18 março 2019

A morte (e a vida)


Em Maçonaria, os símbolos e rituais servem para colocar ao dispor do maçom os conhecimentos, os temas, os valores com significado e importância no ideário maçónico. O que cada maçom aprende ou não aprende, reflete ou não reflete, assimila ou não assimila em face desses símbolos ou rituais é com ele. Cada um é como é e livremente aproveita (ou não) da forma que melhor entende o que lhe é proporcionado. 

Ao longo do seu percurso, o maçom é confrontado, simbólica e ritualmente, com a morte. Desse confronto, fará a reflexão que quiser ou for capaz, tirará a lição que conseguir tirar. Mas é importante que esse confronto exista.

A morte - sabemo-lo, embora mutos o procurem esquecer pelo máximo de tempo possível... - é inevitável. A todos chegará, a cada um na sua hora. Normalmente, quanto mais novos somos, mais afastamos esse tema do nosso pensamento. É uma desagradável questão distante com que esperamos não ser confrontados por décadas - se nos detemos a pensar nisso ainda vamos deprimir e mais vale mas é pensarmos no que vamos fazer hoje e amanhã e esta semana e nas próximas férias...

No entanto, os maçons são confrontados com a morte e assisado é que reflitam sobre esse tema. Desde logo, porque fazendo-o quando a morte não lhes está iminente, tal lhes permite racionalmente fazerem a sua análise e, sem urgências, ficarem em paz com a certeza de que um dia ela os atingirá.

A morte faz parte da vida. O ciclo natural do nascimento, crescimento, maturidade, declínio, morte está presente em todos os seres vivos, é ínsito à Vida. Quanto mais cedo e melhor aceitarmos isso, mais cedo e melhor estaremos em condições de aproveitar e viver plenamente a vida.

Para o crente, a morte não é o fim, mas uma Passagem. Mas, deste lado da mesma, forçoso é reconhecer que é uma Passagem para o Desconhecido...

A morte, o reconhecimento da sua inevitabilidade e, portanto, a sua aceitação, é, desde logo um importante fator de consciência da fundamental Igualdade entre todos nós.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama, logo no seu art. 1.º, que todos os seres humanos nascem livre e iguais em dignidade e em direitos. Mas, ao contrário do que possa parecer, a parte final desta proclamação ("em dignidade e em direitos") restringe o alcance da primeira parte da frase. E fá-lo bem, porque, em bom rigor todos os seres humanos, sendo essencialmente iguais, são individualmente diferentes. Uns nascem em berço de ouro, outros em pobres enxergas. Uns são geneticamente dotados de saúde, outros têm a infelicidade de virem a este mundo com doenças congénitas. Uns são inteligentes, outros nem tanto assim. Uns são belos, outros nem por isso. Pese embora a proclamada igualdade "em dignidade e em direitos", temos que reconhecer que, parafraseando George Orwell em O Triunfo dos Porcos, "uns são mais iguais do que outros". Uns, bafejados pela genética, mas também condições sociais, partem para a jornada da vida com vantagem. Outros terão de superar deficiências, insuficiências, simples acasos como o lugar de nascimento ou de colocação social dos seus genitores para lograrem atingir os mesmos objetivos e patamares muito mais facilmente atingidos pelos bafejados pela sorte na sua conceção e nascimento.

Quer queiramos, quer não, apesar da fundamental Igualdade entre os seres humanos, a verdadeira, a completa, a material Igualdade só existe na morte! A morte é o encerrar do ciclo neste plano de existência para o milionário e para o indigente, para o belo e para o feio, para o inteligente e para o menos dotado. A morte é a Grande Igualizadora!

Entender a nosa finitude e aceitá-la, mas também entender a fundamental Igualdade que a todos junta na morte é essencial para entendermos e fruirmos completamente a Vida.

A essencial Igualdade da morte é que todos, rigorosamente todos, quando chega esse momento tudo deixam para trás: riquezas, estatuto, honras, mas também dívidas, condenações e opróbrios.

Acumular riquezas, obter estatuto, receber honras implicam esforços, escolhas, renúncias. Ter suficientes bens materiais para poder proporcionar a si e aos seus uma vida segura e confortável e fazer sacrifícios para isso é entendível. Prescindir de fruir plenamente a vida só para acumular riquezas muito para além dessa medida e que, chegada a hora da morte, para trás ficarão, não será, para muitos, uma prioridade. O mesmo quanto ao estatuto, que inexoravelmente termina com a morte física, e com as honras, que gradualmente se desvanecem nas memórias dos que ficam até inevitavelmente desaparecerem, ou, quando muito, e em reduzido número de casos, se limitarem a referências nos livros de história ou de uma qualquer especialidade. Mesmo os grandes, celebrados e recordados artistas, heróis e criadores desconhecem, após a sua morte, que permanecem celebrados e recordados...

Portanto, a consciência e a aceitação de que a nossa vida é finita e que, chegada a morte, tudo deixamos para trás, em bom rigor não são pungentes, não são atemorizadora, são libertadoras, porque essa consciência e aceitação nos permitem viver e fruir plenamente a Vida.

A vida á para ser vivida da forma mais livre, mais pujante, mais compensadora, que nos for possível.

A VIDA É BELA! Mas só temos total consciência disso e a plena capacidade de a fruir depois de termos encarado a nossa finitude e de estarmos em paz com a nossa morte.

Rui Bandeira

11 março 2019

O caminho, o erro e a lição


Há alguns anos, fazia uma viagem por automóvel entre Dubrovnik, na Croácia, e Mostar, na Bósnia-Herzegovina. Receoso do alcance das redes móveis de dados, naquela região, tinha-me preparado, baixando para o meu telemóvel uma aplicação de GPS que funciona com mapas pré-instalados e que, assim, dispensava a necessidade de recurso a redes de dados móveis.

Cruzada a fronteira entre a Croácia e a Bósnia-Herzegovina, o GPS deu indicação para abandonar a estrada principal e tomar uma estrada secundária. Estou habituado a confiar nas indicações do GPS, que muitas vezes nos apontam insuspeitos caminhos mais curtos ou mais rápidos. Assim, não hesitei e abandonei a estrada principal e enveredei pela secundária.

Alguns quilómetros adiante, a estrada cruzou uma aldeia, com ar de semi-abandonada. Gente, muito pouca - e só idosos. Mas o que mais chamava a atenção era a visão de muitos edifícios semidestruídos. Não por algum abalo de terra, mas evidenciando marcas de terem sido atingidos por projéteis de artilharia. A guerra nos Balcãs terminara há já mais de vinte anos, em 1995. Mas aquela meio deserta povoação ainda exibia abundantes e expressivas cicatrizes do que então sofrera com o conflito.

Um pouco mais à frente dessa povoação, a estrada encontrava-se visivelmente deteriorada, esburacada e invadida por vegetação. Mas - pior! - de ambos os lados da vereda (já não era uma estrada...), viam-se, a intervalos regulares, uns "simpáticos" sinais ostentando o conhecido ssímbolo da caveira entre duas tíbias, acompanhado do aviso de "cuidado - minas". Foi a altura de reanalisar a decisão de seguir o caminho indicado pelo GPS! Ter-me-ia enganado a colocar o destino? Haveria alguma outra Mostar que não aquela a que me pretendia dirigir? Reintroduzi o destino no GPS, assegurei-me de que só havia uma Mostar no mapa da aplicação. O GPS continuou, imperturbável (como as máquinas são...), a indicar que o melhor percurso era prosseguir em frente. Refleti um pouco. Os locais onde haveria ainda minas estavam devidamente assinalados e situavam-se fora da estrada. Desde que me mantivesse nesta, não deveria haver problema. O caminho estava visivelmente deteriorado, mas, afinal eu já verificara que atravessava uma zona que sofrera uma guerra e ainda não estava recuperada dos estragos. E, afinal, já por várias vezes o GPS me indicara caminhos com troços em mau estado, mas que depois voltavam a ser boas ou razoáveis estradas. Decidi prosseguir.

Porém, trezentos ou quatrocentos metros adiante, subitamente... deixou de haver estrada. Um matagal obstruía completamente o caminho. Sai do carro e fui ver mais de perto. Logo atrás do matagal, e encoberto por este, vi um novo aviso de "cuidado - minas". Só que agora não estava do lado da estrada. Daí para a frente, a estarada, a vereda, já não era mais do que... um campo de minas!

