13 fevereiro 2008

Discutindo com o profano


Em comentário ao texto A Prancha de Aprendiz, JPM/David escreveu:

Incrível como você consegue tanto escrever em trabalhos e pranchas, sem nunca nos revelar no que é que consiste no sentido prático a realização desse material. Nem uma mínima vez.

Não leve a mal estas palavras mas isto sendo um blog publico, se bem que de preferência para iniciados, esperava obter mais "luz" por assim dizer sobre o trabalho que se efectua enquanto maçon.

Confesso que isto é um nevoeiro total para mim, até porque o estado das coisas é propositadamente deixado oculto, claro.

Só um ignorante de primeira classe é que se pode indignar com o carácter discreto da maçonaria.

Mas para um profano como eu que tenta conceptualizar ou pelos menos reconhecer materialmente um mínimo o papel desempenhado pela maçonaria, e que ouve constantemente falar em ritos, iniciações, graus, trabalhos e progresso social ou intelectual com as suas prováveis influencias, vindo de gente como vocês maçons, é difícil, muito difícil, não concluir que maçonaria pode ser tudo e nada ao mesmo tempo.

Espero não me tornar em ridículo ou ter ofendido o senhor mas cada vez mais sinto uma curiosidade não pelo lado místico da maçonaria mas sim pelo lado puramente Pragmático da vossa ordem (desculpem o termo possivelmente errado).

PS: Que tal uma secção do tipo "Discutindo com o profano" (discutindo, não conversando).

Prometi-lhe uma resposta em cinco textos. Com este e mais outro, acabam por ser seis, dos quais já publiquei anteriormente quatro: Os meus Irmãos reconhecem-me como tal, O que se faz em Loja, Como se faz em Loja e Porque se vai à Loja.

Com o primeiro, penso ter esclarecido a dúvida de JPM/David sobre o que é uma prancha maçónica. Aquele texto foi uma prancha apresentada por mim em Loja. Com a exemplificação, certamente a dúvida ficou esclarecida.

Com os outros três, procurei esclarecer sobre o trabalho que se efectua enquanto maçon, o quê, como e porquê, ou seja, e utilizando a expressão de JPM/David, o lado "pragmático" da Maçonaria.

Neste texto, proponho-me responder directamente ao comentário de JPM/David, designadamente sobre o seu lamento, melhor dizendo, a sua constatação, de que um profano, apesar do (muito) que neste blogue se divulga, explica, mostra, acerca da Maçonaria, permanece dentro de um "nevoeiro" (expressão de JPM/David) em relação ao que realmente fazem os maçons, considerando mesmo que "o estado das coisas é propositadamente deixado oculto".

Já várias vezes deixei bem explícito que aquilo que a Maçonaria reserva exclusivamente para os seus membros é muito pouco, muito menos do que por aí se pensa: a identidade dos maçons que não divulgaram publicamente a sua condição, as formas de reconhecimento, as cerimónias de iniciação, passagem e elevação (e, a outro nível, as cerimónias de concessão dos Altos Graus) e o teor concreto de uma determinada reunião. E, se pensarmos bem, esta (pouca) matéria reservada justifica-se que assim seja.

A reserva de identidade de maços que não divulgaram publicamente essa condição justifica-se em face dos preconceitos que ainda impendem sobre a Maçonaria.

As formas de reconhecimento, por razões evidentes. Se fossem divulgadas eram inúteis como meio de verificação se um determinado elemento, que pessoalmente nos é desconhecido, é ou não maçon. São, no fundo, a forma, arcaica mas que o tempo provou ser eficaz, de "bilhete de identidade" do maçon. Claro que, tal como os bilhetes de identidade são falsificáveis, também há profanos que conhecem algumas das formas de identificação dos maçons. Tal como uma boa falsificação de um bilhete de identidade pode enganar alguns durante algum tempo, também o profano que conheça algumas das formas de identificação dos maçons se pode fazer passar por maçon, enganando alguns durante algum tempo. Mas, mais tarde ou mais cedo, a falsidade da sua condição acabará por ser revelada, seja porque muito dificilmente conhece todas as formas de reconhecimento que deve utilizar em todas as ocasiões e em diversas circunstâncias, seja sobretudo porque, tendo obtido ilegitimamente algumas formas de reconhecimento, com toda a probabilidade também obteve - e usará... - formas de reconhecimento que são erradas, realmente inexistentes, que nada significam e que permitem verificar que quem as usa não sabe o que está a usar... Este método funciona um pouco como o método que as empresas que elaboram e publicam mapas utilizam para defender os seus direitos de autor e poderem provar a apropriação abusiva do seu trabalho por outros: no meio dos mapas, colocam propositadamente meia dúzia de insignificantes, quase imperceptíveis e irrelevantes erros. Se alguém copiar esses mapas, copiará também esses erros e... está apanhado!

A razão da reserva sobre as cerimónias prende-se com a eficácia dos efeitos que se pretende tenham sobre aqueles que por essas cerimónias passam. Já tive oportunidade de desenvolver este assunto no texto A Iniciação (I).

Quanto o teor concreto das reuniões, a razão da sua reserva é puramente pragmática e equivalente às razões porque as empresas não divulgam o teor concreto das reuniões dos seus quadros, as associações não publicam o teor concreto das reuniões dos seus corpos directivos, os partidos políticos reservam para os seus militantes as suas reuniões deliberativas e de preparação e acerto de estratégias, a Cúria Roma não divulga o teor concreto das reuniões entre o Papa e os Cardeais e todos nós reservamos para a intimidade da nossa casa e não divulgamos a terceiros muito do que falamos entre a nossa família. Em todos os casos, não por razões condenáveis, mas porque corresponde à reserva da vida privada de pessoas e instituições. Se é assim em relação à generalidade das pessoas e instituições, não há razão para assim também não ser em relação à Maçonaria...

Fora deste limitado quadro, tudo é divulgável, publicável, explicável. E nós, aqui no blogue A Partir Pedra, consideramos que é bom, é saudável, é vantajoso para a Maçonaria e para a sociedade, que, fora do apontado e limitado quadro, se divulgue, publique e explique a Maçonaria, seus princípios, suas formas, seus objectivos, seus anseios, seus projectos, suas realizações, grandes ou pequenas, importantes ou modestas.

Como se explica, então, que como JPM/David referiu, persista o "nevoeiro" atrapalhando a visão do profano?

A resposta é simples, se JPM/Davis e restantes profanos que nos lêem e sentem a mesma frustração puserem a si próprios a seguinte pergunta: Como se descreve a um cego de nascença a cor verde?

Há coisas que só são plenamente compreendidas por quem as vive! Não é por acaso que é frequente, quando descrevemos a alguém algo que reputamos de extraordinário, de incomum, de anormal, utilizarmos a expressão Isto só visto!...

Por mais que se procure ser esclarecedor, a complexidade e a riqueza da vivência maçónica é tal que só pode ser plenamente apreendida por quem... a vive! E nem valeria a pena, sequer, por exemplo, descrever pormenorizadamente todos os gestos, actos, palavras, de, por exemplo, uma Cerimónia de Iniciação, qual guião. Seria um texto loooongo, maçador e que apenas serviria para retirar alguma surpresa e inviabilizar algum do significado da cerimónia, sem com isso permitir a apreensão da atmosfera, do ambiente, das emoções, dos efeitos que essa cerimónia, bem executada, provoca naquele que por ela passa.

No entanto, procurei, no texto A Iniciação (II) enquadrar conceptualmente esta cerimónia e assim dar a quem está de fora a possibilidade de ter alguma noção do que se faz e porque se faz. Fi-lo o melhor que pude e soube. Mas nunca conseguiria, por tal ser inexequível, transmitir para quem não passou por essa cerimónia, o acervo de emoções, sensações, sentimentos, que ela provoca e se destina a provocar. Porque... só visto!, ou melhor, só vivido, porque não é possível descrever uma cor a quem nunca viu e não tem pontos de referência que lhe permitam apreender o conceito de cor, muito menos a sua aplicação a uma cor determinada.

Isto faz com que muitos dos textos que aqui publico acabem por ter uma característica curiosa: são textos com dois níveis de entendimento. Um por quem está de fora, o outro por quem está dentro. Não imaginam a quantidade de vezes que um Irmão meu me comentou: tu, no texto tal, divulgaste tudo, ficou tudo dito... E, normalmente eu peço ao Irmão que faz esse comentário para reler o texto que apontou, não à luz do que sabe, do que viveu, do que apreendeu, mas como se ainda fosse o profano que um dia foi e verifique se com esse texto consegue chegar ao que sabe, viveu e apreendeu. E invariavelmente a resposta é que, afinal, quem não estiver por dentro do assunto, não consegue ter do texto o mesmo entendimento que aquele que o conhece.

Mas isto não é propositado. É simplesmente um facto da vida!

Para terminar, fique JPM/David descansado: não foi ridículo, não ofendeu - foi oportuno e deu pretexto para uma série de textos que espero tenham sido esclarecedores, tanto quanto possível.

E não é precisa uma secção Discutindo com o profano. Todo este blogue se destina a essa interactividade. Por isso todos os comentários são apreciados e procuramos responder. Às vezes também em comentário. Às vezes em textos suscitados por comentários havidos.

Rui Bandeira

12 fevereiro 2008

Do UM


Há dias, numa troca de correspondência electrónica, o meu interlocutor interrogava-se e interrogava-me sobre os eventuais limites ou requisitos mínimos que a Maçonaria Regular colocasse na, para ela indispensável, crença num Ser Supremo. E, indo mais longe, interrogava-se e interrogava-me sobre diversas características ou concepções da Divindade que vira na Wikipédia e se seria admitida uma concepção fluida que considerasse o Universo, ou a Energia, como Deus. No fundo, fazia, de forma mais rebuscada a pergunta que toda a Humanidade faz ao longo dos tempos: Quem ou o que é Deus, qualquer que seja o nome que se lhe dá, Ser Supremo, Criador, Grande Arquitecto do Universo, etc.?

