Decididamente, este blogue está numa fase de debate de "questões fracturantes".
Já por aqu passou a questão do Médio Oriente, agora foi introduzida a questão da produção de energia nuclear em Portugal.
O JoséSR deu o pontapé de saída no debate, manifestando-se a favor. Em comentário ao texto do JoséSR, o JPSetúbal manifesta a sua opinião em sentido contrário.
No texto "Energia - a factura" e nos respectivos comentários podem ler-se os respectivos argumentos - que não vale, portanto, a pena aqui repetir -, os quais não fogem da argumentação tradicional de cada uma das posições.
Este é um daqueles temas em que, a curto prazo, não vislumbro possibilidades de se atingirem grandes consensos: quem é pro-energia nuclear em Portugal esgrime com a necessidade económica da produção de energia por esta via, com o desenvolvimento da tecnologia de segurança das centrais nucleares de última geração, com o facto de Portugal ter centrais nucleares espanholas próximo das suas fronteiras e, portanto, já ter os riscos sem ter os benefícios; quem é anti-energia nuclear em Portugal argumenta com os custos de construção e manutenção de uma central nuclear, com os riscos e com o ainda mal resolvido problema dos resíduos, atenta a meia-vida de centenas de milhares de anos da matéria radioactiva que os compõe.
De um lado e do outro, tenho para mim que, embora sob acapa da argumentação racional, o que cada um dos campos esgrime é com a sua convicção. Acima de tudo é esta que influi nas posições de um e de outro lado. A colocação de um ou do outro lado da barricada é ainda, portanto, uma questão de convicção, ou seja, de FÉ. E nós bem sabemos que a fé não de discute, nem vale a pena discuti-la...
Logo, enquanto a discussão se mantiver no plano - ainda que subliminar, ainda que não aceite como tal - da convicção, não podemos esperar que as posições de princípio extremadas evoluam para um maior ou menor consenso, através da discussão racional. As coisas são como são!
Obviamente que respeito a Fé, a Convicção de cada um mas, neste assunto assumo-me como "agnóstico", isto é, não tenho ainda uma opinião completamente formada, não tenho uma convicção sólida, procuro ainda analisar tão racionalmente quanto possível os argumentos de um e outro lado para, pela razão, procurar chegar a uma posição.
Sem poder, portanto, postular qualquer certeza, sinto-me suficientemente equidistante para analisar os argumentos de cada campo e emitir o meu juízo sobre a respectiva valia. É claro que, nestas questões de convicção, quem se declara equidistante, "em cima do muro", corre o risco de não ver as suas posições críticas bem aceites, nem por um, nem por outro dos lados. Mas. no caso concreto da discussão neste blogue, aventuro-me confiantemente na empresa de ousar opinar sobre as argumentações opostas, sem temer reacções adversas, quer porque nenhum dos "contendores", sendo embora ambos firmes nas suas convicções, é fundamentalista, quer porque qualquer deles tem a inteligência suficiente para entender que é errado atirar pedras a quem está em cima do muro, porque o impacto delas poderia fazer tombar o atingido... para o outro lado!
Assim auto-confortado, começo por dizer que me parece que a argumentação de um e de outro campo (não especialmente a argumentaçãodo JoséSR e a do JPSetúbal, mas, mais genericamente, a argumentação dos campos, respectivamente, pro e anti energia nuclear em Portugal) se me afigura não totalmente isenta de demagogia.
É algo demagógico esgrimir-se com o preço do petróleo e, sobretudo, com o previsivelmente não muito longínquo fim das resrvas do mesmo para sustentar a inevitabilidade da produção de energia através do nuclear. O petróleo é, nos tempos actuais, essencialmente imprescindível para o sector dos transportes. São os automóveis, os camiões, os navios, os aviões, enfim, quase tudo o que mexe que depende dos hidrocarbonetos. Mas a energia nuclear não responde a esse problema! Parece-me (ao menos no futuro previsível) impensável que os meios de transporte sejam movidoa a fissão nuclear, cada viatura, navio ou avião dotado do respectivo reactor nuclear (existem, é certo, os submarinos nucleares, mas essa é outra guerra, e uso o termo sem ser sequer em sentido figurado...).