Clar que fiz inversão de marcha, refiz de volta toda a estrada secundária e, ignorando o GPS, retomei a estrada principal! Uns quilómetros mais à frente, no alto de uma elevação, parei para apreciar a paisagem e tirar umas fotos. Foi então que vi um letreiro, em madeira, virado para o território de onde vinha, escrito em língua local, mas percebendo-se bem que o seu significado era qualquer coisa como: "Está a entrar na Republika Srpska". Tinha atravessado o território dos independistas sérvios da Bósnia, uma das zonas de maior ferocidade da guerra civil decorrente do desmantelamento da antiga Jugoslávia! A tal estrada secundária que acabou obstruída por um campo de minas atravessava o cerne dessa zona de guerra. Os sérvios da Bósnia foram vencidos nesse conflito e, vinte anos depois, a zona estava abandonada, ou quase, e sem preocupação da sua recuperação - e limpeza de minas! - por parte dos vencedores. Ai dos vencidos...

Mais tarde, procurei apurar o que causara aquela informação errada da aplicação de GPS. Tinha baixado dois mapas diferentes da aplicação: o da Croácia e o da Bósnia-Herzegovina. Como é habitual, cada um dos mapas não se limite às fronteiras do respetivo país e tem ainda alguns quilómetros do território do país vizinho. Só que o mapa da Croácia, na parte do outro lado da fronteira, estava desatualizado mais de vinte anos e indicava ainda os percursos de antes da guerra!. Como só quando terminasse o alcance do mapa da Croácia é que a aplicação passaria a utulizar o (atualizado) mapa da Bósnia-Herzegovina, eu, vindo de Dubrovnik, fui, logo a seguir à fronteira direcionado para uma estrada que, antes da guerra, era o caminho mais curto e mais rápido, mas que já não o era e, em rigor, já não conduzia a nada mais do que a um campo de minas. No sentido inverso (de Mostar para Dubrovnik) não teria recebido essa falsa indicação, pois o mapa deste último país estava atualizado e  indicar-me-ia a atual, segura e bem conservada estrada principal...

Este episódio simboliza as opções que temos de tomar na vida. Temos constantemente de escolher o caminho a seguir. Fazêmo-lo em função das informações de que dispomos. Mas nem sempre acertamos. Porque, por mais ponderada que seja a nossa decisão, a informação em que se baseou não estava correta. Quando tal sucede, ainda que não desistamos à primeira dificuldade e perseveremos na nossa convicção, deveremos estar sempre atentos e não cair na obstinação. Quando os dados que formos recolhendo contrariarem inequivocamente os que fundamentaram a decisão, é tempo de arrepiar caminho!

Quando se verifica que se errou, não vale a pena chorar sobre leite derramado. Inverte-se a direção, toma-se outro caminho, e pronto.

Também é escusado - e contraproducente - recriminarmo-nos pelo erro cometido. Ao longo da nossa vida, tomamos centenas de milhar ou milhões de decisões. Não podem ser todas certas, todos temos o nosso quinhão de decisões que se revelam erradas.

Mas o que vale a pena, sempre que concluímos que tomámos uma decisão errada é analisarmos o que causou o nosso erro, o que nos levou à decisão que seria melhor não termos tomado. Só assim conseguimos evitar repetir sucessivamente o mesmo erro ou erros de idêntica natureza. Só assim nos aperfeiçoamos no nosso processo de tomadas de decisão. Por vezes, verificaremos que o erro é de nossa responsabilidade, que não atentámos devidamente nos dados da situação, que errámos no processo lógico de apreciação da mesma. Nalgumas ocasiões, porém, concluiremos que o erro não decorreu de culpa nossa, que resultou de circunstâncias que razoavelmente não poderíamos prever. Nesse caso, deveremos conformar-nos e entender que, por muito cuidadosos que sejamos, não conseguimos prever nem antever tudo. Devemos assim, aceitar humildemente as nossas limitações e aprender que é aconselhável, no nosso processo de tomada de decisão, dar um desconto para a imprevisibilidade, para a nossa incapacidade de tudo prever - aquilo a que um engenheiro meu conhecido dizia que incorporava no cálculo da capacidade das estruturas suportarem forças e tensões e a que chamava "coeficiente de cagaço"...

Somos humanos e, logo, imperfeitos. Aspiramos à perfeição, devemos esforçar-nos por nos aproximar dela o mais possível, mas sabemos que, por mais que nos aproximemos, nunca a alcançaremos.

Constantemente temos de escolher caminhos. Façamos sempre as nossas escolhas com ponderação de todos os elementos disponíveis, para errarmos menos vezes. Mas aceitemos que nos será sempre impossível acertar sempre. Porque, por muito cuidado que tenhamos, há sempre a possibilidade de algo nos escapar, de algo não conseguirmos prever. Por isso, embora nunca devamos desistir à primeira dificuldade, embora devamos persistir perante os obstáculos, nunca devemos ser obstinados, para que possamos reconhecer quando errámos a tempo de arrepiar caminho, remediar o erro e tomar nova direção.

A vida vive-se de muitos caminhos. Às vezes mais rápidos e diretos. De outras mais sinuosos e difíceis. De vez em quando conduzindo a becos sem saída ou levando-nos a desvios indesejados. Nunca nos esqueçamos que embora costumemos dizer que "para a frente é que é o caminho", também temos de saber rodear obstáculos e, quando necessário, dar meia-volta e procurar outra solução. Mas - sempre! - procurando aprender algo com o que fazemos, sempre buscando tirar algo de bom do que de mau fazemos ou nos sucede. Afinal de contas, ao ter eu decidido seguir por aquela estrada secundária que me acabou por obrigar a voltar para trás, se é certo que perdi algum tempo na minha viagem, também pude viver um pouco de algo que felizmente nunca vivi e que espero nunca viver: estar numa zona que foi de guerra e verificar, ao vivo e a cores, com estes dois que a terra há de comer, a destruição que ela traz. Essa noção não a teria adquirido se não tivesse percorrido aquele caminho...

Rui Bandeira

25 janeiro 2019

Exortação do Grão-Mestre da GLLP/GLRP aos Grandes Oficiais


Muito Respeitáveis e Respeitáveis Irmãos,

Meus Queridos Irmãos e Amigos,

Começo por agradecer a vossa presença, neste momento de fraterno convívio, passados pouco mais  de 100 dias, desde a minha instalação.

Não pretendo fazer um balanço, mas quero que aproveitem este momento para se conhecerem melhor, para partilharem opiniões e experiências e para que se sintam mais próximos uns dos outros.

Aproveito ainda este encontro para definir estratégias e promover o início de um debate importante sobre o nosso verdadeiro papel enquanto maçons:

- Será que o que fazemos enquanto maçons é aquilo que a sociedade espera de nós?

- Será que aquilo que fazemos como maçons nos ajuda a crescer e a ser homens melhores?

- Podemos vencer o imobilismo e ser pró-ativos e interventivos em prol de causas que preencham vazios e necessidades concretas de pessoas que todos conhecem e já identificaram?

Estas são algumas das questões que devem estar sempre presentes e para as quais devemos procurar incessantemente respostas. 

A Grande Loja tem, presentemente, cerca de 3.000 obreiros e isso justifica por si só o imenso trabalho que todos temos pela frente.

As Lojas são e devem ser a base do nosso trabalho e o foco principal da Grande Loja.

A Grande Loja só existe porque existem Lojas, o Grão-Mestre só existe porque existe Grande Loja e os Grandes Oficiais só existem porque foram nomeados. 

A todos os Grandes Oficiais quero agradecer a disponibilidade para trabalharem em prol deste projeto comum que eu assumi encabeçar. Foram nomeados para trabalharem com dedicação, lealdade e zelo em prol da nossa Augusta Ordem.

Deixemo-nos, pois, de vaidades, de egos inflamados. Inquietem-se e questionem-se sobre o contributo que cada um pode dar, em cada uma das vossas funções, no dia-a-dia à Grande Loja, ao vosso Grão-mestre e às Lojas.

Exige-se que sejamos uma verdadeira equipa, que façamos parte de um “governo” responsável,  somando todas as nossas energias de forma positiva.

Visitem as Lojas, contribuindo dessa forma para uma maior aproximação entre estas e a Grande Loja. Aproeitem para passar as nossas mensagens, os nossos anseios, em paz e Harmonia. Assumam-se como verdadeiros representantes do Grão Mestre, sem vaidades e sem prepotências.

Não alimentem querelas estéreis, sejam exemplares nas vossas funções e intervenções.

Sejam ainda arautos de boas notícias, de projetos que toquem cada um de nós e envolvam todas as Lojas. 

Temos cerca de 144 Lojas. É verdade, que só cerca de 127 estão ativas e que muitas vivem no limiar de um quórum, que se pretende ver reforçado, para que todas possam trabalhar o Rito, de forma, a que no final, tudo esteja justo e perfeito.

Todos nós temos o dever de ajudar as Lojas a reforçar o quadro de obreiros, convidando todos aqueles que, pelas suas reconhecidas qualidades humanas, intelectuais e solidárias, a integrar a nossa Ordem, num processo de rigorosa seleção.

