16 maio 2012

Pode um católico ser maçom?

Há tempos, no jornal Público, Ricardo Sá Fernandes, meu colega de profissão e membro do GOL (Grande Oriente Lusitano), publicou um pequeno texto em que se assumia como católico e maçom, defendendo que ambas as qualidades são plenamente compatíveis. Respondeu o padre Gonçalo Portocarrera de Almada, sustentando a posição inversa. Recentemente, um senhor de nome João Mendia afirmou também a incompatibilidade das duas condições.

Decido intervir na polémica. Antes do mais, e como convém, eis a minha declaração de interesses: sou maçom regular, isto é, integro a orientação maçónica original, que só admite no seu seio crentes, qualquer que seja a crença religiosa de cada um. Em termos de convicção religiosa, não me defino como católico, antes como deísta, crente no Criador sem necessidade da intermediação das religiões organizadas, na minha opinião cada uma delas se afadigando a moldar o Criador às suas respetivas conceções particulares. Nesta polémica de se um católico pode ser maçom, parto, pois, de uma posição neutral.

Maçom que sou, mais do que criticar as opiniões expressas pelos que se pronunciaram sobre a questão (opiniões que, concorde ou discorde delas, me cumpre respeitar),  vou-me limitar a expor a minha opinião e as razões dela.
 
Advogado que sou, tenho a deformação profissional de analisar os conflitos, as divergências de opinião, recorrendo ao que está escrito nos livros da lei. E, nesta matéria de religião e espiritualidade, nada me parece melhor do que recorrer ao Volume da Lei Sagrada que é aceite por todas as partes, católicos, maçons e católicos maçons: a Bíblia.
Confiramos então os Dez Mandamentos que Deus transmitiu a Moisés,constantes do Livro do Êxodo, 20, 2-17 (e também em Deuteronómio, 5, 6-21):    

2 Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
3 Não terás outros deuses diante de mim.
4 Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
5 Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.
6 E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.
7 Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.
8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.
9 Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra.
10 Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas.
11 Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou.
12 Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá.
13 Não matarás.
14 Não adulterarás.
15 Não furtarás.
16 Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
17 Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.

 Neste texto nada objetivamente se encontra que permita concluir que ser maçom infringe qualquer dos mandamentos divinos. Cuidadoso que sou com os pormenores, esclareço que o Grande Arquiteto do Universo invocado pelos maçons mais não é do que a designação particular que estes dão ao Criador, evitando assim ter de utilizar uma denominação utilizada por uma religião e não por outra, não sendo um qualquer "outro deus".

Mas prossigamos até ao Novo Testamento e aportemos a Mateus,22, 34-40:

34os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, 35e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo: 36"Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?"
  
37Jesus respondeu: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ 38Esse é o maior e o primeiro mandamento. 39O segundo é semelhante a esse: 'Amarás ao teu próximo como a ti mesmo'. 40Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos". 

Também aqui, obviamente, nada é infringido com a filiação maçónica. Para um católico que não seja um primário antimaçom, parece-me estar qualquer dúvida desfeita: nem os dez Mandamentos do Antigo Testamento, nem os dois mandamentos invocados por Jesus Cristo impedem que um crente, designadamente um católico, possa ser maçom.

Mas houve condenações e proibições papais. Houve! Porém, por grande que seja a importância dos Papas - e só posso aceitar que, para os católicos, o seja -, o certo é que todos foram, e o atual é, apenas homens. Entre as determinações divinas e as humanas eu, simples crente deísta, atribuo primazia às divinas... Confesso que me faz alguma confusão que haja quem, reclamando-se da pureza do catolicismo, roce a blasfémia de sobrepor as determinações humanas às divinas...

Lição a tirar desta polémica? O fundamentalismo religioso é tão irrazoável e tão perigoso sendo cristão, católico ou de outra orientação espiritual, como islâmico.  Que ninguém disto se esqueça!

Rui Bandeira

09 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - III

O Mestre de cada Loja, ou um de seus Vigilantes, ou algum outro Irmão, por sua ordem, deve manter um livro contendo o regimento interno, os nomes de seus membros, uma lista de todas as Lojas da cidade, a hora e local das suas Sessões, e tudo o que for necessário e deva ser registado.

Esta terceira Regra, este terceiro Antigo Uso e Costume, define o que é uma das caraterísticas essenciais da organização de uma Loja maçónica: o registo escrito do essencial da vida da Loja.

A existência de registos escritos referentes a Lojas operativas remonta aos finais do século XIV (o mais antigo documento conhecido é o manuscrito Regius, também por vezes referido como manuscrito Halliwell). Efetuada a transição para a Maçonaria Especulativa, é rotina assente a elaboração de atas, a manutenção do registo de obreiros, a existência de regulamento interno escrito, etc..

Hoje em dia todas as Lojas têm um responsável específico para assegurar a elaboração e manutenção dos registos da sua atividade, bem como a correspondência da Loja, o Secretário. O Secretário da Loja é, como a maior parte dos oficiais do Quadro (oficiais por exercerem ofícios, tarefas, específicos; não no sentido de detentores de postos de comando), por regra designado pelo Venerável Mestre, pelo período do mandato deste, do seu veneralato, salvo necessidade de substituição.

Não deixa de ser curioso e significativo que uma instituição que é tão acusada pelos seus detratores de secretismo tenha tanto cuidado no registo escrito, e respetiva manutenção, da sua atividade. Claro que os indefetíveis detratores da Maçonaria clamam que esses registos não são públicos, são ciosamente guardados pelos maçons, pelo que isso em nada afeta a real existência do nefando secretismo. Assim não é: os registos da atividade maçónica têm o mesmo estatuto legal que os registos da atividade de uma qualquer banal sociedade filarmónica ou clube recreativo. Estão abertos à consulta dos membros da organização e daqueles que tenham motivo justificado para tal. Só não estão disponíveis para inconsequentes impulsos voyeuristas ...  E, no estrito cumprimento da legalidade vigente, estão disponíveis para consulta, leitura, verificação, análise, perícias, tudo o que necessário e legal for, das autoridades competentes - dentro da lei e desde que a lei seja cumprida.

Tal como a documentação privada de qualquer cidadão, conservada na sua casa, não pode ser objeto de devassa sem a emissão por juiz competente do devido mandado de busca, também os maçons não autorizam que os seus documentos sejam vistos ou devassados fora do legal condicionalismo que determine essa consulta. Mas qualquer pessoa que de boa fé esteja percebe que isto nada tem a ver com secretismo, antes respeita à simples e corriqueira tutela da privacidade dos cidadãos que os maçons são. 

Os detratores da Maçonaria clamam contra o falado secretismo dela, mas guardam ciosamente para si (e fazem muito bem e têm todo o direito de guardar e é normal que o façam) os seus números de contribuinte, números e extratos das suas contas bancárias, as palavras-passe de acesso à sua banca eletrónica e aos seus clientes de e-mail e a sua correspondência particular... Dois pesos e duas medidas...

Pois bem: que todos fiquem, de uma vez por todas, a saber que, em matéria de registos das suas atividades e dos seus membros, a Maçonaria não é diferente de qualquer sociedade recreativa!

Há cerca de trezentos anos que, rotineiramente, nas Lojas maçónicas de todo o mundo, se elaboram e guardam atas das reuniões, se elaboram e conservam trabalhos apresentados, lidos e discutidos em Loja. Não admira que todo esse enorme acervo documental constitua espólio que é objeto de estudo de historiadores, maçons e profanos, historiadores da História da Maçonaria ou historiadores tout court. Assim é possível conhecer pérolas como a ata da sessão em que ocorreu a iniciação de Wolfgang Amadeus Mozart, mas também quando e para que sessões foram escritas algumas emblemáticas obras do genial compositor.

Tal como é possível afirmar, sem sombra de dúvida - porque tal está registado em uma ou mais atas -, que personagens famosos, artistas relevantes, cientistas insignes, foram maçons. Apenas com uma ressalva: os maçons acham que essa divulgação deve ser como a toponímia - não se deve utilizar em relação a quem ainda está vivo... 


