que eram mais lata brilhante do que metal precioso. Não se apercebeu que o brilho que estes mostravam mais não era do que o pálido reflexo do brilho que ele próprio emanava. Ainda o seu sucessor não tinha aquecido o lugar, desentendeu-se com ele e quis impor a sua exoneração. Acabou por integrar a cisão da Casa do Sino.

Do meu ponto de vista, errou então. Mas não é esse erro, por muito dolorosas que tenham sido as situações então vividas, que deslustra, a meus olhos e aos olhos de todos quantos com ele privaram naqueles anos gloriosos de implantação da Maçonaria Regular em Portugal, tudo o que anteriormente, com brilhantismo, ele fez em benefício desta.

Tenho - temos, todos nós nesta Casa - muito orgulho, muita honra no Grão-Mestre Fundador, Fernando Teixeira.

E muita gratidão pelo que lhe devemos. E alguma saudade.

Outros haverá que também homenageiam a sua memória. Pela minha parte, em nada isso me incomoda. Poderemos ter, porventura, outras divergências. Ainda bem que convergimos na boa recordação de Fernando Teixeira. E, lá no Oriente Eterno a que, chegada a sua hora, Fernando Teixeira passou, estas tricas dos pobres humanos nada significam...

Rui Bandeira

23 novembro 2007

O eco da vida

Mais uma pequena alegoria recebida em correio electrónico e por mim adaptada, que ilustra bem a postura que devemos ter na vida, se a queremos viver da melhor maneira.

Um pai e um filho passeavam na montanha. A certa altura, o filho magoou-se e gritou: - Aaaahhhhh!

Para seu espanto, ouviu, vinda não sabia de onde, da montanha, uma voz que respondeu: - Aaaahhhhh!

Curioso, o menino gritou: - Quem está aí?

E ouviu, vindo não sabia de onde, da montanha, a mesma voz responder: - Quem está aí?

Zangado com a resposta, o menino gritou: - Estúpido!!

E ouviu a mesma voz responder-lhe, sempre vinda não sabia de onde, da montanha: - Estúpido!!

Confuso, o menino perguntou ao pai o que se passava, que voz era aquela. O pai, sorrindo, disse-lhe: - Filho, presta atenção!

E, virando-se para a montanha, gritou: - És admirável!

Logo se ouviu uma voz respondendo de volta: - És admirável!

O pai gritou de novo: - És um campeão!!!

E ouviu-se de volta: - És um campeão!!!

O menino, admirado, continuava a não entender. Então o pai explicou-lhe: - O que ouvimos chama-se eco. É o som da nossa própria voz que, reflectido, regressa até nós.

E prosseguiu: Também a vida é assim: devolve-te tudo o que dizes ou fazes. A nossa vida é o reflexo das nossas acções. Portanto, se desejas mais amor no Mundo, cria mais amor à tua volta; se desejas felicidade, faz felizes os que te rodeiam; se desejas um sorriso na alma, dá um sorriso à alma dos que conheces. Esta relação aplica-se a todos os aspectos da vida. A vida devolve-te exactamente o que tu lhe deres. A tua vida não é uma coincidência ou uma sucessão de acasos: é um reflexo de ti próprio. Portanto, se algum dia não gostares do que recebes de volta, revê muito bem o que estás a dar!

Sejam felizes!

Rui Bandeira

22 novembro 2007

Da Loja - prefácio

Doric Room - Templo da Grande Loja de Nova York -


Há já algum tempo que ando com vontade de iniciar uma serie de textos sobre Lojas. Falar sobre aspectos relativos à gestão das mesmas, sobre o nascimento, o apogeu, o declínio, o ressurgimento e mesmo a morte das Lojas.

Não sei ainda quantos textos serão nem qual a periodicidade, nem sequer a sequência que lhes vou dar. Considerem este texto como uma introdução ao tema.

Acredito, como sempre acreditei, em Lojas fortes unidas e com uma dimensão de várias dezenas de obreiros e ao longo do tempo tenho vindo a pensar que uma Loja precisa mais do que trabalhos rituais e pranchas simbólicas.