Temos ainda, Meus Queridos Irmãos um longo caminho a percorrer em termos esotéricos, espirituais e filosóficos, na constante busca da perfeição, quer pessoal quer coletiva.

Ajudem-me a criar um novo clima de harmonia, de paz e de alegria. Nós maçons, temos ao nosso dispor, meios que mais ninguém tem, para influenciar a sociedade de forma muito positiva.

É verdade que vivemos tempos de incertezas, de ausência de valores, em que vale quase tudo: são as redes sociais que, presentemente, ocupam uma parte significativa do nosso tempo; são as “fake news” e o populismo que levam a comportamentos inaceitáveis numa sociedade moderna, justa e democrática; são tantas e constantes as solicitações que enfraquecem a natural disponibilidade para causas solidárias e fraternas.

Temos assim que, enquanto, principais representantes do Grão Mestre e da Grande Loja ser um exemplo de rigor, de disponibilidade, de conhecimento e de partilha da verdadeira amizade fraterna.

Aqueles que foram nomeados e instalados aceitaram “de livre vontade desempenhar as funções do cargo para os quais foram nomeados” e “desempenhar com zelo e lealdade todas essas funções e “juraram e renovaram a promessa solene de amar todos os Irmãos e socorrê-los e ir em seu auxilio, sempre que for necessário”, e “juraram e prometeram cumprir fielmente e com zelo as missões confiadas pelo Grão-Mestre”.

É isso que eu espero de todos vós. É isso que todos esperam de nós.

Dois projetos devem merecer a nossa especial atenção: a REM e a Academia Maçónica. Destaco estes dois, como podia destacar outros, mas temos que começar por algum lado.

Peço pois, o vosso apoio ao RI Paulo Caetano e ao RI Armando Anacleto, a quem devemos apoiar de forma incondicional e sem regatear esforços. O trabalho por eles desenvolvido e a desenvolver, visa exclusivamente o benefício coletivo e não o individual.

Confio em todos sem exceção. Sozinho não conseguirei passar do plano das boas intenções.

Temos muito trabalho pela frente, mas sei que com a ajuda de todos, o nosso trabalho será no final, coroado de sucesso.

No próximo dia 23 de Fevereiro de 2019 realiza-se a Cerimónia da Lembrança, na qual vamos honrar e recordar todos os Irmãos que partiram para o Oriente Eterno. Conto com a vossa presença!

Recordo com saudade todos aqueles que partiram, mas permitam-me que, de forma muito especial, recorde o R.I. Luís Cardoso, que foi um grande exemplo como Homem, como Maçom e como Grande Correio Mor. Ele, verdadeiramente, não partiu, porque contínua presente nos corações de todos nós.

Por último, renovo o meu agradecimento a todos pela vossa presença e peço-vos que aproveitem este momento para se conhecerem melhor, para uma sã partilha de ideias e de “sonhos” para, no final, tornar a nossa Augusta Ordem mais forte e em que todos sintam um enorme orgulho em serem maçons.

À G.D.G.A.D.U.

Armindo Azevedo
Grão-Mestre

15 novembro 2018

O Vigésimo Oitavo Venerável Mestre


O elemento que a Loja unanimemente - como é habitual na Loja Mestre Affonso Domingues - escolheu para assegurar a responsabilidade de a dirigir no ano maçónico de 2016/2017 foi António M..

António M. era um veterano da Loja que a tinha deixado há alguns anos atrás, para colaborar no lançamento de uma nova Loja e que, estabilizada a mesma, regressara a casa, à sua Loja-Mãe, à Mestre Affonso Domingues.

A sua antiguidade, a sua qualidade, mas também a sua disponibilidade para ajudar a dar vida a um novo projeto e, quando esse já estava apto a dele não necessitar, retornar à sua Loja, faziam dele o homem certo no momento certo para dirigir a Loja, no consensual juízo desta. Com efeito, no ano anterior houvera alguma turbulência e desencontro de opiniões, que se esperava que a experiência de António M. ajudasse a ultrapassar. Após um período de debates acesos e persistentes, a Loja ansiava por algum sossego e concórdia. Mas, mais uma vez, a perceção que se tinha da realidade era incompleta e, logo, errada.

O que sucedera no ano anterior não fora conjuntural, antes - só mais tarde se percebeu - fora o afloramento de uma divergência de conceções de que ainda nos não apercebêramos, ao menos na sua completa extensão.Não bastaria tratar, disfarçar ou adiar a eclosão dos sintomas.Viria a ser necessário identificar e encarar de frente o problema - e resolvê-lo.

Ao contrário do que esperávamos, o ano de António M. não iria ser de acalmia. Pelo contrário, foi o ano em que a crise se iria manifestar com toda a força sobre a Loja, qual alterosa onda que se abatia sobre a linha de costa, com fragor e fúria.

Um pequeno incidente, logo no início do mandato de António M., desencadeou uma sucessão de eventos e de reações, que rapidamente se tornou desproporcionada, com diferentes formas, de difícil controlo e - teríamos de o aceitar, ainda durante esse ano - com consequências inevitáveis. 

 Habitualmente, no início do mandato de um novo Venerável apresentam-se os relatórios da atividade do ano anterior. Um desses relaórios foi elaborado por um dos Oficiais que não se conformara com uma decisão do Venerável anterior - e que expressou isso mesmo no seu relatório. Gerou-se uma imediata reação por parte de vários elementos da Loja, que declararam a sua discordância com tal relatório, não só porque tomada decisão pelo Venerável Mestre fica o assunto encerrado, não cabendo continuar alguém a insistir em pôr em causa a decisão tomada, como porque, no caso concreto, a decião que se persistia em contestar fora ratificada e assumida pela Loja. O relatório em causa foi retirado e não foi sequer submetido a votação.

Mas um antigo e influente elemento da Loja achou que António M. tinha também direta responsabilidade na apresentação do relatório rejeitado, pois certamente dele tivera conhecimento prévio à sua proposta à Loja e, se não instruíra o autor da proposta de relatório para a alterar era porque concordava com a mesma e com a acesa crítica ao seu antecessor. E decidiu que, a partir daí, iria opor-se ativamente ao Venerável. De nada serviu argumentar com ele que, com essa atitude, estava a ter exatamente a mesma postura que recriminara aos que tinham expressado a sua discordância em relação ao Venerável anterior.

Agora em novos moldes, reeditava-se o cenário de dois grupos internos da Loja se oporem quanto ao apoio ou desapoio ao Venerável Mestre em exercício! Mas o que, no ano anterior, pudera, apesar de tudo, ser tratado como um incidente infeliz, mas isolado, agora perfilava-se com uma gravidade maior. Agora verificava-se que um peso pesado da Loja direta e persistentemente afrontava o Venerável Mestre e fazia-o em praticamente todas as reuniões da Loja, a propósito de tudo e de nada. A lógica era que o Venerável Mestre integrava um grupo e outro grupo tinha que se lhe opor, se necessário fosse até que os outros saíssem da Loja... Efetivamente, num primeiro momento, havia quem visse com bons olhos o desafio ao Venerável Mestre e quem optava pelo suporte ao Venerável Mestre que por todos fora eleito. Durante um bom par de meses, o debate foi constante, a argumentação intensa, o cenário de uma luta fraticida apresentava-se. Mas um observador atento poderia verificar que, se era verdade que havia dois pequenos grupos a digladiarem-se, se havia  pesos pesados de um e de outro lado, havia também uma maioria da Loja que assistia silenciosa e com um crescente desagrado ao deplorável espetáculo.

Pouco a pouco, o sentimento de desencanto com a situação de confronto na Loja foi aumentando. Mesmo alguns que inicialmente trocavam argumentos se foram apercebendo que o caminho que se trilhava não levava a nada de bom, que se podia ganhar discussões, mas que se perdia a coesão da Loja. Vária alertas foram sendo lançados. Uma Loja maçónica não deveria ser encarada como uma assmbleia onde se usa a oratória para fazer vencer a sua posição. Havia que estancar a obsessão pelo debate pelo debate, pela discussão sem fim, pela cegueira de ganhar discussões. O facto de porventura alguma vez se conseguir convencer uma maioria ou fazer calar uma oposição não dava qualquer garantia de que se estivesse a ter a posição e a atitude corretas. Pouco a pouco, vários dos elementos mais antigos a Loja foram dando conta do seu crescente desconforto, do seu entendimento de que havia, de uma vez por todas, que entender que  processo de decisão, a troca de ideias, o confronto delas, numa Loja maçónica se faz em plano diverso - para melhor! - do que o que ocorre numa vulgar assembleia de condomínio. Pouco a pouco, um a um, todos foram evoluindo para uma postura de evitar o conflito , de não fomentar discussão.