Fonte:
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

02 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - II

O Mestre de uma Loja tem o direito e o poder de convocar os membros da sua Loja para uma sessão quando lhe aprouver, em caso eventual ou de emergência, bem como o de definir hora e local das suas Sessões. 
Em caso de doença, morte, ou inadiável ausência do Mestre, o Primeiro Vigilante deve atuar como Mestre pro tempore, exceto se estiver presente algum Irmão que tenha sido Mestre desta Loja, anteriormente; neste caso os poderes do Mestre ausente revertem para o último Mestre presente: embora este não possa atuar sem que o dito Primeiro Vigilante tenha convocado a Loja, ou, em sua ausência, o Segundo Vigilante. 

O Mestre referido nesta regra é o que presentemente se denomina de Venerável Mestre. Esta regra permanece como fonte da prática das Lojas da Maçonaria, na ausência de regulamentação própria e específica de cada Loja ou Grande Loja. Mesmo existindo regulamentação, muitas vezes a mesma é fixada de harmonia com este Antigo Uso e Costume.

Por exemplo, a regra de substituição provisória do Venerável Mestre pelos seus Vigilantes, Primeiro e Segundo, por esta ordem, em caso de doença, morte ou impedimento transitório do Venerável Mestre do Regulamento Geral da GLLP/GLRP foi fixada em moldes muito semelhantes ao constante da Regra Geral II da Constituição de Anderson. Pode mesmo, com propriedade, dizer-se que a regra fixada é a mesma, havendo pequenos acrescentos ou previsões adicionais - inevitáveis após o decurso de trezentos anos...

Assim, o Regulamento Geral da GLLP/GLRP prevê expressamente que, em caso de morte, doença ou impedimento transitório do Venerável Mestre de uma das Lojas que integram a Obediência, a sessão de Loja é convocada pelo Primeiro Vigilante ou, na ausência deste, pelo Segundo Vigilante, exatamente como na Regra Geral II de 1723, acrescentando-se apenas, para a já remota hipótese de também o Segundo Vigilante estar impedido, a possibilidade de ser, então, a Loja convocada por um Antigo Venerável. 

A exemplo da Regra Geral II de 1723, porém, a reunião de Loja, na ausência do Venerável Mestre, só pode ser presidida por um Antigo Venerável que aceite fazê-lo, dando-se, se necessário, preferência aos mais recentes. De novo em relação ao Antigo Uso e Costume, só se prevê a possibilidade de, se assim o Grão-Mestre o determinar, ser a reunião presidida por um Grande Oficial por si designado.

Quanto ao poder de definição de hora e local das reuniões correntes, por regra os Regulamentos de Loja modernos prevêem essa matéria. Por exemplo, no caso da Loja Mestre Affonso Domingues, estão indicados os dias das sessões ordinárias (segundas e quartas quartas-feiras de cada mês) e é fixada uma janela horária de hora e meia dentro da qual o Venerável Mestre pode determinar a hora do início previsto para a sessão.

Quanto à possibilidade de convocatória de uma sessão de urgência, também o Regulamento Geral da GLLP/GLRP assim o prevê, em moldes idênticos ao desta Regra Geral II, acrescentando apenas a possibilidade de, ocorrendo impedimento do Venerável Mestre (e pode até ser esta a razão da urgência...), poder então a sessão de urgência ser convocada pelo Primeiro Vigilante e, na ausência deste, pelo Segundo Vigilante.

Como se vê, trezentos anos depois, a Maçonaria mantém no essencial as suas regras!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.

Rui Bandeira

25 abril 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - I

O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder e o direito de estar presente em qualquer Loja legítima, assim como o de a presidir, com o Mestre da Loja à sua esquerda, e a ordenar que seus Grandes Vigilantes o assessorem; mas estes não podem agir como Vigilantes nas Lojas, excepto naquelas em que estiver presente o Grão Mestre, e sob seu comando, porque o Grão Mestre pode nomear os Vigilantes da Loja, ou quaisquer outros Irmãos que lhe aprouver, para que o assessorem e atuem como seus Vigilantes pro tempore.

Vimos já, no texto introdutório ao conjunto de "Regras Gerais" que aqui se publicam e comentam, que estas foram inicialmente compiladas por George Payne, em 1720, e posteriormente comparadas por Anderson com os "antigos Arquivos e Usos Imemoriais" e por ele ordenadas. Logo a primeira Regra é demonstrativa de que o conjunto de regras fixado, embora baseado nos Antigos Usos e Costumes herdados da Maçonaria Operativa, foi adaptado à nova realidade organizativa do que se convencionou chamar Maçonaria Especulativa.

Com efeito, a Maçonaria Operativa organizava-se em Lojas independentes, que se reuniam periodicamente em Assembleias, em que se acordavam as regras comuns a serem seguidas, mas não possuía uma direção centralizada, um Grão-Mestre com poderes interventivos nas várias Lojas.

A figura do Grão-Mestre, e sobretudo a definição dos seus poderes, não apenas como um executor das deliberações da Assembleia de Maçons ou Grande Loja, nem sequer apenas como coordenador da atividade autónoma das Lojas, mas como um verdadeiro dirigente da super-estrutura, com poderes interventivos e ordenadores no interior das próprias células-base da mesma, as Lojas, é introduzida com a criação da Grande Loja dos Modernos, em 1717.

Com essa criação, claramente mitigou-se a independência das Lojas. A Grande Loja dos Modernos (e subsequentemente todas as Grandes Lojas da Maçonaria Especulativa que a partir do seu modelo se criaram) não foi uma mera estrutura federadora das Lojas, e muito menos confederadora. Rapidamente se assumiu como vera estrutura dirigente, definidora de regras, certificadora das boas práticas da Maçonaria, da sua estrutura (maxime Grão-Mestre e Assembleia de Grande Loja) emanando as regras, as determinações, que deveriam ser seguidas pelas Lojas, cuja autoridade passou a ser, no essencial, delegada pela Grande Loja, embora se incluísse e inclua nessa delegação uma ampla autonomia e poder decisório de cada Loja, em relação às suas relações e opções internas.

Esta assunção do Poder estrutural pela Grande Loja implicou, necessariamente, o respetivo poder fiscalizador do cumprimento das regras emanadas (e por isso as Grandes Lojas possuem Grandes Inspetores, cuja função é precisamente fiscalizar a conformidade da atuação das Lojas com as regras e rituais definidos) e o poder disciplinar, isto é,  poder de coercivamente impor o cumprimento das regras e sancionar o seu incumprimento, seja em termos individuais ou de grupo.

Símbolo desta assunção do Poder Maçónico pela Grande Loja e pelo seu representante executivo máximo, o Grão-Mestre, é precisamente esta primeira regra: O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder de estar presente em qualquer reunião de qualquer Loja (ainda que contra a vontade desta, conclui-se). 

Mas não só: estando presente, tem o poder de dirigir a reunião, relegando o Venerável Mestre da Loja para o lugar puramente simbólico de se sentar à sua esquerda. Embora o Venerável Mestre da Loja seja o obreiro que foi eleito pelos que a compõem para a dirigir, esta eleição, esta manifestação de vontade, cessa perante a vontade do Grão-Mestre. Este, embora também eleito, foi-o por toda a estrutura - porventura até com a oposição da particular Loja que visita e dos seus obreiros. É assim evidente a relação de hierarquia estabelecida, ficando evidente que a legitimidade geral do Grão-Mestre se sobrepões à específica legitimidade do Venerável Mestre eleito pela Loja, mesmo no estrito âmbito desta e do seu normal funcionamento. O que pressupõe claramente que a fonte primordial do Poder Maçónico é a Grande Loja, a estrutura que agrega todos os maçons de um determinado território, assumindo as estruturas base ou celulares apenas o poder que lhes é tácita ou expressamente delegado pela estrutura global. A organização maçónica é, assim, ao contrário do que muitos - mesmo no interior da Maçonaria - pensam, uma organização de tipo unitário, não federal. Mais explicitamente, talvez: a Grande Loja não é uma federação de Lojas, é uma vera estrutura de direção, criação e certificação de Lojas. Estas existem porque a sua existência é aceite, reconhecida, quiçá promovida, pela Grande Loja e têm o conjunto largo de poderes decisórios e organizativos que têm, não porque originariamente assim seja, mas porque nelas foram delegados esses poderes. 