É para mim fundamental, não só perceber porque começam as Lojas, com que objectivos e finalidades, mas também porque razão acabam, ou passam por períodos de menor vitalidade.
Uma Maçonaria forte e interventiva só é possível com Lojas a trabalharem correctamente e com projectos de união interna.

Há para mim algumas noções que não estando em livros devem ser apreendidas pelas Lojas e pelos Maçons que as compõem, e creio que começar com essas noções será uma boa forma de iniciar esta sequência de textos.

Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiro, destes nem todos chegarão a Mestre Maçon. Seguramente que apenas alguns dos Mestres chegarão a Venerável Mestre .

O Cargo de Venerável não é o fim último de uma “carreira” dentro da Loja. É um cargo ao qual se deve chegar porque se crê que naquele momento aquela pessoa pode acrescentar à Loja.

Acrescentar significa continuar um projecto existente e não fazer um projecto próprio. Apenas a Loja deverá ter um projecto para o qual contribuem todos incluindo o Venerável.

O sucesso do percurso está, de facto, ligado ao Homem em si, mas está muito mais ligado à capacidade da Loja de suprir quaisquer defeitos ou falhas e permitir o sucesso daqueles que por feitio ou personalidade são um pouco menos carismáticos, e também ter a capacidade de mitigar as acções daqueles que são muito carismáticos.

Deve ser feito o aproveitamento máximo do Capital de Experiência, mas não se deve exaurir a fonte.

Lançado que está o tema, resta começar a trabalhar nele. Todavia as perguntas e os comentários serão sempre bem vindos e ajudarão seguramente a melhorar esta sequência de textos.



José Ruah

EXPOSIÇÃO de PINTURA e DESENHO














Para quem andou por "Castelo Rodrigo" recorda-se com certeza da "Maria", para quem não andou ficará a recordar-se se fôr visitar a exposição !

Não deixem de ir até lá !

JPSetúbal

O reactor nuclear de Sacavém tem um novo coração








Dentro das pesquizas diárias sobre assuntos diversos surgiu-me esta notícia, publicada no "Público" e assinada por Teresa Firmino, que quis trazer para o blog por 2 razões:

- O nuclear foi questão já ventilada por cá;
- Tem relação directa com o tema "Meio ambiente", também muito tratado entre nós.

Então aqui Vos deixo este trabalho, que considero bem interessante.

Para José Marques, a luz mais bela do mundo vem do fundo de uma piscina. Não de uma piscina qualquer, mas daquela onde se encontra o núcleo do Reactor Português de Investigação, perto de Sacavém. Do núcleo – o coração do reactor – emana um azul luminoso, intenso, tranquilizador até.
Este Verão, o reactor recebeu um novo coração, com outro combustível, que entretanto voltou a brilhar.“Então José, o azul mudou?”, perguntava, a brincar, Parrish Staples, da agência nacional de segurança nuclear do Departamento de Energia dos EUA, depois de uma visita ao reactor há alguns dias. “Não, que eu tenha notado”, respondia-lhe, no mesmo tom, o director do Reactor de Investigação Português.
Mas o físico português não quis perder o momento, há cerca de duas semanas, em que o reactor com o novo combustível atingia a potência normal, que é de 1 megawatt, o equivalente a mil aquecedores a óleo domésticos de 1 quilowatt. Subiu para uma ponte móvel mesmo ao centro da piscina e pôs-se a fotografar o tal azul ou, como ele diz, “a luz mais bonita do mundo”.
Bem conhecida dos físicos nucleares, essa é a radiação de Cherenkov, um fenómeno descrito pelo físico russo Pavel Cherenkov, pelo qual ganhou o Nobel da Física de 1958. Durante a reacção em cadeia, os átomos de urânio são escaqueirados com neutrões: dessa cisão resultam outros elementos radioactivos, cuja posterior desintegração origina a emissão de electrões e positrões.
Ora, a luz azul é o efeito resultante do facto de essas partículas viajarem mais depressa do que a luz na água (a luz viaja a menos de 300 mil quilómetros por segundo na água, enquanto as partículas o fazem a essa velocidade).
Para chegar ao pé do reactor português e ver a inesquecível radiação de Cherenkov, é preciso ir ao Instituto Tecnológico e Nuclear. José Marques, de 42 anos, a trabalhar no reactor desde 1997, é o cicerone de uma pequena comitiva, para assinalar a conversão do reactor.
Entre os convidados, além de Parrish Staples, encontra-se James Matos, do Laboratório Nacional de Argonne, perto de Chicago; John Kelly, representante da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA); e Jean-Louis Falgoux, da Cerca, a empresa francesa que fabricou do combustível para o reactor português.José Marques encaminha-os até à porta metálica de um pavilhão, com um palmo de grossura, por cima da qual se lê, em letras cor-de-rosa, “reactor em operação”.
Transpõem essa porta, esperam numa salinha até outra porta igual se abrir e, depois de passarem por um corredor, surge-lhes a piscina do reactor. Ergue-se nove metros acima do solo, no centro, sem qualquer janela para o exterior.
No fundo da piscina, repousa o coração do reactor rodeado por 450 mil litros de água, que blindam a radiação.