Infelizmente, o tal  antigo e influente elemento da Loja, por obstinação ou por erradamente ter tomado o crescente silêncio dos demais em relação aos seus ataques ao Venerável Mestre por concordância com eles, só se apercebeu da fadiga da Loja em relação à sua postura de ataque e confronto, quando estava praticamente só prosseguindo uma luta que parecia só ele querer prosseguir. Ao verificar que praticamente todos, mesmo antigos companheiros de muitos anos de Loja, discordavam do seu combate, não se limitou apenas a cessá-lo. Entendeu por bem sair da Loja, transferido-se para outra.

Foi a primeira baixa de peso que a Loja sofreu no meio e em virtude da sua crise. Lamentavelmente. Mas, mais impressivo ainda, o sentimento que a Loja teve com aquela saída foi, na altura, de alívio, de esperança que tal desfecho permitisse finalmente o restabelecimento da paz e da harmonia na Loja.

Muitos anos de amizade e de cumplicidade foram abalados com esta saída e as circunstâncias dela. Felizmente, sem problemas de maior e que não fossem remediados com a simples passagem do tempo, grane nivelador que a todos ajuda a perspetivar o que a certa altura parecia altaneiro penhasco como afinal a minúscula e natural elevação de terreno que apenas era. Hoje, e na tradição da Loja Mestre Affonso Domingues, esse antigo e influente elementos, agora noutro projeto, continua e continuará a ser pela Loja visto como um dos nossos e, quando necessário, já deu, continua a dar e não regateia a sua preciosa colaboração à Loja. Nisso, a Loja não mudou - e espera-se que nunca mude: Um vez um de nós, sempre um dos nossos!

Mas o período de turbulência na Loja, afinal já com mais de um ano de vigència e sucedendo a três ou quatro anos de instabilidades casuisticamente remediadas veio ainda a cobrar à Loja mais um alto preço. Um grupo de obreiros da Loja, desagradados com o que se estava passando, fartos de controvérsias, desiludidos nos seus andeios, decidiu sair em conjunto da Loja e iniciar um outro projeto. De nada valeu  o tempo de acalmia que finalmente se lograra atingir. O período de instabilidade fora longo e fizera nascer e amadurecer o seu projeto de formação de nova Loja. Para a Loja Mestre Affonso Domingues, o golpe era rude: tratava-se de um grupo de obreiros que, entrados quase todos ao mesmo tempo, a Loja formara em conjunto, em conjunto fomentara o seu espírito de corpo e, jovens Mestres, neles depositava a esperança de lhes transmitir, a muito curto prazo, as rédeas da administração da Loja. Mas nada havia a fazer, a decisão fora tomada - afinal, a Loja fizera um bom trabalho na criação do espírito de corpo  desses elementos...

Tendo tomado conhecimento do propósito de saída de alguns elementos para formarem outro projeto, a Loja Mestre Affonso Domingues, não obstante o golpe que para si isso constituia, teve a lucidez de compreender que a sua melhor atitude era nenhum obstáculo colocar a esse projeto, afinal a livre expressão da livre vontade de vários elementos. Pelo contrário, viabilizou e facilitou institucionalmente o nascimento da nova Loja, afinal, mais uma nascida sob os auspícios da Mestre Affonso Domingues.

A Loja ficou mais pequena e, sobretudo, perdeu alguns elementos valiosos. Mas estes dois acontecimentos consolidaram na mente de todos os que permaneceram que havia que rever processos, que mudar posturas, que redefinir prioridades na Loja. E, rápida e consensualmente, assim se fez. O final do mandato de António M. foi pacífico e, sobretudo, im tempo de produtivo trabalho da Loja. Os princípios e valores da Maçonaria foram relembrados, o trabalho de aperfeiçoamento individual dos obreiros da Loja retomado. A doença aguda foi vencida, o processo de convalescença iniciou-se.

António M. apanhou em cheio com a crise da Loja. Mas teve a lucidez, o sangue-frio e a calma de segurar firmemente o seu leme. Posto forte e repetidamente em causa, não vacilou e manteve-se firme no cumprimento do mandato que lhe foi confado. Fez o que tinha a fazer, quando tinha que o fazer. Não exacerbou conflitos, apelou sempre à fraternidade. Suportou o temporal e, quando ele passou, guiou a barca da Loja com imperturbável serenidade. Navegou à vista e, nos momentos de maior perigo, em que muitos viam escolhos que poderiam conduzir a Loja a infausto naufrágio, soube escolher o rumo certo, apoiar-se na experiência de muitos dos que, como ele, queriam preservar o projeto da Loja Mestre Affonso Domingues e conduzir a Loja para mar calmo, sem rombos irremediáveis, e soube propiciar o início da reparação dos inevitáveis estragos.

António M. recebeu uma Loja alvoroçada e passou ao seu sucessor uma Loja apaziguada Só por isso, merece lugar de destaque na Memória da Loja Mestre Affonso Domingues!

Rui Bandeira

05 novembro 2018

O Vigésimo Sétimo Venerável Mestre


Com a eleição de  Paulo M. - um dos que escrevem neste blogue -, a Loja continuou a trilhar o caminho da transição de gerações, que então pensava ser o maior problema que tinha de enfrentar. Com efeito, Paulo M. entrara na Loja já depois do início deste blogue, de que. mais tarde, viria a ser um dos animadores. Ter na direção da Loja "um dos novos" afigurava-se ser a receita certa para prosseguir e concretizar a transição de gerações.

A realidade, porém, no mandato de Paulo M. e no do seu sucessor, veio a revelar-se mais complexa. Foi no mandato de Paulo M. que se começaram a tornar evidentes sinais de crise. O que a Loja fazia, a forma como a Loja atuava, estava já desfasada do sentimento da maioria dos elementos que a constituíam. Até então, os desequilíbrios eram apenas pressentidos. No mandato de Paulo M. tornaram-se visíveis.

Paulo M. era e é um homem meticuloso, pormenorizado, que, detetando um problema, analisa-o em profundidade e estabelece uma via para a sua superação. No caso, Paulo M. tinha como problema mais evidente a questão das quotas por pagar por parte de um significativo número de obreiros da Loja. As contas da Loja ressentiam-se deste facto. Havia que resolver esse problema com alguma urgência, sob pena de, a curto prazo, a Loja ficar sem fundos para pagar as capitações à Grande Loja e assegurar o seu normal funcionamento.

Paulo M. identificou várias diferentes situações que contribuíam para a existência do problema. Este começara na altura da crise económica e da intervenção da troika no país. Alguns obreiros da Loja foram atingidos pelo desemprego. Outros viram significativamente reduzidos os seus rendimentos. Houve vários obreiros que emigraram e outros que se viram na necessidade de ir viver e trabalhar para localidades distantes de Lisboa. À crise e suas repercussões nas finanças da Loja, esta começara por reagir absorvendo os encargos decorrentes de atrasos e omissões no pagamento das quotas por parte de uma parcela significativa dos seus elementos. Contudo, a crise económica no país começava a ser superada, as coisas iam melhorando para muitos dos elementos que tinham sido afetados - mas a rotina do atempado pagamento de quotas não recuperara em igual nível.

Da análise que fez, Paulo M. concluiu que havia quem continuava a não pagar atempadamente porque não podia ainda, mas havia também quem já podia pagar e não o fazia porque perdera o hábito e negligenciava a sua saudável retoma. Havia quem, podendo já pagar de novo a sua quotização mensal, não o estava a fazer porque o peso do atrasado o inibia de tudo regularizar de uma vez, mas também quem não retomava o pagamento porque o parceiro do lado ainda o não fizera e "não havia filhos e enteados". Havia quem, embora tendo quotas em atraso, comparecia assiduamente e participava com regularidade nos trabalhos e nas decisões e nos projetos e havia quem não estava a pagar, mas também não comparecia.

Feita a análise, gizou um plano para resolver ou, pelo menos, minimizar o problema, afinal esquematizando com bom senso as várias e diferentes opções possíveis em face das diferentes situações. Em síntese, quem podia pagar devia pagar; quem podia recomeçar a pagar mas não podia regularizar de uma só vez ou em breve tempo a dívida acumulada, recomeçava a pagar e estabelecia um plano de pagamentos escalonado no tempo  para ir resolvendo o atrasado; quem não estava ainda em condições de poder retomar o pagamento e estava com atraso significativo no pagamento das suas quotas, das duas, uma: ou comparecia regularmente nas sessões ou também primava pela ausência - se comparecia, mantinha a ligação ao grupo e devia beneficiar do apoio do grupo; se não comparecia, então estava a quebrar a sua ligação ao grupo e não fazia sentido que o grupo pagasse para manter no seu seio um elemento que não comparecia e nesse caso, aplicava-se o que estava regulamentarmente previsto: notificava-se o visado para se colocar em dia com as quotas ou para apresentar plano para o fazer e para voltar a comparecer, sob pena de exclusão da Loja - e aplicava-se a exclusão a quem não correspondesse satisfatoriamente.