A Maçonaria Especulativa não é uma estrutura basista, isto é, cujo poder fundamental se origina na base e flui até ao topo, mas, pelo contrário, uma estrutura unitária descentralizada. Mas é, simultaneamente, uma estrutura eminentemente democrática, pois o poder fundamental central assenta na Assembleia de Grande Loja, isto é, na assembleia dos representantes escolhidos pelas Lojas. E o Grão-Mestre tem o lato poder que tem, porque é eleito, ou por essa assembleia de delegados de Lojas, ou diretamente por voto universal dos Mestres de toda a estrutura. O Poder é unitário, descentralizado por via de delegação, mas funda-se, baseia-se, no universo global de elementos que compõem a estrutura.

O que se verifica é que a estrutura global, a Assembleia de Grande Loja, baseada nesse poder concedido pelo universo dos indivíduos associados, e consequentemente, aquele a quem são conferidos poderes executivos - e não só -, o Grão-Mestre, se sobrepõe às estruturas locais, as Lojas. O que suscita a conclusão de que o Poder individual originário de cada maçom é tanto mais forte quanto mais diluído num universo maior. Com efeito, o Mestre maçom associa-se aos demais Mestres maçons da sua Loja para eleger o Venerável Mestre dela. E associa-se a todos os Mestres maçons de todas as Lojas da Obediência para eleger o Grão-Mestre, cujos poderes sobrelevam os dos Veneráveis Mestres das várias Lojas. 

Esta verificação implica a conclusão de que o que, em termos de estrutura, significativamente mudou na transição da Maçonaria Operativa para a Especulativa foi a independência das Lojas, que se transfigurou em mera autonomia. Na Maçonaria Operativa existiam Lojas independentes que se associavam para definir regras comuns, sem prejuízo da respetiva independência. Na Maçonaria Especulativa, as Lojas associaram-se para criar uma estrutura comum, para a qual transferiram o essencial dos poderes organizativos e regulamentadores, abdicando da sua independência em favor da sua integração na estrutura superior, conservando apenas a autonomia que a própria regulamentação da Grande Loja consagra - e que não podia deixar de consagrar, sob pena de descaraterizar, quiçá irremediavelmente, o que se entende por Maçonaria, que assenta conceptualmente no brocardo "um homem livre numa Loja livre" (mas "livre" não sendo sinónimo de "independente", embora necessariamente implicando o conceito de "autónomo").

O que é de assinalar é que esta transformação - que, em termos estruturais, é muito similar à estrutura dos Estados unitários modernos - ocorre no século XVIII!

Uma última nota: a demonstração de que a Maçonaria Especulativa, embora alterando a conceção da sua estrutura, se organiza como estrutura eminentemente democrática está na referência aos Grandes Vigilantes, expressamente se consignando que assessoram o Grão-Mestre, ou Vice-Grão-Mestre. Mas só substituem os Vigilantes da Loja se o Grão-Mestre assim o ordenar. Por uma razão muito simples: os Grandes Vigilantes não são eleitos, antes são designados. Não possuem a legitimidade do Grão-Mestre. Este, que foi eleito por todos, é que tem o poder de, quando está presente numa Loja, assumir ou não assumir o malhete (pode, apesar de estar presente, deixar a condução dos trabalhos ao Venerável Mestre da Loja, se assim o entender - e normalmente assim sucede); assumindo a condução dos trabalhos, pode decidir ser assessorado pelos Grandes Vigilantes, pelos Vigilantes da Loja ou por outros elementos que nomeie ad hocpro tempore.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.


Rui Bandeira

22 abril 2012

De volta...


Olá a todos,

Como creio que perceberam, estive afastado algum tempo destas lides que tanto prazer me dão. Este afastamento teve a ver com motivos de ordem exclusivamente pessoal mas que, garanto-vos, mexem claramente connosco.

Gostava de retomar, retomando um assunto que há algum tempo, foi manchete em quase todos os nossos órgãos de comunicação social - a eventual promiscuidade entre Maçonaria e poderes, sejam eles políticos, ou outros...

Qualquer sociedade dos tempos modernos é sujeita, de forma clara ou não, à influência de grupos organizados, que intencionalmente ou não procuram influenciar "a trajectória" em função dos seus interesses. Se um desses grupos puder ter um nome e esse nome for uns dos tradicionalmente identificados como "de risco", então está criada uma mistura delicada, até porque será certamente visada pela comunicação social.

Ao publicar neste blog, estou a assumir que sou maçon... e faço-o com a duplicidade de quem se sente orgulhoso de o ser, e de quem sente que quer dar... unicamente dar, sem nada receber - Infelizmente, a nossa sociedade parece não conseguir visualizar uma coisa sem a outra... possivelmente é a isto que chamam a sociedade materialista, traduzida naquela "famosa" frase - ninguém dá nada a ninguém.

Toda a polémica que ocorreu recentemente, relacionando políticos com maçons, foi um claro sinal dos tempos em que vivemos - perdemos valores, perdemos a nossa capacidade critica, engulimos tudo os que nos impingem, mas preferimos centrar-nos em identificar culpados, de preferência "culpados de estimação" - aqueles que podem sempre ser os responsáveis, até porque estão tão ocupados em fazer bem, que não têm tempo para se defender.

Não pretendo afirmar que todos os maçons são "impolutos". Por mais apertado que seja o nosso método de selecção, procurando identificar homens cuja prioridade seja crescerem e tornarem-se Homens, haverá sempre alguns erros de "Casting"... pessoas que usam o que for preciso para seu benefício pessoal. Contudo, esta incapacidade de ler as pessoas na sua totalidade, identificando as suas reais intenções, não deve e não pode levar a confundir o trigo com o joio.

Um maçon, que o é de verdade, procura melhorar, ajudar, dar a mão... contribuir para um homem melhor e para uma sociedade melhor. Compete-nos assegurar que assim é, e compete-nos impedir que a Arte Real seja utilizada para projectos individuais ou colectivos que nada tenham a ver connosco e com os ideais que defendemos.

Mensagem final deste texto que já vai longo... Estou de volta...

Fraternais abraços de
A. Jorge

18 abril 2012

Regras Gerais dos Maçons: Introdução


O quarto capítulo da Constituição de Anderson de 1723 é dedicado às Regras Gerais. Enuncia trinta e nove, após a seguinte Introdução:


Compiladas, inicialmente, por George Payne, no ano de 1720, quando era Grão-Mestre, e aprovadas pela Grande Loja no Dia de São João Batista, no ano 1721, no Stationer's Hall, Londres, quando o Grande e Nobre Príncipe John, Duque de Montagu, foi unanimemente escolhido nosso Grão Mestre para o ano seguinte; ele escolheu John Beal como seu Vice-Grão-Mestre, e Josiah Villeneau e Thomas Morris foram escolhidos, pela Loja, como Grandes Vigilantes.
E agora, sob o comando de nosso Mui Venerável Grão-Mestre Montagu, o autor deste livro comparou-as com os antigos Arquivos e Usos Imemoriais da Fraternidade, e ordenou-as segundo este novo método, com muitas explicações apropriadas, para o uso das Lojas dentro e fora de Londres e Westminster.


Estas Regras Gerais incluídas na primeira Constituição elaborada sob os auspícios da Premier Grande Loja, a Grande Loja de Londres e Westminster, também conhecida pela Grande Loja dos Modernos, geralmente considerada como o catalisador da evolução da antiga Maçonaria Operativa para a moderna Maçonaria Especulativa, não devem ser confundidas com os Landmarks. Estes, conforme já referi em Os Landmarks, são os princípios delimitadores da Maçonaria.

Ao contrário do que se possa concluir desta definição, não existe uma fixação universal de uma lista de Landmarks.

A GLLP/GLRP adota a tradução em português da "Regra em 12 pontos" fixada em 1938 pela sua Grande-Loja mãe, a Grande Loge Nationale Française que, na versão portuguesa, podem ser lida no sítio da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP.

A Grande Loja Unida de Inglaterra tem, no seu Livro das Constituições de 2009, o sumário dos Antigos Deveres e Normas, em 15 pontos, que deve ser lido pelo Secretário ao Venerável Mestre eleito imediatamente antes da sua Instalação, sumário este que pode ser lido numa das páginas do sítio da UGLE.

