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16 maio 2012

Pode um católico ser maçom?

Há tempos, no jornal Público, Ricardo Sá Fernandes, meu colega de profissão e membro do GOL (Grande Oriente Lusitano), publicou um pequeno texto em que se assumia como católico e maçom, defendendo que ambas as qualidades são plenamente compatíveis. Respondeu o padre Gonçalo Portocarrera de Almada, sustentando a posição inversa. Recentemente, um senhor de nome João Mendia afirmou também a incompatibilidade das duas condições.

Decido intervir na polémica. Antes do mais, e como convém, eis a minha declaração de interesses: sou maçom regular, isto é, integro a orientação maçónica original, que só admite no seu seio crentes, qualquer que seja a crença religiosa de cada um. Em termos de convicção religiosa, não me defino como católico, antes como deísta, crente no Criador sem necessidade da intermediação das religiões organizadas, na minha opinião cada uma delas se afadigando a moldar o Criador às suas respetivas conceções particulares. Nesta polémica de se um católico pode ser maçom, parto, pois, de uma posição neutral.

Maçom que sou, mais do que criticar as opiniões expressas pelos que se pronunciaram sobre a questão (opiniões que, concorde ou discorde delas, me cumpre respeitar),  vou-me limitar a expor a minha opinião e as razões dela.
 
Advogado que sou, tenho a deformação profissional de analisar os conflitos, as divergências de opinião, recorrendo ao que está escrito nos livros da lei. E, nesta matéria de religião e espiritualidade, nada me parece melhor do que recorrer ao Volume da Lei Sagrada que é aceite por todas as partes, católicos, maçons e católicos maçons: a Bíblia.
Confiramos então os Dez Mandamentos que Deus transmitiu a Moisés,constantes do Livro do Êxodo, 20, 2-17 (e também em Deuteronómio, 5, 6-21):    

2 Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
3 Não terás outros deuses diante de mim.
4 Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
5 Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.
6 E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.
7 Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.
8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.
9 Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra.
10 Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro, que está dentro das tuas portas.
11 Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o SENHOR o dia do sábado, e o santificou.
12 Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR teu Deus te dá.
13 Não matarás.
14 Não adulterarás.
15 Não furtarás.
16 Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.
17 Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.

 Neste texto nada objetivamente se encontra que permita concluir que ser maçom infringe qualquer dos mandamentos divinos. Cuidadoso que sou com os pormenores, esclareço que o Grande Arquiteto do Universo invocado pelos maçons mais não é do que a designação particular que estes dão ao Criador, evitando assim ter de utilizar uma denominação utilizada por uma religião e não por outra, não sendo um qualquer "outro deus".

Mas prossigamos até ao Novo Testamento e aportemos a Mateus,22, 34-40:

34os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então eles se reuniram em grupo, 35e um deles perguntou a Jesus, para experimentá-lo: 36"Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?"
  
37Jesus respondeu: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ 38Esse é o maior e o primeiro mandamento. 39O segundo é semelhante a esse: 'Amarás ao teu próximo como a ti mesmo'. 40Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos". 

Também aqui, obviamente, nada é infringido com a filiação maçónica. Para um católico que não seja um primário antimaçom, parece-me estar qualquer dúvida desfeita: nem os dez Mandamentos do Antigo Testamento, nem os dois mandamentos invocados por Jesus Cristo impedem que um crente, designadamente um católico, possa ser maçom.

Mas houve condenações e proibições papais. Houve! Porém, por grande que seja a importância dos Papas - e só posso aceitar que, para os católicos, o seja -, o certo é que todos foram, e o atual é, apenas homens. Entre as determinações divinas e as humanas eu, simples crente deísta, atribuo primazia às divinas... Confesso que me faz alguma confusão que haja quem, reclamando-se da pureza do catolicismo, roce a blasfémia de sobrepor as determinações humanas às divinas...

Lição a tirar desta polémica? O fundamentalismo religioso é tão irrazoável e tão perigoso sendo cristão, católico ou de outra orientação espiritual, como islâmico.  Que ninguém disto se esqueça!

Rui Bandeira

18 novembro 2011

Duas certezas

Li recentemente, “ O Livro da Ignorância geral”, escrito por John Lloyd e John Mitchinson, onde encontrei a seguinte passagem, “ Nunca se definiu com êxito o que é que confere interesse às coisas – ou se percebeu por que motivo aquilo que não sabemos é muito mais interessante do que aquilo que sabemos”…e considerei este pequeno excerto mais que oportuno para esta altura, pois, devido a algumas publicações recentes em órgãos de comunicação social escritos, intituladas de “grandes investigações” se cria, como é habitual, um espetro negro sobre a Maçonaria.

Naturalmente, o que é divulgado sobre a nossa Ordem, deixa-nos sempre apreensivos e, julgo falar por todos ou por uma larga maioria, há sempre uma certeza patente, antes sequer de lermos os artigos, na sua grande maioria, o que é publicado, não corresponde à verdade.

Não falo, claro está de entrevistas aos membros que são publicamente assumidos na sua qualidade de maçom, pois esses, proferem declarações e essas ficam, para sempre, agregadas a quem as profere, mas esses são indivíduos com certezas e não precisam sequer de ponderar nas respostas, sabem o que dizer e conhecem a real intenção das perguntas, portanto, quanto a esses estamos perfeitamente descansados. E, não falo também da Maçonaria dos séculos passados, pois essa também está escrita e perfeitamente identificada, mas ainda assim, também aí, nem sempre bate a “bota com a perdigota”.

Enquanto maçom, não assumido publicamente, pois até utilizo para assinar os meus textos aqui no blogue um pseudónimo, embora o mesmo seja verdadeiro, as palavras agora vindas a público, causam-me alguma insatisfação, mais que não seja porque as mesmas não são inteiramente verdadeiras. Infelizmente é em posição de segredo que tenho de manter a minha condição, um dia, mais tarde, a assumirei. Assim o espero.

Reconheço algumas verdades nas agora publicadas, mas ainda assim, nem essas são totalmente verdadeiras, claro que a Maçonaria não é secreta, claro que não temos poder algum no Estado, obviamente que não somos ricos e famosos e na sociedade a influência que temos é tanta como parca. Agora, é reconhecido por todos, que muitos maçons ocupam lugares de destaque nos mais variados quadrantes e aí sim, a nossa ação é considerada poderosa, pois os nossos princípios são utilizados em todo e qualquer lugar, quer seja com os nossos amigos e em família, quer seja profissional e ocasionalmente, e todos o fazemos, os que admitem a condição e os que a não admitem. Permitam-me escrever aqui, não é defeito é feitio.

Somos sim, livres e de bons costumes, informados e atentos ao que se passa em todo o nosso redor, em todas as relações do nosso dia a dia, dedicamos tempo a algo a que os não iniciados não dedicam, ou seja, ao nosso interior e, no final, queremos tão pouco, tão só queremos crescer enquanto homens e é aqui que está o nosso segredo, a nossa evolução e o estar atento ao que se passa dá-nos o poder do conhecimento. Quem não reconhece que, desde sempre, conhecimento é poder?

Como iniciados, temos, entre muitas, também duas certezas, a primeira que tudo o que é escrito sobre nós é não mais do a vã tentativa de nos incomodar, destabilizar e até quem sabe tentar, no limite a nossa extinção, a segunda é tão simples quanto isto, a nossa cadeia de união é forte o suficiente para analisar tudo isto e estamos sempre prontos para qualquer eventualidade.

Mais uma vez, aplica-se o princípio, “é sempre mais fácil falar do que não conhecemos…”

Daniel Martins

26 julho 2011

Marreteando



É curioso como, quando sentimos que temos de lidar com algo de maior peso do que a normal rotina, acabamos por retomar hábitos antigos e com que nos demos bem.

Brevemente, vai ser tempo para tomar uma decisão importante. E, cientes de que assim iria ser, os dois Marretas, sem que cada um previamente tivesse consultado o outro, naturalmente retomaram o antigo hábito e ultimamente têm dado uso ao telefone e ao teclado do correio eletrónico.

Desta vez, nem sequer existe, à exceção porventura de um ou outro pormenor, mais adjetivo do que substantivo, desacordo entre ambos. Ambos estão de acordo quanto ao sentido da decisão, ambos se mostram favoráveis à decisão a tomar. Mas, como a decisão é mesmo importante e não basta estar de acordo com ela, há que prevenir perigos, preparar coisas, estar preparado para alguns possíveis imprevistos, prever, gerir e efetuar algumas adaptações, para que, chegada a hora de a decisão ser tomada e, sobretudo, tendo em vista o tempo depois de a mesma ser tomada, se esteja pronto e tudo corra bem. Assim, ambos analisam, preveem e constroem cenários, estudam alterantivas, situações, posturas, ações e reações.

E aqui de novo os velhos hábitos confortavelmente surgem: quase que instintivamente, eles, que estão de acordo no essencial, arranjam maneira de se porem em desacordo nos pormenores e estudam e argumentam e rebatem e, detalhe a detalhe, lá se vão pondo de acordo quanto à melhor forma de atuar e - o que não é de somenos - quanto à melhor forma de cada um deles agir, pois normalmente são mais eficazes cada um sendo ele, diverso do outro, cada um dando atenção a questões diferentes, cada um guarnecendo diferentes aspetos, enfim, cada um fazendo diferente do outro, ambos em prol do mesmo objetivo.