Paulo M. explicou cuidadosamente em Loja os vários aspetos do que decidira e as razões que suportavam as suas opções. A Loja não se mostrou desfavorável, na essência, às opções expostas, uma vez incorporadas algumas pequenas alterações. Em poucas semanas foi encaminhada a maioria dos casos, restando um pequeno número de elementos - uns três ou quatro - que não tinham ainda, nem se sabia quando teriam, condições para pagar, mas continuavam diligentemente assíduos. Não querendo deixar a sua tarefa incompleta, Paulo M. socorreu-se de uma prerrogativa que o Regulamento da Loja lhe conferia: a de poder dispensar um obreiro do pagamento de quotas, pagando-as a Loja com a verba destinada à beneficência. Deste modo, dispensou de quotas os obreiros em causa pelo período que tinham em falta, obteve destes a promessa de que reporiam o montante dispensado de pagamento se e quando lhes fosse possível e deixou a evolução futura para análise atualizada em relação à evolução das circunstâncias para os seus sucessores.

Algo de inaudito, porém, sucedeu. Alguns elementos da Loja, incluindo dois obreiros que integravam o seu Quadro de Oficiais, manifestaram-se contrários ao que Paulo M. decidira. Paulo M., pacientemente, voltou a explicar pormenorizadamente a sua decisão e as razões dela e colocou a questão em debate e em decisão pela Loja. A Loja ratificou a decisão do seu Venerável Mestre. Mas alguns elementos continuaram a discordar e a remar contra a concretização das decisões do Venerável Mestre.

Paulo M. tinha então duas opções a tomar: ou seguia a via disciplinar e abria processos contra os que diretamente violavam os respetivos compromissos de não contrariar as decisões do Venerável Mestre (ainda por cima ratificadas em Loja) ou, compreendendo que havia estados emocionais e amizades no fundo de algumas das objeções formuladas, preferia evitar o corte a direito e geria a situação de forma a que, paulatinamente, a questão se fosse resolvendo. Tomou - acertadamente, a meu ver - a segunda opção e, paciente e meticulosamente repetiu as vezes que foram necessárias as razões da sua decisão, promoveu a sua execução e tentou sempre minimizar o problema.

Ficou, no entanto, evidente que algo mudara na Loja. Pela primeira vez, desde a sua fundação, um grupo de obreiro da Loja desafiou diretamente a autoridade do Venerável Mestre e persistiu na sua postura mesmo depois de ver ratificada a decisão do Venerável Mestre pela Loja, entendendo ser seu direito democrático exprimir as suas posições e lutar por elas enquanto entendesse útil ou necessário fazê-lo. Esta posição motivou, por outro lado, reação dos que não viam com bons olhos o direto desafio ao Venerável Mestre. Estava gerado o turbilhão que iria envolver a Loja no resto do mandato de Paulo M. e grande parte do mandato do seu sucessor, tornando evidente crise da Loja que não seria ultrapassada sem significativo prejuízo.

Por outro lado, Paulo M. ficou muito ferido pelas atitudes de alguns dos obreiros da Loja. Ainda hoje as cicatrizes se notam...

O mandato de Paulo M. foi, assim, atribulado. Mas - sejamos justos! - não por sua culpa. Paulo M. fez o que devia fazer quando o devia fazer e renunciou a fazer algo que podia fazer, em prol da Loja. A meu ver, esteve na direção da Loja em má altura e apanhou em cheio com uma crise que se desenhava, com uma onda que se vinha insensivelmente formando bem lá de trás e de que só nos apercebemos quando apanhámos com ela em cheio. A clivagem não era, afinal, entre velhos e novos. A clivagem tinha a ver com diferentes conceções de estar e decidir em Loja, diversos entendimentos do que era, como se processava e se vivia a integração do indivíduo no coletivo de uma Loja maçónica. Superar essa clivagem iria ter custos, levar tempo e paciência e implicar o recurso à amizade. Mas, afinal, esse era um processo de evolução natural que tínhamos de vivenciar. Um coletivo nasce, cresce, amadurece e reinventa-se ou morre. Era tempo de nos reinventarmos.

Paulo M., apanhado pela crise, viria a ser um dos elementos que contribuíram para a reinvenção da Loja. Que está para lavar e durar, todos o esperamos, por muitos e bons anos, enfrentando e superando todas as crises que periodicamente surjam e suscitem as mudanças que necessário for. Com a preciosa colaboração do Paulo M., que foi o homem certo no conduzir do barco quando a tempestade começou a levantar ventos fortes. É mais um elemento que contribui para a individualidade específica da Loja Mestre Affonso Domingues. E mais um elemento que ajudará, no futuro, a enfrentar as crisezinhas que vierem. Porque soube enfrentar com acerto e bom senso a crise que lhe coube em sorte. E todos lhe estamos gratos por isso - mesmo os que, na altura, a ele se opuseram! Porque águas passadas não movem moinhos e este moinho da Mestre Affonso Domingues ainda tem muito cereal para moer - e vai fazê-lo, sempre em conjunto!

Rui Bandeira

25 outubro 2018

A mudança

Na sequência da Prancha apresentada por um  I:. intitulada “Sobre a Impermanência”, pareceu-me ser consistente escrever sobre a mudança e os processos que lhe estão associados, já que está subjacente à impermanência.

Deixem-me começar por transcrever algumas frases soltas que creio poderem servir para enquadrar o tema:
  • "Quando sentimos a necessidade de uma mudança profunda, normalmente vemo-la como algo que deve ocorrer, mas não em nós. Nas funções em que exercemos autoridade, sejamos pais, professores, chefes, ou outra coisa qualquer, somos particularmente atentos à necessidade de mudar dos outros. Esses esforços falham frequentemente e é comum que respondamos aumentando a pressão. Esta luta raramente traz consigo mudança ou excelência." - Robert E. Quinn
  • "Se nos conseguíssemos mudar a nós próprios, então as tendências do mundo também mudariam. Conforme a nossa mudança, assim muda também a atitude do mundo perante nós… não precisamos de esperar que os outros mudem." - Mahatma Gandhi
  • "A mudança não é algo opcional… é inevitável." - Barbara Sher
  • "A mudança pode ser um desafio, mas pode também ser uma ameaça. Aquilo em que acreditamos pavimenta o nosso caminho para o sucesso ou insucesso." - Marsha Sinetar
  • "A espécie que sobrevive não é a mais forte, nem sequer a mais inteligente; é sim a que se adapta mais facilmente à mudança." - Charles Darwin
  • "Todos já aceitámos que a mudança é inevitável. Mas todos ainda a encaramos como a morte ou pagar impostos – deve ser adiada o mais possível e se for possível, fiquemos na mesma. Contudo, no período em que vivemos o normal é a mudança e não a permanência." - Peter F. Drucker
  • "Mudemos antes que tenhamos de mudar." - Jack Welch
  • "A mudança é difícil porque tendemos a sobrevalorizar o que temos e a desvalorizar o que poderíamos ter se mudássemos." - James Belasco e Ralph Stayer
  • "Não há nada mais difícil de assumir, mais arriscado de dirigir, ou com maior incerteza no resultado, do que a liderança na mudança." - Niccolo Machiavelli
  • "Choque com o futuro é o resultado do stress e desorientação que induzimos nos indivíduos, quando os submetemos a demasiadas mudanças num curto espaço de tempo." - Alvin Toffler
  • A vida é constituída por uma série de mudanças naturais e espontâneas. Resistir-lhes só serve para trazer frustração e tristeza. Deixemos que a realidade seja a realidade. Deixemos as coisas fluírem naturalmente na direcção que tiverem de tomar.” - Lao Tzu
  • Quando a taxa de mudança nos mercados for maior que a da organização, o fim está à vista.” - Jack Welch

Entremos em matéria…

A vida vai acontecendo e o que acontece é muitas vezes denominado de mudança. Algumas são resultado da evolução biológica e da passagem do tempo, no que é o ciclo natural do nascimento, crescimento, decrescimento e morte. Outras resultam de factos sob o nosso controlo e esforço ou da interacção com familiares, amigos, etc. Finalmente, há um terceiro grupo que resulta de factos totalmente fora do nosso controlo.

As nossas experiencias resultam de factos externos ou internos que seguem um caminho linear, regulado pelo tempo, pelo espaço, ou pelas estruturas sociais. Podem também resultar de aspectos emocionais, psicológicos ou até das nossas lutas internas e externas. Podem ser subtis ou graduais, fáceis e bem-vindas ou difíceis e exigentes. Podemos encará-las e à mudança que implicam, com aceitação e adesão ou com protesto e resistência.