Muito generalizada na Maçonaria americana e sul-americana está a compilação de 25 Landmarks efetuada por Albert G. Mackey, cuja tradução em português pode ser consultada, por exemplo, no sítio da Augusta e Respeitável Loja Simbólica Fraternidade Serrana, n.º 57.

A Maçonaria Liberal ou Irregular, ou seja, a corrente que, na esteira do cisma maçónico protagonizado pelo Grand Orient de France, admite ateus e agnósticos, e que em Portugal é representada pelo Grande Oriente Lusitano, adotou como princípios definidores a Declaração das Potências Signatárias do CLIPSAS (Centro de Ligação e de Informação das Potências Maçónicas Signatárias do Apelo de Strasbourg), conforme se pode ler no sítio do Grémio Fénix.

As Regras Gerais compiladas na Constituição de Anderson de 1723, como se verifica pelo seu texto introdutório, foram escritas e ordenadas por James Anderson após um trabalho deste de "comparação com os antigos Arquivos e Usos Imemoriais da Fraternidade", ou seja, pretendeu ser a compilação dos Antigos Usos e Costumes da Maçonaria.

Muitas vezes hoje se afirma que determinado procedimento ou regra provém dos antigos usos e costumes da Maçonaria. Muitos crêem que esses antigos usos e costumes são hoje apenas conhecidos por via de tradição oral, porventura com variantes ou imprecisões - que, afinal, permitiriam invocar quase tudo como decorrente desses quase desconhecidos e imprecisos antigos usos e costumes.

Os Antigos Usos e Costumes da Maçonaria estão, afinal, compilados e reduzidos a escrito desde 1723!

São práticas e usos tipicamente de origem britânica. Derivam muitos, se não mesmo a quase totalidade, de práticas seguidas e consolidadas na Maçonaria Operativa. Mas não nos esqueçamos que a Premier Grand Lodge, a Grande Loja dos Modernos, sob cuja égide James Anderson elaborou a Constituição de 1723, foi a instituição que catalisou a evolução da Maçonaria Operativa na atual Maçonaria Especulativa. Não podemos excluir - porventura será mesmo ajustado admitir... - que parte do que Anderson fixou como Regras Gerais, invocando provir dos Antigos Usos e Costumes provenientes da Maçonaria Operativa, afinal sejam já adaptações, evoluções, modernizações, ajustadas à nova realidade nascente.

De qualquer forma, para quem pretenda saber o que á a Maçonaria e como evoluiu até aos dias de hoje, é indispensável conhecer estas Regras Gerais e conveniente ter a noção de que as mesmas são a fixação escrita em 1723 daquilo que se convencionou chamar "os antigos usos e costumes da Maçonaria".

Se nada o impedir, tenciono dedicar os próximos trinta e nove textos (ou seja, até ao início do próximo ano, mais semana, menos semana) a aqui divulgar e comentar, uma por uma, as 39 Regras Gerais fixadas na Constituição de Anderson de 1723.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.


Rui Bandeira

11 abril 2012

João Damião Pinheiro, maçom estabilizador

João António Neto Guerreiro Damião Pinheiro entrou neste mundo em 3 de janeiro de 1959. Saiu deste mundo, em direção ao Oriente, no dia 6 de abril de 2012, a uma sexta-feira que a sua crença religiosa denominou de Sexta-Feira Santa. Entre uma e outra data decorreram pouco mais de 53 anos. O João terminou o seu tempo entre nós mais cedo do que todos esperávamos. Por isso, a notícia da sua passagem para o Além foi inesperada para todos os obreiros da sua Loja de sempre, a Loja Mestre Affonso Domingues. Os maçons acreditam que a morte é apenas uma passagem e portanto lidam relativamente bem com ela. Mas quando essa passagem ocorre inesperadamente e quando se augurava ainda muitos mais anos entre nós daquele que segue adiante, a incredulidade, o choque, o sentimento de perda, são inevitáveis.

O João Damião Pinheiro foi um elemento que marcou a Loja Mestre Affonso Domingues. Foi - é, sempre! - um amigo cujo afastamento prematuro não podemos deixar de lamentar.

Precisamente no dia em que a Loja Mestre Affonso Domingues se une em torno da memória do João Damião Pinheiro, fazemos questão de que também aqui no A Partir Pedra seja a sua memória evocada. E este texto in memoriam tem a especificidade de ter sido escrito a quatro mãos, por José Ruah e Rui Bandeira. Ambos desejaram fazê-lo, ambos entenderam fazê-lo da forma como o João, sem dúvida, gostaria: cooperando, colaborando, corta aqui, acrescenta ali, emenda acolá.

Neste blogue, a propósito da história dos Veneráveis Mestres, escreveu-se na crónica que se pode ver aqui, sobre aquele que agora podemos já identificar como o Irmão João Damião Pinheiro, que ele foi o obreiro da estabilidade de processos da Loja e que desde então tudo ficou mais firme e definido.

João foi mais que isso, muito mais. Soube interpretar fielmente o dever de um maçom para com a sua Loja, soube ser ele próprio sem ter que abdicar de nenhum principio.


Conhecemo-lo na sua iniciação, nos idos de 1993, no Estoril, e desde então sempre lhe conhecemos apenas uma postura, a da retidão, a de fazer o que era para ser feito.

Em 1995 foi chamado a desempenhar as funções de Tesoureiro da Loja e o resultado foi o primeiro modelo de organização da tesouraria de forma não amadora, e nessa qualidade foi a muleta do José Ruah numa reunião em julho de 1996, quando ele passou à condição de Venerável Mestre eleito.

Integrou a sua equipa como Mestre de Cerimónias, e como não podia deixar de ser com aprumo. Por essa altura, aconteceu a cisão de 1996 - recentemente superada - e, numa noite de dezembro, ele esteve, como muitos outros estiveram, sentado em conjunto à roda de uma mesa. Como memória dessa noite um desenho que ele fez de uma revolução qualquer e cujo escrito era " Carbonária - Pum Pum ( junto de cada uma das espingardas desenhadas) ", e claro, as suas intervenções.

Desempenhou praticamente todos os ofícios de Loja e sem problemas aceitou uma ultrapassagem, atrasando assim a sua eleição para Venerável Mestre um ano.

Durante o seu veneralato tocou-lhe uma situação delicada. Aberto o processo eleitoral para Grão Mestre, ele era um dos proponentes de um dos candidatos. Na loja, o seu padrinho era um dos proponentes do outro candidato. Pôs o tema em debate sem medo, recolheu o sentimento da Loja, que era diferente da sua opção pessoal, e como Homem e Maçom de honra e com a retidão que o norteava, votou na eleição de acordo com o desígnio da Loja a que presidia, não hesitando um minuto que fosse em cumprir a vontade democraticamente expressa pelos seus Irmãos.

Nós que nos achamos muito cibernéticos, devemos também ao João o primeiro sítio da Loja. Não que ele o fizesse mas porque ele achou que era o momento. Um dia chamou uns quantos a sua casa e pôs em marcha o projeto e, passado pouco tempo, o sítio via a luz do dia. Era rudimentar e com grafismo pobre, mas por sua ideia a Loja Mestre Affonso Domingues foi uma das primeiras, senão mesmo a primeira Loja da GLLP/ GLRP a ter um sitio na Internet.

Fez o seu caminho na Ordem, e nos Corpos Rituais onde desempenhou as mais prestigiosas funções, mas não foi nunca um homem de Grande Loja, não enquanto Grande Oficial, mas sim enquanto presença e conselho.


Granjeou muitas amizades, mas acima de tudo respeito. Respeito por ser um homem de ideias e de princípios. Era um enorme prazer poder ouvir o que dizia, falando sempre pouco mas assertivamente.

Era assíduo quanto baste nos últimos anos, também porque a sua vida profissional lhe exigia mais tempo fora de Lisboa. Mas quando entrava em sessão, não era apenas mais um, era sempre um de nós, na plenitude de ser Maçom e na estabilidade que o caraterizava.

A partida extemporânea para o Oriente Eterno deixa-nos um vazio. Nas colunas da sua, da nossa, Loja de sempre vai ser sempre possível rever o seu sorriso, pelo menos enquanto cá estiverem aqueles que com ele pessoalmente partilharam as agruras, mas essencialmente a felicidade, de ser Maçom.

