09 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (III)



Uma das ordens profissionais mais poderosas na Idade Média era a dos pedreiros. Os "mestres pedreiros" eram uma mistura dos atuais arquitetos e engenheiros civis, dominando as vertentes técnica e estética; por produzirem obras duradouras e imponentes, boa parte das quais de caráter religioso, eram socialmente reconhecidos como servidores de Deus.

A construção de grandes edifícios de pedra era multi-disciplinar, e implicava conhecimentos avançados de física, mecânica e matemática para a conceção da estrutura, para além do domínio da metalurgia, escultura, pintura e química para a ornamentação, que por sua vez tinham motivos baseados no conhecimento da história, da teologia e da mitologia. Congregava, por isso, as mentes mais brilhantes da época, e eram detentores de "segredos" como o teorema de Pitágoras, ou o desenho de certos ângulos e figuras geométricas a partir de instrumentos simples como um fio e dois ou três pedaços de madeira.

Por essa razão, a par dos estatutos - que eram públicos e regulavam a relação das corporações com a sociedade envolvente – havia regulamentos que visavam a defesa dos segredos do ofício e que, por não se pretenderem revelados, eram apenas oralmente transmitidos de mestre para aprendiz ou de mestre para companheiro. Porque a maioria da população dessa época era analfabeta, essas técnicas, ao ser transmitidas, eram "embelezadas" com histórias que constituíam mnemónicas que pretendiam ajudar a que não esquecessem os passos da sua execução. Por outro lado, estas "histórias" permitiam que as técnicas fossem referidas simbolicamente entre quem as conhecesse sem revelar o seu sentido oculto.

Não esqueçamos, ainda, o contexto físico em que tudo isto se dava. Aquando da construção de um grande edifício, a primeira edificação a efetuar-se era um barraco onde os pedreiros se abrigavam, comiam, dormiam, guardavam as ferramentas e passavam os tempos livres - as "lojas". Ainda hoje este termo é usado em algumas regiões do nosso país para designar o espaço térreo sob a zona habitacional, e onde se guardam os animais e as alfaias agrícolas. Grupos de homens passavam aí juntos meses a fio, e por vezes anos; por isso era importante minimizar-se os conflitos, estabelecer uma hierarquia clara, e fomentar o espírito de grupo. Ora, nada torna um grupo mais coeso do que o estabelecimento de regras, costumes e valores partilhados. Não é difícil imaginar a formação dos aprendizes orientada não só para o aspeto prático do desempenho das funções como para o estreitamento destes laços entre os que habitavam a mesma loja.

Por outro lado, numa época em que as comunicações entre povoações mais longínquas podiam demorar semanas ou meses, era comum o estabelecimento de meios de reconhecimento; assim, quem chegasse a uma terra estranha e se dirigisse a alguém dizendo-se enviado por fulano, podia simplesmente identificar-se revelando um segredo apenas conhecido deste e do seu interlocutor. Deste modo, fazia parte dos segredos de algumas associações de artesãos os meios pelos quais se poderiam fazer reconhecer noutra terra ou perante um estranho que aparecesse.

Havia, por fim, outra razão para que algumas das técnicas não fossem reveladas. Numa época de grande superstição e ignorância, a simples aplicação de uma técnica científica podia ser - e era-o frequentemente - interpretada como bruxaria ou invocação de demónios. Não será, de facto, muito mais cómodo atribuir o sucesso alheio à ação de forças sobrenaturais do que admitir o seu mérito e, eventualmente, a sua superioridade intelectual? Para evitar "contratempos" dessa natureza é que muito do conhecimento da época, especialmente o ligado à química e à matemática, era cuidadosamente ocultado, não fosse confundido com artes de bruxaria ou adivinhação... Manter e saber guardar um segredo era, assim, mais do que o mero cumprimento de um dever ou a defesa do ganha-pão: era uma verdadeira "técnica de sobrevivência".

Paulo M.