Portanto, minha gente, informo que os dois Marretas estão marreteando a bom ritmo e que esperam - mais: sabem! - que, também com a ajuda do seu marreteanço, na altura própria a Loja estará em perfeitas condições de bem contribuir para a decisão importante que brevemente será tomada e - sobretudo - completa e absolutamente preparada para o que implica essa decisão. Assim, esperam - não só: têm a certeza! - que a decisão importante que brevemente será tomada não perturbará a Loja, não a prejudicará. Pelo contrário, vai torná-la mais sólida, mais forte, mais eficaz, mais... Mestre Affonso Domingues, permanecendo como sempre foi e, como sempre também, reinventando-se e adaptando-se.

A liderança da Loja é boa. Boa será também a próxima liderança. Nesse particular estamos tranquilos. O resto da Loja vai rapidamente preparar-se para o que aí vem. Nós estamos marreteando. Outros vão conversando e preparando-se também. E, quando chegar a altura da decisão importante, não se duvide: a Loja Mestre Affonso Domingues e a sua liderança, a atual e a próxima, estarão preparadas.

Que não sejam as únicas, antes apenas mais uma de todas na mesma situação, é o que eu espero. Mas, para isso, mister é que, em todas as Lojas da GLLP/GLRP, líderes e liderados conversem e se preparem. Com férias ou sem férias, com substituição de lideranças ou sem elas, todas as Lojas, daqui a não muito tempo, têm de tomar uma decisão importante. E não vale a pena, chegada a hora, seja quem for ter a pretensão de se refugiar na dificuldade das férias, no constrangimento da mudança de liderança. Nem invocar desconhecimentos ou incertezas. Quem desconhecer e tiver a obrigação de conhecer, sabe muito bem como e junto de quem se informar! A circulação da informação e o esclarecimento são vias de dois sentidos, não apenas de um...

Qual é a decisão importante que brevemente será tomada? Por agora, não a digo aqui e espero que mais ninguém o faça. Quem sabe, sabe; quem não sabe, em devido tempo virá a saber. Por agora, é para ser discutida nos locais próprios, isto é, em privado, com sossego, calma e concentração. Porque - ninguém o duvide - o problema não estará certamente na tomada de decisão, que, espero, mais detalhe, menos pormenor burocrático, não será difícil de tomar e não suscitará divergências de monta. O problema para que todos e todas as Lojas se devem preparar é o que há que fazer depois de tomada a decisão. Porque se pretende que tudo corra bem e que todos fiquem melhor!

Agora, para os dois Marretas é tempo de marretearem. E por aqui hoje me fico, que estou com pressa: vou almoçar com o José Ruah...

Rui Bandeira

16 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Conclusão


Quando inicio uma série de textos, embora tenha uma ideia geral sobre a estrutura da mesma, não tenho fixado o sentido de cada texto. Elaboro cada texto separada e sucessivamente, alguns já depois de iniciada a publicação da série. Tenho um ponto de partida, uma direção projetada, espero um determinado ponto de chegada, mas só o evoluir dos textos e o estudo que faço na preparação de cada um acabam por determinar a evolução da série e só no final verifico se a conclusão que posso tirar é a que antecipava no momento em que decidi iniciar a série.

Quanto ao tema que hoje termino, a tese defendida foi expressa logo no início: a referência maçónica aos números, a numerologia maçónica, deriva da filosofia pitagórica. Percorrido o ciclo de textos, continuo a perfilhar a tese, mas reconheço que a mesma não passa disso mesmo, de uma tese, de uma hipótese, que necessitará de confirmação fáctica e, na medida do possível, documental.

Ao longo destes textos, foi possível verificar que a relação da Maçonaria com os números é bem mais restrita e simplificada do que a original filosofia pitagórica. Desde logo, aos números pares, à exceção do DOIS, não dedica a maçonaria particular atenção. E a atenção maçónica, em diferentes graus de desenvolvimento, concentra-se em especial nos primeiros números primos: UM, DOIS, TRÊS, CINCO e SETE. Quanto ao significado maçónico, entendo que é herdeiro do significado pitagórico, embora notoriamente simplificado, quando não mesmo apenas um resíduo do conceito pitagórico original.

Nesse sentido, a conclusão final, no meu entender, confirma a expetativa inicial, sem contudo lhe ter acrescentado prova concludente. Portanto, hipótese era, mais do que hipótese não é, por agora.

Um outro aspeto não logrei dilucidar, ao longo do estudo para este conjunto de textos: no pressuposto de que a numerologia maçónica deriva da filosofia pitagórica, por que forma ocorreu essa derivação?

Uma das possibilidades é que os conceitos filosóficos pitagóricos tivessem sido oralmente - e reservadamente - transmitidos em conjunto com os conhecimentos de geometria, no âmbito do ofício de construtor em pedra, seguindo um percurso já neste blogue referenciado na série de textos dedicada à Lenda do Ofício. Consistente com essa possibilidade é a enorme simplificação, quase corruptela, dos conceitos maçónicos em relação aos originais pitagóricos, denotando uma progressiva deterioração e simplificação dos significados originais através do percurso numa longa cadeia de transmissão oral. Não pude, porém, confirmar se existem indícios dessa transmissão nos documentos operativos medievais que foram encontrados, sobretudo no Reino Unido.

Outra possibilidade é a de a introdução desses conceitos na Maçonaria ter sido efetuada por via "erudita", aquando da evolução da maçonaria operativa para a maçonaria especulativa e redação dos modernos rituais.. Se a extrema simplificação dos conceitos conduz, numa primeira análise, ao ceticismo em relação a esta hipótese (o erudito introdutor dos conceitos deveria conhecer os termos da filosofia pitagórica e seria natural que a introdução dos conceitos nos rituais fosse efetuada em termos mais consistentes com a filosofia original), mais cuidada reflexão alerta-nos para o facto de que, não existindo registos escritos das teses pitagóricas, o simples passar do tempo levou a que, mesmo os estudiosos, acabassem apenas por ficar com umas leves luzes (e porventura algumas apagadas...) sobre os conceitos originais, efetivamente perdidos no tempo. Repare-se que, mesmo em meios académicos, existem referências - não particularmente desenvolvidas e nem sempre inteiramente coincidentes - ao UM, DOIS, TRÊS e QUATRO, mais breves ao CINCO e ao DEZ e verifica-se uma omissão, ou quase, em relação ao significado pitagórico do SEIS, SETE, OITO e NOVE. Logo, o "erudito" que porventura tivesse introduzido os conceitos pitagóricos nos rituais ter-se-ia sentido a pisar terreno mais seguro ao concentrar-se nos três primeiros números, onde a própria representação geométrica dos mesmos é mais claramente elucidativa. O CINCO já tem manifestas referências a outros entendimentos, até da Renascença, e o SETE herda, na Maçonaria, o que será apenas um possível significado pitagórico do número, à falta de mais completa confirmação.

Resumindo: a tese exposta ao longo desta série de textos é isso mesmo, uma tese, uma teoria, uma hipótese, que será, ou não, objeto de confirmação documental ou, pelo menos, confortada com indícios históricos bastantes. Se o for, haverá ainda que procurar determinar se a evolução dos pitagóricos para a moderna maçonaria especulativa se fez por via "popular", através do ofício da construção em pedra e da maçonaria operativa ou se decorreu de uma introdução "erudita", aquando da elaboração dos rituais pós-transição para a maçonaria especulativa.

Rui Bandeira

08 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o DEZ



A imagem que encima este texto é a Década pitagórica, a representação gráfica e geométrica do número DEZ. Constitui o desenvolvimento das representações dos três primeiros números: a mónade (que define o ponto), a díade (definidora da linha) e da tríade (definidora da superfície), replicando o triângulo regular desenhado na tríade até ao máximo possível na superfície dos dois círculos gerados pela díade, através do movimento da mónade. Conseguem-se assim inscrever nessa superfície DEZ triângulos regulares.

A década, o último dos números que englobavam os princípios do cosmo, não simbolizava, porém, o fim, antes um ponto de reunião para um novo recomeço, numa viagem sem limites. Os pitagóricos entendiam o DEZ como o símbolo do mundo e dos céus, encerrando o ciclo básico da construção do universo, contido nos números do UM ao DEZ.

Para os pitagóricos, dado que DEZ é igual a UMA vez DUAS vezes CINCO, a década é o resultado da interação da mónade, da díade e da pêntade (ou seja, do Princípio Criador, da dinâmica, da ação, desse princípio e da Vida).

Tal como a mónade, qualquer número multiplicado por DEZ mantém o original, apenas o transportando para um nível mais alto, tornando-o uma versão aumentada de si próprio (UM vezes DEZ = UMA década; DOIS vezes DEZ igual a DUAS décadas; TRÊS vezes DEZ igual a TRÊS décadas, e assim sucessivamente)

Aécio (filósofo grego) escreveu:

DEZ é a verdadeira natureza do número. Todos os gregos e todos os bárbaros contam até DEZ e, chegando ao DEZ, voltam novamente para a unidade. Pitágoras afirma mais uma vez que o poder do número DEZ reside no número QUATRO, a tétrade. Esta é a razão: se começarmos na unidade e somarmos os números sucessivos até QUATRO, obteremos o número DEZ (UM + DOIS + TRÊS + QUATRO = DEZ). E, se ultrapassarmos a tétrade, ultrapassamos também DEZ... De forma que o número que está ao lado da unidade é inerente ao número DEZ, mas potencialmente ao número QUATRO. E, deste modo, os pitagóricos costumam invocar a tétrade no seu juramento de compromisso: "Por aquele que deu à nossa geração a Tetraktys, que contém a fonte e a raiz da natureza eterna..."