João, um dia iremos ter contigo e sabemos já de antemão que terás já tratado de ter tudo estabilizado e pronto para nós. A memória que guardamos de ti será para nós a energia que nos permitirá continuar até chegar a nossa vez.

À Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Escrito por José Ruah e Rui Bandeira mas, simbolicamente,

04 abril 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 6 - Conduta em face de um Irmão estranho



Deverá cautelosamente examiná-lo, da forma que a prudência aconselhar, de modo a evitar ser iludido por um embusteiro, a quem deverá rejeitar com desprezo e escárnio, e a ter cuidado de modo a não lhe revelar nenhum sinal de reconhecimento.
Mas se descobrir que está perante um verdadeiro e genuíno Irmão, deverá respeitá-lo em conformidade, e se necessitar de ajuda, deverá ajudá-lo como puder, ou então dizer-lhe como poderá ser ajudado: deverá empregá-lo por um período de alguns dias, ou então recomendá-lo para um emprego. Não será obrigado a fazê-lo além de suas habilidades, mas deve dar-lhe preferência se for um Irmão pobre, um homem bom e verdadeiro, em relação a qualquer outra pessoa pobre nas mesmas circunstâncias. Finalmente, deverá respeitar todas estas Obrigações, e todas aquelas que forem comunicadas de outra maneira; e cultivar o Amor Fraternal, que é a Fundação e a Pedra Angular, o cimento e a glória desta Antiga Fraternidade; evitar toda a discussão e querela, toda difamação e calúnia não permitindo que outros caluniem qualquer Irmão honesto, defendendo o seu caráter e oferecer-lhe todos os préstimos, desde que de acordo com a própria Honra e Segurança, e não mais que isso. E se algum deles te prejudicar, deverás participar à tua ou à sua Loja; depois poderás recorrer para a Grande Loja aquando da Comunicação Trimestral, e daí para a reunião Anual da Grande Loja, como tem sido a antiga e louvável conduta de nossos ancestrais em todas as nações; nunca buscando o caminho da lei civil, exceto quando o caso não puder ser de outra maneira decidido, e somente depois de, pacientemente, ter ouvido o conselho honesto e amigo do Mestre e Companheiros, que tentarão evitar o recurso à lei civil contra estranhos, e te estimularão a pôr termo a todo e qualquer processo, para poderes dedicar-te à Maçonaria com mais alegria e sucesso; quanto aos Irmãos e Companheiros envolvidos em tais processos, o Mestre e os Irmãos deverão, cortesmente, oferecer a sua mediação, que deverá ser tida em conta pelos Irmãos contendores, e se for impossível a conciliação, estes deverão conduzir o processo sem ira ou rancor (o que não é o comportamento usual), sem dizer ou fazer algo que prejudique o Amor Fraternal, e que os bons ofícios sejam continuados e renovados para que todos vejam a boa influência da Maçonaria, como todos os Maçons têm feito desde o começo do mundo e o farão até ao fim dos tempos.


Esta última Obrigação respeita à Fraternidade. Conforme se acentua no seu texto, a Fraternidade é elemento essencial no ideário maçónico, verdadeira pedra angular do que é ser maçom.

A Fraternidade implica, ou pode implicar, o auxílio de um Irmão. Mas não qualquer auxílio. Auxílio para que este, segundo as suas capacidades, as suas habilidades, possa prover ele próprio ao seu sustento. Note-se: não significa isto que se providencie qualquer benefício ilegítimo ou privilégio a um Irmão. O trabalho para que o Irmão necessitado deve ser contratado ou recomendado deve, necessariamente, estar em conformidade com as suas capacidades e habilidades. Não se trata nunca de angariar sinecuras. Deve-se proporcionar oportunidade, mas sempre respeitando o mérito.

A Obrigação institui uma espécie de "direito de preferência": em igualdade de situações e de capacidades, deve-se dar preferência a um Irmão maçom, mas apenas desde que exista necessidade. Quer isto dizer que não se deve preterir ninguém mais capaz, mais apto, melhor classificado, em benefício de um maçom, nem sequer a pretexto da sua necessidade. E quer dizer também que a preferência, em igualdade de circunstâncias, apenas é acionada em favor de "um Irmão pobre, um homem bom e verdadeiro", isto é, em caso de necessidade.

Ou seja, apenas em caso de necessidade e de igualdade de habilitações e aptidões se deve dar a preferência a um Irmão maçom.

Esta a regra, este o limite!

Quem brande com um apregoado nepotismo maçónico ou é ignorante ou está de má fé. Afinal, os famosos "privilégios" que alegadamente os maçons concedem uns aos outros implicam que nunca se prejudique ou ultrapasse ninguém (só em caso de igualdade de condições se deve preferir um Irmão maçom) e só se concebem em caso de necessidade (para acorrer a um "Irmão pobre", isto é, necessitado, nunca para favorecer quem não esteja em situação de necessidade).

Oxalá que todos se comportassem, em matéria de privilégios, como os maçons! Afinal de contas, é apenas natural e óbvio que, em igualdade de circunstâncias, se prefira o próximo ao distante, o amigo ao desconhecido, o parente ao estranho, o vizinho ao forasteiro, aquele em que se confia ao que não merece a nossa confiança. Isto todos, todas as pessoas de bem, fazem, sem hesitação, sem dúvida, sem censura social.

A Fraternidade implica também a sua aplicação no relacionamento pessoal, que deve evidentemente implicar o amor fraternal, evitando-se "toda a discussão e querela, toda difamação e calúnia", não permitindo "que outros caluniem qualquer Irmão honesto, defendendo o seu caráter" e oferecendo os préstimos "desde que de acordo com a própria Honra e Segurança, e não mais que isso".

A fraternidade maçónica nunca pode violar as regras da Honra. Não admite, assim, por exemplo, falso testemunho em favor de Irmão - porque é um ato desonroso. Não admite, portanto, que, por exemplo, um juiz maçom beneficie, em qualquer pleito, um Irmão maçom - porque é gravemente desonroso para um juiz violar a imparcialidade que é atributo essencial e indispensável à função de julgar

Mais uma vez, oxalá que todos se comportassem como os maçons no respeito da Honra e das regras!

Finalmente, a fraternidade maçónica não deve implicar com a própria segurança. Do maçom e dos seus. É um limite de sobrevivência óbvio. Fraternidade implica disponibilidade para o auxílio - não para o sacrifício da segurança pessoal e familiar.

A convivência implica sempre a possibilidade de surgimento de conflito. Quando tal suceda, a fraternidade maçónica implica que, sempre que possível (quando não é possível, não é possível...), os litígios surgidos entre maçons sejam internamente regulados, preferentemente por mediação, se necessário, por decisão de órgãos internos a quem é atribuída competência para tal. A mediação é a forma preferencial de regulação de litígios, por razões evidentes: a mediação mais não é que, afinal, um meio de possibilitação de que os litigantes regulem eles próprios o seu litígio, o reduzam, o eliminem, resolvam o problema. Quando tal não for possível, o litígio interno deve ser internamente regulado pelos órgãos próprios para tal, aptos a fazê-lo segundo as regras e o ideário maçónicos. Só se, por sua própria natureza, o litígio não puder ser internamente resolvido se deve recorrer às leis e aos tribunais civis. Mas aí não se trata já de um desacordo entre maçons, a ser regulado pelas regras maçónicas. Trata-se de um conflito entre cidadãos, a ser dirimido pela estrutura de resolução de conflitos da Sociedade.

Uma última nota, em relação à matéria dos conflitos entre maçons: a Obrigação enfatiza que, mesmo que não seja possível a resolução do conflito por mediação, a sua regulação por decisão dos órgãos maçónicos próprios deve ser feita através de um processo conduzido "sem ira ou rancor", "sem dizer ou fazer algo que prejudique o Amor Fraternal, e que os bons ofícios sejam continuados e renovados".

Parecerá porventura utópica esta recomendação. Se existe litígio, existe desentendimento, interesses divergentes, porventura inconciliáveis. Inevitavelmente que o conflito implica exaltação, ira, que o conflito de interesses gera rancor, não pode deixar de ser prejudicado o amor fraternal...