06 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (II)



Durante a Idade Média eram os artesãos quem, empregando a destreza manual, a criatividade e o saber acumulado ao longo de gerações, produzia a maior parte dos bens. Por esta altura, os métodos, técnicas e saberes próprios de cada ofício - resultado de séculos de experimentação, erro e repetição (e, bastas vezes, de alguma sorte) – estavam já muito mais próximos do saber científico do que da magia, obtendo resultados consistentes quando sob condições controladas. Por isso mesmo o seu valor era imenso, pelo que constituíam segredos ciosamente guardados.

A classe dos artesãos dividia-se em dois grupos: os que tinham o seu próprio negócio - os mestres - e os que o não tinham; estes últimos subdividiam-se em assistentes pagos - ou companheiros - e aprendizes. O grupo mais influente dentre os artesãos era o dos mestres, os que detinham o seu próprio negócio e gozavam de grande prestígio nas suas comunidades.

Quem quisesse aprender um ofício tinha, primeiro, que ser aceite como aprendiz por um mestre artesão. Este iria, ao longo do tempo - frequentemente, de anos - ensinar-lhes primeiro as bases e depois, técnicas progressivamente mais elaboradas. Em troca, era frequente ficar o aprendiz obrigado a trabalhar um certo número de anos para o seu mestre. No âmbito da sua formação, os aprendizes aprendiam, assim, os “segredos do ofício”, primeiro através da observação do trabalho do mestre e depois através da prática. Esta transmissão de conhecimento queria-se fortemente restrita e regulada, pelo que não só os mestres artesãos apenas revelavam os segredos à medida da progressão dos recipiendários, como os aprendizes tinham, frequentemente, que jurar guardar os segredos que lhes eram confiados, Assim, era-lhes absolutamente proibido revelá-los quer a estranhos quer a aprendizes que ainda os não conhecessem.

No momento em que conseguisse trabalhar sem supervisão, podia o aprendiz passar a ser considerado assistente ou companheiro, altura em que passava a receber salário - pois que, até aí, era comum pouco mais receber que alimentação, guarida e a roupa de trabalho. Ao longo do tempo os assistentes continuavam a aprender com o seus mestres, sempre sob condição de segredo. Por fim, se a certa altura, o assistente conseguia angariar para si mesmo clientes que lhe permitissem autonomizar-se e estabelecer-se por conta própria, passava então a ser mestre de uma oficina. Era esta a progressão profissional nesta classe e nesta época.

Não é senão natural que, no sentido de defender os seus direitos e interesses comuns, os mestres artesãos tivessem procurado associar-se; podemos assim, sem medo de errar, presumir serem as associações de artesãos tão antigas quanto as respetivas artes. Ao longo dos séculos, cada uma dessas associações foi sendo reconhecida perante a sociedade enquanto interlocutor de toda a classe profissional que lhe dera origem. Era frequente as corporações assistirem os seus membros doentes, e tomarem a cargo as viúvas e órfãos dos artesãos menos prósperos. Davam dinheiro e comida aos pobres, e ofereciam aos hospitais a carne que sobrava dos seus banquetes. Refletindo a religiosidade omnipresente na Idade Média, as associações de artesãos operavam sob o patronato de um santo, que era considerado o especial protetor dessa arte, e em honra de quem era comum existir pelo menos uma pequena capela na zona da povoação em que os respetivos artesãos laboravam.

O auge do poderio das guildas - associações ou corporações profissionais medievais - deu-se no século XIV; nessa altura, nenhuma associação de artesãos podia existir legalmente sem a licença do rei, do príncipe, do abade ou do senhor do município onde pretendiam estabelecer-se. O reconhecimento real destas corporações de artesãos passava pela elaboração de leis especiais que lhes permitia governarem-se a si mesmos. Estas leis eram elaboradas com base no testemunho oral dos membros mais seniores de cada corporação; podia-se considerar, assim, serem leis produzidas pelas corporações, verdadeiros estatutos aprovados e aceites pelo Rei, e não uma lista de regras estabelecidas e impostas pelas autoridades. Esses estatutos quase sempre detalhavam com precisão as condições de trabalho, dias e horas de laboração, tamanho dos artigos, a qualidade da matéria-prima, e mesmo o preço de venda; tentavam, igualmente, prevenir fraudes e falsificações, pelo que os mestres eram, por exemplo, obrigados a marcar com o seu cunho pessoal os bens que produziam.