O enriquecimento do urânio

Neste momento, o núcleo só tem urânio de baixo enriquecimento, tendo sido substituído o núcleo com urânio muito enriquecido. Na natureza, o urânio natural é quase só do isótopo (forma) 238, possuindo apenas 0,7 por cento de urânio-235, aquele que interessa para uma reacção em cadeia.
Por isso, tem de se enriquecer o urânio natural com o isótopo 235. Se for para um reactor de produção de electricidade, é enriquecido até cinco por cento. Se for para um reactor de investigação, como o português, o enriquecimento vai até quase 20 por cento. Quando se excede os 20 por cento, o urânio é considerado de alto enriquecimento.
Era o que sucedia com anterior núcleo do reactor português: comprado aos EUA em 1973, tinha urânio enriquecido a 93 por cento.“Pouco depois desse urânio ter sido comprado, na Administração Carter, os EUA decidiram limitar as vendas deste tipo de material, dado que poderia ser convertido para usos militares, para bombas”, explica José Marques. “A maior parte dos países têm vindo a converter os reactores para um enriquecimento inferior a 20 por cento, dado que esse tipo de material já não tem interesse para aplicações militares.”Agora chegou a vez do reactor português.
Começou a funcionar a 25 de Abril de 1961, quando se fez a primeira reacção nuclear controlada em Portugal.
Na altura, pensava-se que o país poderia vir a ter uma central nuclear de produção de energia eléctrica, uma ideia abandonada nos anos 70.
É a terceira vez que se compra combustível para o reactor, depois do que foi adquirido em 1961 (devolvido em 1999 aos EUA) e em 1973 (em uso até agora).O projecto para mudar o núcleo necessitou de três anos. “Tenho mais de 500 e-mails de José Marques”, lembra James Matos, para exemplificar o imenso trabalho.
O Departamento de Energia dos EUA deu o urânio já enriquecido e uma parte do dinheiro para pagar o fabrico do combustível à Cerca, a outra parte foi paga por Portugal (no total, custou 500 mil euros).
O laboratório de Argonne e a equipa do reactor nuclear português fizeram os estudos de segurança para a mudança do núcleo. E à AIEA coube a coordenação global do projecto, dando a ajuda que se necessitasse e avaliando os estudos de segurança feitos.
A 31 de Maio, o reactor era parado.
Em Junho, a AIEA enviava uma carta formal dizendo que apoiaria qualquer pedido de licenciamento que os responsáveis pelo reactor fizessem às entidades portuguesas competentes. Em Agosto, a Direcção Geral de Geologia e Energia concedia, assim, a licença de operação com o novo combustível. No início de Setembro, o novo núcleo começava a operar a baixa potência.“Herdei um sonho, que é manter o reactor a funcionar nas melhores condições e disponibilizá-lo à comunidade científica”, resume José Marques.
Para tal, terá urânio que chegue até 2016.