Esta visão é errada e decorrente da ausência de vivência maçónica (quem está de fora, por muito que saiba, não vive - e portanto, não sente, não pratica). O maçom aprende a pautar a sua conduta, a praticar, a viver, a respirar, a Tolerância. Tolerância é a admissão dos erros alheios, tal como nós desejamos que os nossos erros sejam admitidos pelos outros.Tolerância é a aceitação natural das divergências, porque se admite que, havendo erro, tanto pode ser do outro, como pode ser nosso. A discussão e troca de pontos de vista, segundo o paradigma da Tolerância treina os maçons para viverem e regularem os conflitos que sobrevenham segundo o mesmo padrão. Se existe um conflito de interesses, obviamente que eu defendo os meus interesses. Mas também admito com naturalidade que o outro defenda os interesses dele. Tem exatamente o mesmo direito que eu. Portanto, não há razão para que nos zanguemos, para que nos exaltemos, para que esqueçamos que somos Irmãos. Conciliamos os nossos interesses, se isso for possível, com o auxílio, a mediação dos outros Irmãos. Se isso não for possível, confiamos a resolução do problema, a decisão de qual o interesse a ser preservado ou em que medida cada um dos interesses deve ser preservado e sacrificado a quem está encarregado de dirimir esses conflitos. E depois o o problema ficou resolvido, é passado, não tem que envenenar a minha relação fraternal no presente e no futuro com aquele com quem tive um conflito de interesses que foi regulado por quem devia regulá-lo. Afinal de contas, a Tolerância manda que se tenha sempre presente que posso estar eu certo e o outro errado, mas também que pode ser o outro quem está certo e eu errado! E, ao longo da vida, muitas vezes estamos certos e muitas vezes estamos errados! O conflito existe para ser resolvido, não para envenenar o relacionamento entre quem o tem...

Pela terceira vez: oxalá todos se comportassem assim!

Uma informação final: ao tempo da Cosntituição de Anderson de 1723, as estruturas de regulação de conflitos entre maçons eram, por ordem hierárquica ascendente, a Loja, a reunião trimestral da Grande Loja e a reunião anual da Grande Loja. A natural evolução dos tempos, dos procedimentos e organizações faz com que, hoje em dia, na maior parte das Obediências Maçónicas já não seja exatamente assim (afinal, discutir conflitos particulares em assembleias pode ser bastante problemático e complicado), tendo-se criado órgãos jurisdicionais internos especializados.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 135-136.

Rui Bandeira

28 março 2012

O curioso corte de inexistentes relações


No fim de semana passado, li em várias edições eletrónicas de órgãos de comunicação social a notícia de que o responsável máximo do GOL (Grande Oriente Lusitano) tinha publicado um comunicado segundo o qual tinha decidido que esta instituição iria "congelar" relações com a GLLP/GLRP "enquanto José Moreno (Grão-Mestre da GLLP/GLRP) estiver no exercício de funções e não desmentir ou clarificar devidamente as informações publicadas".

Segundo boa parte da imprensa eletrónica, tal decisão resultaria da publicação de um artigo no semanário Sol que, especulando a propósito de uma intervenção do Grão-Mestre José Moreno no American Club, afirmava que estavam a decorrer negociações para a unificação maçónica em Portugal, por integração dos elementos do GOL na GLLP/GLRP.

A primeira perplexidade que este comunicado me suscita é como se "congelam" relações inexistentes. Desde o cisma maçónico de 1877, protagonizado pelo Grande Oriente de França, que aboliu a obrigatoriedade da exigência de um maçom ser crente, de as Lojas trabalharem à Glória do Grande Arquiteto do Universo (entendido como a divindade em que cada maçom deposite a sua crença) e de os trabalhos obrigatoriamente decorrerem na presença do Livro Sagrado ou Livros Sagrados da(s) crença(s) dos obreiros da respetiva Loja, que a Maçonaria que permanece fiel a estas regras, que tem por essenciais, e assim se denomina a si própria de Maçonaria Regular, considera as organizações que adotaram a postura inaugurada pelo GOF (entre as quais o GOL) como Irregulares e, pura e simplesmente, não mantêm quaisquer relações institucionais com elas.

Há mais de 140 anos que não existem relações institucionais entre as Potências Maçónicas Regulares (entre as quais a GLLP/GLRP) e as organizações Irregulares (entre as quais o GOL). Não obstante o total respeito pelas opções e decisões de cada um, não me faz qualquer sentido que se declare "congelar" relações que, pura e simplesmente, não existem!

Quanto à impossibilidade de congelamento de inexistentes relações institucionais, parece-me estar o assunto claro. Mas, não havendo relações institucionais, evidentemente que existem relações pessoais e colaborações pontuais. Os maçons prezam a Tolerância e, assim, convivem facilmente com as diferenças, mesmo quando estas respeitam a questões essenciais. E é pura questão de bom senso que qualquer maçom se sinta mais próximo daqueles que buscam aperfeiçoar-se segundo o método maçónico, ainda que com divergências essenciais, do que daqueles com quem não partilham essa busca. Mas, a este nível, parece-me inócua a decisão do autor do comunicado.

Os meus amigos do GOL continuam a ser meus amigos e eu amigo deles, com ou sem comunicado! Não é por se decretar um qualquer congelamento que as relações pessoais entre nós ficam arrefecidas...

Também não creio que as colaborações pontuais entre maçons regulares e irregulares fiquem afetadas. Se numa dada localidade os maçons da GLLP/GLRP e os elementos do GOL decidiram unir esforços para angariar fundos para obter uma nova ambulância para os bombeiros, não é por causa do anunciado congelamento que o esforço para arranjar a ambulância vai deixar de ser feito.

Se, numa outra terra, os elementos da Loja do GOL e os obreiros da Loja da GLLP/GLRP combinaram entre si que, para maior eficácia na ajuda prestada, uns oferecem à estrutura local de acolhimento de crianças em risco ou sem família fraldas e os outros medicamentos, não será por causa do anunciado congelamento que vão ambas as Lojas passar a inundar a estrutura só com fraldas, sem que nenhuma providencie medicamentos.

Portanto, também ao nível das relações pessoais e da cooperação no auxílio a quem dele necessita me parece inócuo este anunciado congelamento.

Por outro lado, nem sequer se entende muito bem a motivação desta atitude. Se, como diz o líder do GOL não há negociações quanto à fusão do GOL com a GLLP/GLRP, então o que se justificava era verberar, discordar, denunciar, desmentir, as conclusões, as especulações, do semanário, que, ele sim, é quem, pelos vistos, extrai conclusões indevidas, tira ilações erradas.

Aliás, o mesmo semanário refere que o autor do comunicado esteve presente no American Club e assistiu à intervenção do Grão-Mestre da GLLP/GLRP. Aparentemente, então não houve qualquer desconforto com essa intervenção - e, a meu ver, justifica-se plenamente essa ausência de desconforto, já que é natural e saudável que o líder de qualquer organização declare ansiar a liderar todos os que se posicionam na órbita da esfera de atividade da mesma e declare que veja com bons olhos que a sua organização exerça atração perante quem está de fora dela. É tão normal e saudável que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP o afirme como seria se, similarmente, o líder do GOL o fizesse... Cada um defende a sua dama e só lhe fica bem que o faça...

Aparentemente, o que desagradou ao autor do comunicado não foi a intervenção efetuada pelo Grão-Mestre da GLLP/GLRP no American Club, mas as ilações, as especulações, as conclusões que os jornalistas do semanário retiraram. O que me permite que eu, já agora, também tire uma ilação: para o autor do comunicado, o que o incomodou não foi o que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP disse; foi que tivesse sido publicado e interpretado pela comunicação social...

Ou seja, não é grave - e não é mesmo! - que o Grão-Mestre manifeste o seu anseio de unificar os maçons portugueses sob a égide da GLLP/GLRP e se mostre disposto a que tal possa ocorrer, se tal possível for. O que, para o autor do comunicado, é grave e o faz declarar congelar o que não existe é que se saiba disso - porventura que os membros da organização que dirige vejam publicamente aberta esta porta.

O comunicado de congelamento de inexistentes relações tem a aparência de uma posição de força mas afinal o que mostra é receio.