Havia, ainda, regulamentos internos, mas desses falarei no próximo post.

Referências:
http://www.medieval-spell.com/Medieval-Guilds.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Artisan

Paulo M.

04 agosto 2010

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da conspiração (IV - conclusão)

Nos três textos anteriores, expliquei detalhadamente como a pirâmide de 13 degraus e o Olho da Providência foram incluídos no Grande Selo dos EUA e, ulteriormente, na nota de um dólar americano, demonstrando que essa inclusão nada tem a ver com Maçonaria e que a simbologia ali utilizada nada teve a ver com a mesma.

Mas afinal os ditos símbolos são maçónicos ou não?

O Olho da Providência é uma ancestral representação da Divindade. Na mitologia egípcia, encontramos o "Olho de Ra", também chamado de "Olho de Hórus".

No Budismo, Buda é frequentemente referido como o "olho do Mundo".

Na iconografia cristã medieval e da Renascença, o símbolo é representado através de um olho inscrito no interior de um triângulo e é utilizado como representação da Santíssima Trindade.

Na iconografia maçónica original, este símbolo não existia. A mesma resumia-se ao compasso, ao esquadro, a outras ferramentas da Arte da Construção e a pouco mais.

Mas não olvidemos que a Maçonaria nasce cristã. Só mais tarde, em resultado de todo um percurso de prática da Tolerância evolui para a presente configuração aberta que admite todos os crentes, qualquer que seja a sua religião ou crença particular, num sincretismo que balança entre o teísmo e o deísmo (no meu entender, sendo originariamente teísta e assim se mantendo, mas evoluindo para incluir também as conceções deístas).

Originariamente os maçons eram todos cristãos. Católicos, da Igreja de Inglaterra, luteranos, ou calvinistas, mas todos cristãos. Não admira, assim, que, seja por influência cultural, seja pela crença religiosa, todos os maçons conhecessem e interiorizassem os símbolos cristãos, incluindo o Olho da Providência, símbolo da Santíssima Trindade.

A primeira aparição do Olho da Providência na iconografia maçónica surge apenas em 1797 (já depois da criação do Grande Selo dos Estados Unidos), com a publicação do Freemasons Monitor por Thomas Smith Webb. Ali foi incluída a representação do Olho Que Tudo Vê ou Olho da Providência, como forma de recordar a todos os maçons que os seus pensamentos e atos são observados por Deus, o Grande Arquiteto do Universo. E, a partir daí, foi-se expandindo, também nos meios maçónicos, a utilização do Olho da Providência, como representação e símbolo da Divindade.

Resumindo: o Olho da Providência é ancestralmente um símbolo da Divindade. Desde a Idade Média e Renascença que foi utilizado como símbolo cristão da Santíssima Trindade e nessa aceção foi incluído no Grande Selo dos Estados Unidos e, por essa via, mais tarde, na nota de um dólar americano. Só posteriormente a essa inclusão no Grande Selo é que, pela primeira vez, foi utilizado em ambiente maçónico. Hoje, é correntemente utilizado como símbolo maçónico. Mas essa utilização atual corresponde a uma apropriação pela Maçonaria do símbolo cristão pré-existente.

Quanto à pirâmide de 13 degraus, não tem qualquer significado ou simbologia maçónicos. A iconografia maçónica baseia-se nas ferramentas do ofício da construção e no Antigo Testamento. Particularmente importante nessa iconografia é o Templo de Salomão e a Lenda associada à sua construção. Nada na Maçonaria remete para a Tradição egípcia ou suméria, nem para as pirâmides egípcias (bem vistas as coisas, meros jazigos de gente rica e poderosa...) ou sumérias (tidos como artefatos destinados a favorecer a observação astronómica).