Como é o núcleo e o que vai fazer-se com ele

Se, pela luz azul, o coração do reactor nuclear português é fácil de localizar dentro da sua piscina, como é ele exactamente?
Do topo da piscina, um conjunto de tubos cilíndricos desce até ao reactor: são as barras de segurança, que, caso seja necessário parar a reacção em cadeia, entram pelo coração do reactor adentro e absorvem os neutrões que fazem falta para manter a reacção.
O sítio onde entram essas barras, visto de cima, parece uma grelha: na verdade, são 12 paralelepípedos na vertical, a que se chama os “elementos de combustível”.
Em cada um desses elementos, com 70 centímetros de altura, existem placas de alumínio e são elas que têm o urânio no miolo. Alguns desses elementos têm 18 placas de alumínio, enquanto outros, aqueles onde descem as barras de segurança, possuem uma dezena. O coração velho repousa num canto, no fundo da piscina, até os EUA o virem buscar. Se apagássemos todas as luzes, ainda veríamos uma luz azul ténue, durante anos.
Dentro da água, junto ao novo coração do reactor (o único na Península Ibérica dedicado à investigação científica), irão ser colocados os mais diversos objectos para serem irradiados. Já se irradiaram peças arqueológicas para ver a composição, rochas lunares, esterilizaram-se moscas dos citrinos ou testaram-se murganhos à procura de um tratamento selectivo do cancro.
O reactor serve também para investigação fundamental médica, por exemplo produzindo isótopos (formas de elementos) radioactivos. O estudo de materiais num ambiente de radiação é outra das suas utilizações, razão por que o reactor português faz parte de uma rede europeia de pequenos reactores: “Vão fazer-se estudos de materiais para a próxima geração de reactores de produção de electricidade”, explica José Marques, director do reactor português.
Outra das vertentes do reactor é a educação: “Tem sido uma ferramenta de ensino desde o início da sua operação em 1961. Todos os anos recebemos dezenas de alunos universitários, que aí realizam trabalhos experimentais que não poderiam fazer noutro sítio.
Recebemos também milhares de estudantes do ensino secundário, que têm assim o primeiro contacto com o ‘nuclear’”, acrescenta José Marques.

A 51ª conversão de um núcleo americano

Com o caso português, os EUA já mudaram o combustível a 51 reactores nucleares de investigação, desde 1978. Nesse ano, lançaram um programa para converter o urânio altamente enriquecido de reactores de investigação em urânio de baixo enriquecimento.
O motivo? Se for roubado urânio de um reactor de investigação enriquecido acima de 90 por cento com o isótopo 235, esse material pode ser utilizado para fazer bombas. O melhor, considerou-se, seria deixar de usar urânio muito enriquecido para fins civis. “A única maneira de convencer países que podem ser problemáticos a não usar esse material é dar o exemplo. É não haver excepções para ninguém”, explica o físico José Marques.
Em 2004, o programa americano ganhou impulso, em particular por causa dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, chamando-se Global Threat Reduction Iniciative.
Depois disso, os presidentes George W. Bush (EUA) e Vladimir Putin (Rússia) acordaram um programa conjunto: “Tanto os americanos como os russos se comprometeram a fazer a limpeza do mundo. Foram eles que forneceram tecnologia nuclear, cada um na sua esfera de influência. Tomaram a responsabilidade de ir buscar o material que forneceram desde os anos 50, o que não é trivial”, diz José Marques.
Entre os 51 reactores de investigação de origem americana já convertidos, 14 estão nos EUA (aí, outros 28 aguardam conversão). “Ainda há cerca de outros 50 para ser convertidos que usam urânio de alto enriquecimento fornecido pelos EUA”, conta José Marques.
Quanto aos núcleos de origem russa, houve quatro conversões. Entre reactores americanos e russos, qual é a situação? “Há mais de 100 reactores a operar com urânio altamente enriquecido.
Há 20 toneladas de urânio altamente enriquecimento por aí, que dão para fazer centenas de armas nucleares”, refere John Kelly, representante da AIEA. “A conversão de núcleos é um programa de segurança.”