Enviei-lhe a minha resposta. Relendo-a, achei que valeria talvez a pena deixá-la também aqui.

Não há autoridade que fixe "requisitos mínimos" para o Ser Supremo, obviamente. Até porque, a haver, teria que ser mais "suprema" que o "Supremo"... As características do Criador são as que Ele tem e que nós não sabemos quais são. Esse é parte do Mistério da Vida e da Criação...

Todas as características que viu na Wikipédia são elocubrações humanas, cada uma tão válida ou tão errada quanto a anterior.

A concepção do Criador que cada um tem é tão válida como a do parceiro do lado.
Em termos de Maçonaria, no meu entender, o que divide a corrente Regular da Liberal é a aceitação desta de ateus.

E essa diferença torna-se crucial na medida em que dela depende a razão por que se trabalha e se busca o aperfeiçoamento.

Se se é crente, então procura-se seguir o Caminho Ético determinado ou que decorre do Plano e do Objectivo da Criação. Porventura como condição necessária para uma repurificação que permita a reunificação estrutural com o Princípio Criador - o que equivalerá à Vida Eterna, ao Paraíso, enfim, às várias formas de "recompensa" que as várias religiões apresentam.

O Maçon Regular procura aperfeiçoar-se para se transcender, para se aproximar do nível superiormente ético da Divindade. Busca a superação do humano na direcção do divino. E "assim se vai da lei da morte libertando", assim não teme a Morte, etapa da Vida como o Nascimento, o Crescimento, a Maturidade. Assim crê que a Morte não é o Fim e que depois algo há. Porventura não sabe o quê, mas sente, intui, acredita que quanto mais eticamente se tiver purificado e aperfeiçoado, mais bem preparado estará, chegada a altura, para cumprir mais essa outra etapa do Ciclo da Vida e da Criação.

O ateu, porque não crê na Divindade, acredita que a Morte é o Fim e que a Vida não tem outro sentido do que passar por aqui enquanto aqui se está. Então o seu sentido ético só existe na medida em que tem utilidade ao passar e estar por aqui. É um sentido ético utilitário.

Daí o eu entender que a Maçonaria Regular e a Liberal seguem o mesmo Caminho, mas a Maçonaria Regular vai mais além do que a Liberal.

Agora, não tenho eu, nem nenhum maçon, o direito de "determinar" como é a Divindade, quais as suas características, etc. Pela simples razão de que não Sei, só Creio. E não há razão para a minha Crença ser melhor do que a de qualquer outro. Daí que o que importa é que haja Crença, que se acredite na Vida para além da Morte e que se busque o significado da Criação e da Vida, procurando transcendermo-nos das nossas humanas limitações. Um pouco que seja.

A Maçonaria Regular é um espaço aberto a todos os crentes, independentemente da sua crença. A Maçonaria Liberal é um espaço apenas ético. A Maçonaria Regular é isso e algo mais.

Se se acredita que o Universo é Deus, então, como fazemos parte do Universo, nós somos parte de Deus. Resta saber que parte... Trabalhemos então para não ser meros detritos orgânicos da Divindade, radicais livres a esmaecerem a Sua pele e procuremos antes ser moléculas úteis...

Rui Bandeira

11 fevereiro 2008

José Manuel Severino, maçon leal


José Manuel Severino era jornalista de um diário matutino. Era um aficionado da Festa Brava, sabedor e entusiasta. Partilhava esse interesse com o Grão-Mestre fundador, Fernando Teixeira e com Manuel A. G., que foi o quinto Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues.

O José Manuel Severino chegou à Loja Mestre Affonso Domingues pela mão do Manuel A. G. e com o beneplácito do Grão-Mestre fundador. Nutria por eles grande amizade. Devotava grande lealdade a Fernando Teixeira. Aquando da crise da secessão, era Companheiro. E acompanhou aquele, juntando-se-lhe e aos demais elementos que cindiram, na Casa do Sino. Essa sua decisão foi por todos respeitada e compreendida. Afinal de contas, a relação de amizade que mantinha com Fernando Teixeira, a devoção que lhe demonstrava, tornavam natural essa opção.

Fernando Teixeira acabou por não sobreviver muito tempo depois da cisão. Com o seu desaparecimento, José Manuel Severino deixou de ter motivação para continuar onde, por simples lealdade ao seu amigo, o acompanhara. E José Manuel Severino entendeu por bem regressar à sua Loja, regressar à Loja Mestre Affonso Domingues. Quando saíra e nas circunstâncias em que saíra, tinha ficado estipulado que a porta estava sempre aberta para quem quisesse regressar, quando o quisesse fazer. José Manuel Severino fez-nos saber que, cessada a razão que o levara a sair, liberto que estava do que a Lealdade lhe ditara, pretendia que o compromisso que a Loja tomara fosse honrado.

E foi-o, sem qualquer problema! Aliás, o único problema que se pôs foi que José Manuel Severino saíra Companheiro e regressava Mestre. Que fazer? Não reconhecer a sua Elevação e tornar a efectuá-la? A decisão tomada foi judiciosa. Não fazia sentido executa de novo a Cerimónia de Elevação a Mestre do Severino. Tal como a Iniciação, o significado da Cerimónia de Elevação para aquele que a ela é submetido depende muito da surpresa. Repetir a cerimónia mais não seria do que um estéril formalismo. Por outro lado, a informação que havia era que a Cerimónia de Elevação do Severino fora executada de forma ritualmente correcta. Portanto, optou-se por efectuar uma breve cerimónia de Regularização do grau conferido ao Severino, com prestação por este de compromisso, perante a Loja, de observância dos deveres inerentes ao grau de Mestre.

E, para satisfação de todos, o José Manuel Severino regressou ao seio da Loja Mestre Affonso Domingues. Com ele, tal como com outros, se concretizava o nosso sentimento de que uma vez um dos nossos, um dos nossos para sempre!

No ano seguinte ao seu regresso, assumiu um ofício. Normalmente, daí por mais um ou dois anos ingressaria na informal “linha de sucessão” que um dia o levaria à assunção do ofício de Venerável Mestre.

Infelizmente as circunstâncias não permitiram tal. José Manuel Severino não era já um jovem. A sua saúde deteriorou-se e deixou de poder comparecer em Loja com assiduidade. Um dia de Setembro – se a memória me não falha -, chegou-nos a notícia da sua passagem ao Oriente Eterno. Nessa ocasião, era eu quem assegurava o ofício de Hospitaleiro da Loja e, portanto, coube-me a mim representá-la nas suas exéquias.

De José Manuel Severino a memória que guardo é da sua Lealdade. Lealdade que o fez sair. Lealdade que, cessada a razão que o fizera sair, o levou a regressar.

José Manuel Severino foi um dos nossos. Recordo-o como um maçon leal. E aqui como tal o evoco.

Rui Bandeira

10 fevereiro 2008

Capturar o Vento

Meus Queridos Irmãos, visitantes, leitores habituais ou ocasionais, estamos no fim, do fim de semana.

É pois um bom momento para prepararmos a semana que está a entrar, para a grande maioria uma semana de trabalho e de preocupação. Este vídeo, certamente, será mais interessante para os que já forem avós, mas a sensibilidade não tem dono, nem idade apropriada, nem sexo, nem época.

É de todos, os que forem humanos. Os outros não, claro !

Aproveitem a dar uma olhada e se sentirem alguma coisa... guardem-no e voltem a ele sempre que as dificuldades parecerem intransponiveis. Pode ser um tubo de escape interessante. A questão é, se podemos "capturar o vento", e está provado que sim, então tudo é possível. É só querermos, imaginarmos, e fazer valer a nossa vontade.

É um anúncio ? E depois ? Vale menos por causa disso ?

Não (!), se calhar até vale mais porque o ambiente e a poupança da energia são uma boa causa.

Um abraço grande. Boa semana.

JPSetúbal

08 fevereiro 2008

O cão e o coelho

O texto que hoje aqui vos deixo é uma adaptação minha de um texto, de origem desconhecida, que circula por aí. Já o recebi várias vezes. Provavelmente alguns de vós também já o receberam mais de uma vez. Mas talvez agora, sem imagens, apenas com o texto, propicie a reflexão que merece. Enquanto procurava uma imagem para ilustrar o tema, verifiquei que já vários blogues publicaram variantes deste texto. É bom sinal: é sinal que vem tocando a muita gente. Também tem lugar aqui!

Era uma vez dois vizinhos. O primeiro vizinho comprou um coelhinho para os seus filhos cuidarem e com ele brincarem. Os filhos do outro vizinho pediram então ao pai que também ele lhes arranjasse um animal para eles cuidarem e com que pudessem brincar. O pai comprou-lhes um cão, um pastor alemão.

O primeiro vizinho mostrou-se preocupado que o cão pudesse vir a comer o coelho. O segundo vizinho sossegou-o, dizendo que certamente não iria haver qualquer problema, pois adquirira o cão ainda cachorro e este iria crescer habituado com o coelho e seriam bons amigos e companheiros de brincadeira, como os filhos de ambos os vizinhos eram.

E aparentemente o dono do cão tinha razão: ambos os animais cresceram juntos e tornaram-se amigos e companheiros de brincadeira. Era normal encontrar o coelho no quintal do cão e este no daquele.

Um dia, a família que tinha o coelho foi passar o fim de semana fora e deixou ficar o coelho sozinho.

Na tarde de domingo, a família que tinha o pastor alemão viu-o, horrorizada, entrar na cozinha segurando entre os dentes o cadáver imundo, sujo de terra, do coelho. Desgostados, deram uma tareia monumental ao cão.