Referências a pirâmides maçónicas? Só no romance de Dan Brown, O Símbolo Perdido! Mas essa não é, de modo algum, uma referência relevante! Por três razões: 1. Trata-se, assumidamente, de uma obra de ficção; 2. Trata-se de uma obra, assumidamente, escrita por alguém que não é maçom; 3. Trata-se de um romance escrito já no século XXI, insuscetível de criar qualquer tradição, e, obviamente, impossível de ter servido de fonte a um qualquer eventual símbolo maçónico existente no século XVIII nos Estados Unidos da América!

Resumindo e concluindo: os badalados símbolos maçónicos do Grande Selo dos Estados Unidos da América e da nota de um dólar americano nem sequer são... símbolos maçónicos! O mais perto que lá se chega é da verificação que, depois da inclusão do Olho da Providência no Grande Selo dos Estados Unidos da América, a Maçonaria apropriou-se e passou a usar também o símbolo, até aí essencialmente cristão do Olho da Providência.

Factos são factos!

Não que eu acredite que os teóricos da conspiração deixem os factos abalar os seus (pobres) argumentos...

Fontes das informações contidas neste texto:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Olho_da_Provid%C3%AAncia
http://en.wikipedia.org/wiki/Eye_of_Providence
http://www.masonicinfo.com/eye.htm

Rui Bandeira

02 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (I)


Arthur C. Clarke, escritor, inventor e futurista, autor de "2001, odisseia no espaço", afirmou um dia que "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia ("any sufficiently advanced technology is indistinguishable from magic"). De facto, se considerarmos que a "magia" consiste no uso de métodos sobrenaturais para manipular forças naturais, pode dizer-se que a tecnologia, por ultrapassar de longe o que podemos encontrar na natureza, pode, num certo sentido, ser considerada "sobrenatural". A tecnologia não deixa, contudo, de se basear solidamente - e unicamente, diria eu - no estudo das leis naturais.

Explicar o funcionamento de muitos dos artefactos que nos rodeiam está bem para além do conhecimento do cidadão comum. Já não falo de saber explicar como funciona, por exemplo, um telemóvel ou um televisor; mas quantos saberiam explicar como funciona um simples relógio mecânico - como um despertador de corda - ou uns binóculos? Para os explicar são necessários alguns rudimentos de ótica num caso, e de mecânica no outro. No entanto, uma vez transmitidos e apreendidos os conceitos, poder-se-ia avançar para o entendimento de engenhos mais avançados - como um motor a vapor, por exemplo. Por outro lado, se tentarmos explicar como funciona um despertador sem nos assegurarmos de que o nosso interlocutor sabe o que é uma alavanca e quais os seus princípios subjacentes, o que é por sua vez essencial ao entendimento de como funciona uma roda dentada, então estamos condenados ao fracasso. O conhecimento desta natureza deve ser tansmitido de forma sequencial, começando-se pelo simples e criando-se progressivamente alguma complexidade com base no conhecimento adquirido, de modo a garantir-se a sua interiorização.

Há casos conhecidos de exposição de alguns povos a tecnologias para as quais estes não dispunham de bases de entendimento, e do subsequente aparecimento de cultos de caráter religioso em torno das mesmas. Um dos exemplos famosos é o culto à carga, um tipo de prática religiosa que apareceu em muitas sociedades tribais tradicionais aquando do contacto e interação com culturas tecnologicamente mais avançadas. Esses cultos focam-se na obtenção de riqueza material (a "carga") da cultura avançada através de práticas e rituais mágicos e religiosos, crendo que a riqueza lhes fora facultada e destinada pelas suas divindades e antepassados. É assim que, enquanto que é para nós evidente que o lançamento de mantimentos por avião durante uma fome é um ato de solidariedade, para alguns dos que recebem essa ajuda é de magia que se trata.