O significado pessoal de cada mudança ocorre quando decidimos mudar, já que isto significa passar do estado mais contemplativo em que as coisas acontecem porque sempre aconteceram, para um estado mais activo em que mudamos para obter um resultado por nós escolhido. Mudar o nosso foco do que acontece para o que fazemos com o que acontece é outra forma de descrever a mudança. Não nos esqueçamos que a forma como interagimos com a mudança é uma escolha pessoal.

O perigo de mudar sem verdadeiramente experimentarmos a mudança é o de essa mudança não chegar a ocorrer. Se estivermos focados na mudança em si mesmo e/ou demasiado ansiosos por resolver um problema, podemos perder a mensagem que o processo contém, bem como o seu aspecto transformativo. Daqui resulta que é importante não só a mudança, mas também a forma como mudamos. Mudanças radicais sem um processo evolutivo resultam frequentemente em cenários “déjà-vu” e no reforço de comportamentos que pretendíamos mudar. Para que a mudança seja real e tenha um efeito efectivo, é necessário que aprendamos a trabalhar realmente com ela e não a evitá-la sempre que possível. Já agora, contemplá-la também não costuma dar resultado.

Os antigos filósofos diziam que tudo muda permanentemente (impermanência). O I Ching, o Livro da Mudança, é um texto Chinês que tem servido como ferramenta para tomada de decisões e para tentar prever o futuro, por mais de cinco mil anos. Apesar de tudo ser transitório e estar em constante mudança, o conceito e o seu processo evolutivo respeitam as leis naturais, que pelas suas propriedades cíclicas e repetitivas, fazem da mudança um processo que não muda (impermanência).

O I Ching contem uma simbologia cujo objectivo é ajudar-nos a encontrar ordem dentro dos acontecimentos quase aleatórios da vida. Basicamente, todas as situações na vida ocorrem segundo seis estadios, que embora sejam mutáveis, são previsíveis: começar a ser, início, expansão, evolução para atingir o potencial mais alto, potencial mais alto, regressão. Podemos estabelecer um paralelismo com os seres: concepção, nascimento, crescimento, evolução para a maturidade, maturidade, envelhecimento e morte. Estes estadios são também aplicáveis ás organizações, aos produtos e a muitas outras coisas que nos rodeiam. Tudo parece ter um inicio e um fim e nesse intervalo está em constante mudança.

Apesar da mudança poder interromper o decurso normal das nossas vidas (e fá-lo), constitui também uma oportunidade e um desafio para analisar o que fazemos e o que poderemos fazer e para alterar esse estado, se assim o entendermos. Pode até servir para nos mantermos como estamos e assim permitir-nos melhores escolhas e decisões.

Afastar ou negar a mudança e o que nos pode oferecer, pode ser uma oportunidade perdida de aprendizagem ou de descoberta. A chave está em entender e aceitar que a mudança é a regra e não a excepção e que mesmo que não aceitemos mudar, estaremos ainda assim a fazê-lo. Quando aceitamos esta realidade e aprendemos a lidar com ela, torna-se muito mais fácil ajustar-nos, já que o fazemos com a consciência de que estamos a mudar de forma controlada, num processo que não muda.

Colocando a mudança de lado, vejamos a outra parte da equação – a complexidade do desenvolvimento da personalidade individual. O desenvolvimento da personalidade é função de três variáveis ou sistemas: O corpo (soma), A psique (psyche), e o comunitário ou social (ethos).

Existem diversas teorias sobre o desenvolvimento da personalidade, mas as do psicanalista Erik Erickson são consideradas das que melhor nos podem ajudar a compreender a mudança no contexto do ciclo da vida. A sua teoria ajuda a clarificar como é que um individuo adere e processa a sua mudança intrínseca o que permite perceber se a pessoa está à altura para fazer mudanças em si próprio.

Esta teoria identifica oito estadios pelo qual o individuo passa, desde o nascimento até à velhice. Todos estão presentes à nascença, mas desenvolvem-se em função de uma dicotomia entre o pessoal e o social.

Cada estadio é marcado por uma crise psicossocial entre uma vertente positiva e uma vertente negativa. As duas vertentes são necessárias, mas é essencial que se sobreponha a positiva à negativa. A forma como cada crise é ultrapassada ao longo de todos os estadios influenciará a capacidade para se resolverem conflitos inerentes à vida, bem como a atitude perante a evolução (mudança). Para Erickson, o conflito e a crise psicossocial são positivas, já que são fontes de crescimento, força e compromisso.

A forma como cada individuo evolui ao longo deste trajecto de oito estadios, pode determinar que seja mais ou menos confiante e que tenha uma maior ou menor aversão ao risco. Confiança e atitude perante o risco são dois factores fundamentais que balizam a forma como lidamos com a mudança.

Para além desta perspectiva mais teórica, há diversos factores de ordem pratica que influenciam se e como lidamos com a mudança.

O temperamento, ou seja, a nossa atitude perante a vida, que faz de nós maleáveis e adaptáveis, envergonhados e medrosos, ou difíceis e inflexíveis, influencia de forma decisiva a forma como vemos o mundo e os outros e consequentemente a nossa capacidade de nos adaptarmos. Os pensamentos, atitudes e comportamentos de todos aqueles que nos rodeiam, podem influenciar a nossa forma de pensar e de agir. Por exemplo, amor, aceitação ou optimismo induzem confiança e esperança, ao contrário de críticas, pessimismo e outras atitudes negativas. O mesmo papel podem desempenhar experiências passadas: uma mudança com sucesso gera optimismo, abertura e confiança.

Os valores familiares e sociais são sempre herdados pelo individuo, desde o princípio da sua vida. O medo da mudança e de assumir riscos são contagiosos e interferem na forma como o individuo encara a mudança e limitam o que é capaz de fazer. Para muitos a simples ideia de mudar é esmagadora e geradora de ansiedade, constituindo algo a evitar a todo o custo.

Mas quais são realmente as implicações da mudança quer no plano individual, quer no grupo ou organização. O que é que devemos e/ou pudemos tentar gerir?

Edgar Henry Schein (Ph.D., Psicologia Social, Harvard University) propõe-nos um modelo conceptual para a mudança e suas implicações. Segundo ele, a mudança gera normalmente dois tipos de ansiedade:

A ansiedade associada ao ter de mudar (também chamada “Ansiedade de Aprendizagem”, já que isso implica ter de aprender e deixar o que sabemos por o que não sabemos. Esta ansiedade pode ser gerada e alimentada por diversas razões, toda elas válidas:
  • Receio de perder poder e/ou posição.
  • Receio de sermos temporariamente incompetentes
  • Receio de não sermos capazes de mudar (Princípio de Peter), ou seja, o receio de já termos atingido o nosso limiar de competências que evoluir implique passarmos a ser incompetentes.
  • Finalmente, o receio de perca de identidade e de pertença ao grupo.
Como parece ser claro, quanto maior for esta ansiedade, maior será também a nossa Resistência à Mudança. Adiante veremos formas de tentar minimizar estes efeitos.

Mas a mudança também pode induzir a chamada “Ansiedade de Sobrevivência”, ou seja, o medo sobre o que pode acontecer se não mudarmos.

Como é evidente, estamos perante duas ansiedades que jogam em sinal contrário – “eu estou bem como estou, mas o que é que acontecerá se eu não mudar”. Parece também ser evidente que a mudança fica claramente dificultada enquanto a Ansiedade de Aprender for superior à de Sobrevivência e a forma de conseguirmos que o processo evolua é precisamente “jogar” com estas duas variáveis.

Como???

Para baixar a Ansiedade de Aprendizagem, há algumas alternativas.
  • Desdramatizar o processo, envolvendo os implicados e criando condições para que possam participar.
  • Estabelecer programas de formação e de apoio à aquisição e implementação de novas competências.
  • Gerir a mudança para que não seja brusca ou implique rupturas.
  • Implementar mentalidades que permitam errar... a chamada gestão do erro.
  • Outras…
Relativamente à aquisição e implementação de novas competências, importa reflectir sobre o processo de aprendizagem, que podemos estruturar em quatro fases:
  1. Somos Inconscientemente Incompetentes, ou seja, não sabemos e nem sequer sabemos que não sabemos. Os processos de avaliação de desempenho ou uma análise de “gaps” entre o que sabemos e o que teremos de saber no futuro, poderão ajudar a passarmos para a próxima fase.
  2. Conscientemente Incompetentes – não sabemos, mas já sabemos que não sabemos. Aqui importa ter formação que nos permita adquirir novos conhecimentos.
  3. Conscientemente Competentes – já sabemos como se faz, mas ainda não sabemos fazer. Usando o desporto como analogia, é nesta fase que devemos treinar, praticar; devemos conscientemente utilizar os novos conhecimentos até que sejam interiorizados e os possamos utilizar de forma inconsciente.
  4. Inconscientemente Competentes – esta é fase que se pretende atingir, ou seja, estamos em condições de usar as nossas novas competências e assim acompanhar o processo de mudança, ou seja Mudámos.
Naturalmente que este processo deve ser acompanhado com apoio e envolvimento que permitam criar um ambiente “psicologicamente seguro” onde a aprendizagem fique facilitada.