Diziam uns para os outros que afinal o vizinho tinha razão nos seus receios e certamente iria culpá-los e responsabilizá-los pela morte do coelho. Decidiram procurar ocultar o acto do seu cão. Lavaram o cadáver do coelho, secaram-lhe o pêlo com o secador, deixaram-no limpinho e bem parecido e assim o puseram na sua casota, no quintal do vizinho. Parecia vivo e apenas dormindo uma soneca. Talvez os vizinhos pensassem que morrera durante o sono...

Entretanto, o cão, abandonado a um canto, desprezado, lambia tristemente as feridas e as pisaduras que sofrera com a grande sova que levara.

Pouco depois, sentiram chegar, regressada da viagem de fim de semana, a família dona do coelho. E alguns minutos após, ouviram as crianças a gritar. Já viram o coelho! - pensaram.

Cinco minutos depois, o vizinho batia-lhes à porta. Estava assustado. Parecia que tinha visto um fantasma. Estava branco como a cal da parede...

- O que foi? Que cara é essa?

- O coelho, o coelho...!

- Que tem o coelho?

- Morreu...!

- Morreu? Ainda hoje de manhã parecia tão bem...

- Morreu na sexta-feira!

- Na sexta???

- As crianças enterraram-no ao fundo do quintal, antes de partirmos de fim de semana. E agora reapareceu na casota, lavado e limpinho...!

A história termina aqui. O que aconteceu depois não importa! Mas a grande personagem da história é o pastor alemão. Imaginem-no, procurando ansiosamente desde sexta-feira o seu amiguinho coelho. Finalmente, na tarde de domingo, graças ao seu faro, encontrou o local onde estava enterrado. Escava-o, retira de lá o corpo do coelho e leva-o aos donos, talvez confiante e esperançado em que estes o conseguissem reanimar e fazer reviver...

Mas estes, que fizeram? Julgaram pelas aparências. Ignoraram todo o tempo de concórdia entre os dois animais. Julgaram! E julgaram mal! Porque não julgaram com todos os factos, antes com os seus preconceitos! Mas não se coibiram de julgar, de condenar e de castigar...

Quantas vezes tiramos conclusões erradas das situações, julgando-nos donos da verdade! E quantas vezes esse nosso injusto julgamento prejudica, fere alguém, assim vítima da nossa injustiça?

Que esta pequena história venha à mente de quem a ler sempre que estiver à beira de fazer um juízo precipitado e, talvez, injusto. E o faça respirar fundo, pensar melhor, informar-se mais, ponderar toda a informação. E continuará a poder então decidir! Porventura um pouco de calma e ponderação evitarão injustiças causadas por precipitação. E, afinal de contas, se houver culpados a punir, não serão mais uns momentos de ponderação, mais umas diligências de confirmação ou obtenção de dados, que impedirão a punição, agora com maior certeza de que não será injusta!

Rui Bandeira

07 fevereiro 2008

Porque se vai à Loja


A pergunta sobre as razões porque os maçons vão à Loja, gastando tempo que, não fora essa utilização, dedicariam à sua família, ao lazer ou a outras actividades a que se dediquem, tem tantas respostas quantos os maçons. Em boa verdade, cada um tem as suas razões para ir à Loja.

Uns vão em busca do conhecimento, dos ensinamentos que a Maçonaria proporciona.

Outros buscam o convívio, rever os seus Irmãos, com eles estar e partilhar um ágape, em amena cavaqueira.

Outros ainda procuram na Loja a estrutura que corresponde aos seus anseios de serem úteis à Sociedade e aos seus semelhantes, utilizando a Loja como meio de enquadramento da sua vontade de devolver à Sociedade um pouco do que esta lhes proporciona.

Também há os que vão à Loja simplesmente cumprir o seu dever de maçons, assegurar o cumprimento das obrigações que assumiram, efectuar as tarefas cuja execução assumiram.

Há também aqueles que, na Loja, no seu espaço, nos seus símbolos, no seu ritual, encontram espaços e tempos de comunhão com o Divino, com o Transcendente.

E existem também aqueles que anseiam por uns momentos de simples e pacata Paz, que procuram a companhia de seus Irmãos e a sua estada no espaço do Templo com confiança, encontrando um oásis de segurança e comunhão, que os compensam das agruras, dos desafios, da tensão da sua vida do dia a dia.

E outros buscarão coisas e estados e espaços diferentes.

O que a Loja tem afinal, de extraordinário é uma infinita capacidade de proporcionar a cada um o porto de abrigo, o espaço de segurança, o caminho de busca, o tempo de convívio, a estrutura de actividade ou contemplação ou investigação ou busca que cada um necessita.

O que, no fundo, a Loja é, é um espaço de suprema Liberdade e Tolerância, em que cada um pode realizar-se e deixar os outros realizar-se, cada um à sua maneira e segundo as suas características e necessidades. É um espaço de cooperação, em que cada um contribui para a realização e melhoria dos outros, beneficiando ele próprio do contributo dos demais. É um ponto de encontro, simultaneamente ponto de partida e encruzilhada de variegados interesses individuais, que constituem um rico interesse colectivo. É a bissectriz do individual e do colectivo, de tal forma equilibrada que permite que ambos cresçam e cooperem e mutuamente se alimentem. É, em suma, a Utopia possível, a concretização do inconcretizável, equilíbrio instavelmente estável de múltiplos interesses e egoísmos, numa matriz que a todos enquadra satisfatoriamente. É um delicado bordado de mil linhas e infinitas cores, executado por inúmeras mãos, extraordinariamente resultando numa harmoniosa composição. É tudo isto e ainda mais o que cada um quiser, desde que respeite os interesses e anseios dos demais e do conjunto por todos constituído.

Esta singular plasticidade da Loja faz dela um duradouro cimento que une homens de diferentes temperamentos, de diversas gerações, de divergentes culturas, de separadas religiões, de conflituantes convicções, gerando laços de solidariedade e confiança que imutavelmente duram há centenas de anos.

É por isso que sempre se marca bem, sempre da mesma forma, sempre com o mesmo ritual, a abertura dos trabalhos, delimitando invisível mas sensivelmente o espaço e o tempo e a cumplicidade da Loja e dos seus elementos em relação a tudo e a todos que lhes é exterior. É por isso que, findos os trabalhos, de novo, sempre e da mesma forma, se executa um ritual de encerramento, que marca o fechar e preservar desse espaço e tempo e cumplicidade próprios e exclusivos, preparando cada um para voltar a actuar no mundo exterior, só que mais forte, mais sabedor, mais capaz de ver beleza onde o olhar comum nada de especial vê.

A Loja é um espaço onde cada um dá o que pode e vai buscar o que necessita.

É por isso que cada um sabe porque vai à Loja e, afinal, existem tantas razões para um maçon ir à Loja como maçons existem à face da Terra.

Rui Bandeira

06 fevereiro 2008

Loja Luz do Oriente (Macau)

A Loja Luz do Oriente (Macau) é uma estrutura maçónica sediada naquele território outrora sob administração portuguesa, que trabalha sob os auspícios da Grande Loja Legal de Portugal/GLRP. Trabalha no Rito Escocês Antigo e Aceite. Originada no Triângulo Luz do Oriente, criado pelo Decreto n.º 99 do Muito respeitável Grão-Mestre da GLLP/GLRP, reúne como "Loja Justa" (mas ainda não Perfeita) desde 6 de Junho de 2007. As suas reuniões têm lugar em Macau, no terceiro sábado de cada mês. Tanto quanto sei, o seu funcionamento ainda se baseará na autorização de funcionamento como Triângulo que o Muito Respeitável Grão-Mestre da GLLP/GLRP concedeu pelo mencionado Decreto, porquanto o seu processo de instalação não está concluído. Não dei conta ainda da publicação do Decreto de Constituição da Loja e atribuição do respectivo número e, naturalmente, a respectiva carta-patente estará por emitir, faltando ainda realizar a devida Cerimónia de Consagração.

Um Triângulo funciona com um mínimo de três elementos e busca, precisamente, criar as condições para a criação de uma Loja. A partir da altura em que um Triângulo adquire a dimensão necessária para se transformar em Loja, pode-se iniciar o respectivo processo de Constituição e Consagração como tal. Desde meados de 2007 que o número de maçons agrupados no Triângulo Luz do Oriente será suficiente para ocorrer a sua transformação em Loja. Daí a menção de que estará, desde essa altura, a funcionar como "Loja Justa" (mas ainda não Perfeita). Em bom rigor, a designação como "Loja" ainda não será adequada, pois ainda se trata de uma "Loja em constituição", mas compreende-se o anseio e a motivação...

Como sei eu tudo isto? Através do blogue Loja Luz do Oriente (Macau) e do primeiro texto nele inserido, em 17 de Janeiro último! O blogue é escrito em inglês. Em português, só encontrei o segundo texto do blogue, que dá algumas referências sobre o Muito Respeitável Grão-Mestre. Mas o título do texto está em inglês (The Grand Master of Our Lodge)...

É um blogue que, estando ainda no seu início - menos de um mês de existência - apresenta uma assinalável frequência de textos, treze entre 17 e 31 de Janeiro - o A Partir Pedra publicou quinze textos no mesmo período. E, até segunda-feira última, três em Fevereiro, tantos quantos os textos publicados em igual período no A Partir Pedra. Uma frequência de publicação, similar à deste blogue, que se espera continue no mesmo ritmo.

É para nós uma satisfação muito grande darmos conta do aparecimento de mais um blogue ligado a uma Loja (por enquanto ainda formalmente um Triângulo) da GLLP/GLRP. Neste caso, em dois pontos quase opostos do globo, em duas línguas diferentes, duas estruturas trabalham sob os auspícios da GLLP/GLRP, no mesmo rito e ambas procurando que o seu trabalho resulte na Glória do Grande Arquitecto do Universo.