Este texto introduz-nos uma variante de representação gráfica da década também utilizada pelos pitagóricos, com um especial relevo na música (recorde-se que, para os pitagóricos, o Universo era constituído na sua essência por números, cujos valores essenciais se relacionavam em perfeita harmonia, como na música, expressão da perfeição da Criação). Essa variante é a tetraktys, abaixo representada.

A tetraktys foi o diagrama para as descobertas pitagóricas na música. Pitágoras fez experiências com fios de diferentes, mas proporcionais, comprimentos, colocados como unindo horizontalmente os pontos representados na figura, fios esses colocados sob a mesma tensão, vindo a descobrir a relação entre o comprimento de um fio a vibrar e a altura do som da nota. A tetraktys contém as razões sinfónicas da harmonia matemática na escala musical: 1:2, a oitava; 2:3, a quinta perfeita; e 3:4, a quarta perfeita.

Os pitagóricos também por esta forma encontraram harmonia nos números, uma harmonia que consideravam (e talvez não erradamente...) refletida na natureza, na arte, na ciência, no som, uma harmonia quiçá misteriosa, seguramente não totalmente compreendida, mas simbólica e indubitavelmente bela.

E quanto à Maçonaria?

Não conheço nenhuma especial relevância, em termos maçónicos, do número DEZ, a exemplo do que sucede com todos os números pares, exceto o primeiro, o DOIS.

Mas, olhando para a tetraktys, reparo que, não sendo ela utilizada pelos maçons, no entanto estes utilizam - e correntemente! - uma versão (muito) simplificada dessa representação gráfica. Usam-na correntemente sempre que utilizam abreviaturas. É uma representação muito simplificada, mas com justificação. Afinal de contas, os maçons, desde a sua iniciação que são confrontados com os significados simbólicos do UM, do DOIS e do TRÊS - e estes três valores podem (todos e cada um) ver-se representados, simplesmente, assim:

Fonte:

O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

01 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o SEIS, o SETE, o OITO e o NOVE


Em relação aos números pitagóricos do SEIS ao NOVE, escasseiam elementos disponíveis nas consultas que fiz, pelo que agrupo os quatro num único texto, com breves referências a cada um deles.

A héxade, representação gráfica do número SEIS segundo os pitagóricos, está representada pela imagem acima. Era chamada pelos pitagóricos "A Perfeição das partes". O SEIS resulta da multiplicação do DOIS (atividade concretizadora do Princípio Criador) pelo TRÊS (a Criação).

Não conheço especial referência maçónica a este número.

A héptade (imagem abaixo) é a representação gráfica do SETE. A designação SETE, segundo os pitagóricos, derivava do verbo grego sebo, que significa "venerar". Septos, em grego, significa "santo, divino".
O SETE resulta da adição do TRÊS (a Criação) com o QUATRO (o Universo), representando assim o resultado do ato divino. O SETE é o número da religião - religar o mundo sensível ao divino.

Em Maçonaria, o SETE é referido em relação ao grau de Mestre. Sem grande desenvolvimento, direi que a simbologia maçónica inerente a este número é herdeira da simbologia pitagórica (não desenvolvo mais, porque a explicação obrigaria a referenciar passagens da Cerimónia de Elevação a Mestre e do catecismo de Mestre, que entendo não dever divulgar).

A representação gráfica do OITO é a ogdóade (nesta imagem, algo rebuscada, mas não encontrei mais simplificada representação de dois quadrados sobrepostos, formando oito "pontas", triângulos).
O OITO representa o primeiro cubo (DOIS elevado ao cubo, ou seja, 2 x 2 x 2). Consequentemente, o OITO divide-se em dois QUATROS , cada um destes em dois DOIS e cada um destes em dois UNS, refazendo-se a original mónade. Os pitagóricos consideravam o OITO a essência do amor, da prudência e da lei.

Nenhuma referência particular conheço na Maçonaria ao número OITO.

Finalmente, o NOVE era representado graficamente pela enéade. O NOVE é o primeiro quadrado de um número ímpar (3 x 3). Ou seja, a Criação ao quadrado. Ou, por outras palavras, o NOVE, para os pitagóricos, simbolizava a MATÉRIA.

Em Maçonaria, também este número tem um significado semelhante, mas adaptado à respetiva simbologia de base. O maçom é um construtor, mas essencialmente um construtor de si próprio, do seu caráter, do seu Templo. O resultado, sempre em evolução, da sua construção é o Homem em aperfeiçoamento, a "matéria" no seu estádio mais nobre. Associado ao grau de Mestre, o NOVE representa a construção do maçom e o júbilo que resulta do êxito dessa construção.

Fontes:

http://www.pucsp.br/pos/edmat/mp/dissertacao/marcos_munhoz_cano.pdf
http://designconsciousness.blogspot.com/2009/01/heptad.html
http://www.sacred-texts.com/eso/sta/sta16.htm

Rui Bandeira

25 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o CINCO

A partir do ponto do UM e da linha do DOIS emergiu a superfície do triângulo regular do TRÊS e depois o volume da pirâmide quadrangular, de base quadrada, do QUATRO. Com a pêntade, acima representada, os pitagóricos representaram o CINCO. O CINCO não é representado por uma forma geométrica regular clássica, antes por uma forma complexa (uma estrela de cinco pontas inscrita num pentágono regular, por sua vez inscrito num círculo, o qual está inscrito na vesica piscis). A representação gráfica do CINCO abandona a sequência lógica que verificámos anteriormente. Do ponto nasceu a reta, desta a superfície e desta o volume. Mas a pêntade, ou pentagrama estrelado, não parte de nenhum ponto central, nem da reta da díade ou do triângulo da tríade e muito menos da pirâmide da tétrade. A pêntade quebra com a sequência lógica. No entanto, olhando para o símbolo, temos uma sensação de harmonia, de que este símbolo evolui logicamente dos anteriores, embora nos escape essa lógica...

A resposta a esta perplexidade encontra-se se não esquecermos e tivermos presente que os pitagóricos encaram os números como a essência de tudo o que existe. O UM (a mónade, o ponto) é a essência do Princípio Criador; o DOIS (a díade, a linha) é a essência da atividade concretizadora do Princípio Criador; o TRÊS (a tríade, o triângulo regular, a superfície) a essência do resultado da união do Principio Criador e da sua atividade, a Criação; o QUATRO (a tétrade, o quadrado, o volume da pirâmide quadrangular de base quadrada) é a essência do resultado do ato da Criação, o Universo. O CINCO (a pêntade, o pentagrama estrelado) é a essência de quê? Basta pensarmos um pouco para vermos claramente a sequência lógica, o que se segue: a Vida!

A Vida é complexa, ilógica, imprevisível; no entanto, profundamente lógica e harmónica. É bela como o pentagrama estrelado, complexa como a sua emergência geométrica, livre, nascendo fora dos cânones antecedentes, singularmente harmónica como a imagem da pêntade.

O CINCO pitagórico simboliza a VIDA, passo seguinte após a Criação do Universo.

Na Natureza, o pentagrama estrelado aparece por toda a parte: repare-se na estrela-do-mar; na disposição das sementes no interior de uma maçã. O valor CINCO aparece também com frequência na Natureza, desde as simples cinco pétalas de uma flor à quantidade de dedos que temos em cada mão e em cada pé e ao número dos nossos sentidos.

Na Antiguidade, a pêntade era reverenciada e a sua construção geométrica mantida secreta (o hábito do secretismo vem de longe...). Os pitagóricos usaram a pêntade como um sinal secreto para se reconhecerem uns aos outros (onde é que eu também já vi isto...?). A construção desta forma geométrica foi mantida secreta e oralmente transmitida muito depois de a Escola Pitagórica ter desaparecido: as guildas de artesãos que usavam o seu simbolismo nas catedrais góticas não escreviam acerca dela. O método de construção do pentagrama estrelado só veio a ser publicamente revelado a artistas e filósofos pelo professor de Leonardo da Vinci, Luca Pacioli, no seu livro Divina proportione.

A Maçonaria herdou diretamente esta simbologia da pêntade e aplica-a particularmente no grau de Companheiro, o tempo em que o maçom se deve especialmente dedicar ao estudo da Natureza e sua leis, de tudo o que é construído, de tudo o que o homem aprendeu. Em Maçonaria, o CINCO é assim associado ao Companheiro maçom.

Fonte:

O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

18 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o QUATRO


A representação gráfica do QUATRO, a tétrade, a forma geométrica que, segundo os pitagóricos, representa este número, obtém-se pela forma ilustrada pela imagem que encima este texto.

Recordemos que o UM (que determina o ponto) e o DOIS (que determina a linha) são facetas do Princípio Criador, aquele estático, potencial, este dinâmico, a concretização da potência original, e que os pitagóricos entendiam que estes dois números eram os progenitores de todos os demais números básicos (até DEZ). O "filho" primogénito era o TRÊS, que determina o triângulo equilátero, primeiro polígono regular. O QUATRO determina o quadrado.