Para os transportes, a solução alternativa, tanto quanto se descortina, só poderá advir do desenvolvimento das pilhas de hidrogénio (o que implica a resolução de questões técniicas, de segurança e de custo que, por enquanto, são complicadas), enfim, e em linguagem muito simplificada, o sonho dos veículos movidos a água (mas, já agora, de preferência, salgada, que há muita nos oceanos, e a água doce já vai faltando...).
Não é a escassez dos hidrocarbonetos que, no meu entender, implica a produção de energia através do nuclear. Esta destina-se essencialmente à produção de electricidade e a mesma, salvo quanto ao caminho de ferro e seus sucedâneos, pouca ou nenhuma utilidade traz, por ora, ao sector dos transportes.
Objectar-se-á, porém, que a produção de energia eléctrica em larga escala faz-se com o recurso à energia hídrica, à energia nuclear ou à energia termoeléctrica e que esta consome hidrocarbonetos; portanto, a produção de energia eléctrica através do nuclear permitirá poupar no consumo de hidrocarbonetos (ainda com o bónus de diminuir a produção de dióxido de carbono e ajudar a não agravar o problema do aquecimento global). O argumento é pertinente, mas, a meu ver, não decisivo. Em primeiro lugar, é certo que a produção de energia eléctrica em larga escala faz-se essencialmente por estas três vias, mas não só por elas: pode-se produzir energia eléctrica também com recurso às energias solar, eólica e das ondas, além das mais limitadas possibilidades de aproveitamento da energia de origem vulcânica (já se faz, nos Açores) e de biocombustível.
Para produção de electricidade, assim, a alternativa não é petróleo ou nuclear. É petróleo ou energia hídrica, eólica, solar, das ondas, vulcânica, de biocombustível e também, se necessário, nuclear. É claro que se o lóbi ecologista fizer uma gritaria sempre que se quiser construir uma barragem, porque "se vai destruir o último rio selvagem da Europa" ou porque se destrói o habitat natural de uma espécie obscura de peixinho, ou se armar um espalhafato porque os moinhos de produção de energia eléctrica através do vento destroem a paisagem, não se vai a lado nenhum a não ser, efectivamente ao nuclear...
Objecta ainda quem defende o nuclear que a produção de energia eléctrica através da energia solar, ou do vento, ou das ondas, ou vulcânica, ou de biocombustível, sai mais cara do que através dos hidrocarbonetos ou da energia nuclear. O argumento só parcialmente é procedente quanto à comparação dos custos com os hidrocarbonetos e é duvidoso quanto à comparação com o nuclear.
Que a produção de energia através das tecnologias limpas é mais caro do que através dos hidrocarbonetos é um facto... AINDA. Mas, por um lado, é de esperar que o investimento na evolução dessas tecnologias faça baixar o seu preço de produção; e, por outro, é inútil comparar preços quando não houver hidrocarbonetos... E, mesmo antes disso, se o preço do petróleo continuar a aumentar, a sua vantagem competitiva diminui e, tendencialmente, desaparece. E não vale a pena esperar que os produtores de petróleo limitem o preço, como estratégia para que tal não suceda: por um lado, está à vista que o que vai havendo é um constante movimento de aumento de preços, com base em todos os pretextos (qualquer dia, ainda vamos ouvir a justificação do aumento do preço do "brent"do Mar do Norte, como consequência de uma derrota do Chelsea, ou do Manchester United, ou doutro qualquer...); por outro, quando acabar...acabou, e ponto final!
Quanto à comparação com os custos de produção de energia nuclear, também não é certo que, todas as contas feitas, o nuclear seja efectivamente mais barato: há que incluir nas contas a amortização do colossal custo de construção de uma central nuclear, do enriquecimento de urâneo (obrigatoriamente feito no estrangeiro e, portanto, sem que nacionalmente possamos controlar o preço), das obrigatórias e caras medidas de segurança... e do custo de tratamento, transporte, armazenagem e segurança dos resíduos. Tudo somado, vai dar uma conta calada e... uma central nuclear tem uma vida útil de 30 ou 40 anos e tudo tem de ser amortizado nesse período.
Assim, meus caros defensores da produção de energia nuclear em Portugal, as vantagens dessa opção não são tão evidentes e indiscutíveis assim!
Mas também a argumentação dos anti-nuclear em Portugal padece de alguma demagogia.
Quanto aos riscos, realmente estamos conversados, indo dar um passeio a Almaraz! Não vale realmente a pena continuar a bater nesta tecla. É incontornável que a situação presente é que temos os riscos e não temos as vantagens e impõe-se reconhecê-lo. Por aí não me convencem!