JPSetúbal

21 novembro 2007

Interlúdio

Contra o que é habitual, ontem não foi publicado qualquer texto no A Partir Pedra. Tal ocorreu por avaria nas comunicações na zona de onde me ligo à Rede, precisamente quando, com o texto já escrito, seleccionava uma imagem para o acompanhar. Aproximava-se a hora do jantar - que, em minha casa, é um momento sagrado de reunião e convívio familiar - e não me foi possível aguardar pelo retomar das comunicações. Portanto, ontem as circunstâncias impuseram que não pudesse ser cumprido o propósito de, fora dos períodos de férias, o blogue ter sempre publicado, pelo menos, um texto em cada dia útil.

Fiquei levemente aborrecido, mas sou um optimista. E um optimista consegue sempre descortinar algo de bom no que corre mal, consegue sempre antecipar algum sol no meio de uma tempestade.

A pausa forçada permite-me reequilibrar um pouco a minha produção de textos aqui no blogue. Como tive oportunidade de referir aqui, este ano maçónico esperava que a minha contribuição para o blogue se cifrasse em dois textos por semana. Isso não se tem revelado possível. O reforço que se anunciava não se concretizou. Até agora, pelo menos. Os afazeres e as falhas de inspiração dos outros autores habituais de textos no blogue também os têm impedido de publicar mais assiduamente. Como resultado, para garantir o cumprimento do desejado objectivo de pelo menos um texto em cada dia útil, tenho tido necessidade de publicar quatro e, por vezes, cinco textos por semana.

Não me queixo. A publicação de textos no blogue é um acto voluntário, quem corre por gosto não cansa e quem não pode, arreia. Mas esta necessidade de garantir um ritmo elevado de publicação não deixa de me preocupar, sobretudo pelos possíveis reflexos na qualidade dos textos. Não é possível haver ópera todos os dias... E quanto mais dias houver função, menor será a proporção da ópera no meio da música...

A qualidade dos textos aqui publicados é para mim importante. Para escrever qualquer coisa de qualquer maneira, mais vale estar quieto e tentar fazer algo de mais útil... Procuro, portanto, escrever de forma a expor ideias, pensamentos, conclusões, que sejam dotados de alguma Sabedoria, que tenham alguma Força para inspirar ou influenciar quem lê e que sejam textos com alguma Beleza de escrita.

Porém, para escrever algo com uma sofrível Sabedoria é preciso reflectir. E quanto mais frequentemente se tiver que publicar, menos tempo se tem para reflectir no que se escreve...

Para escrever algo com a Força suficiente para marcar quem lê o texto, tem de se escrever convictamente. E a necessidade de publicar todos os dias obriga, por vezes, a escrever sobre detalhes, ligeirezas ou curiosidades, sobre os quais dificilmente se consegue transmitir convicção... Não que não haja lugar a textos sobre detalhes, ligeirezas e curiosidades aqui no A Partir Pedra. Claro que há, até por uma questão de saudável variedade de temas e estilos. Mas gostaria de poder programar mais descansadamente a mescla do sério com o ligeiro, para poder tentar até o ligeiro dotar de alguma Força...

Para escrever textos com alguma Beleza, com alguma qualidade de escrita, necessito de muita transpiração... Não sou um artista das letras, não escrevo particularmente bem, tenho consciência que mais não sou do que um medíocre alinhavador de palavras, um sofrível escrevinhador, um razoável divulgador de pensamentos. Mas, embora com reduzido sucesso, procuro, tento, teimo, que o que escrevo tenha, aqui ou ali, algo que possa ser considerado como não feio de todo. Para tentar não me distanciar muito desse objectivo, mister é que releia, emende, corrija, melhore o que a minha pouco inspirada mente vai dolorosamente expelindo. Mas a necessidade de publicar a um ritmo diário permite-me menos tempo para que o faça... E, no entanto, para mim é importante ter possibilidade de reler e aprimorar os textos que vou escrevendo, antes de os publicar. Nunca cesso de me surpreender como a simples alteração de disposição, de humor, entre o momento em que escrevi um texto e aquele em que o revejo, me possibilita aprofundá-lo com novos detalhes, enriquecê-lo com novas cambiantes, adorná-lo com mais uma ou outra imagem.