O modo racional e científico de olhar o mundo está de tal modo imbuído da nossa forma de pensar eurocêntrica e ocidental que nos custa a ponderar as alternativas. Muitos dos povos do mundo ainda estão arredados dos fundamentos da forma de pensar que levou ao surgimento do pensamento e do método científicos: a experimentação e repetição, o isolamento das causas dos fenómenos, o raciocínio e a matemática enquanto ferramentas de trabalho. Em seu lugar encontramos uma profusão de conhecimentos passados de geração em geração em que se mistura informação útil sobre plantas, animais e metodologias validáveis com superstições, demonologias e pura feitiçaria. De facto, a própria matriz cultural subjacente à interiorização enquanto "fenómenos mágicos" de meros acontecimentos naturais dificulta tremendamente a tentativa de explicação da sua verdadeira natureza. Não é, assim, senão natural que manifestações de tecnologias estranhas sejam interpretadas como poderosas magias aos olhos de quem apenas encontra magia no mundo que o rodeia.

Paulo M.

30 julho 2010

Por que são secretos os rituais maçónicos



Como se disse já, a Maçonaria tem apenas três tipos de segredos: os rituais, os meios de reconhecimento e a identidade dos seus membros. Debrucemo-nos hoje sobre os rituais.

Recordo claramente o "ritual" de início de cada dia de escola: entrávamos todos em fila, ordeiramente e em silêncio, colocávamo-nos em locais pré-determinados, respondíamos à chamada, preparávamos os instrumentos de trabalho (a caneta e o caderno diário) e escrevíamos o local e a data do dia, seguidos do sumário; depois disso, cada um tinha procedimentos a seguir - se, por exemplo, pretendia falar, tinha que levantar o braço - bem como tinha variadas limitações à sua ação - não podíamos levantar-nos sem autorização, por exemplo.

Identicamente, os rituais maçónicos determinam e regulam uma série de acontecimentos que sucedem durante uma reunião (a que os maçons chamam "sessão"), no sentido de conferir alguma ordem aos trabalhos - precisamente do mesmo modo que numa sala de aula. Assim, fazem parte dos rituais procedimentos meramente administrativos como o são a chamada ou a leitura da ata da sessão anterior. Estes procedimentos nada têm de secreto, e poderia dizer-se que só não se referem por não o merecerem, de tão enfadonhos que são...

Por outro lado, os rituais também são uma espécie de "peças de teatro", no sentido em que há vários "atores" com "falas" e ações bem definidas e pré-determinadas. Estas ações são um pouco mais elaboradas do que é costume noutras circunstâncias do nosso dia-a-dia, e muito do que se diz e faz é simbólico. O simbolismo, em si, não é oculto; já o significado que lhe é atribuído em determinado contexto pode sê-lo. Há coisas que estão à vista desde o primeiro dia em que se entra num templo maçónico e que nunca são explicadas, antes sendo deixadas - como tantas outras - à interpretação e interiorização de cada um. De outras é dada uma explicação em determinado contexto, como na cerimónia de Iniciação - em que se passa de Profano a Aprendiz - na passagem de Aprendiz a Companheiro, ou na de Companheiro a Mestre. Esses "rituais secretos" nada têm de interessante para quem esteja fora do contexto. Imaginem um músico a assistir a uma secretíssima reunião de alta finança num banco; ou uma pessoa como eu, avessa a futebol, a assistir às secretíssimas reuniões do Mourinho com a sua equipa em vésperas de um grande jogo... Para essas pessoas, pouca ou nenhuma valia teria esse conhecimento.

Então porquê o secretismo? Por uma razão: porque, para aqueles a quem interessa, há um momento certo para se saber. E porque é que há esse "momento certo", e não se pode saber logo? Procurei um bom paralelismo que o explicasse, e creio que o encontrei: imaginem-se a ler um bom livro policial, daqueles bem elaborados; ou a ver um bom filme de suspense. Agora imaginem que alguém chega, e vos diz: "Ah, conheço, já vi, foi o mordomo na biblioteca com o candelabro." Pior: imaginem que vo-lo dizem mesmo antes de iniciarem o livro ou o filme. Acham que irão retirar o mesmo prazer, ler com o mesmo empenho, analisar com o mesmo estímulo? Claro que não. A experiência ficou arruinada pelo conhecimento prévio. O mesmo se passa com os rituais maçónicos. Por isso se recomenda a quem pretenda ingressar a Maçonaria que não leia, não procure, não se informe. Mas, se o fizer, apenas a si mesmo se prejudica - na mesma medida de alguém que, sorrateiramente, ludibriando-se a si mesmo, ardendo de curiosidade, fosse ler as últimas páginas do tal romance policial.