O que não me alegra nada. Pela minha parte, não quero vencer ninguém. Apenas unir o que porventura possa ser unido.

Rui Bandeira

21 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 5 - Conduta em casa e na vizinhança


Deverá agir como um homem sensato e de moral; ter um especial cuidado em não deixar a família, amigos ou vizinhos conhecer os assuntos da Loja, etc, mas sabiamente levar em conta a sua própria honra, e a da Antiga Fraternidade, por razões que não são mencionadas aqui. Deve ter em conta, também, a sua saúde, não continuando a reunião até muito tarde, sem necessidade, nem permanecendo muito longe do lar, depois das Sessões da Loja terminarem; e evitar a gula ou embriaguez. e que suas famílias não sejam negligenciadas ou prejudicadas, nem vós próprios incapacitados de trabalhar.

Junto dos seus e no seu meio ambiente, o maçom tem o especial dever de ser e agir de modo sensato e moral. De modo sensato, porque a sensatez é apanágio daquele que estuda, que procura ver para além das aparências, que procura conhecer-se a si mesmo e, por isso, conhece o mundo e os outros. Assim, conduz-se pela Razão, não cedendo facilmente ao Impulso. Não que a Emoção não o influencie. Pelo contrário, o Homem completo é um misto de Razão e de Emoção. Mas o mero Impulso é um ato gerado apenas pela Emoção não temperada pela Razão. E é a combinação das duas que permite que tomemos as nossas opções melhores.

Tão perniciosa como agir puramente por Emoção, sem a têmpera da Razão, é a atuação puramente racional, sem pingo de Emoção, que acaba por se traduzir em Indiferença. A escolha mais racional pode não ser a mais correta, se desnecessariamente causar danos que poderiam ser evitados com uma atuação porventura com um resultado em absoluto um pouco pior, mas mais equilibrado e rentável no saldo do custo com o benefício.

Por isso o maçom deve agir de modo sensato, em equilíbrio entre a Razão e a Emoção, e moral, isto é, em consonância com o sentimento social. O Homem não vive por si só. O Homem vive em sociedade e, portanto, tem de a ela atender na sua atuação. É inaceitável uma escolha que racionalmente conduza a uma atuação socialmente censurável, por muito "eficiente" que ela seja seja. Os fins não justificam os meios!

Como inaceitável é a atuação meramente populista, que atenda apenas à "opinião pública" e ao que emocionalmente apetece fazer, se essa atuação é ineficaz ou, pior, perniciosa, agravando em vez de resolver. Devem-se utilizar os meios socialmente permitidos que se adequem aos fins pretendidos.

É nesta constante dialética entre a Razão e a Emoção que, sem nunca ceder ao Impulso nem se deixar enredar na Indiferença, deve o maçom enquadrar a sua conduta, com Sensatez e Moral.

Assim, sem divulgar publicamente o que só aos maçons diz respeito, age com honra e honra-se a ele próprio e à Fraternidade de que faz parte.

Deve ainda o maçom agir sempre com Temperança. As suas reuniões devem ter a duração adequada para não prejudicar a sua vida familiar, o seu repouso, a sua capacidade de trabalho. A convivência fraternal após as reuniões deve igualmente pautar-se por esses limites. Sob pena de aquilo que é intrinsecamente bom ser visto ou entendido como mau, desviante, pernicioso.

No fundo, a noção que esta Obrigação transmite é a de Equilíbrio, o equilíbrio que se alcança através da sensatez, da consideração da Moral, da preservação da Honra, da Saúde, da Família e da Capacidade de trabalhar honrada e produtivamente.

O maçom não procura ser melhor por mero interesse pessoal - fá-lo para melhor se integrar na Sociedade, desde a sociedade mais próxima e chegada, a Família, à sociedade onde obtém o sustento, seu e dos seus, a Empresa ou local de trabalho, à Sociedade em geral, em que harmoniosamente se deve inserir, ser produtivo e para cujo equilíbrio e progresso deve contribuir. O maçom deve sempre ter presente que a Sociedade melhora e evolui, antes de mais, através da melhoria e da evolução de cada um dos seus membros. E, tirando a consequência disso, fazer a sua parte, isto é, efetuar o trabalho, o esforço, do seu próprio aperfeiçoamento.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 135.

Rui Bandeira

14 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI . 4 - Conduta em presença de estranhos não Maçons


Deverão ser cautelosos com as palavras e o comportamento, de modo a que um estranho mais perspicaz não seja capaz de descobrir ou perceber o que não deve ser revelado, e se possível, deverá aproveitar-se o rumo da conversa, conduzindo-a prudentemente de modo a elogiar a Venerável Fraternidade.

Esta regra de conduta perante estranhos não maçons ilustra a cautela que, desde o início da Maçonaria, os seus elementos tinham e têm que ter. A Maçonaria Especulativa nasceu e desenvolveu-se em tempos difíceis em Inglaterra, logo após longo período de guerra civis e de sangrentas dissensões e perseguições religiosas. A Maçonaria Especulativa nasceu e desenvolveu-se como ponto de encontro, lugar de refúgio, porto de abrigo, espaço de cooperação, para homens crentes, livres e de bons costumes que desejassem aperfeiçoar-se, trabalhando em conjunto e auxiliando-se mutuamente nesse trabalho de melhoria, independentemente das suas diferenças, das posições políticas de cada um, das diversas opções religiosas, do posicionamento na escala social que cada um tivesse.

Em tempos de conflitos e em que ainda estavam muito vivas as cicatrizes das lutas, muito evidenciadas as sequelas das divisões, em que ainda imperava o preconceito de que "quem não é por mim, é contra mim", era incompreensível, quiçá inaceitável, para muitos e para muito poderosos, a ideia de que o parlamentarista e o realista, o católico e o anglicano, o defensor dos Stuarts e o apaniguado dos Hannovers confraternizassem nas mesmas Lojas, se comportassem, não como inimigos figadais, adversários definitivos, contendores aguerridos, mas como irmãos diferentes entre si e que mutuamente se toleravam.

Eram tempos em que confraternizar, cooperar, simplesmente conviver com quem era ou pensava ou cria de modo diferente, e portanto devia ser considerado inimigo, constituía por si só uma traição - à opção política, à crença religiosa, à Coroa ou à Revolução, a qualquer partido ou grupo que se integrasse. Eram tempos em que ousar sair da norma dos grupos e ouvir e conviver e aprender com os diferentes não era concebível senão como abdicação, em que a tolerância era ainda um desconhecido e nascente conceito filosófico e, portanto, passível de severas represálias, desde o simples ostracismo até à prisão ou mesmo à morte.

Eram tempos em que os maçons tinham de manter secreta, desconhecida dos que o não eram, a sua condição e a sua mútua convivência. Publicamente, o anglicano só podia declarar o seu ódio a Roma, o católico só podia verberar a dissensão iniciada pelos desejos de Henrique VIII e ambos tinham que esconder que conseguiam cooperar e debater e aprender em conjunto, pondo de lado as suas diferenças religiosas, cada um aceitando que o outro era livre de fazer a sua escolha. O mesmo em relação às posições políticas ou lealdades a soberanos ou pretendentes à Coroa.

Tinham os maçons, assim, que se comportar, na presença de estranhos não maçons, de forma a que não fosse possível ser apercebido que os públicos adversários ou inimigos eram simultaneamente irmãos que se respeitavam e cooperavam, independentemente das suas diferenças. Era uma questão de sobrevivência. Infelizmente, ainda hoje, em muitos locais, ainda é. Acontecimentos recentes em Portugal mostraram que, em pleno século XXI, muitos que se proclamam cultos e modernos e fazedores de opinião afinal não sabem distinguir fraternidade de compadrio (quiçá porque não concebam amizades sem compadrios...), cooperação de diferentes de conspiração (porventura porque não sabem cooperar sem conspirar...), aprendizagem comum tolerante de diferenças de sórdidos planos de assaltos a vão poder, inevitavelmente destinados ao fracasso (talvez porque as suas vidas giram apenas em torno do Poder, da Imagem e do Dinheiro...).