A cultura que possa existir de “gestão do erro”, poderá facilitar ou dificultar a mudança e a aprendizagem. Numa organização em que quem erra é quase que “crucificado” por o ter feito, haverá certamente resistência à mudança, já que todos quererão continuar na sua zona de conforto e a fazer como sempre fizeram. Este aspecto aplica-se também ao nível individual; a forma como lidamos com os nossos erros, pode facilitar ou dificultar bastante a adesão a novas formas de estar, pensar ou agir.

Relativamente à segunda ansiedade – a de Sobrevivência -, deixo à imaginação e criatividade dos meus irmãos a forma de o conseguir, já que nem sempre é possível reduzir a Ansiedade de Aprender para níveis inferiores à de Sobrevivência e há que actuar nesta, aumentando-a.

A forma como se utilizam as duas ansiedades pode ajudar também a analisar o estilo de direcção de um qualquer gestor. Um líder tenderá a dar prioridade à Ansiedade de Aprendizagem, quase esgotando a sua utilização, antes de se voltar para a outra. Por outro lado, um chefe recorrerá muito mais precocemente à Ansiedade de Sobrevivência, estabelecendo regras e definindo penalidades.

Fazendo um parêntesis nesta prancha, se analisarmos à luz desta teoria, as dificuldades que algumas organizações têm para implementar mudanças, facilmente entendemos porque assim é. A Ansiedade de Sobrevivência é muito baixa e é muito difícil de subir.

Gostaria também de vos apresentar o conceito de “instabilidade Contida” desenvolvido por Ralph Stacey. Segundo ele, as organizações, sejam de que tipo forem, devem ter estabilidade suficiente para que as pessoas não desperdicem tempo e energia a “reinventar a roda” e a criar mecanismos de defesa, mas ter também suficiente instabilidade que leve as pessoas a serem motivadas para mudar, para serem criativas e para procurar novas formas de actuar e fazer as coisas, mesmo quando esse processo possa eventualmente ser doloroso.

E o que é que tudo isto tema ver com a Maçonaria?

Tudo!!!

A Maçonaria visa ajudar a criar homens melhores e de alguma forma esperar que estes sejam cristalizadores na sociedade. Nós aderimos à Ordem porque sentimos que podemos melhorar e porque reconhecemos a Ordem como um espaço para isso.

Quem muda ou faz as nossas próprias mudanças somos nós e nós somos Maçons. A Maçonaria disponibiliza-nos um espaço de mudança onde não há Ansiedade de Sobrevivência, já que nada nos será cobrado se não evoluirmos, e onde cada um muda ao seu ritmo e na direcção que quer, respeitando naturalmente os nossos princípios e regras.

Termino atrevendo-me a acrescentar algo Às palavras de Mahatma Gandhi, apresentadas no início: “podemos mudar os outros, começando por nos mudar a nós próprios”

António Jorge - Mestre Maçon

02 outubro 2018

Comunicação do Grão-Mestre da GLLP/GLRP por ocasião da sua Instalação, no equinócio de outono de 2018


Meus queridos Irmãos,

Agradeço a vossa presença e a todos saúdo com um tríplice fraternal abraço.

Começo por saudar tão vasta representação de Representantes das delegações de potências maçónicas estrangeiras, que muito nos honram e sensibilizam com a sua presença.

Permitam-me que saúde de forma muito especial os Antigos Grão-Mestres, aqui presentes: o M. R. I. José Manuel Anes, o M. R. I. José Moreno e o M. R. I. Júlio Meirinhos que acabou de me instalar na cadeira de Salomão, o que muito me honrou.

Recebo das suas mãos uma Ordem mais forte. A Grande Loja teve um enorme incremento nos últimos 4 anos, fortaleceu-se internamente e aumentou significativamente a sua influência internacional. E isso resultou do esforço e empenho no exercício do cargo. Agradeço-te, pois, M. R. I. Júlio Meirinhos o teu empenho e dedicação à nossa Grande Loja.

Mas todos tiveram um papel notável na edificação da nossa Augusta Ordem. Foram o garante da nossa unidade e regularidade. Com o seu entusiasmo e dedicação, foram protagonistas relevantes da nossa história, e muito contribuiram para o crescimento da nossa Fraternidade. A todos eles devemos o que somos hoje. Agradeço em meu nome, em nosso nome, a todos os que me antecederam.  

Permitam-me ainda lembrar, com muita saudade, dois grandes e notáveis Maçons que marcaram, de forma indelével, o meu percurso e maturidade maçónica: Mário Martin Guia e Rui Clemente Lelé. A eles devo, ainda que de forma distinta, grande parte do que sou hoje como maçom.

Ao longo dos últimos anos, tive o privilégio de conhecer muitos Irmãos que enobreceram e enobrecem a nossa Augusta Ordem. Percorri um amplo número de Lojas e ajudei a fundar algumas. Fiz um trajeto que muitos outros Irmãos também fizeram e que muitos mais podem e, com certeza, virão a fazer.

No tempo que considerei certo, apresentei-me como candidato a Grão-Mestre da GLLP/GLRP, apresentei-me com a simplicidade e a normalidade de um qualquer Irmão que assim o desejasse e estivesse conforme à regularidade e aos regulamentos.

As últimas eleições para o cargo de Grão-Mestre reafirmaram a pluralidade e diversidade de opiniões e a enorme vitalidade da nosa Augusta Ordem. Cumprimento por isso todos os RR. II. que comigo as disputaram.

Em democracia as eleições são a pedra angular da liberdade e é sempre salutar que elas ocorram conforme os cânones que se lhe aplicam, com serenidade, igualdade, cordialidade e correção.

Na nossa Augusta Ordem, as eleições, no estrito cumprimento dos Regulamentos e do verdadeiro espírito maçónico assumem, ainda que assentes em princípios democráticos, contornos particulares. No nosso caso, exige-se que tal suceda em fraternidade. Ou seja: porque somos uma obediência fraternal, impõe-se que a disputa seja leal e em irmandade, pois ninguém está, enquanto pessoa e Irmão, acima de quem quer que seja e o "pleito eleitoral", sendo necessário e importante na vida da nossa Augusta Ordem, é apenas um momento de escolha, onde os Irmãos elegem um seu par para assumir a cadeira de Salomão.

Na cadeira de Salomão, o ocupante senta-se para governar o que lhe foi confiado, tentar resolver o insolúvel, preparar-se para o imprevisível, antever o possível, dirimir os conflitos, eliminar o que for injusto e negativo e procurar a harmonia, a paz e a concórdia.

É certo que crescemos muito. Foi meu compromisso "eleitoral" defender a máxima exigência na seleção daqueles que devemos aceitar na nossa Augusta Ordem e a quem possamos verdadeiramente reconhecer como Irmãos. A nossa dificuldade tem de estar em selecionar, não em recrutar. Selecionar, sempre com o intuito de ter connosco os melhores e mais bem preparados, pois só assim poderemos agir com maior significado junto da vida profana onde nos inserimos e só assim manteremos a união e a fraternidade que nos carateriza.

Vivemos um tempo de dificuldades no país, na Europa e no mundo, em que proliferam muitas desavenças políticas, conflitos bélicos, incertezas geoestratégicas e incapacidade para resolver os problemas sociais, como os das minorias e dos refugiados. Internamente, o país regista ambivalências, com esperança numa definitiva mudança, entre certezas e muitas dúvidas.

E reflito nisto aqui porque a Maçonaria náo vive fora do mundo e das realidades que a cercam e, por isso mesmo, não poderemos nunca ser um corpo amorfo e indiferente em tão vasto horizonte de eventos com que nos confrontamos.

Num mundo em permanente evolução, a mudança deve estar ancorada num quadro de valores que, em momento nenhum, esqueça as pessoas e a liberdade individual como principal motor dessa dinâmica e, em última instância, da garantia da própria felicidade humana.

A sociedade em que hoje vivemos encerra, em acelerada mudança, um conjunto de desafios de proporções ainda desconhecidas e de consequências imprevisíveis. Os riscos da incerteza exigirão firme e determinada intervenção das lideranças das principais instituições que compõem a sociedade.

A nossa Augusta Ordem, ontem como hoje, pela força da sua génese e pela sua responsabilidade histórica, será inevitavelmente chamada a, mais uma vez, constituir-se como farol da evolução, saber de experiência feita sobre o essencial da libertação do Homem, luz sobre os valores que mudança alguma pode colocar em causa.