O blogue, no espaço dedicado aos atalhos, sob a designação de Lodge Affonso Domingues, disponibiliza um atalho para o A Partir Pedra. Bom, em bom rigor, no momento em que escrevo, o atalho aponta para o arquivo de Março de 2007 do A Partir Pedra, mas certamente que oportunamente será corrigido o endereço, de forma a apontar para a página de entrada do nosso blogue...

Os textos publicados são interessantes e informativos. Vale a pena passar a diariamente consultar este blogue, que, a partir de agora, vai passar a constar da nossa lista de atalhos.

Rui Bandeira

03 fevereiro 2008

TIPOS DE MAÇOM

Continuando a aproveitar o descanso do "guerreiro" e o tempo disponivel do fim de semana, cá estou mascarado de trabalhador.
Um dos anteriores VM da Mestre Affonso Domingues enviou-me uma lista de definições de Maçon, anotando que em alguma dessas definições deveria estar incluido.
Claro que o nosso querido LRD está incluido numa delas, e para castigo dele mas alegria nossa, incluo-o na última !

A mensagem que Ele me enviou é a que segue:


Como em todas as Organizações, podemos afirmar que também na Maçonaria não somos todos iguais. Existem, informalmente, diversos tipos de maçons que se caracterizam pelos seus comportamentos. De conformidade com as suas maneiras de se comportarem em relação à Instituição, vários tipos de Maçom vamos evidenciar.

SUPERMAÇOM - Este é o que conhecemos, geralmente, como um figurão . Como sempre, amável e educado. Na vida profana ocupa posições de relevo; talvez por isso não tenha tempo nem se sinta obrigado a frequentar os nossos trabalhos. A Tesouraria quase sempre está em dificuldades com ele; entretanto, sempre tem os seus defensores devido à posição de destaque que ocupa no mundo profano.

MAÇOM SATÉLITE - Também não é amigo da frequência, mas é prestimoso, amável, contribui sempre e generosamente quando solicitado. Não emite opiniões, não vive a vida da Loja, não procura criar casos. Embora prime pela ausência, os Responsaveis nunca estão dispostas a enquadrá-lo porque no fim das contas é um bom sujeito, sempre disposto a colaborar, sempre pronto a ajudar um Irmão.

MAÇOM ENCOSTO - Também conhecido como irmão coitado, é carinhoso, chegado, gosta de se fazer de vítima, para ter apoio ou conseguir favores, que às vezes nem necessitaria realmente, aluga a Loja, mas na hora em que se precisa do retorno, ainda não retornou.

MAÇOM 'NÃO SEI PORQUE' - 'Não sei porque ele ainda é maçom; nem você, e talvez nem ele saiba'. Não comparece; não colabora; dá trabalho ao Tesoureiro; critica o que se faz e o que deixou de ser feito; ninguém sabe por que ele entrou e como conseguiu galgar os diversos graus; porque ali permanece e porque demoram em eliminá-lo.

MAÇOM 'PASTOR' - É aquele que se acha a última reencarnação Crística, quando começa a falar não pára mais, deveria fundar uma seita e não pertencer a Maçonaria; não aceita contradições, 'conhece tudo', 'sabe tudo' ou já 'viveu isso', quer que os irmãos pensem que existem duas maçonarias, antes e depois de sua iniciação, fala pelos cotovelos e não diz nada, poderia ser chamado de Maçom Enche Saco!

MAÇOM DA SEGUNDA-FEIRA - Também poderia ser chamado de Maçom Standart. Comparece pontualmente a todas as reuniões. Maçonaria para ele se resume nisso: fica no seu lugar, não quer encargos, comissões, enfim não quer trabalhar. Não apresenta propostas; não entra em debates, discussões; nunca apresenta trabalho de cunho maçónico. Participa das votações porque é obrigado. O único serviço que presta à Loja é ser pontual com a tesouraria e dar boa referência às reuniões.

MAÇOM CIFRÃO - Também conhecido como Maçom Comercial, é aquele que está na Maçonaria apenas para vender o seu peixe, os irmãos não passam de clientes, comparece pontualmente a tesouraria para mostrar que está bem, não conhece nada de maçonaria, não lê nada, não faz nada que não venha a render alguma medalha cunhada.

MAÇOM BUFÃO - É aquele que não leva ninguém a sério, muito menos a Maçonaria, é alegre, de conhecimento profundo, só piadas, seria um excelente irmão se vivessemos apenas de ágapes.

MAÇOM COMUM - É aquele Maçom que comparece, ajuda, estuda, realiza na vida profana e familiar, esta sempre a disposição quando solicitado, não se envolve em confusões, nem as cria, é o verdadeiro obreiro, um óptimo espelho para os outros.

MAÇOM DONO DA BOLA - Geralmente ex-veneráveis forçados, não conseguem deixar o cargo e não largam o pé do actual Venerável Mestre, e quando possível fazem questão de dizer que na sua gestão era assim ou assado. Melhores que eles para dirigirem a Loja, ninguém. Acham-se donos da Loja, não admitem que se faça nada sem sua autorização ou consulta, e se isso acontecer, ficam contra o projecto. Irmãos de verdade para eles, somente aqueles que os apoiam.

MAÇOM DEDICADO - Finalmente o Maçom com 'M' maiúsculo, sem subtítulos. Comparece às reuniões, vive os problemas da Loja, procura trabalho. Não rejeita encargos nem tarefas, aponta erros, aplaude êxitos. Assume responsabilidades sem segundas intenções. Não procura impor as suas opiniões. Muitas vezes se aborrece, se desilude, mas, na próxima sessão, lá está de novo incansável. É o 'que carrega a Loja às costas'. Procura estudar os rituais, o simbolismo, a filosofia maçónica. Não vive a exaltar os seus feitos para chamar atenção, nem a criticar os outros. O que seria da Loja e da Maçonaria se não existisse esta consciência?
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Como se constata não há diferenças entre os possíveis tipos de Maçon e os de profano.
E porque deveria haver ?
A massa é a mesma, portanto a Maçonaria só pode refletir o mundo exterior, desejavelmente para muito melhor. O que lamentamos profundamente é que o "mundo exterior" não reflicta a Maçonaria.
A Humanidade seria mais justa e feliz.
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JPSetúbal

02 fevereiro 2008

Virtual... Mas Dolorosamente Real!

Já tive este texto há algum tempo comigo, entretanto perdi-o e hoje entrou-me, de novo, caixa do correio dentro.
É Sábado de Carnaval e o assunto é muito pouco adequado à quadra.

Será ?

Como durante o fim de semana o Rui faz merecida gazeta, resolvi publicar, mesmo correndo o risco de nada haver de novidade.
Não sei quem é o autor

Entrei apressado e com muita fome num restaurante. Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, porque queria aproveitar os poucos minutos de que dispunha naquele dia, para comer e acertar alguns bugs de programação num sistema que estava a desenvolver. E também planear a minha viagem de férias, coisa que já há muito tempo não sei o que é.Pedi um filete de salmão com alcaparras em manteiga, uma salada e um sumo de laranja. Abri o meu portátil e apanhei um pequeno susto com aquela voz baixinha atrás de mim:— Senhor, não tem umas moedinhas?— Não, não tenho, menino.— Só uma moedinha para comprar um pão.— Está bem, eu compro um.Para variar, a minha caixa de entrada está cheia de e-mails. Fico distraído a ver poesias, as formatações lindas, rindo com as piadas malucas. Ah!... Esta música leva-me até Londres e às boas lembranças de tempos áureos. — Senhor, peça para colocar fiambre e queijo.Percebo, nesse momento, que o menino tinha ficado ali.— OK. Vou pedir, mas depois deixas-me trabalhar, estou muito ocupado, está bem?Chega a minha refeição e, com ela, o meu mal-estar. Faço o pedido do menino, e o empregado pergunta-me se quero que mande o menino ir embora. O peso na consciência, impede-me de lhe dizer que sim. Digo que está tudo bem. Deixe-o ficar. Que traga o pão e, mais uma refeição decente para ele. Então sentou-se à minha frente e perguntou:— Senhor o que está fazer?— Estou a ler uns e-mails.— O que são e-mails?— São mensagens electrónicas mandadas por pessoas via Internet — sabia que ele não ia entender nada, mas, a título de livrar-me de questionários desses… — É como se fosse uma carta, só que via Internet. — Senhor você tem Internet?— Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.— O que é Internet?— É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem de tudo no mundo virtual. — E o que é virtual?Resolvo dar uma explicação simplificada, sabendo com certeza que ele pouco vai entender e deixar-me-ia almoçar, sem culpas.— Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos tocar, apanhar, pegar... É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos as nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse. — Que bom, isso. Gostei!— Menino, entendeste o significado da palavra virtual ?— Sim, também vivo neste mundo virtual.— Tens computador?! — Exclamei.— Não, mas o meu mundo também é vivido dessa maneira... Virtual. A minha mãe fica todo dia fora, chega muito tarde e quase não a vejo. Eu fico a cuidar do meu irmão pequeno que vive a chorar de fome e dou-lhe água para ele pensar que é sopa. A minha irmã mais velha sai todo dia também, diz que vai vender o corpo; mas não entendo, porque ela volta sempre com o corpo. O meu pai está na cadeia há muito tempo, mas imagino sempre a nossa família toda junta em casa, com muita comida e muitos brinquedos de Natal e eu a estudar na escola para vir a ser um médico um dia. Isto é virtual não é senhor?! Fechei o portátil, não conseguindo impedir que as lágrimas caíssem sobre o teclado.Esperei que o menino acabasse de literalmente "devorar" o prato dele, paguei, e dei-lhe o troco. Retribuiu-me com um dos mais belos e sinceros sorrisos que já recebi na vida e com um "Brigado senhor, você é muito simpático!". Ali, naquele instante, tive a maior prova da virtualidade insensata em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel nos rodeia de verdade e fazemos de conta que não percebemos !
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JPSetúbal
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PS (de "post scriptum") - O nosso incansável e atentíssimo visitante "Simple" deixou-me um comentário com o "chá"...
Meu Caro, agradeço vivamente a ajuda porque obviamente este texto merece um autor. E neste caso uma autora, ROSA PENA. Ainda bem. Obrigado. Um abraço.