A forma mais simples de o desenhar, partindo doa intersecção dos dois círculos (a vesica piscis) é traçar uma linha horizontal unindo os centros dos dois círculos (figura do DOIS) e uma linha vertical ligando os dois pontos de interseção dos dois círculos. Seguidamente, com centro no ponto de interseção destas duas linhas, traça~se um círculo unindo os dois centros dos dois círculos iniciais. Finalmente, ligam-se os quatro pontos de interseção entre o círculo menor e as linhas horizontal e vertical previamente traçadas, desenhando-se um quadrado perfeito, inscrito nesse círculo menor.

QUATRO é o primeiro número formado, quer pela adição, quer pela multiplicação de iguais (DOIS mais DOIS e também DOIS vezes DOIS). Assim, os pitagóricos consideravam o QUATRO o primeiro número par e o primeiro número "feminino". O quadrado de lado par, segundo eles, representava a Justiça, pois é o primeiro número divisível de qualquer maneira em partes iguais (Quatro é igual a DOIS mais DOIS e também a UM mais Um mais Um mais UM).

Mas, se observarmos com atenção a imagem, vemos que o quadrado, combinado com os dois segmentos de reta que o cruzam diagonalmente, nos dão a perceção de volume, figurando uma pirâmide quadrangular. O QUATRO, para os pitagóricos, prossegue a evolução dos conceitos geométricos, espelho da Criação: ponto, linha, superfície, agora volume. Neste sentido, o QUATRO pitagórico representa o Universo resultante do ato criador, que tudo conteve, contém e irá conter.

Em termos de Maçonaria, não conheço qualquer referência particular ao número QUATRO. Porventura pela complexidade doa sua representação gráfica, pela reduzida relevância do quadrado na simbologia maçónica ou pela simbologia "feminina"atribuída pelos pitagóricos ao QUATRO, este valor não mereceu particular interesse na Maçonaria.

Na minha opinião, este facto (que se repetirá em relação a outros dos números básicos dos pitagóricos) não afasta - e, mesmo, corrobora - a tese que venho explanando de que os ensinamentos maçónicos, no que toca aos números, derivam e são uma corruptela da filosofia pitagórica. Mas reconheço que, à míngua de comprovação documental histórica, esta tese vale o que vale. Pode ser bene trovata, mas não tenho meios nem conhecimentos bastantes para poder provar ser vera...

Fonte:
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

11 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o TRÊS

Os filósofos pitagóricos representavam o TRÊS através da figura acima, denominada tríade. Esta figura é, aliás a que resulta da demonstração geométrica da primeira proposição de Euclides (construir um triângulo equilátero dado um segmento de reta para seu lado; a demonstração, identificando cada um dos vértices do triângulo, respetivamente, por A, B e C, é: construímos as circunferências de raio AB e de centros em A e B. Seja C o ponto de intersecção das duas circunferências. Desenhamos os segmentos de recta AC e BC. O triângulo ABC é equilátero. Sendo A o centro da circunferência que contém B e C, AB=AC. Sendo B o centro da circunferência que contém A e C, BC=BA. Portanto, podemos concluir que AC=BC. Os três segmentos de recta são iguais, logo o triângulo é equilátero).

Considerando os pitagóricos o UM e o DOIS como os progenitores de todos os restantes números, atribuíam ao TRÊS a condição de primogénito, o número mais velho. A sua forma geométrica, o triângulo equilátero, o primeiro dos polígonos é a forma inicial que emerge da vesica piscis; é a primeira de muitas. O UM determina o ponto; o DOIS a linha; o TRÊS o primeiro polígono regular.

O TRÊS é o único número igual à soma dos termos anteriores a ele (TRÊS é igual à soma de UM mais DOIS). É também o único número que, somado, aos seus anteriores, dá um resultado igual à sua multiplicação pelos números anteriores (UM mais DOIS mais TRÊS dá um resultado igual a UM vezes DOIS vezes TRÊS).

O TRÊS significa equilíbrio, harmonia. O Princípio Criador em potência (o UM) e a concretização dessa potência (o DOIS) geram a harmonia e equilíbrio do TRÊS, pois que, como os dois centros dos dois círculos da díade simultaneamente se repelem e atraem, o terceiro ponto, reconciliador das duas forças opostas, ocorre no local superior onde os dois círculos se intercetam. A tríade, assim, constitui uma relação entre opostos que os une e os traz para um novo nível. Daí o seu significado de harmonia, que nos transmite, aliás, uma importante lição de vida: não é possível qualquer resolução duradoura de um conflito entre dois opostos sem um terceiro fator neutro, que equilibre, arbitre e, por essa via, transforme o conflito em relação estabilizada. A escolha do terceiro elemento significa a diferença entre a resolução e a perpetuação do conflito, consoante este seja efetivamente mediador e equilibrador ou não.

As três linhas do triângulo equilátero são iguais, ou seja, são as "três como um", ou seja, são uma tri-unidade, de onde deriva a palavra trindade. Os antigos deuses da religião hindu são chamados trimurti, em sânscrito "um todo que tem três formas". A religião cristã enfatiza a Trindade Divina. Um antigo símbolo cristão (o Olho da Providência) é constituído por
um triângulo inscrito num esplendor.

Resumindo, o TRÊS é o resultado, em equilíbrio e harmonia, da união do UM com o DOIS, a forma de resolução harmónica do conflito entre a potência e a ação do Princípio Criador, o resultado dessa resolução harmoniosa: a Criação. O TRÊS, primogénito do UM e do DOIS, constitui assim o primeiro resultado do Criador e da sua ação, a primeva Criação, o equilíbrio e a harmonia primordiais.

Em Maçonaria, e particularmente no Rito Escocês Antigo e Aceite, ensina-se, relativamente ao TRÊS, que simboliza o ser, a realidade e a verdade - ou seja, o produto da Criação - e que o binário se devolve à unidade por meio do TRÊS - isto é, ele é o ponto de harmonia, reconciliação e equilíbrio entre o UM e o DOIS. Mais uma vez, qualquer discípulo de Pitágoras poderia ter escrito isto...

Fontes:

Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de Aprendiz, GLLP/GLRP, junho de 6007
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

04 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o DOIS

No texto anterior, deixei a interrogação: O Um é Único e Singular. Sendo assim, e uma vez que Um é o princípio que tudo origina, como é que Um se torna muitos?

Segundo a Filosofia Pitagórica, o UM transforma-se em DOIS refletindo-se a si próprio e separando-se, original e reflexo, através do movimento ilustrado pela imagem acima. Note-se que, com esse movimento, o centro do círculo define uma linha reta. Atente-se na ligação, que os pitagóricos faziam, da essência dos números à Geometria. Através da essência do UM apreendemos o ponto. Com a essência do DOIS deparamos com a linha reta.

À figura acima reproduzida, e que, para os pitagóricos, correspondia à representação gráfica do DOIS, chamavam estes a díade e esta representava o princípio da dualidade ou da diversidade. Essencial à díade era a polaridade, que ocorre em toda a parte e que está na origem da nossa noção de separação um do outro, da natureza e da nossa própria divindade.

A díade ilustra a divisão, logo, a separação da unidade, mas os seus polos opostos (os centros de cada um dos círculos) atraem-se um ao outro, numa tentativa de se fundirem e regressarem à unidade. A díade simultaneamente divide e une, repele e atrai. A díade é o meio de passagem entre o UM e muitos. Se o UM é o Princípio Criador estático, o DOIS ilustra a dinâmica da criação. Se nada existia, como criar a partir do nada? Utilizando o único "material" disponível: o próprio Criador, que se divide e separa, Dele próprio criando o Tudo. A Criação é o reflexo do Criador. O DOIS representa a ação do Criador a ponte, a ligação entre este e o que foi criado. O DOIS é assim a representação da dualidade que em tudo no Universo existe, a dupla natureza do criado que provém do Criador, Dele separado, mas para Ele sempre irremediavelmente atraído.

O UM é o Princípio Criador e simboliza o Masculino, a força ativa que gera a Criação. O DOIS simboliza o Feminino, a força passiva resultante do ato de criação e simultaneamente condição indispensável a esta e à vida. Note-se que, na imagem gerada pela sobreposição dos dois círculos, o espaço comum destes tem a forma de uma vulva. O DOIS é assim também associado à fertilidade e ao Feminino Divino.

O UM é a Força Criadora em potência; o DOIS é o ato concretizador dessa potência. O UM é imóvel; o DOIS é movimento. O UM é absoluto, o DOIS é relativo. O UM é o Tudo sincrético; o DOIS é o Tudo analítico, dotado de diversidade. É através do DOIS que o UM gera os demais números. Assim, para os pitagóricos, o UM e o DOIS eram considerados os pais de todos os outros números.

A imagem que simboliza o DOIS pitagórico não é exclusiva destes. Esta forma de dois círculos que se sobrepõem aparece desde tempos imemoriais. É também designada por vesica piscis (bexiga de peixe, em latim). Na Índia chamam-lhe mandorla (amêndoa). Esta imagem aparece em várias civilizações antigas da Mesopotâmia, África e Ásia, sempre associada ao processo da Criação.