Aliás, a questão do risco do nuclear é uma discussão claramente inquinada pela emoção. Quer queiramos, quer não, a nossa memória colectiva permanece presa aos pecados originais do nuclear: Hiroshima e Nagasaki! O cogumelo nuclear! A guerra fria e a capacidade das potências nucleares para destruir sete vezes a Terra (como se fosse possível destrui-la mais do que uma vez...)!
Tudo isso permanece num cantinho dos nossos cérebros... e tudo isso é irrelevante para a discussão! Primeiro, porque o que se discute é a utilização pacífica da energia nuclear, não a bélica. Segundo, porque os mísseis nucleares, as bombas, os submarinos nucleares continuam aí - e, infelizmente, parece que continuarão, com ou sem centrais nucleares de produção de energia eléctrica.
E não vale a pena acenar com o papão de Chernobyl. O acidente de Chernobyl ocorreu em consequência de anos e anos de criminoso abandono das mais elementares regras de segurança e da manutenção em funcionamento de um reactor que tinha há muito ultrapassado o termo da sua vida útil em segurança. Chernobyl não é nem nunca foi um problema de segurança. Devia, pura e simplesmente, ser um (exemplar) caso de polícia!
Quanto à questão dos resíduos, é também de uma pertinência apenas parcial. É verdade que os resíduos são um problema. Mas, por um lado, SÃO UM PROBLEMA, COM CENTRAL NUCLEAR EM PORTUGAL OU SEM CENTRAL NUCLEAR EM PORTUGAL! Repare-se: existem centenas de centrais nucleares em todo o Mundo. Que criam resíduos! Nenhuma alteração QUALITATIVA uma central nuclear em Portugal traz ao problema. Nem sequer quantitativamente significativa...
Também não julgo válido o argumento de que os países desenvolvidos mudaram a sua política quanto à produção de energia nuclear e estão a encerrar centrais, não a abri-las. Este argumento, por um lado, é inexacto: estão a fechar centrais centrais QUE ATINGIRAM O FIM DA SUA VIDA ÚTIL COM SEGURANÇA, de primeira e segunda geração (que , ao menos, Chernobyl tenha servido de lição), mas estão, porque continuam a precisar da produção nuclear de energia, a substitui-las por centrais de terceira e quarta geração, espera-se que com vantagem no capítulo da segurança. Uma última nota, quanto aos anti-nuclear em Portugal: sabiam que JÁ EXISTE UM REACTOR NUCLEAR EM PORTUGAL? E em funcionamento? É o reactor do LNETI, que, é certo, é pequenino, mas tem tantos riscos como os grandes e que até suspeito que esteja já no limite da sua vida útil e a precisar de urgente substituição (já existia há mais de 30 anos...). E sabem onde é que ele está? Em Sacavém, às portas de Lisboa (e do outro lado da colina fica Odivelas)... Nada mal para quem teme pela segurança do nuclear!
Portanto, meus caros, a argumentação de um e do outro lado não me convence!
E o que penso eu? Deve ou não haver uma central de produção eléctrica em Portugal?
Por enquanto, a minha resposta - e penso que, por ora, a única racionalmente possível - é... NIM!
Depende da análise SÉRIA e COMPETENTE das necessidades e custos. Ou seja, não sou emocionalmente contra uma central de produção de energia eléctrica através do nuclear em Portugal. Mas também não sou acefalamente a favor!
Depende da avaliação das necessidades, da capacidade de obtenção da independência energética, no que toca à electricidade, do País através de outras fontes de energia. Depende da comparação de custos. Necessidade e custos! Tudo se resume a isso! O resto é... paixão, não razão.
Portanto, repito, por ora a minha resposta é nim. Se e quando, porventura, mediante estudos sérios e credíveis (e não arrazoados pseudo-modernistas), me convencerem da necessidade e/ou conveniência e efectiva superação dos inconvenientes pelas vantagens da existência de uma central nuclear em Portugal, evoluirei para um sim; se e quando, porventura, me convencerem, mediante estudos sérios e credíveis (e não arrazoados pseudo-ecologistas) da desnecessidade e/ou inconveniência e efectiva superação das vantagens pelos inconvenientes da existência de uma central nuclear em Portugal, evoluirei, sem qualquer problema, para um não.
Há assuntos que só se resolvem bem com a cabeça, não com o coração...
Rui Bandeira