Continua, infelizmente, a ser quase impossível para muitos conceber que a Vida é feita de muito mais do que de mesquinhos egoísmos, lutas de poder, imposição de convicções, desesperada busca por acumulação de bens materiais, enfim, e simplesmente, que cada um é o que é, não o que tem, por muito que tenha. E essa incapacidade desses muitos, alguns poderosos ou influentes, obriga a que infelizmente os maçons tenham que continuar a reservar para si o que para esses muitos é incompreensível (e por isso não compreendem), inaceitável (e por isso não aceitam), impraticável (e por isso não concebem que se pratique): pura e simples cooperação de diferentes na aprendizagem e melhoria mútua, pura e simples partilha do que cada um é, independentemente do que tenha, para que todos sejam um pouco mais, procurando todos aumentar o seu Ser, não o seu Ter.

Mas, se assim foi, se assim infelizmente ainda é, os maçons continuam a perseverar em entender que não será necessariamente sempre assim. Os maçons devem assim dar o seu exemplo, para que este possa servir de exemplo. Os maçons devem, sempre que possível e da forma que lhes for possível, lutar contra os preconceitos, o obscurantismo, a intolerância, da única forma que estes flagelos podem com êxito ser combatidos: com esclarecimento, com divulgação, contrapondo aos preconceitos a sua informação. Quem estiver pronto para rever os seus preconceitos, aproveitará. Quem não estiver, assim como assim, permanecerá embalado neles, pelo que não vale a pena preocupar-nos com esses.

É por isso que eu, que posso revelar a minha condição de maçom, o faço - mas mantenho a reserva sobre a identidade daqueles que, temendo serem prejudicados, eles e as suas famílias, ainda têm de manter reservada essa sua condição.

É por isso que eu não divulgo as formas como, em público, posso reconhecer outro maçom, sem que os circunstantes disso se apercebam - mas afirmo e repito que isso só é assim porque ainda é necessário que assim ainda seja.

É por isso que eu pratico e aprecio e aprendo com os rituais e cerimónias que pratico na minha Loja - mas não os divulgo publicamente, porque seriam pérolas insuscetíveis de serem devidamente apreciadas por quem não concebe possível que "se perca tempo" com algo que não dá dinheiro, não traz poder, não atrai fama social.

É por isso que eu guardo para mim e para os meus Irmãos aquilo de que tratamos, apesar de sabermos, eu e os meus Irmãos, que todos aqueles que, não sendo capazes de pensar mais, ou mais além das mesquinhices a que reduzem as suas visões da vida, confundem mera privacidade com secretismo - mas asseguro que eu e os meus Irmãos não conspiramos contra ou a favor do que quer que seja, não tratamos de compadrios ou benesses ou de corrupções, porque não é de bens materiais ou de posições sociais que o nosso interesse comum é feito.

Quem quiser acreditar, quem estiver pronto para melhorar a sua postura perante a vida, para investir no que ele próprio é e acreditar que pode ser cada vez mais - e que isso nada tem a ver com o que cada um tem ou com a forma como os demais cada um vêem -, porventura aproveitará. Os outros, que continuem alegremente embalados nos seus preconceitos, nas suas conceções das suas vidinhas, entretidos em jogos de poder, ocupados nas suas acumulações de bens materiais que um dia inevitavelmente deixarão.

Nós, maçons, acreditamos na capacidade de todos poderem melhorar, aprender, evoluir, ascender acima da mesquinhez dos bens materiais e descobrir a verdadeira essência do que é viver e ser humano. Cada dia cada um de nós procura ir um pouco mais além nesse caminho. É isso que para nós, maçons, é importante e por isso é isso que nos importa!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 135.

Rui Bandeira

07 março 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 3 - Conduta quando os Irmãos se reúnem sem estranhos, fora de uma Loja constituída


Saudar-se-ão uns aos outros de maneira cortês, como ensinados, chamando-se de Irmãos, dando livremente as instruções de modo que for conveniente, verificando que não são vigiados ou observados; sem ultrapassar o limite, ou faltar ao respeito que é devido a todo o Irmão, mesmo que não seja um Maçom; porque todos os Maçons são iguais, Irmãos, ainda que a Maçonaria não elimine a honraria do homem antes de sua Iniciação, ou sequer acrescente algo a esta, especialmente se tenha merecido respeito da Fraternidade, que deve honrar aquele que é merecedor, e evitar comportamento impróprio.

Fora de Loja, os maçons devem mutuamente tratar-se como se irmãos de sangue fossem: saudar-se como dois irmãos se saúdam, falar um como o outro como dois irmãos o fazem, manter relações de cordialidade e amizade e consideração e cumplicidade em tudo similares às dos irmãos.

Nenhum tratamento mais distante do que esse é admitido entre os maçons, seja qual for a sua antiguidade, os ofícios que exercem ou não. Um recente Aprendiz trata e é tratado pelo Grão-Mestre desta forma - e por nenhuma outra.

No entanto, esta Obrigação deixa também claro que a igualdade fundamental entre maçons, a fraternidade que é razão de ser da instituição e norma de conduta irrevogável para todos, não afasta ou ultrapassa as posições sociais, a consideração e o respeito devido pelo que o indivíduo já era antes da sua iniciação e continua a sê-lo depois dela.

O marceneiro não pretende ensinar o Padre Nosso ao vigário e o ministro religioso não busca ensinar aquele a fazer móveis. O escriturário não se arroga condições para estar mais bem preparado para fazer diagnósticos que o médico e este reconhece que sabe bem menos de técnica de arquivo, elaboração e encaminhamento de documentos do que aquele.

A fundamental igualdade da Maçonaria não é vão igualitarismo, não é pretender-se que todos sejam tratados por igual, de igual modo. É aplicar a máxima de que o que é igual deve ser tratado de forma igual e o que é diferente suscita diferente tratamento.

A igualdade fundamental da Maçonaria indubitavelmente que implica a igual consideração, o igual respeito, a igual atenção, pelo que de fundamentalmente igual todos temos: a nossa Humanidade, a nossa capacidade de aprender, o nosso propósito de melhorar, enfim a absolutamente igual dignidade da pessoa humana, que implica que todos nascem livres e iguais em direitos e deveres. Não é por um ser marceneiro que se pode ou deve presumi-lo como menos capaz do que o ministro, tal como os maçons não consideram o médico mais nobre ou digno de respeito do que o escriturário. Em Maçonaria, ser operário ou trabalhador manual e ser intelectual ou colarinho branco são apenas ocupações, formas de trabalhar, de ganhar a vida honestamente, não fontes de diferenciação ou de primazia ou de análise de valia pessoal. O importante é que cada um seja, e procure ser o melhor que lhe seja possível no seu campo de atividade, o melhor que consiga enquanto pessoa.

O maçom não confunde igualdade com igualitarismo, porque este procura igualizar por baixo enquanto aquela busca nivelar por cima. Com efeito, o igualitarismo, o entendimento de que todos devem ser tratados por igual, que todos são iguais, apesar de evidente e naturalmente todos sermos diferentes, nivela por baixo, diminui os naturalmente mais capazes ou mais desenvolvidos para o plano dos menos preparados ou dotados, única forma de todos igualizar. Mas a verdadeira igualdade, reconhecendo que a dignidade e a humanidade de todos é essencialmente igual, atenta em que as condições sociais, a educação, as diferenças de caráter, a pura aleatoriedade da vida fazem destes seres estruturalmente iguais indivíduos com diversas caraterísticas, diferentes saberes, diversificadas escolhas. Todos temos formas diferentes mas essas formas são todas feitas da mesma massa. A aspiração de todos os diferentes é igual: atingir o máximo do seu potencial. E é isso que a Maçonaria reconhece, busca e acalenta.

A igualdade fundamental praticada pela Maçonaria permite lograr que o marceneiro, o ministro, o escriturário e o médico sejam, cada um deles, aquilo que são, que a sua história e evolução pessoal determinam, mas adicionando a cada um deles algo do que os outros sabem e são e sentem. E assim todos e cada um deles sabem um pouco de fazer móveis, de teologia, de fisiologia e de técnicas de arquivo - para além daquilo que a fundo conhecem. A igualdade dos maçons é a igualdade do desejo de melhorar, de aprender, a igualdade na capacidade de o conseguir, a igualdade no propósito de o fazer em conjunto, partilhando saberes, dores, alegrias, projetos, êxitos e fracassos.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 134.

Rui Bandeira