Procuro, sempre que possível, escrever com alguma antecedência, ter de um a cinco textos aptos a serem publicados, de forma a poder revê-los, melhorá-los, afiná-los, antes da publicação de cada um e, até, poder jogar com a respectiva ordem de publicação. Mas ultimamente isso não tem sido possível: os meus próprios afazeres nem sempre me têm permitido escrever todos os dia úteis e a reserva de textos foi sendo utilizada.

Procuro, pelo menos, escrever de manhã e só publicar ao fim da tarde, para ainda ter um tempinho para o meu subconsciente me ajudar a providenciar por uma ou outra afinação. Mas dias há em que nem isso tem sido possível, em que tenho escrito e imediatamente publicado. Resultado: quando releio o que já está publicado, mais frequentemente do que eu gostaria deparo com detalhes que deviam ter sido melhorados. E isso aborrece-me. Porque quem me lê tem direito ao melhor do que sou capaz, não apenas ao que saiu...

Portanto, a avaria de ontem teve o resultado positivo de me permitir uma pequena folga, que, espero, me ajudará a poder melhorar um pouquinho a qualidade do que publico. Porque ontem não publiquei e o texto que estava prestes a ser publicado fica de reserva para um dia destes (após revisão e aperfeiçoamento...) e hoje pude, a propósito, exercitar a minha capacidade de escrever sobre nada, ganhei mais um dia para reflectir sobre algumas coisas que ainda não tinha decidido se iria escrever sobre elas aqui no blogue - e que entretanto já deu para me decidir pela afirmativa -, de forma a que valha a pena escrever sobre elas. Escrever sobre nada dá-me tempo para reflectir sobre a substância do que escreverei um dia destes. Hoje, escrevi sobre a espuma de algo sem importância, enquanto me preparo para escrever sobre o âmago de assuntos bem mais importantes.

O que uma avaria propicia e o que a capacidade optimista de retirar algo de positivo do que corre mal possibilita!

Rui Bandeira

19 novembro 2007

Balanço da memória

Desde que iniciei a série de textos que designei "Memória da Loja", já fiz referência aos mandatos de todos os 16 Veneráveis Mestres cujos mandatos se iniciaram antes da criação do A Partir Pedra. Reflecti sobre se deveria parar por aqui, dedicando este registo a esses mandatos iniciados antes de criado o blogue. Decidi, porém, prosseguir, enquanto o blogue também continuar a ser publicado. Por um lado, embora as principais iniciativas da Loja Mestre Affonso Domingues sejam aqui divulgadas, o que porventura justificaria a cessação de publicação de textos sobre os mandatos que decorrem já em curso de publicação do A Partir Pedra, o certo é que a dinâmica dos textos publicados em relação aos mandatos dos primeiros 16 Veneráveis Mestres da Loja Mestre Affonso Domingues acabou por redundar em análises, necessariamente subjectivas, dos respectivos méritos e deméritos, êxitos e fracassos, projectos e rotinas. E isso não é suprido apenas pelas referências casuísticas e factuais às iniciativas que vão ocorrendo. Embora com o selo da minha subjectividade, procurei dar uma visão de conjunto da acção de cada um dos 16 primeiros Veneráveis Mestres. Não seria justo que omitisse essa visão em relação aos subsequentes, a pretexto de o blogue já existir e fazer avulsas referências às iniciativas em cada momento tomadas. E, aliás, mesmo em relação a estas, apenas tenho por hábito publicar o que tem repercussão externa à Loja. A vida interna da Loja apenas a nós diz respeito. Publica-se as notícias da eleição e da tomada de posse do Venerável Mestre e do Tesoureiro e pouco mais. Tudo o resto que não tenha repercussão externa é matéria interna, que não se justifica seja divulgada na contemporaneidade da sua ocorrência. Justificar-se-á a sua referência integrada na "Memória da Loja", na medida em que cada ocorrência, cada decisão, cada evento, auspicioso ou infeliz, tenha relevância para a evolução da Loja e dos seus obreiros.