A Maçonaria, mais especificamente o Rito Escocês Antigo e Aceite, ensina, relativamente ao número DOIS, que a razão humana divide e confina artificialmente o que é UM e não tem limites. Assim, a unidade é repartida entre dois extremos, aos quais só as palavras prestam uma certa aparência de realidade.

O conceito abstrato de DOIS dos pitagóricos, enquanto manifestação atual (em ato) do Princípio Criador, dualidade fecunda que da potência do UM gera o Tudo, que, assim, se reveste das características da dualidade e da polaridade (dia/noite; bem/mal; masculino/feminino; luz/escuridão; branco/negro; repouso/movimento) evolui, na conceção maçónica, no meu entender, e tal como sucedeu com o UM para uma corruptela mais concreta: a perceção humana da Criação; a separação artificial, imprescindível à compreensão pelo Homem do Incompreensível Mistério da Criação, em contraposição ao ilimitado e total UM; a dualidade como degradação, separação, divisão artificial do que é real, mas incompreensivelmente, único e uno.

Afigura-se-me, pois, que, tal como sucedeu em relação ao UM, a interpretação maçónica do DOIS é uma corruptela, uma simplificação, uma visão parcial e limitada, do ensinamento pitagórico, decorrente das alterações, perdas, usuras do tempo, decorridas desde o tempo dos pitagóricos e o século XVIII. Mas o princípio de base está lá: os pitagóricos viam o UM e o DOIS como os pais de todos os números; os maçons vêem-nos como geradores do número que se lhes segue.

Fontes:

Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de Aprendiz, GLLP/GLRP, junho de 6007
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

27 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o UM

A imagem acima era chamada pelos gregos de mónade, palavra que deriva de monas, singularidade. Em geometria, o círculo é a origem de todas as formas subsequentes. É, pois, o princípio. Os filósofos matemáticos da Antiguidade grega referiam-se à mónade, ao círculo, como O Primeiro, a Semente, a Essência, a Unidade.

Para os pitagóricos, a Unidade, o Um, era representado pela mónade, pelo círculo. Para eles, nada existia sem um centro, em torno do qual gira, sendo o centro a fonte, a origem, que está para lá de todo o entendimento, que é incompreensível. Em bom rigor, o ponto não existe, não é visível, é uma abstração, mesmo geométrica: o "ponto" que vemos no centro da imagem é um conjunto de muitos verdadeiros pontos, reunidos de forma a criar uma imagem que pode ser apreendida pela nossa visão, um "maxi-ponto", que tomamos por símbolo do vero ponto representado.

Mas, tal como uma semente, o centro, o ponto central, expande-se e realiza-se como um círculo.

A mónade, a singularidade, representa assim o UM, a origem de tudo, o ponto de onde tudo nasce e que, expandindo-se em círculo, é a origem de todas as formas subsequentes - ou seja, o Princípio dos princípios, o que tudo cria: o Criador!

Qualquer número multiplicado ou dividido por um, fica igual a si próprio. A mónade, o Um, a Origem, preserva a identidade de todos e de tudo (para os pitagóricos, os números são a expressão e essência de tudo o que existe).

Por sua vez, um multiplicado por um dá sempre um. O Um é Único e Singular. Sendo assim, e uma vez que Um é o princípio que tudo origina, como é que Um se torna muitos? Veremos isso no próximo texto... Por agora, retenhamos então a noção de que o Um é o princípio criador, a Origem e é representado por um ponto que se expande num círculo.

Este um resumo da filosofia pitagórica em relação ao Um. Vejamos agora o que ensina a Tradição maçónica quanto ao Um.

No Rito Escocês Antigo e Aceite, cedo o maçom aprende que os mistérios dos três primeiros números são as analogias que decorrem das propriedades metafísicas dos números (Pitágoras ou um qualquer seu discípulo não diria, talvez, diferentemente...). O número UM é uno, porque foi criado pelo Deus único. O número UM não tem limites.

Nos ritos de Emulação e de York, o símbolo do "ponto no círculo" (point within a circle) é diferente, sendo o círculo enquadrado por duas retas paralelas.

A interpretação externa ou exotérica deste símbolo decompõe-o nos seus elementos: o ponto representa o indivíduo maçom, o círculo simboliza a linha delimitadora do seu dever perante Deus e o Homem, para lá da qual não deve permitir que as suas paixões, preconceitos e interesses o arrastem e as tangentes paralelas referem-se aos dois S. João patronos da Maçonaria: S. João Batista e S. João Evangelista, no interior de cujos ensinamentos o círculo delimitador da conduta do maçom se deve manter. Esta interpretação é claramente tributária da religião cristã e do teísmo presente, quase em exclusivo, nos primórdios da Maçonaria Especulativa.

A interpretação esotérica do símbolo declara provir ele da mais remota Antiguidade. Mackey, após uma longa introdução sobre a essência do culto da divindade em várias regiões do Mundo Antigo, conclui que o símbolo respeita à característica hermafrodita, isto é, contendo em si o masculino e o feminino, da Divindade, representando o ponto o Sol (força masculina) e o círculo o Universo (força feminina), fertilizado pelos raios do Astro-Rei. As linhas paralelas são os solstícios, que delimitam o percurso aparente do Sol ao longo do ano.

A interpretação maçónica do Um e do respetivo símbolo gráfico representativo constitui, a meu ver, uma corruptela do ensinamento pitagórico. A filosofia pitagórica, transmitida oralmente e em círculos fechados e restritos ao longo de milhares de anos, atravessando os tempos da pujança das divindades romanas, do declínio do Império Romano, do subsequente barbarismo, das trevas da Idade Média, acolhida por rudes construtores, desembocou no século XVIII com significativas alterações. Mas o princípio básico está lá: o UM é, ou representa, ou simboliza (consoante as conceções) o Criador, o Princípio Criador do Universo, a Origem, a Essência de tudo.

Fontes:

http://www.masonic-lodge-of-education.com/point-within-a-circle.html
Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de Aprendiz, GLLP/GLRP, junho de 6007
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

20 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Pitágoras


Julga-se que Pitágoras nasceu em 570 a. C., em Samos, uma ilha grega no mar Egeu e morreu em Metaponto, uma cidade do sueste de Itália colonizada por gregos, em 497 ou 496 a.C.. Pouco se sabe da sua vida. Relatos que devemos ter por lendários, por historicamente inverificados, referem que, instigado por Tales de Mileto, viajou até ao Egito, tendo sido admitido no templo de Disópolis, aí tendo tomado contacto com os Mistérios egípcios, e à Pérsia, onde teria estudado com Zoroastro. Regressado a Samos, aí fundou uma comunidade religiosa, os mathematikoi, que constituiram uma Escola Filosófica que hoje denominamos por Escola Pitagórica.

Tenha-se presente que, na Antiguidade, a filosofia foi a precursora de todas as ciências. As escolas filosóficas eram as universidades da época, onde se estudava e investigava e refletia e especulava sobre todos os fenómenos da vida e do Universo, procurando dar-lhes explicação.

Para os pitagóricos, a verdadeira essência, o princípio fundamental de tudo são os números, não enquanto símbolos, mas sim enquanto valores de grandeza (a essência do número, não a sua forma ou representação). Ou seja, os números a que se referiam não eram os símbolos utilizados para os representar (e muito menos os algarismos - 1, 2, 3, etc. - que apenas foram inventados pelos árabes, séculos mais tarde...), mas os valores que eles exprimem. Uma coisa manifesta-se externamente por uma estrutura numérica, sendo o que é por causa desse valor. O cosmo é regido por relações matemáticas.

Aristóteles escreveu, na sua Metafísica, a propósito de Pitágoras:

Os chamados pitagóricos, que foram os primeiros a estudar matemática, não só desenvolveram o seu estudo, como também, tendo sido educados segundo o espírito dela, acreditavam que os seus princípios eram os princípios de todas as coisas. Uma vez que destes princípios os números são por natureza o primeiro, e nos números eles parecem ver muitas semelhanças com as coisas que existem e que surgem - mais do que no fogo e na terra e na água (de modo que uma modificação de números é a justiça, outra é a alma e a razão, outra a oportunidade - e de igual modo quase todas as outras coisas podem ser expressas numericamente); e, mais uma vez, acham que as modificações e as razões das escalas musicais podem ser expressas em números; e uma vez que todas as outras coisas parecem na sua natureza ser modeladas sobre números, e os números parecem ser as primeiras coisas de toda a natureza, eles supõem que os elementos dos números são os elementos de todas as coisas e que todo o céu é uma escala musical e um número.

Os primeiros dez números eram vistos pelos pitagóricos como padrões para todos os princípios do cosmo.

Que tem isto a ver com a Maçonaria?

Qualquer iniciado maçom sabe que algo do que aprende em Loja se relaciona precisamente com os números e com esta conceção de que os números (ou, pelo menos, alguns números), mais do que meros símbolos de quantidade, refletem essências, qualidades.

Parte do estudo dos símbolos a que os maçons se dedicam tem como objeto precisamente o estudo do que simbolizam os (ou determinados) números. A meu ver, a influência da filosofia pitagórica neste particular aspeto da filosofia maçónica é evidente.

Irei, nos próximos textos, procurar expor o significado que os pitagóricos atribuíam a cada número e, quando os maçons também a esse número atribuírem algum significado, comparar ambas as conceções, em ordem a fazer ressaltar as semelhanças e dissemelhanças porventura existentes.