01 fevereiro 2008

A janela


Hoje, e antes de uma pausa, motivada por ausência minha até quarta-feira, publico mais uma história, de autor desconhecido, que me chegou por correio electrónico, por mim editada e adaptada

Dois homens, ambos gravemente doentes, estavam no mesmo quarto de hospital. Um deles podia sentar-se na sua cama durante uma hora, todas as tardes, para que os fluidos circulassem nos seus pulmões. A sua cama estava junto da única janela do quarto. O outro homem tinha de ficar sempre deitado de costas.

Os homens conversavam horas a fio. Falavam das suas mulheres, das famílias, das suas casas, dos seus empregos, onde tinham passado as férias. E todas as tardes, quando o homem da cama perto da janela se sentava, passava o tempo a descrever ao seu companheiro de quarto todas as coisas que conseguia ver do lado de fora da janela.

O homem da cama do lado começou a viver à espera desses períodos de uma hora, em que o seu mundo era alargado e animado por toda a actividade e cor do mundo do lado de fora da janela.

O homem da cama perto da janela descrevia que esta dava para um parque com um lindo lago. Patos e cisnes chapinhavam na água enquanto as crianças brincavam com os seus barquinhos. Jovens namorados caminhavam de braço dado por entre as flores de todas as cores do arco-íris. Árvores velhas e enormes acariciavam a paisagem e uma ténue vista da silhueta da cidade podia ser vislumbrada no horizonte. Enquanto o homem da cama perto da janela descrevia isto tudo com
extraordinário pormenor, o homem no outro lado do quarto fechava os seus olhos e imaginava as pitorescas cenas.

Um dia, o homem perto da janela descreveu um desfile que ia a passar. Embora o outro homem não conseguisse ouvir a banda, conseguia vê-la e ouvi-la na sua mente, enquanto o outro senhor a retratava através de palavras bastante descritivas.

Dias e semanas passaram. Uma manhã , quando a enfermeira chegou ao quarto, encontrou o corpo sem vida do homem perto da janela, que tinha falecido calmamente enquanto dormia.

Logo que lhe pareceu apropriado, o outro homem perguntou se podia ser colocado na cama perto da janela. A enfermeira disse logo que sim e fez a troca. Lentamente, e cheio de dores, o homem ergueu-se, apoiado no cotovelo, para contemplar o mundo lá fora. Fez um grande esforço e lentamente olhou para o lado de fora da janela que dava, afinal, para uma parede de tijolo!

O homem perguntou à enfermeira o que teria feito com que o seu falecido companheiro de quarto lhe tivesse descrito coisas tão maravilhosas do lado de fora da janela. A enfermeira respondeu que o homem era cego e nem sequer conseguia ver a parede. Talvez quisesse apenas dar-lhe coragem...

Moral da história: há uma felicidade tremenda em fazer os outros felizes, apesar dos nossos próprios problemas. A dor partilhada é metade da tristeza, mas a felicidade, quando partilhada, é dobrada.

Façam o favor de ser felizes... e ajudem à felicidade de quem os rodeia!

Rui Bandeira

31 janeiro 2008

O Lançamento de "As Pedras do Vau"


Ocorreu ontem a sessão de lançamento do livro de poesia As Pedras do Vau, da autoria de Martin Guia, o actual Grão-Mestre da GLLP/GLRP.

A Sala de Ambito Cultural do El Corte Inglés foi demasiado pequena para acomodar as centenas de interessados que compareceram. No decorrer da sessão, vários dos poemas do livro foram ditos por Carmen Filomena, daniel Ribeiro, Ellys Almeida, Eunice Santos, Francisco Queiroz, Hermínia Tojal, José Fanha e Mário Máximo, as vozes que declamam todos os poemas do livro, disponíveis em 2 CD's que acompanham o volume. As Pedras do Vau podem, ser lidas ou ouvidas, ou ainda simultaneamente lidas e ouvidas. A qualidade das declamações muito valoriza os textos.

Como eu previa, Martin Guia deve hoje estar em trabalhos de recuperação dos músculos do braço e mão direitos, tantos foram os autógrafos que teve ontem de conceder.

Os poemas do livro espelham a sensibilidade e afectuosidade do poeta, mas também o seu sentido de humor e a sua ironia e ainda a força da sua indignação. Vale bem a pena ler - e ouvir - este livro!

Solicitei, e obtive, de Martin Guia autorização para aqui publicar um dos poemas. Pedi-lhe que escolhesse qual. Escolheu um forte poema com palavras de amarga e desiludida indignação. Hesitou. Temeu que seja demasiado forte. Deu-me a liberdade de escolher eu. Abuso! Vou publicar aqui, não um, mas dois poemas. Primeiro, um escolhido por mim, ilustrativo da ironia do poeta. Depois, o forte poema que ele escolheu.

Apreciem:

Ajoelham, rezam

Ajoelham, rezam
e dizem que tudo dão
para irem parar ao Céu...

mas se lhes dissermos
que quase já lá estão,

gritam Ai Jesus

e fogem dele

como o Diabo da Cruz!

E agora este:

Atocha

El Pozo, Santa Eugenia, ATOCHA, Téllez
Madrid dois mil e quatro, Março onze,
a las siete y media de la mañana...,

Tantos, tantos mortos!

Paseo de Gracias,
Barcelona, dois mil e quatro, Março doze,
a las siete de la tarde

concentração..., comigo somos
quinhentos mil mais um milhão...

... ouvindo:

silencio por favor...
esta es una manifestación unitaria
por favor, silencio... silencio por favor!

Quanto mais silêncio se rogava
mais o Povo gritava:

asesinos, asesinos, asesinos,
asesinos, asesinos, asesinos...

e porque de assassinos se tratava
nesse estrondoso silêncio
mais o Povo gritava:

hijos de puta, hijos de puta,
hijos de puta, hijos de puta...

porque de filhos de puta se tratava!

Também alguns tímidos (para alguns ex-temidos):

el povo unido jamas sera vencido,
el povo unido jamas sera vencido.

A eterna pretensão do eterno vencido!

No al terrorismo, no al terrorismo,
paz si, guerra no, paz si, guerra no,
No al terrorismo, no al terrorismo,
paz si, guerra no, paz si, guerra no,

como se
no abismo deste mundo de massa divisível
a paz total fosse possível...

Novos, velhos, ricos, pobres,
políticos, padres, freiras,
guardas civis, estadistas,
paralíticos, juristas, rameiras,
licenciados, jubilados,
bem fadados, mal fadados...

... todos...

mãos abertas a acenar, braços levantados,
... tais pombas de paz...

num estertor de revolta
a chorar um isto não se faz,

seus filhos da puta... isto não se faz!

Todos unidos, mas já todos desunidos,

na triste graça
de só na desgraça nos aliarmos...
...enquanto dela nos lembrarmos!

E é por estas e por outras que temos na Terra

a merda da guerra,

a puta da luta

e os filhos da puta dos filhos da puta!

Lido, este poema impressiona. Soberbamente dito por José Fanha, num dos CD's, ressuma de força!

O livro e os dois CD's foram editados pela editora Diário de Bordo. Pode ser adquirido na secção de livraria do El Corte Inglés e nas boas livrarias. Vale a pena! Esta amostra é elucidativa!

Rui Bandeira

30 janeiro 2008

Como se faz em Loja

Na minha opinião, o traço distintivo da Maçonaria, o que lhe confere uma identidade única enquanto fraternidade, é a forma como se processa a interacção entre os seus membros e como decorrem as reuniões de Loja.

Já no texto O que se faz em Loja dei conta que todas as reuniões se iniciam com a execução de um ritual de abertura. Tal marca a fronteira, a passagem do bulício da vida quotidiana para a concentração dos trabalhos em Loja. Todos e cada um dos obreiros, com a sua participação no ritual, interiorizam que se vai passar a estar num ambiente diferente, que, por um lado, impõe o cumprimento de regras específicas e, por outro, permite uma postura menos defensiva por todos.

Concentração, colaboração, tolerância, respeito pelo outro e opiniões alheias, ordem, são posturas tão indispensáveis, tão presentes, que rapidamente por todos são interiorizadas e praticadas. Esta postura não prejudica a afirmação das opiniões de cada um nem a expressão de eventuais discordâncias. Nem sequer anula a possível existência de conflitos. Mas permite que cada um expresse em paz e sossego as suas opiniões, dê o seu contributo, concorde ou discorde. Permite que os conflitos se resolvam ou sejam tratados com elevação. Permite e propicia que se discutam ideias, opiniões, não pessoas e características pessoais. Permite que o que cada um afirma seja analisado, discutido, julgado, pelo seu valor, pela sua pertinência, não por ter sido dito por quem o disse, por se gostar ou não gostar de quem o disse. E permite discordar, veementemente se necessário, do que outrem afirmou, sem que tal discordância, veemente embora, seja tomada como ataque pessoal.