Dentro deste critério, tenciono prosseguir a publicação de textos integrados na "Memória da Loja". Mas, em relação à análise do mandato de cada Venerável Mestre, entendo que devo fazê-lo quando ele for já "memória", não passado próximo. Assim, não haverá balanço do mandato do Venerável Mestre em cada momento em funções (nem podia haver, por este estar ainda a decorrer), nem do que o imediatamente o antecedeu, este porque ainda de alguma forma influencia o que está a decorrer. Com efeito, cada Venerável Mestre prossegue o trabalho do anterior, desenvolvendo-o, corrigindo-o, alterando-o ou virando-o do avesso, se assim o entender. Comentar esse mandato anterior, particularmente se expressando concordância ou discordância, seria uma forma de subrepticiamente manifestar opinião sobre o que, em cada momento, é feito. Claro que não tenho qualquer problema em dar a minha opinião sobre as decisões, acções ou omissões do Venerável Mestre em exercício. Mas fá-lo-ei perante ele, ou em privado, ou em sessão de Loja. Nunca usando este meio de comunicação, público por definição. É uma simples e mera questão de lealdade, para não dizer cortesia...

Portanto, a minha opinião, a minha memória do mandato de cada Venerável Mestre será aqui dada, a partir de agora, apenas quando o sucessor do seu sucessor for instalado na Cadeira de Salomão. Memória, não actualidade... Daqui decorre que, daqui em diante, só escreverei textos de balanço de mandatos de Venerável Mestre com uma periodicidade anual.

A opção de consignar a Memória da Loja referenciando os factos a cada mandato de Venerável Mestre não tem, reconheço, qualquer validade científica - nem busca tê-la. Este espaço não se destina a fazer História. Apenas a registar a Memória, a minha memória e a daqueles que decidam também aqui a deles divulgar, como fez os José Ruah nos três pormenorizados textos que intitulou "Um dia fui Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues". Serão textos que porventura algum dia poderão auxiliar quem porventura se abalance a registar a História da Loja Mestre Affonso Domingues. Mas, se alguém um dia o fizer, fá-lo-á com a técnica, o saber e os critérios de um historiador, certamente peneirando as imprecisões, os subjectivismos, de quem apenas regista a memória do que viveu e assistiu e opina sobre isso.

A Loja Mestre Affonso Domingues não existe sozinha. Existe integrada numa Grande Loja, compartilhando o espaço e a prática da Maçonaria segundo os princípios da Maçonaria Regular internacional com outras Lojas integradas na mesma Obediência. Essa Grande Loja designou-se primeiro por Grande Loja Regular de Portugal e depois, na sequência de dolorosos eventos que aqui já foram mencionados, por Grande Loja Legal de Portugal/Grande Loja Regular de Portugal (GLLP/GLRP). Essa Grande Loja foi, até agora, dirigida por cinco Grão-Mestres, com mandatos mais alargados do que os de Venerável Mestre da Loja. A "Memória da Loja" é também a memória da sua participação, da sua relação, da sua integração, na Grande Loja. Portanto, vou também dedicar uns textos aos mandatos dos Grão-Mestres. Respeitarei, pelas mesmas razões, critério idêntico ao que enunciei relativamente aos mandatos de Venerável Mestre da Loja: não publicarei textos sobre os mandatos do Grão-Mestre em exercício, nem daquele que o antecedeu. O que faz com que, por agora, apenas venha a publicar textos sobre os mandatos dos três primeiros Grão-Mestres.