Como já acima referi, quando, a este respeito se fala de números, não nos estamos referir a algarismos (que inexistiam na Antiguidade Clássica), mas do respetivo conceito essencial. Referir-me-ei, portanto a Um - e não a 1 -, a Dois - que não a 2 -, a Três - não 3 - e assim sucessivamente. Assim sendo, como representavam os pitagóricos os conceitos de Um, Dois, Três, etc.? Denominavam-nos na respetiva língua e certamente notavam-nos, nem que fosse abreviadamente, pelos símbolos escritos em uso na sua época e lugar. Mas, quando se referiam a um conceito numérico, representavam-no... geometricamente! A sua Matemática emergia - afinal como a que hoje conhecemos... - da Geometria. E iremos ver que algumas das caraterísticas que os pitagóricos atribuíam a cada número tinham uma relação estreita com a sua conceção de representação geométrica desse número.

Terei, julgo, oportunidade de assinalar que idêntica conceção geométrica dos valores numéricos informa os conceitos que os maçons extraem dos números que para eles têm particular significado.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1goras
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira




13 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Introdução


Sobre a origem da Maçonaria, existem três tipos de teses (dentro de cada tipo, existem variações):


a) A tese histórica, que, em síntese, declara que a Maçonaria Especulativa que hoje conhecemos deriva da Maçonaria Operativa e esta era o conjunto de práticas, normas e ensinamentos próprios existentes nas associações de construtores em pedra, nas suas diferentes formas de organização (Lojas operativas, guildas, associações de companheiros, etc.);

b) A tese cavaleiresca, que proclama que a Maçonaria realmente descende das ordens cavaleirescas das Cruzadas, em especial dos Templários que, destruídos enquanto organização, os seus sobreviventes, dispersos pela conspiração de Filipe, o Belo e Clemente V, ter-se-iam acolhido designadamente na Escócia e aí utilizado as existentes Lojas dos construtores para se ocultarem e ocultarem os seus segredos;

c) A tese dos Antigos Mistérios, segundo a qual conhecimentos esotéricos e ocultos, acessíveis apenas a poucos escolhidos, de tal merecedores, eram transmitidos desde a Antiguidade, dos Egípcios, dos Sumérios, dos Gregos, enfim, de todas as Escolas Místicas da Antiguidade, em escolas ocultas de transmissão e conservação desses Mistérios, que desembocaram, primeiro, nas Lojas Operativas medievais e, depois, na Maçonaria Especulativa (com ramais de ligação ou variação vários: Rosacrucianismo, Martinismo, Iluminati, Escola Ocultista, Teosofia, etc., etc.).

Considero correta a tese histórica. É a que documentalmente se confirma. Não necessita de especulações fantasistas.

Julgo ter já neste espaço explicado que a tese cavaleiresca em geral nasce da imaginação do Chevalier Ramsay e a tese templária, em particular, de um erro de Mackey (ver Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay). Não discuto a possibilidade de alguns cavaleiros Templários se terem refugiado na Escócia. Mas não aceito facilmente que se lograssem "ocultar" - e aos seus "segredos" - no seio de rudes, incultos e analfabetos operários de construção, infiltrando-se tão profundamente que lograram entretecer nos ensinamentos das associações de construtores os ocultos ensinamentos templários, sem que ninguém, a começar pelos próprios construtores infiltrados, tivesse dado por isso e sem que resultasse registo digno de nota (quando dezenas de manuscritos dos operativos se descobriram). Ademais, pelo menos num País, o cantinho à beira-mar plantado, Portugal, os Templários permaneceram, e organizados, apenas com o fácil e lusitano expediente da mudança de nome para Ordem de Cristo, sem necessidade de infiltração ou ocultação - e sem que se tenha gerado uma particular escola iniciática ou um específico repositório de conhecimentos esotéricos, pese embora a muito nossa e sebastiânica tese de que tempo virá em que Portugal salvará o Mundo e gerará o famoso V Império, que tocou mentes e espíritos tão ilustres e admiráveis como os de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.

Avesso que sou a misticismos irrazoáveis (imediatamente a seguir a escrever isto interrogo-me, sem, para já, ter a certeza da resposta, se haverá misticismo razoável...), também rejeitei a tese dos Antigos e secretos Mistérios (secretos apesar de milenarmente transmitidos e de haver inevitáveis traições, possíveis cedências a torturas e mil outras comezinhas realidades que obrigam um espírito racional a concluir que um segredo só se mantém realmente secreto se for conhecido apenas de um - e se este não falar durante o sono...) .

Porém, o estudo que fiz a propósito da Lenda do Ofício alertou-me para algo que anteriormente não tinha pensado: há que ter cuidado com as designações, não tomar, de ânimo leve, uma designação pelo sentido que hoje lhe damos, enfim, devemos procurar buscar mais fundo e com espírito aberto. A Lenda do Ofício ilustra-nos que a designação de Maçonaria também correspondeu a Geometria, pura ou aplicada em Arquitetura, por si ou concretizada em Construção e que, atendendo a este conjunto de significados, tal Lenda ilustra uma verosímil (embora com evidentes erros de anacronismo) linhagem de transmissão dos conhecimentos de Geometria desde a Antiguidade (onde e quando seriam restritos a uns poucos escolhidos...) até às Lojas Operativas medievais.

A mesma abertura de espírito e similar olhar para além das aparências levam-me hoje a admitir que, continuando a ser historicamente correto dizer-se apenas que a Maçonaria especulativa se originou nas Lojas Operativas medievais, os ensinamentos que transmite aos seus Iniciados porventura derivarão, em parte, de uma específica escola de Antigos Mistérios: da Escola Filosófica Pitagórica.

Procurarei nos próximos textos justificar esta minha admissão.

Rui Bandeira

28 novembro 2010

A pedra bruta



O aprendiz tivera recentemente a sua primeira lição sobre a pedra bruta e a pedra polida. Foi-lhe explicada a base, o essencial, o ponto de partida do significado desses símbolos, que depois interiorizaria e desenvolveria por si mesmo. Aprendeu, então, que a pedra é cada um de nós; que o nosso trabalho consiste em "aparar" as nossas asperezas de modo a atingirmos um estado de maior perfeição - ou de polimento - para que, por fim, juntos, formemos essa sublime construção, esse supremo templo que o Homem edifica, a partir de si mesmo, à Glória do seu Criador.

Várias noites seguidas o aprendiz adormeceu sobre o assunto, e sonhou com pedras de todos os feitios. Sonhou com enormes e antigos rochedos cobertos de um musgo ancestral; sonhou com areia fina, outrora parte de imponentes escarpas e agora reduzida a pó; sonhou com mós de moinho, com as pedras dos muros das aldeias da sua infância, com a calçada da cidade, com esquinas de prédios, com gravilha, com os seixos rolados que lançava fora quando abria um buraco no quintal e cuja forma traía um longo percurso de leito de rio e de enxurradas de Outono.

Num dos seus sonhos, o seu olhar recaiu sobre um calhau quase em bruto, semi-enterrado, com um dos lados mais plano - o mais batido pela intempérie - e o resto, por ter passado a maior parte do tempo oculto debaixo da terra, ainda cheio de rugosidades e imperfeições. Algo de familiar lhe chamara a atenção para com aquela pedra, pelo que a fixou com atenção. Logo acordou, mas aquele calhau, mais áspero de uns lados, mais liso de outro, não lhe saía da cabeça.

Só dias depois, ao fazer uma introspeção sobre as suas fraquezas e as suas forças, se reconheceu, não sem algum embaraço, na pedra com que sonhara. O seu lado mais polido - aquele, afinal, em que mais tempo investira, e que era aquele que lhe punha o pão na mesa - estava, não obstante, rachado e eivado de sulcos aqui, mas ali ainda com sinais de pouco trabalho e pouca perseverança que traíam a rugosidade original. Do resto nem valia a pena falar; precisava de tudo.

Inspirou fundo e quase desistiu; a tarefa era árdua, e não sabia sequer por onde começá-la. Apercebeu-se, então, que nem sequer sabia onde queria chegar, pelo que não fazia sentido meter-se, antes disso, ao caminho. O que deveria fazer dessa pedra que era ele mesmo?

Inquieto, procurou junto de um dos seus Mestres orientações quanto ao que deveria fazer. Este, à guisa de resposta, mostrou-lhe dois muros, igualmente sólidos e compactos: um, formado por pedras de forma paralelepipédica, cada um com as suas 6 faces laboriosamente aparadas; outro, formado por pedras irregulares mas firmemente encaixadas umas nas outras, em que apenas uma ou duas faces - as exteriores - tinham sido polidas, mas essas, oh, como brilhavam!