Em Loja, a comunicação entre obreiros segue regras simples, rígidas, claras e precisas. Rapidamente aquele que acabou de chegar ao grupo as identifica. E o estrito cumprimento dessas regras conduz à redução de atritos, à boa ordem dos trabalhos, à eficácia, à colaboração. Permite que das ideias de cada um se aproveite o melhor e que a deliberação global seja, portanto, melhor, mais esclarecida, mais aceite, do que as ideias individualmente expressas. Propicia consensos. E, quando estes não são possíveis, permite que todos entendam porque se optou pela solução escolhida, em função de que argumentos se decide o que se decide.

Essas regras não são muitas, são até talvez intuitivas, mas a sua prossecução facilita em muito o processo de discussão e de tomada de decisão, gera a confiança mútua e, por via desta, cria laços de cumplicidade e solidariedade incomuns. Seguir estas regras não deveria ser exclusivo da Maçonaria, porventura não o será. Mas não as vejo comummente seguidas em mais nenhum lado. E eu gostaria, todos os maçons gostariam, que fossem naturalmente prosseguidas em tantos lados, em tantas organizações, quanto possível. Seguramente que a nossa Sociedade melhoraria um pouco...

A primeira das regras é que, salvo movimentações especificamente determinadas pelo ritual, uma vez que cada um tomou o seu lugar, ninguém se movimenta pela sala sem para tal estar autorizado pelo Venerável Mestre e sem ser acompanhado, melhor dito, conduzido por um Oficial da Loja que assume essa como uma das suas missões específicas - o Mestre de Cerimónias. Assim, não há ajuntamentos, não se criam grupos em função de posições em discussão. Cada um tem o seu lugar e permanece no seu lugar. Por si só, esta simples regra induz uma noção de ordem, de sossego, de calma, que obviamente muito ajuda à eficácia dos trabalhos e à prevenção de conflitos.

A segunda das regras é que cada um só intervém apenas e só quando a palavra lhe é concedida. Não se interrompe ninguém! O único elemento que pode interromper qualquer obreiro que esteja no uso da palavra (até o Venerável Mestre!) é o Orador, oficial da Loja cuja função é zelar pela regularidade dos trabalhos, pela preservação do ritual, pelo cumprimento das regras. Só ele pode interromper, assinalando uma falha, uma falta ou um desvio. E a sua intervenção não tem discussão. É acatada e nada mais! Se o não for, ao faltoso é, pura e simplesmente, retirada a palavra! Quando um obreiro pretende usar da palavra, assinala essa intenção com um específico gesto do braço. O Vigilante da coluna respectiva, quando o obreiro que estiver no uso da palavra tiver terminado, informará que existem na sua coluna obreiros que pretendem usar da palavra e esta ser-lhes-á concedida, por ordem de solicitação, sempre mediante prévia anuência do Venerável Mestre. Com o cumprimento desta regra, não há atropelos, não há interrupções, cada um pode, livre e calmamente, exprimir o seu pensamento. Poderá a outro obreiro parecer que quem usa a palavra está a dizer o maior disparate do Mundo. Mas tal não legitima que ele seja interrompido, que não possa expor até ao fim a sua ideia. Depois, poderá quem discorda manifestar-se e justificar porque considera a ideia exposta o maior disparate do Mundo...

A terceira regra é que cada obreiro se dirige ao Venerável Mestre e, através deste, à assembleia, nunca a um outro obreiro em particular. Não há discussões privadas, não há duelos individuais. Há apenas e tão só a exposição e defesa de ideias perante todos. É impressionante como o cumprimento desta regra agiliza a discussão séria de qualquer assunto!

A quarta regra é que se discutem ideias, não pessoas. O obreiro com que eu mais antipatizo pode ter a mais brilhante das ideias. O obreiro que me é mais próximo pode ter uma ideia péssima. Concordar com a primeira não me obriga, por si só, a passar a simpatizar com o seu autor. E discordar de uma ideia só porque não gosto do seu autor, é pura e simplesmente estúpido! E uma relação de especial amizade com alguém não me obriga a concordar com uma sua ideia que seja errada e não me desobriga de assinalar o erro. Pensar, debater e agir racionalmente, esse o objectivo.

A quinta regra é que, em relação a cada assunto, cada obreiro intervém apenas uma vez. Excepcionalmente, se a complexidade do assunto ou o rumo do debate o aconselhar, o Venerável Mestre pode autorizar uma segunda ronda de intervenções. Mas chega e é só. Consegue-se assim debater um tema e chegar a uma conclusão num tempo razoável. Cada um expõe as suas ideias, estão expostas. Só raramente surgirá a necessidade de quem já falou clarificar, aprofundar, o seu pensamento (ou,em função do debate, expressar a modificação da sua posição). Não é útil o repisar de posições, a insistência no que já se disse. Todos ouviram à primeira...

A sexta regra é conhecida: não se discute em Loja política ou religião. Mesmo com toda a tolerância, com todos os cuidados, é melhor prevenir que remediar... E, afinal, a religião de cada um é com cada qual e cada um tem direito a ter as suas opções políticas sem que ninguém tenha nada com isso...

O simples cumprimento destas intuitivas regras (porque será que é tão raro que assim se veja?) permite chegar, em prazos razoáveis, às melhores soluções ou conclusões possíveis, sem ferir pessoas ou os seus sentimentos, propiciando consensos.

E destas discussões efectivamente nasce a luz! E assim, com os sérios contributos de todos, se reforçam os laços de amizade e de fraternidade. E assim cada vez é mais fácil discutir, sem traumas, sem desconfianças, temas cada vez mais sensíveis ou complexos. E assim obtemos os nossos consensos com alegria e assentamos nas nossas discordâncias sem azedume. Porque, sempre!, cada um de nós, acima de tudo, respeita as opiniões alheias e vê as próprias respeitadas, tolera os erros ou as diferenças alheias, como vê os seus próprios erros e idiossincrasias tolerados.

Como se faz em Loja? Com ordem, com regras, com respeito, com tolerância. Em suma, com Harmonia!

Rui Bandeira

29 janeiro 2008

O que se faz em Loja

Talvez a pergunta que mais vezes não maçons fazem a maçons seja: "afinal o que é que os maçons fazem nas reuniões?". Subjacente a esta pergunta está, muitas vezes, o pressuposto de que os maçons certamente levam a cabo secretas, mirabolantes e tortuosas actividades. Como todos os pressupostos infundamentados, que assim mais não são do que preconceitos, este não se aproxima, sequer minimamente, da realidade, que é muito mais simples e prosaica.

Há duas partes das reuniões de uma Loja Maçónica que são sempre fixas e iguais: a abertura e o encerramento, que se processam executando os respectivos rituais. São sempre as mesmas palavras, gestos e actos, que se repetem, reunião a reunião.

Com o ritual de abertura, efectua-se a transição entre a vida exterior, os afazeres pessoais e profissionais de cada um, e o labor de um grupo restrito, focado e fraternal. Assim se processa a concentração de todos e de cada um no trabalho que se vai realizar. Assim se cria a atmosfera de concentração, confiança e harmonia que deve envolver os trabalhos que se vão efectuar na reunião.

Com o ritual de encerramento, efectua-se a transição entre os trabalhos realizados e o prosseguimento da vida em sociedade. Assim se efectua o processo de retorno à vida do dia a dia. Assim se relembra que se vai sair de um círculo restrito, onde impera a confiança e a harmonia, rumo ao cadinho social onde todos nos inserimos, com todos os seus desafios, conflitos e necessidade de se estar com as defesas em guarda.

Entre os dois rituais, de abertura e encerramento, processa-se a verdadeira reunião, que pode, basicamente, ter como objecto trabalho ritual (iniciação de profano, passagem ou elevação de maçons a graus mais adiantados), trabalho de formação (apresentação e discussão de pranchas), trabalho administrativo (organização interna da Loja, arquivos, quotas, etc.) ou trabalho organizativo (de projectos ou actividades em curso ou a levar a cabo).

O trabalho ritual efectua-se executando, em palavras, gestos e actos, o ritual da cerimónia que se realiza. Cada um dos Oficiais de Loja tem uma função determinada, que executa. Quem não tem intervenção na execução do ritual, seja em que qualidade for, assiste.

O trabalho de formação consiste na apresentação e discussão dos variados trabalhos que os maçons efectuam. Em regra, textos, mas podendo ser trabalhos de outra natureza: música, pintura ou escultura, construção de artefactos, trabalhos fotográficos ou audiovisuais, enfim, tudo o que um maçon se tenha sentido com capacidade para criar e que possa contribuir para o seu aperfeiçoamento e o de seus Irmãos. Com este tipo de trabalho, busca-se atingir o objectivo primeiro dos maçons: melhorar, aperfeiçoar-se, crescer intelectual, moral e espiritualmente.

O trabalho administrativo é o mal necessário, a execução das tarefas que bem gostaríamos de não precisar fazer, mas que têm que ser feitas: determinar e debater todos os aspectos organizativos da Loja; tomar conhecimento da correspondência e providenciar quanto a ela; tomar conhecimento de comunicações de outras Lojas e da Grande Loja e determinar as providências a tomar; providenciar quanto ao arquivo, ao quadro de obreiros, à vida financeira e económica da Loja. Embora haja Oficiais cuja função é assegurar a execução diária das tarefas desta natureza (o Secretário, o Tesoureiro, o Arquivista), vai havendo necessidade de algumas decisões serem tomadas pela Loja ou de a Loja ser informada das decisões tomadas pelos Oficiais e dos procedimentos e escolhas por estes efectuados.