Mas a dinâmica da Loja não se esgotou, não se esgota, nem certamente se esgotará no trabalho, na direcção, dos seus Veneráveis Mestres. Outros oficiais, outros obreiros, influenciaram, por vezes notoriamente, a Loja. Acho que vale a pena, à medida que me for lembrando, referenciar as influências de quem não foi Venerável Mestre ou de quem teve influência fora do exercício desse ofício. A Loja Mestre Affonso Domingues tem um rigor e qualidade de execução rituais de que muito se orgulha. Deve-os a uma sucessão de Mestres de Cerimónias de qualidade. E houve um obreiro, que nunca foi Venerável Mestre da Loja, que nos ensinou a todos como deve ser exercido o ofício de Orador. E a Coluna da Harmonia foi decisivamente influenciada na Loja por um outro obreiro, que também nunca foi Venerável Mestre da Loja e, possivelmente, nunca o será. E as circunstâncias, as razões, a ideia, a iniciativa da criação do Grupo de Dadores de Sangue Mestre Affonso Domingues também merecem ser registadas e muito a sua criação se deve a um outro obreiro que nunca foi Venerável Mestre da Loja. Tudo isto merece ser registado e tudo isto tenciono, se o puder fazer, registar neste espaço.

"Memória da Loja" respeita, por definição, ao passado de que nos lembramos. Mas também foi, neste texto, possível perspectivar o futuro da "Memória da Loja"...

Rui Bandeira

16 novembro 2007

Dia Internacional da Tolerância

16 de Novembro foi proclamado pela UNESCO o Dia Internacional da Tolerância.

Já o ano passado aqui o assinalei, procedendo até à publicação da Declaração de Princípios sobre a Tolerância aprovada no âmbito daquele organismo da ONU.

Esta efeméride e a referência a que ela procedi foi, aliás, ponto de partida para um interessante debate entre mim e o José Ruah, que se prolongou até Janeiro deste ano. Não pretendo reiniciá-lo, nem acho que se justifique. O assunto foi por nós debatido ainda recentemente, de forma esclarecedora e que nos orgulha: pudemos mostrar, para todos verem, como os maçons podem debater opiniões diferentes de forma franca e leal, com o propósito de se esclarecerem mutuamente e de procurarem os pontos de convergência, admitindo como naturais e saudáveis as divergências que porventura existam.

Para quem não leu na altura, ou já não se recorda, aconselho que use um pouco do seu tempo do fim de semana e leia o debate (dá para perceber que a estrutura de apresentação dos textos vai do mais recente para o mais antigo, pelo que, quem quiser reconstituir o debate por ordem cronológica, deve ler os textos "de baixo para cima").

Por mim, acho que hoje assinalo o Dia Internacional da Tolerância com um brevíssimo resumo do que eu retirei desse debate.

A Tolerância pode ser por alguns entendida como a faculdade de aceitar as crenças dos outros, apesar de considerarmos ser a nossa a "certa", daí se seguindo, como bem fez notar o José Ruah que o "tolerante" se coloca numa posição de superioridade perante o "tolerado".

Isso não pode ser entendido como Tolerância. É mero complexo de superioridade, o que, na língua inglesa, se designa de "patronising".

Pelo contrário, a verdadeira Tolerância implica o reconhecimento de que o Outro está ao mesmo nível que Eu, só que é diferente. Será melhor, será pior, ou nem será melhor nem pior. Mas simplesmente diferente. E tem o direito de o ser. Como contrapartida do meu direito à minha diferença...

E, mesmo quando o que é diferente no Outro é para mim um defeito, ainda assim lho tolero, porque eu próprio não sou isento de defeitos. Na substancialidade, não existem diferenças entre nós. Porventura essa diferença existirá nos nossos erros, nos nossos defeitos. cabe-me a mim tolerar os do Outro, para que possa pretender que o Outro tolere os meus.

Esta é a Tolerância que se assinala hoje. Esta é a Tolerância que é intrínseca aos maçons.

Rui Bandeira