Por isso, e se não pretendem alguma vez ser admitidos na Maçonaria - ou se pretendem mas querem garantir que a experiência fique irremediavelmente arruinada - então basta procurarem que, com o auxílio do nosso "amigo" Google, terão, com alguma diligência e arte, acesso a dezenas de versões de rituais maçónicos de diversas épocas, locais e obediências.

Encontrarão também, se as procurarem, partituras de obras musicais famosas, e mesmo vídeos das mesmas. Mas - ah! - só quem já cantou num coro ou tocou numa orquestra sabe o quão diferente é estar de fora a ver, ou participar de dentro. Tentem que vos expliquem a diferença, e serão unânimes: "não dá para explicar, tens que viver a experiência para a compreenderes". Com um ritual maçónico - já o adivinharam - passa-se o mesmo. Não se explica, não se revela, não se estuda - vive-se, ou não se entende.

Paulo M.

28 julho 2010

A nota de um dólar dos Estados Unidos e as teorias da conspiração (III)


Nos textos anteriores, mostrei que as imagens do verso da nota de um dólar americano são, afinal, o verso e reverso do Grande Selo dos Estados Unidos e que os símbolos ali insertos nada têm a ver com a Maçonaria e tudo têm a ver com a independência daquele país. Nada que abale as "certezas" dos teóricos da conspiração, sei-o bem. Mas o meu propósito é esclarecer as dúvidas de quem as tem, não abalar "certezas" de iluminados por "verdades ocultas"... Os teóricos da conspiração, em síntese, clamam que, na nota de dólar, e no Grande Selo dos EUA, os maléficos maçons introduziram símbolos seus (não esclarecem para quê, mas isso são detalhes...). Não se comovem com as explicações demonstrativas de que os símbolos em causa não são maçónicos, sobretudo quando formuladas por um maçom - que, obviamente, faz parte da Grande Conspiração Maçónica e está a querer ocultar, disfarçar, esta ponta levantada do véu da Grande Conspiração Maçónica...

Não basta, portanto, a demonstração que já fiz. É preciso ir mais além. E ir mais além é divulgar o processo de criação do Grande Selo dos EUA - e deixar que cada um ajuíze, em função dessa informação e dos demais elementos fornecidos, a validade da teoria da conspiração!

Logo em 4 de julho de 1776, dia da Declaração de Independência, o então designado Congresso Continental nomeou a primeira comissão para desenhar o Grande Selo ou emblema da nova nação. Acabaram por ser necessários seis anos, três comissões e os contributos de catorze homens para que o Congresso finalmente viesse a aprovar tal símbolo dos Estados Unidos. O desenho aprovado incluía elementos das propostas de cada uma das três comissões sucessivamente designadas.

Compunham a primeira comissão Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e John Adams. Dos três, só o primeiro foi maçom. E a sua proposta não foi aceite!

Franklin escolheu uma cena alegórica do Êxodo, que descreveu como "Moisés de pé à beira-mar, estendendo a sua mão sobre este e causando o afogamento do exército do Faraó". A divisa que propôs foi: "A Rebelião Contra Os Tiranos É Obediência A Deus". Jefferson sugeriu uma representação dos Filhos de Israel perdidos, guiados de dia por uma nuvem e de noite por uma coluna de fogo, para o verso do Selo; para o reverso, propôs a efígie de Hengest e Horsa, os dois irmãos que foram os lendários líderes dos primeiros colonos anglossaxões na Bretanha. Adams escolheu uma pintura chamada " Julgamento de Hércules", na qual este tem de escolher entre o florido caminho da Facilidade ou o rude carreiro do Dever e da Honra. Não sendo versados em heráldica, pediram a ajuda de um artista plástico de Filadélfia, Pierre Eugene du Simitiere (não foi maçom), que veio a elaborar uma proposta com um brasão com seis secções, simbolizando os seis países de onde eram originários os habitantes das colónias independentistas (Inglaterra, Escócia, Irlanda, França, Alemanha e Holanda), rodeado pelas iniciais dos treze estados. Suportavam o brasão uma figura feminina, a Liberdade, e um soldado americano. Sobre o brasão, o "Olho da Providência" inscrito num Triângulo Radiante e a divisa E plurubus unum.