Finalmente, o trabalho organizativo é aquele cujos resultados podem ser apreendidos exteriormente à Loja. Por vezes, apenas nas famílias e amigos dos obreiros da loja, por vezes em círculos mais amplos ou na sociedade em geral. Ao longo do ano, as Lojas organizam diversos eventos, desde reuniões, passeios ou visitas, a organização de colóquios, conferências ou debates, desde efectivação de campanhas de recolha de fundos para solidariedade a campanhas de efectivação directa de actos de solidariedade. No caso da Loja Mestre Affonso Domingues, esta tem efectuado, com regularidade, acções de doação de sangue, por vezes isoladamente, por vezes em colaboração com um grupo de escoteiros, organiza anualmente um leilão para recolha de fundos, procede à entrega de bens, adquiridos com os fundos obtidos, que a associação ou associações de solidariedade em cada momento apoiadas(s) indiquem como sendo os que maior utilidade no momento lhe(s) trazem, efectua contactos e visitas a outras Lojas e organiza a recepção a outras Lojas (particularmente em relação às duas Lojas com que está geminada, a Fraternidade Atlântica, da GLNF, e a Rigor, da GLLP/GLRP, organiza e efectua viagens e visitas a monumentos, museus e outros locais de interesse histórico, monumental, artístico ou cultural (nos últimos anos, e a título de exemplo, o Mosteiro da Batalha, o Convento de Cristo, a Zona Histórica de Santarém, Castelo Rodrigo, a Sinagoga de Lisboa), entre outras actividades e iniciativas, muitas vezes com início no voluntarismo de algum Irmão, que os demais acompanham, auxiliam ou em que colaboram.

Como se vê, o que se faz em Loja é muito mais prosaico do que concebe a imaginação, por vezes demasiado fértil, de quem está de fora. No fundo, em Loja faz-se o que se faz em qualquer outra agremiação: trata-se da organização interna, da prossecução dos objectivos próprios e cuida-se dos eventos que se leva a cabo.

O principal objectivo da Maçonaria é o aperfeiçoamento individual dos seus membros, fazer de homens bons homens melhores e, pelo reflexo desses aperfeiçoamentos individuais, contribuir para a melhoria da Sociedade. Cada reunião é mais um passo nessa caminhada, uma gota de suor nesse esforço, um tijolo nessa construção.

Desapontadoramente simples e normal, talvez. Talvez dessa simplicidade e normalidade decorra a dúvida de que efectivamente seja SÓ assim. Percebo e compreendo o cepticismo que, afinal, radica num tácito elogio à Maçonaria. Esse cepticismo decorre da perplexidade: "Mas afinal se é só isso que se faz nas reuniões de Loja, o que torna a Maçonaria tão especial, qual o cimento que liga os seus membros, o que os faz retirar tempo às suas famílias, aos seus negócios, aos seus afazeres e ócios, para irem fazer só isso?"

A resposta não está tanto no que se faz , mas em COMO se faz e PORQUE se faz. Mas essas são já matérias para os próximos dois textos...

Rui Bandeira

28 janeiro 2008

As pedras do vau


O Muito Respeitável e Respeitado Grão-Mestre da GLLP/GLRP, o nosso querido Irmão Mário Martin Guia, vai publicar mais um livro de poesia.

O seu título, já o leram acima, é As pedras do vau e o seu lançamento vai ocorrer na próxima quarta-feira, dia 30 de Janeiro, pelas 18 horas e 30 minutos, na Sala de Âmbito Cultural, situada no piso 7 do espaço comercial El Corte Inglés, em Lisboa.

O Muito Respeitável Grão-Mestre da GLLP/GLRP é um poeta, um maçon e, em ambas as qualidades, um homem do século XXI. O seu livro, para além dos habituais textos impressos, contém também dois CD's com todos os poemas.

Uma boa decisão: a poesia de Mário Martin Guia pode assim ser apreciada, quer calmamente sentados no sofá e folheando o livro, quer em frente ao monitor do computador, clicando com o "rato". O Mário realmente não quer que nos falte nada!

Se nenhum impedimento de última hora não sobrevier, quarta-feira lá estarei e, como eu, certamente muitos outros. O Mário vai ficar com a mão cansada de tantos autógrafos que vai ter de dar...

Apareçam. Estão todos convidados!

Rui Bandeira

25 janeiro 2008

Arroz e flores


Mais uma história para reflectir. Mais uma pequena história que recebi por correio electrónico. O texto é pequeno. Mas os textos são como os homens: não se medem aos palmos! Não é preciso mais para nos dar que meditar.


Um homem estava a colocar flores na campa de um parente quando, ao seu lado, na campa vizinha, um chinês colocou um prato de arroz.


Voltando-se para ele o homem perguntou:


- Você acredita que o defunto comerá o arroz?


- Sim! – respondeu o chinês…- Quando o seu familiar defunto vier cheirar as suas flores...


Moral da História:


Respeitar as opções do outro, é uma das maiores virtudes que um ser humano pode ter. As pessoas são diferentes, actuam e pensam de modo diverso.


Não julgue! ............ Simplesmente COMPREENDA.


Rui Bandeira

24 janeiro 2008

Eduardo Gonçalves, maçon exemplar


Foi um Mestre discreto. Ocupava sossegadamente o seu lugar numa das colunas. Raramente intervinha. Quando o fazia, as suas palavras eram parcas, as suas ideias ponderadas, o seu tom tranquilo. Que me lembre, nunca foi designado Oficial da Loja. Mas algumas vezes exerceu ofícios, em substituição de titular impedido de comparecer. Sempre com naturalidade e acerto. Sem nunca se procurar evidenciar, mas sem nunca deixar de dar a sua colaboração, de forma correcta e eficiente.

Foi dos Maçons que mais me marcou. Pela dedicação. Pela postura. Pela serenidade.

Eduardo Gonçalves era médico. Em Moura. Aí chegara a exercer as funções de Delegado de Saúde. Raramente deixava de comparecer a uma sessão. De Moura a Lisboa eram e são mais de 200 Km. De Lisboa a Moura a distância não diminuía e não diminui. Mas o Eduardo raramente deixava de fazer esses mais de 400 Km, ida e volta, para vir participar nas reuniões da Loja Mestre Affonso Domingues. Aos sábados ainda era como o outro, a reunião era ao fim da tarde, depois havia e há o ágape e, findo este, lá o Eduardo regressava a Moura, já noite dentro. Às quartas-feiras era certamente pior. A reunião era e é à noite, depois ainda havia e há o ágape e era já madrugada quando o Eduardo iniciava o regresso à sua Moura encantada. Mas raramente faltava! Vinha e estava connosco, arrostando incómodos bem mais duros, efectuando viagens bem mais longas do que muitos outros, que justificavam ausências com bem mais reduzidas distâncias. Incluindo eu próprio...

Muitas vezes passava as reuniões inteiras sem abrir a boca, apenas ouvindo, por vezes sorrindo levemente, sempre concentrado no que se passava. E eu no segredo dos meus pensamentos admirava aquele maçon discreto que tantas vezes fazia mais de 400 Km de viagens só para estar com seus Irmãos, calado, sossegado, discreto, sereno. E, no meu íntimo, perguntava-me o que levava o Eduardo a assim proceder. Passaram-se anos até que eu entendesse. Aliás, já há algum tempo que o Eduardo deixara de estar entre nós quando o consegui entender. Foi um outro Irmão, o José A. R., um Mestre que as circunstâncias da sua vida só raramente permitem que compareça às reuniões da Loja, que um dia, repentinamente, me fez compreender. Disse-me ele, certa vez, em jeito de desabafo, que era capaz, sem qualquer esforço, de passar as reuniões inteiras da Loja sem nada dizer, sem intervir, apenas ouvindo, apenas gozando a Paz que emanava de uma reunião maçónica, apenas fruindo a ligação com o Transcendente que sentia durante as reuniões, apenas desfrutando da calma e serenidade que uma reunião da Loja lhe transmitia. Mais me disse ainda o José A. R. que, por ele, ficaria muito satisfeito com uma reunião em que apenas se executasse os rituais de abertura e de encerramento e que, entre eles, apenas houvesse um período de calmo silêncio ou, quando muito, um período sem palavras ouvindo-se apenas a música proporcionada pelo Mestre Organista. Foi então, anos depois da sua morte, que verdadeiramente compreendi o Eduardo Gonçalves. Era isto mesmo que ele buscava nas reuniões da Loja: a calma, a serenidade, o carregar da bateria emocional, que lhe proporcionavam as reuniões da Loja.

A partir de certa altura, porém, o Eduardo começou a ser menos assíduo. A sua saúde deteriorava-se. O Eduardo fumava. Muito. Apesar de ser médico. Neste aspecto, era o exemplo do dito Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz... Este seu vício minou-lhe a saúde e o cancro do pulmão acabou por o afastar de nós. Pergunto-me durante quanto tempo ele, médico, sabendo a doença que o consumia e que o haveria de vitimar, como vitimou, esteve placidamente sentado entre nós, calado, por vezes sorrindo levemente, apenas gozando a serenidade de uma reunião de Irmãos. Só quando a doença o começou a vergar viemos a saber o mal que o apoquentava. Nunca da sua boca saiu uma queixa, dos seus lábios se ouviu um lamento, da sua garganta saiu um som de revolta. O Eduardo viveu a sua doença com a serenidade que o caracterizou.

Nos ágapes, o Eduardo era sempre boa companhia. Não que falasse muito. Mas sabia ouvir e, quando falava, falava sempre acertado. E mostrava um sentido de humor, pontuado por uma discreta ironia, que sempre me fizeram apreciar muito a sua companhia.

Eduardo Gonçalves foi um médico ao jeito de João Semana, que deixou saudades na sua Moura. Foi um maçon discreto e assíduo, que fez aquilo que um maçon deve fazer: aproveitar o grupo para o seu benefício espiritual e dar o seu contributo, discreto mas sempre valioso, a esse mesmo grupo, em benefício dos demais.