Mais baralhado ainda, perguntou ao Mestre que pedra deveria ser, e o que deveria fazer para o atingir. Deveria ir aparando, nas várias faces, as rugosidades maiores, esperando que, ao fim de muitas passagens, a forma se fosse compondo? Ou deveria investir numa ou duas das faces e ignorar as restantes? Ou, pelo contrário, deveria trabalhar todas, mas dando forte preponderância a uma ou duas, e limitando-se a atingir os mínimos nas remanescentes?
Respondeu-lhe o Mestre que não tinha resposta para lhe dar. Que cada um deveria aparelhar a sua pedra da forma que entendesse ser a mais perfeita, e que o Grande Arquiteto saberia usá-la, como ficasse, na construção do Templo. Umas, mais toscas, seriam usadas como enchimento, sem o qual as paredes não teriam consistência para se suster; outras, mais ornamentadas, seriam colocadas em lugar de destaque, mas seriam eventualmente mais frágeis; outras ainda, robustas e fortes, aparadas de forma milimétrica mas sem quaisquer adornos, tornar-se-iam nas pedras que susteriam os vãos e as abóbadas. Algumas pedras, pela sua própria natureza, nunca poderiam servir para certos fins; mas todas conseguiriam tornar-se úteis para alguma coisa, e tanto mais úteis quanto mais trabalho tivesse sido despendido nas mesmas.

O Aprendiz olhou então, longamente, a sua pedra, inspecionou minuciosamente a face mais polida - mas imperfeita - bem como as outras, rugosas e ásperas, e lançou-se ao trabalho.

.·.

Anos mais tarde, já o Aprendiz chegara, por sua vez, a Mestre, tendo a oportunidade de ir apreciando os trabalhos dos Aprendizes e Companheiros da sua Loja, e o quanto eram diferentes uns dos outros. Enquanto uns se esforçavam mais por distribuir o seu esforço por várias faces - obtendo belas peças geométricas que formavam um todo harmonioso, em que nenhuma face sobressaía das demais - outros persistiam em trabalhar a mesma face até que esta brilhasse como um espelho, ofuscando as imperfeições que haviam ficado por trabalhar nas restantes, e que podiam, mesmo, ser vistas como uma promessa de aperfeiçoamento futuro. Em todas elas o Mestre teve oportunidade de aprender algo de novo. E apercebeu-se, então, de que o seu  Mestre tivera razão, pois que de nenhuma poderia dizer, com segurança, que fosse melhor do que as outras.

Paulo M.

17 novembro 2010

Diversidade


A Maçonaria é, por vezes, vista do exterior como uma instituição fechada, imutável, dotada de uma grande coesão, que atua em bloco. Esta visão não é, nem de perto, nem de longe, correta. Pelo contrário, a Maçonaria é dotada de uma invulgar diversidade, agrupando sob a mesma genérica denominação, realidades distintas, práticas diversas, entendimentos díspares. Em todos os aspetos, a começar logo pelas suas origens...

A maior parte dos estudiosos da Maçonaria considera que ela tem a sua origem nas corporações medievais de construtores em pedra, de catedrais, palácios, fortificações, etc.. Mas essas agremiações medievais, embora partilhando regras e costumes similares, tinham caraterísricas muito próprias e específicas, em função da sua localização geográfica. Só para falar das Ilhas Britânicas, a organização específica das Lojas Operativas inglesas diferia das escocesas, que por sua vez, tinham sensíveis diferenças das irlandesas. Em França, não se pode falar dos antecedentes históricos da Maçonaria sem referir a Compagnonage. As agremiações de construtores da Flandres tinham usos diversos das italianas e estas das teutónicas. Por isso, quando se afirma que a Maçonaria Especulativa moderna evoluiu da Maçonaria Operativa - afirmação que, pessoalmente, considero correta -, é bom que se tenha presente que esta evolução resulta de diferentes Tradições, não inteiramente díspares, mas também não totalmente semelhantes.

Mas, ainda no campo da origem da maçonaria, há aqueles que a situam nos Templários e respetiva Tradição. E aqueles que a fazem remontar aos Antigos Mistérios egípcios e ou mitraicos.

Só no tema das origens podemos detetar assinaláveis diferenças de entendimento, que conduzem a diversas posturas e práticas. É inevitável que haja diferenças de conceção, mais visíveis ou mais subtis, entre quem considera praticar algo que evoluiu das corporações medievais e quem acredita que a sua prática descende da tradição cavaleiresca religiosa e ainda quem considera a maçonaria herdeira dos herméticos mistérios da Antiguidade.

Mas a Maçonaria também assume estilos e práticas diversas em função dos grandes espaços em que se insere. Não é a mesma coisa falar-se da Maçonaria Americana e da Maçonaria Europeia Continental. Não é de todo a mesma a realidade da Maçonaria Inglesa e da Latinoamericana. Isto para não falar da diversidade asiática e da progressiva afirmação maçónica em África.

Mesmo dentro de cada bloco geográfico - diga-se assim - as Obediências Nacionais e as práticas maçónicas em cada país mostram-nos assinaláveis diferenças e visíveis variantes, designadamente em práticas rituais. Cada país tem uma discreta evolução própria, que, ao longo do tempo, adquire uma individualidade específica, também inerente às diversidades culturais dos diversos povos. Se se assistir a uma sessão de Loja em Itália, na Alemanha, em França, num país eslavo e em Portugal, ainda que em Lojas do mesmo rito - designadamente do Rito Escocês Antigo e Aceite - facilmente reconhecemos um ambiente comum, uma base partilhada, mas também diferenças, idiossincracias, práticas próprias.

Por outro lado, não olvidemos a transversal diferença existente entre a Maçonaria Regular e a Maçonaria Liberal, aquela trabalhando à glória do Grande Arquiteto do Universo e com os seus obreiros na busca de um aprofundamento espiritual, esta efetuando os seus trabalhos à glória do Homem e do seu aperfeiçoamento moral. Ambas têm a sua específica valia e ambas são - creio-o - necessárias. Mas as respetivas buscas são diferentes. Sem serem reciprocamente opostas, prosseguem caminhos diferentes, esta tendente a melhorar o relacionamento do Homem com a Sociedade e os diferentes grupos sociais, aquela trilhando a rota de uma espiritualidade baseada na Fé no UM universal, origem e reflexo de tudo e todos. Ambas as vias são - repito - respeitáveis e valiosas. Ambas têm assinaláveis pontos de contacto entre si, partilham aqui e ali caminhos e princípios e valores comuns. Ambas têm - sobretudo - a inestimável caraterística de integrarem homens que procuram ser melhores. Mas são intrinsecamente diferentes. Para os cultores de cada uma das vias, essa é a melhor. Intrinsecamente nenhuma é melhor do que a outra. Apenas diferentes.

Por outro lado ainda, a Maçonaria pratica-se em diferentes ritos, uns mais universais ou mais difundidos, outros mais seletos ou localizados. Sem preocupações de exaustão, podemos referir uma dezena de ritos hoje em dia praticados: Emulação, York, Escocês Antigo e Aceite, Escocês Retificado, Sueco, Brasileiro, Adonhiramita, Francês ou Moderno, Memphis-Misraim, Schröder. Cada um com simbologia própria ou diferente interpretação simbólica, ou diverso encadeamento do ensinamento. Todos diferentes. No entanto, cada maçom de um destes ritos, de visita a uma Loja de qualquer dos outros, reconhece ali Maçonaria...

Mesmo na mesma região, no mesmo país, na mesma Obediência, praticando o mesmo rito, cada Loja tem uma prática subtilmente diferente das demais. Tem a marca da sua individualidade, o resultado da sua evolução própria, a levemente diferente evolução de uma mesma matriz.

E, finalmente, dentro de cada Loja, que pratica o mesmo rito, que pertence a uma mesma Obediência, no mesmo país e na mesma região do globo... cada maçom é - inevitável e felizmente! - diferente do Irmão ao seu lado. Cada maçom tem a sua pessoal busca, a sua individual interpretação, o seu diferente caráter, a sua diversa história, o seu incomparável plano. Buscam todos o mesmo - o seu aperfeiçoamento -, utilizando o mesmo método, seguindo o mesmo rito, integrando-se no mesmo grupo. Mas, porque intrínseca e gloriosamente diferentes, não prosseguem todos o mesmo caminho, à mesma velocidade e não chegarão aos mesmos lugares. Embora naveguem à vista um dos outros. Embora se auxiliem e influenciem mutuamente. Cada um é um diferente maçom, ainda que na mesma maçonaria.

Quando se fala em Maçonaria, está-se na realidade falando de todas estas diversas maçonarias. Todas - mais ou menos - diferentes. Mas todas se incluindo no mesmo universal conceito de... Maçonaria.

Rui Bandeira

20 outubro 2010

A Maçonaria nos dias de hoje


A Maçonaria teve historicamente o seu auge, em termos quantitativos, após o final da Segunda Guerra Mundial. Tinham-se vivido anos de horror e de violência inauditos. Os sobreviventes dos combatentes no conflito necessitavam de manter a camaradagem, a união, o espírito de corpo, que sentiam ter possibilitado a sua sobrevivência. Uma das formas que, sobretudo nos países anglossaxónicos, acharam para o fazer foi buscar a admissão nas Lojas maçónicas e aí praticarem essa particular forma de camaradagem que inexoravelmente os marcou. Por outro lado, os horrores vividos e assistidos mostraram a muitos e muitos a necessidade de um espaço de convivência sã e de aprimoramento ético. Quem conviveu com o mal aprecia mais plenamente o bem!

O pós Segunda Guerra Mundial foi assim um período de grande florescimento da Maçonaria, em que os números dos maçons cresceram até atingirem níveis nunca antes historicamente atingidos.