A Comissão apresentou o seu relatório com as quatro propostas ao Congresso. Este escolheu a proposta de Pierre du Simitiere, mas pretendendo alterações. Insatisfeito, não deu a sua aprovação final, vindo a ser nomeada uma segunda comissão. Do conjunto de propostas desta primeira comissão, foram incluídos no desenho final do Grande Selo a divisa, o "Olho da Providência" e a inclusão da data 1776.

A segunda comissão nomeada foi constituída por James Lovell, John Morin Scott e William Churchill Houston. Tal como os anteriores nomeados, procuraram a ajuda de alguém mais versado em heráldica, Francis Hopkinson, que foi quem fez a maior parte do trabalho. Nenhum dos quatro foi maçom. Embora tal tenha sido alegado quanto a Hopkinson, não existe qualquer prova ou registo disso. Hopkinson, um dos signatários da Declaração de Independência, ajudara a desenhar a bandeira americana e foi autor dos Selos de vários Estados. Apresentou duas propostas, com temas de guerra e paz. A primeira continha um escudo com treze barras diagonais, alternadamente vermelhas e brancas, suportado num dos lados pela Paz, uma figura feminina com um ramo de oliveira, e no outro por um guerreiro índio, com arco e flechas. Por cima, uma constelação radiante de treze estrelas. A divisa era "Preparado Para A Guerra E Para A Paz". No verso, a Liberdade, sentada numa cadeira, segurando um ramo de oliveira, com a divisa "Perene pela virtude" e a data 1776. Na segunda proposta, o guerreiro índio foi substituído por um soldado segurando uma espada e a divisa foi encurtada para "Para A Guerra Ou Para A Paz". A Comissão escolheu a segunda proposta e apresentou-a ao Congresso. Mais uma vez, o Congresso não deu a sua aprovação, vindo a nomear uma terceira comissão. Da proposta desta segunda comissão, transitaram para o desenho final as treze listas no escudo e respetivas cores, a constelação de estrelas rodeada por nuvens, o ramo de oliveira e as flechas (da primeira proposta de Hopkinson).

A terceira Comissão nomeada foi constituída por John Rutledge, Arthur Middleton e Elias Boudinot. Rutledge veio a ser substituído por Arthur Lee, mas a nomeação deste nunca foi oficialmente formalizada. Tal como sucedera com as duas comissões anteriores, o grosso do trabalho foi delegado num especialista em heráldica, Willam Barton. Nenhum destes homens foi maçom. A proposta de Barton, que a Comissão veio a submeter ao Congresso, continha um escudo ladeado por uma jovem, representando o Génio Da República Americana Confederada" e por um soldado americano. Ao alto, uma águia. No escudo, um pilar com uma Fénix Em Chamas. As divisas eram "Em Defesa Da Liberdade" e "Só Virtude Invicta". No reverso, uma pirâmide de treze degraus encimada por um "Olho da Providência" radiante (da primeira comissão) e as divisas "Com O Favor De Deus" e "Perene". Ainda uma terceira vez, a proposta não mereceu a aprovação do Congresso. Da proposta da terceira comissão, transitou para o desenho final a pirâmide de treze degraus.

Em 13 de junho de 1782, o Congresso entregou ao seu Secretário, Charles Thomson (não foi maçom) os projetos das três comissões e encarregou-o de elaborar um novo desenho. Thomson, utilizando elementos das propostas das três comissões, elaborou o que veio a ser o projeto finalmente aprovado. De seu, as divisas Annuit Coeptis (Ele aprova o nosso empreendimento) e Novus ordo seclorum (Nova Ordem Dos Séculos). Antes da submissão final ao Congresso, solicitou a Barton que efetuasse uma revisão final, tendo este alterado o sentido das listas para vertical e a posição das asas da águia. O projeto final assim resultante foi submetido ao Congresso em 20 de junho de 1782 e nesse dia finalmente aprovado!