Tenho saudades do Eduardo. Ainda hoje, quando me sento no meu lugar numa das colunas da Loja e relanceio o olhar pela sala, imagino ver, placidamente sentado do outro lado, sereno e com um leve sorriso nos lábios, o Eduardo. E, pensando bem, talvez ele continue a lá estar. Eu é que não o vejo... E, do alto das minhas já ultrapassadas cinco décadas de vida, dou por mim, por vezes, a pensar que quando eu for grande, quero ser como o Eduardo...

E hoje aqui lembrar o Eduardo faz-me sentir muito bem. Os que o conheceram, sentem-se mais ricos por o terem conhecido. Essa é uma das características de quem aproveitou bem o seu tempo de passagem por este mundo. E sem dúvida que esse foi o caso do Eduardo Gonçalves, um maçon exemplar que a Loja Mestre Affonso Domingues teve a fortuna de ter tido no seu seio, que eu tive a felicidade de conhecer e que tenho orgulho em aqui evocar.

Rui Bandeira

23 janeiro 2008

Os meus Irmãos reconhecem-me como tal

- Meu Irmão, de onde vens?

– De uma loja de S. João, Venerável Mestre.

– Que se faz lá?

– Exalta-se a virtude e combate-se o vício.

– Que vens aqui fazer?

– Vencer as minhas paixões, submeter a minha vontade e realizar novos progressos na Maçonaria.

– Devo então presumir que és maçon?

- OS MEUS IRMÃOS RECONHECEM-ME COMO TAL!

Logo na cerimónia de Iniciação o nóvel Maçon é instruído sobre a forma de reconhecer e de ser reconhecido Maçon.

Aprende assim um determinado SINAL, um específico TOQUE, que representa o pedido da PALAVRA SAGRADA, como responder a esse pedido e que palavra é essa.

Uma razoável memória permitirá que, a partir daí, saiba como proceder para que os seus Irmãos Maçons o reconheçam como tal.

Mas esta é a mais básica das básicas noções que o nóvel Maçon recebe então quanto a esta matéria. Com efeito, mui fraco Maçon seria aquele que se limitasse a confiar em tais actos externos para que o reconhecessem como tal. Atrevo-me mesmo a dizer que só quem se tivesse limitado a passar pela cerimónia de iniciação, e mesmo assim de forma desatenta, poderia admiti-lo.

Na verdade, todos sabemos que em Maçonaria tudo é simbolicamente transmitido, o que vale por dizer que através de um translúcido véu, para que quem o receba, entrevendo, medite e, meditando, conclua e, concluindo, aprenda.

Todos sabemos que, em bom rigor, em Maçonaria nada se ensina, apenas se coloca os ensinamentos à disposição, para que quem quer saber, observe, pense e aprenda. É por isso que costumo dizer, em iconoclasta simplificação, que a Maçonaria se aprende por osmose...

Assim, aquele que quer ser reconhecido como Maçon pelos Maçons não deve limitar-se ao que explicitamente lhe foi ensinado na instrução incluída na sua iniciação.

Melhor será que não esqueça que, recém-iniciado, ainda está aprendendo a aprender e só por isso lhe deram clara e directamente o que pomposamente quem desconhece a essência da Maçonaria considera “profundos segredos”.

Assim ficará, por breves momentos o nóvel Maçon convencido que ficou sabendo “excelso segredo” mas, aprendendo a aprender, em breve aprenderá que, como já há pouco exclamei, tal “excelso segredo” não passa de uma muito básica de entre as básicas noções que deverá apreender e que irá apreendendo.

Ao invés, o que deve um Maçon fazer para que seja reconhecido como tal pelos seus Irmãos, foi-lhe transmitido, sim, na sua iniciação, mas como tudo o resto que merece ser retido em Maçonaria, de forma encoberta, indirecta, para que, em devido tempo, medite e aprenda por si, bem melhor do que se lhe fosse directamente ensinado, pois dessa forma mais trabalhosa e difícil de aprender sempre resulta que não apenas se sabe ou memoriza, antes se interioriza e compreende e só aquilo que é adequadamente interiorizado e compreendido é digno de ser tido como vero Conhecimento.

Então, que aprendi eu sobre a forma de ser reconhecido Maçon pelos meus Irmãos?

Aprendi que, para me ser dado acesso ao Templo onde meus Irmãos estavam reunidos, necessário foi que alguém em quem todos confiavam, o Irmão Experto, a todos garantisse que eu era “livre e de bons costumes”.

Livre sou e livres somos sem grande mérito nosso, com muito mérito daqueles que nos antecederam , pois de há muito que a escravatura foi abolida em nossas terras.

Mas “de bons costumes” tive de ser para merecer entrada no Templo e consequentemente de bons costumes tenho de continuar sendo, se nele quero permanecer.

Primeira conclusão pude então tirar: para ser reconhecido como Maçon pelos meus Irmãos necessário é que permaneça de bons costumes, isto é, íntegro, honesto e de modo geral cumpridor das minhas obrigações perante Deus, eu próprio, a minha família e a sociedade.

Mas se tal é condição necessária para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos, não é, porém, condição suficiente – mesmo conhecendo eu o SINAL, o TOQUE e a PALAVRA SAGRADA...

Importa assim continuar buscando este pequeno Graal, pomposa forma de referir a busca do Conhecimento que vale a pena conhecer!

E recordo então que, a dado passo, ouvi mesmo alguém dizer-me que o que estava diante de meus olhos era o símbolo da cegueira em que se acha o homem dominado pelas paixões e mergulhado na ignorância.

Meditando, pude então a segunda conclusão chegar. Para além de ser livre e de bons costumes, para ser reconhecido como maçon pelos meus Irmãos haverei que dominar minhas paixões, e não por elas ser dominado, e procurar sair da profana ignorância, isto é, utilizar os instrumentos que a Maçonaria, a Loja, o Venerável Mestre, cada um dos meus Irmãos, me vão proporcionando, para ir aprendendo, conhecendo e, sobretudo, CONHECENDO-ME, nas minhas forças, sempre poucas, e fraquezas, sempre demais.

Mais um passo avancei, mas ainda não tenho a tarefa terminada, mais caminho tenho para caminhar!

Mais adiante, ouvi ser-me dito que o homem justo era corajoso e, tendo-me sido perguntado em quem depositava eu minha confiança me ter sido sussurrada a resposta de que essa era depositada em Deus.

Pensando, conclui então minha terceira conclusão: para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos haverei que ser livre, de bons costumes, dominador de minhas paixões, justo, corajoso, conhecedor, sobretudo de mim mesmo, e crente.

Mas, atenção!, ser justo não é ser justiceiro, ser corajoso não é ser temerário, ser crente não é ser beato. É necessário, como mais adiante ouvi ser-me dito, “o justo equilíbrio de força e sensibilidade que constitui a sabedoria, isto é, a ciência da própria vida”.

Finalmente, já reconhecido como maçon, foi-me chamada a atenção para os deveres de beneficência de um maçon, mais uma vez temperados pelo justo equilíbrio, pois “a caridade deixa de ser uma virtude quando é praticada em prejuízo dos deveres mais sagrados e mais prementes: uma família a sustentar, filhos para educar, pais velhos a manter, compromissos civis a preencher”.

Meditando sobre estas noções de fraternidade e solidariedade, pude assim chegar à quarta conclusão, que tive por final: para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos haverei que ser livre, de bons costumes, dominador de minhas paixões, justo, corajoso, conhecedor, sobretudo de mim mesmo, crente, fraternal e solidário.

E tendo chegado a esta putativamente definitiva conclusão, preparei-me, para, satisfeito, descansar. Porém, ocorreu-me então que, tendo Deus descansado apenas ao sétimo dia, grande prosápia minha seria pretender poder fazê-lo após apenas quatro conclusões!

E então pensei mais, e espero que melhor, e cheguei a mais outra conclusão (que será assim a quinta...), a de que estava cometendo o pecado do orgulho ao pensar que destas meditações alguma pólvora de particular valor descobrira, pois, afinal, mais bem escrito do que eu escrevera, mais simples do que eu arrazoara, tudo está no texto por onde começámos e por onde, completando o círculo e o ciclo da busca, é asado concluir (e esta será portanto a sexta e última conclusão, a que finalmente me habilitará a descansar, sem remorso superior ao que deriva da minha reincidente prosápia de, pela segunda vez em apenas dois parágrafos, ousar comparar-me ao Criador...).

– Devo, então, presumir que é Maçon?

– Os meus Irmãos reconhecem-me como tal.

– O que é um Maçon?

– É um homem nascido livre e de bons costumes, igualmente amigo do rico e do pobre, desde que sejam pessoas de bem.

– Que significa nascer livre?

– O homem que nasceu livre é aquele que, tendo morrido para os preconceitos comuns, renasceu para a nova vida que a iniciação confere.

– Quais são os deveres de um Maçon?

- Evitar o vício e praticar a virtude.

– Como deve um Maçon praticar a virtude?

– Colocando acima de tudo a justiça e a verdade.

- Como poderei reconhecer que és Maçon?

– Pelos meus sinais, palavras e toques.

– Como interpretas essa resposta?

– Um Maçon é reconhecido pela sua forma de agir, sempre correcta e franca (sinais); pela sua linguagem leal e sincera (palavras); por fim, pela solicitude fraterna que manifesta para com todos a que se acha ligado pelos laços da solidariedade (toques).

Termino com a esperança de que os meus Irmãos não necessitem de se certificar que eu conheço os sinais, palavras e toques, para que me reconheçam como Maçon. Mas, se algum desejar interrogar-me sobre eles, que a minha memória me permita sempre responder satisfatoriamente. E, se porventura a memória me trair e eu falhar essa prova, que aquele Irmão que me interroga, em face do que conheça de mim ... apesar disso me reconheça como Maçon, pois que espero merecer sempre poder dizer que

OS MEUS IRMÃOS RECONHECEM-ME COMO TAL!

Rui Bandeira