Mas a vida é feita de ciclos! A essa fase de crescimento seguiu-se - inexoravelmente - uma fase de declínio. As condições sociais mudaram. A prosperidade material foi desfrutada por mais gente. As gerações sucederam-se. O que foi vivido no tempo daquela guerra passou a ser mera matéria de documentário histórico para os filhos, netos e bisnetos da geração que vivera aquele tempo. O que fora importante para a geração do pós-guerra não era já entendido nem sentido como tal pelas gerações subsequentes - e, bem vistas as coisas, ainda bem que as gerações subsequentes tiveram a possibilidade de não viver, nem sentir, nem suportar, aqueles duros tempos! Outras solicitações sociais e de utilização de tempos livres se perfilavam. E a Maçonaria, em termos quantitativos, declinou sensivelmente. Passou a ser vista como uma coisa de cotas nostálgicos e ultrapassados e de cromos com a mania de se armarem em diferentes. Tantas coisas para fazer na vida, tanta vida para viver, tanto trabalho para fazer, tanto para conquistar - para quê gastar (ou perder) tempo com essa coisa esquisita, meio desconhecida, fechada? Com a escolaridade a aumentar exponencialmente, quando os jovens passavam anos e anos a preparar-se para a vida ativa e esta era cada vez mais competitiva, que esquisitice era essa do autoaperfeiçoamento? Não era evidente que cada geração era melhor, mais sabedora, mais dinâmica, mais apta, do que a anterior? A Maçonaria não passava, para muitos, de um resto do passado, em vias de fossilização, em persistente declínio, precursor da inevitável decadência e do inexorável arquivamento nas prateleiras das curiosidades da história! A vida moderna, a tecnologia, o progresso imparável, o céu que é o limite do pujante avanço da Humanidade, relegavam a vetusta organização para a sala dos fundos onde as relíquias do passado acumulavam respeitável poeira...

Mas os ciclos inexoravelmente avançam, as suas fases sucedem-se e, nunca se repetindo exatamente da mesma forma, as grandes tendências inevitavelmente que paulatinamente se repetem. Este início do século XXI parece mostrar-nos uma mudança de ciclo da Maçonaria, em que o declínio cessou e o crescimento recomeça.

A vida moderna insensivelmente empurra-nos para a massificação, a generalização. Cada vez mais, cada um de nós é menos um indivíduo e mais um número, um fator, um pequeno elemento de um conjunto cada vez mais numeroso. E cada vez mais descobrem que a Maçonaria permite aos que a integram dispor de um espaço, de tempo e de locais em que cada um consegue afastar essa asfixiante sensação de ser apenas uma peça de um imenso formigueiro humano e assumir-se como indivíduo inserido numa comunidade e com ela e os seus outros componentes interagindo. Volta a "estar em alta" no "mercado" dos valores pessoais e sociais a necessidade de ética, a vontade de aperfeiçoamento, a interação com pequenos grupos de pares, com interesses e objetivos similares.

Cada um de nós sente que, por si só, não consegue deixar de ser apenas um número, inseto numa colmeia, peça de uma imensa máquina que é a sociedade de hoje. Mas verifica que, inserida num grupo com dimensão humana, em que todos se conhecem e se podem conhecer, a individualidade de cada um tem significado e é reconhecida nesse grupo com dimensão humana. E que, inserido nesse grupo, os progressos de cada um são reconhecidos pelos demais, tal como cada um reconhece os progressos dos demais. Ser um parafuso bem polido num depósito de milhões de parafusos é irrelevante. Mas ser uma pessoa, um indivíduo, com virtudes a cultivar, com defeitos a combater, com arestas a polir, no meio de iguais, também com virtudes e defeitos e arestas, mas sobretudo sendo cada um UM, diferente entre iguais - isso é gratificantemente diferente!

Nos dias de hoje, a Maçonaria é uma ancestral instituição que - como é caraterístico das instituições verdadeiramente relevantes e duradouras - se reinventa para responder aos desafios e às necessidades de agora. E hoje é necessário - cada vez mais urgentemente necessário! - que a vetusta instituição da Maçonaria disponibilize a quem disso cada vez mais necessita o tempo, o espaço, o meio, as ferramentas, para que o homem-número que o progresso que trilhámos criou se transforme no Homem Completo que cada um de nós tem a potencialidade de ser. Único. No melhor e no pior. Cada vez com mais melhor e menos pior. Mas sobretudo Homem - imprescindivelmente diferente entre iguais.

Tempo virá em que novo declínio experimentará a Maçonaria, em que os nossos filhos, ou netos, ou bisnetos, de forma geral a verão de novo como coisa do passado. Não é esse o tempo que vivemos. O tempo de agora é de crescimento, de consolidação, de valorização. Porque os Valores que recebemos dos nossos antecessores e que cultivamos para transmitir aos vindouros são intemporais, essenciais e imprescindíveis para o Homem e para a Humanidade.

Curiosamente, a imutável linha de rumo da Maçonaria parece atuar como força de equilíbrio na Sociedade. No passado, quando imperava a desigualdade, a Maçonaria foi um espaço de igualdade. Hoje, quando a normalização impera ao ponto de asfixiantemente nos sentirmos números num conjunto, formigas cumprindo desconhecida missão do formigueiro, obreiras mecanicamente contribuindo para a manutenção e crescimento da Grande Colmeia social em que nos sentimos aprisionados, a Maçonaria possibilita a cada um dos seus elementos que exercite, execute, desenvolva, a sua individualidade. O combate de há trezentos anos era o de convencer a sociedade inteira da igualdade essencial dos seus membros. Hoje, o desafio é o de consciencializar todos de que essa igualdade só se concretiza verdadeiramente se for permitido a cada um desenvolver a sua individualidade. Porque cada um de nós é verdadeiramente único e diferente entre iguais. E é essa Diferença na Igualdade que, afinal, constitui a maior riqueza de uma sociedade.

As épocas sucedem-se, as modas vêm e vão, os tempos mudam - mas os Valores essenciais, esses, são perenes e cultivá-los com são equilíbrio é Arte verdadeiramente Real!

Rui Bandeira

13 outubro 2010

Maçonaria e Modernidade


Modernidade não é substituir o antigo pelo novo. É adicionar o novo ao antigo.

A Maçonaria, herdeira das tradições dos construtores de catedrais da Idade Média, soube, no século das Luzes, reinventar-se, evoluir para a sua atual forma de Maçonaria Especulativa, assumindo a modernidade do Iluminismo sem deixar cair o acervo das tradições, da ética, dos costumes, dos maçons operativos.

Neste dealbar de novo século e milénio, no findar da sua primeira década, importa refletir sobre o papel da Maçonaria num Mundo que evolui e se transforma a um ritmo nunca dantes visto, com um avanço tecnológico ímpar na História da Humanidade, mas também com riscos e desequilíbrios de uma dimensão global, também novos, em tão ampla escala.

Importa refletir sobre a melhor forma de bem utilizar as Novas Tecnologias de Informação. Importa refletir sobre como integrar os novos conhecimentos, os avanços científicos, as evoluções sociais, no paradigma maçónico. Importa refletir sobre o papel, o interesse, a contribuição, da Maçonaria nas sociedades de hoje e do amanhã. Importa refletir, em suma, sobre como adicionar o novo ao antigo.

A Maçonaria é uma contínua sucessão de atos de construção de cada um de nós, em que cada um de nós é simultaneamente a obra, a ferramenta e o construtor. Nesta permanente tarefa, o uso, a prática, a execução, da Tradição, a repetição de palavras, gestos e atos que a nós chegam vindos de tempos para nós imemoriais, é-nos confortável e reconfortante, dá-nos segurança, um ponto de apoio e de equilíbrio. Fazemos o mesmo que muitos outros antes de nós, em muitos tempos e diversos lugares, fizeram, que muitos outros além de nós no mesmo dia em que nós o fazemos também o fazem, esperamos fazer o mesmo que muitos muito depois de nós continuarão a fazer. É-nos confortável, dá-nos segurança, estabilidade, paz de espírito, sabermos que somos individualmente elos de uma imensa cadeia que nos chega de um profundo passado, continua num tranquilo presente e prossegue num risonho futuro...

Nós, maçons, somos os cultores por excelência da Tradição!

No entanto, não recusamos, nunca recusámos, a Modernidade! A nossa história mostra mesmo que, em algumas épocas, nós fomos a Modernidade: muitas das Luzes que iluminaram o século das ditas foram de maçons, espíritos científicos avançados para a sua época, que cultivaram, divulgaram e fizeram avançar a Ciência e a Técnica. Os princípios hoje quase universalmente aceites (e ansiamos pelo dia em que o “quase” desapareça) dos Direitos Humanos foram acarinhados, cinzelados (é o termo), divulgados e defendidos, antes de mais e antes de todos, por maçons. Nós, maçons, orgulhamo-nos de, ao longo da nossa já apreciável história, sabermos aliar a Tradição à Modernidade.

Nós, maçons, procuramos nunca substituir o antigo pelo novo, porque isso seria deitar fora, desprezar, desaproveitar, tudo o que de bom o antigo continua a ter para nos ensinar, ilustrar, proporcionar, antes integramos o novo no antigo, cultivando a Tradição, mas utilizando tudo o que a Ciência, a Técnica e a própria evolução do Homem nos proporciona.

Rui Bandeira