Consciente destes desafios, ciente da responsabilidade secular que o cargo impõe, proponho-me, se soberba, ativamente contribuir para resgatar para a maçonaria o papel central sobre este processo de evolução, recolocando-a como referência maior e escola de vida para os Homens Bons que pretendem apurar-se na relação com os outros, tornando-se Homens Melhores.

Honrando a herança recebida desde o exemplo maior de Jacques de Molay, 704 anos após a sua morte às mãos da tirania de Filipe IV, curiosamente de cognome "O Belo", propomo-nos continuar a combater por uma sociedade mais livre e mais solidária, onde o génio individual liberte todo o seu poder criativo à luz da razão, conquistando a verdadeira beleza que resulta da perfeição.

Quando atendemos à dimensão de todos aqueles que se sacrificaram em nome dos nossos ideais, só podemos ter orgulho na condição de maçons que transportamos em nós.

Por todas estas razões, escolhi como lema do meu Grão-Mestrado "O Orgulho em Ser Maçom".

Quanto maior a alma, maior o desafio. E por tudo isto, liderar o grupo de Homens Bons que integram a nossa Augusta Ordem é, não só um privilégio, uma honra, mas uma enorme responsabilidade. É orgulho, felicidade e ambição, que só a profunda admiração que nutro por cada um me fazem imaginar sequer poder estar à altura.

Num momento, também, em que a maçonaria enferma de uma injusta perceção pública, numa época em que tudo vale, muitas vezes entre nós próprios, para fazer vingar um qualquer fim, mais do que nunca teremos que travar a queda por este declive obscuro e recolocar a Maçonaria no caminho e no patamar que sempre a distinguiu ao longo da História.

A Maçonaria em Portugal esculpiu pela sua ação alguns dos momentos maos épicos dos feitos nacionais. Da democracia à consagração das diferentes liberdades, muitas são as medalhas que podemos exibir com brio e dignidade.

É pois tempo de voltarmos a contribuir ativamente para o apuramento do Homem e da sociedade, é tempo de voltarmos a fazer História.

Para este desígnio, tenho plena consciência que o caminho a que me proponho não será nem fácil nem pacífico. Tenho total certeza das inúmeras tormentas que nos esperam e dos múltiplos ataques que nos aguardam.

A Maçonaria sempre existiu, e existirá, para melhorar o mundo. Mas para isso é preciso, primeiro, melhorar o homem. É essa a função primordial da Maçonaria.

Chegado aqui, cumpre-me, obviamente, refletir sobre o nosso momento, a realidade da nossa fraternidade. O certo é que, sendo uma Fraternidade, somos também uma Ordem onde impera a lealdade e a irmandade. Mas não nos esqueçamos que somos ainda uma Obediência e esta obriga-nos, a todos, a uma sã relação de respeito para com o Grão-Mestre e deste para com os todos os Irmãos.

Ninguém é obrigado a ser Maçom, mas, em o sendo, tem de se conformar com as constituições e as regras da Maçonaria Universal.

E é por isso que, quando prestamos os juramentos, comprometemo-nos a cumpri-los. Podemos não concordar com o que quer que seja, mas temos de cumprir e, sobretudo, em fraternidade, cumprir e agir irmãmente. Nunca por objeções, maledicências, deslealdades ou críticas que atingem a dignidade  de qualquer Irmão.

Não poderemos, nunca, como em qualquer outra instituição, obter a total aceitação ou unanimidade sobre tantos e tão delicados assuntos em que nos envolvemos. Mas podemos e devemos, sempre, aproximar ideias, objetivos e obter consensos alargados que traduzam a vontade generalizada dos Irmãos.

É iso que farei nos próximos 2 anos, com total empenho e dedicação, aprimorando o talhe da pedra, cuja beleza não cessará de ser trabalhada, visando a solidificação da Ordem e o crescimento da Fraternidade.

A condição de Maçom exige que o eleito se convença da sua humildade, pois ela será a sua grandeza, mas humildade em excesso ou pouco sentida não são mais que vícios e vaidades escondidas. Contudo, Humildade não é inação ou falta de determinação, uma vez que não se pode renunciar a governar em plenitude, mas tal apenas o determina no sentido do "Bem da Ordem".

"O Bem da Ordem" não é uma arbitrariedade ou uma aritmética administrativa. É essencialmente agir, garantindo a continuidade provinda de antanho e prossegir adiante, robustecendo a Fraternidade, constituída por Maçons livres que se congregaram para o aperfeiçoamento do homem e a melhoria do mundo. 

São estes os objetivos e os limites da governação. Tudo o mais não interessa, mas sem deixar de agir, liderar e trabalhar, fazendo o que tem de ser feito, antecipando o bom porvir e evitando o que é desajustado.

Afinal, tudo só pode ser feito com o empenho de todos os Irmãos, pois se é verdade que a Grande Loja tem de ser o vértice da Fraternidade, esse vértice tem que assentar numa base que são as Lojas, com proximidade e interação.

Reafirmo, pois, o compromisso assumido de intensificar a aproximação da Grande Loja com as Lojas e destas entre si, fortalecendo dessa forma as nossas relações e estimulando o fortalecimento da nossa Instituição.

Por isso, também, todos os Irmãos devem esforçar-se por trabalhar comigo, ajudando-me na obra comum. Quem, inconformado, passa para uma inorgânica "oposição", se afasta ou evita compromissos e serviços, "nunca será um bom Maçom". Será tão só um "membro da Loja", alguém que assinou uma proposta para ingresso na Maçonaria, como quem subscreve ou participa, anódino, numa associação social, recreativa, desportiva ou cultural.

Não sou dos que defende que haja nas Respeitáveis Lojas e também na Grande Loja portadores de cargos e colares e que apenas deambulam pelas Sessões e festividades, sem conhecimento e dedicação às funções.

Somos todos necessários e assim é inaceitável que, no meio dos "ELEITOS DA LUZ", não haja maçons disponíveis para o trabalho: só pelo trabalho o Maçom elimina as trevas.

A propósito da Luz, recorro-me da poesia do nosso Muito Querido e saudoso Mário Martin Guia e do poema Hino à Harmonia:

"Sendo o homem a sombra do Divino
e sendo também verdade
que a necessidade equilibra a Liberdade
o Espírito a Matéria, a Fé a Razão
e a sabedoria o Poder
para haver Harmonia
e alcançar a Felicidade
é também ponto assente
que a Luz deve vir do Oriente".

Desde o primeiro dia em que entrei para a nossa Augusta Ordem que sei fazer parte de um grupo que veio para ficar, com uma ideia de futuro e um plano para cumprir. É neste quadro que sustentamos a razão da nossa existência. É neste quadro que queremos crescer, ajudando os homens a serem bons e os bons a serem melhores. Ajudando as sociedades a rimarem liberdade com responsabilidade, alma com solidariedade. É este o legado que queremos deixar.

Darei por isso continuidade a tudo o que de bom foi feito, melhorando aquilo que tiver que ser, com o objetivo de cumprir o meu programa, mas respeitando o princípio da pluralidade e diversidade, ouvindo as vossas opiniões e propostas.

Importa criar e semear aqui e agora, olhando para o futuro e para a Augusta Ordem que queremos ter.

A equipa que me acompanhará é aquela que eu entendo ser o resultado da reflexão sobre a renovação das tradições que nos fazem maçons, conjugadas com a realidade, prioridades e objetivos que uma sociedade iniciática requer, num tempo imediatista e desinformado.

Disse sempre que não me candidatava contra ninguém, nem a favor de ninguém. Agora que sou o vosso GM fiquem certos de que não estarei contra ninguém, exceto aqueles cujos comportamentos e ações não respeitem os princípios e juramentos que nos unem.

O GM será o garante que nenum Irmão fica esquecido, que todas as palavras são escutadas, mas igualmente que nenhum outro se arroga de importâncias que não tem, ou de egos que deve, em primeira linha, combater. Este é o espaço da liberdade, da igualdade e da tolerância. 

Comprometi-me e vou demonstrar que somos uma organização virada para a sociedade, aceite e contributiva e onde os maçons são reconhecidos como homens de confiança, livres e de bons costumes.

É tempo de trabalhar muito, com dedicação, ética e entrega a esta causa que é de todos.

Assim, o futuro da GLLP/GLRP será risonho, não tenham dúvidas, porque a quantidade e qualidade dos Irmãos que a constituem assim querem, desejam e tudo farão para que tal suceda.

Para isso preciso de todos. Convosco, sei que chegarei lá. Convosco sei que, em paz e harmonia, todos faremos mais e melhor para a nossa Augusta Ordem.

À Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Armindo Azevedo
Grão-Mestre