Como se vê, uma conceção detalhadamente analisada, feita, refeita e feita de novo, com a participação de catorze homens, dos quais apenas um maçom - e cuja proposta em nada contribuiu para o resultado final!

E é perante estes factos - comprovados, registados! - que os teóricos das conspirações brandem as suas "certezas"! Mais palavras para quê?

Fontes das informações contidas neste texto:

http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Seal_of_the_United_States#History
http://en.wikipedia.org/wiki/Great_Seal_of_the_United_States#Speculation_and_conspiracy_theory

Rui Bandeira

26 julho 2010

Tudo se aprende, nada se ensina


O mundo só se nos mostra pelos nossos sentido, e a complexidade e a variabilidade da realidade ultrapassam a nossa capacidade de absorver a individualidade de cada ocorrência. Para lidar com essa complexidade generalizamos, sintetizamos e normalizamos, considerando, de acordo com a nossa vivência, serem idênticas coisas que, na verdade, são ligeiramente diferentes. Este mecanismo faculta-nos mais informação, que por sua vez nos permite entender, antecipar e reagir melhor àquilo que sucede em nosso redor. No entanto, não há duas vidas iguais; não há duas experiências do mundo iguais; não há duas realidades iguais. Por isso é que o mundo, tal como o apercebemos, é, mesmo que impercetivelmente, distinto do mundo tal como é apercebido por qualquer outra pessoa. Assim, porque cada um é fruto da visão que tem do mundo, é natural que seja única e irrepetível a matriz que estabelece a própria conceção identitária de cada um de nós.

Assim, podemos dizer que a nossa identidade passa pelas convicções que decorrem da nossa experiência ao longo da nossa passagem pelo mundo. Ora, essas nossas convicções - especialmente a política e a religiosa - são um pouco como a nudez física. Assim, há quem, (à semelhança dos nudistas - e, até, dos exibicionistas) esteja disposto a desnudar a sua intimidade do ser, do crer e do pensar, expô-la e questioná-la; e, no outro extremo, quem (à semelhança de quem nem ao médico revela a nudez) sinta como agressão o mero questionamento das suas convicções, sentindo que tal abalaria a delicada construção interna da sua relação consigo mesmo, com o mundo e com os outros.

Uma Loja Maçónica pode ser vista como um ecossistema de poucas dezenas de pessoas que se reencontram vezes e vezes a fio e que sabem que podem "baixar as defesas" e, sem receio, expor o seu ser, o seu saber e a sua experiência para benefício dos demais. Cada um apresenta, na medida que entende fazê-lo, e mediante o seu grau de conforto em revelar-se, a sua visão do mundo e a súmula que dela fez - a sua pessoal e única experiência - com o intuito de que cada um dos demais possa ver o mundo por outros olhos e retire daí os ensinamentos que entenda.

Atacar essa matriz assim exposta seria atacar a pessoa no que tem de mais íntimo, de mais pessoal, de mais sagrado. Por isto, uma das primeiras coisas que se aprende na Maçonaria é a respeitar a diferença e a diversidade, sejam estas de pontos de vista, de crenças ou de convicções. Cada um dá um pouco de si; quem quer, colhe daí o que lhe aprouver. Ninguém é obrigado a aderir a conclusões conjuntas, a versões definitivas, a consensos alargados; estes procuram-se apenas até onde é possível fazê-lo sem atropelar a convicção e a vontade de cada um.

É esta uma das formas através das quais a Maçonaria toma homens bons e os torna melhores. É assim que, em Maçonaria, tudo se aprende e nada se ensina. E é assim, e por isso, que, em Maçonaria, se aprende a calar tudo quanto possa perturbar este equilíbrio.

Paulo M.