15 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: V - A gestão do ofício durante os trabalhos


Todos os Maçons devem trabalhar honestamente nos dias úteis, e viver honrosamente nos dias santos; a duração do trabalho estipulada pelas leis do país, ou pelo costume, deverá ser observada. O mais hábil dos Companheiros deverá ser o escolhido ou apontado como Mestre, ou Supervisor do Trabalho do Senhor; e deverá ser chamado Mestre por aqueles que trabalham sob sua supervisão. Os Artesãos devem evitar qualquer linguagem ofensiva, e dirigirem-se uns aos outros por Irmão ou Companheiro, e comportarem-se cortesmente dentro e fora da Loja. O Mestre, ciente das suas capacidades, deve conduzir o trabalho do Senhor tão razoavelmente quanto lhe for possível e cuidar dos bens como se seus fossem; não devendo pagar a qualquer Irmão ou Aprendiz mais salário que o que este mereça.
Ambos, Mestre e Maçons, recebendo seu justo salário, devem ser fiéis ao Senhor, executar honestamente o seu trabalho, seja à tarefa ou jornada, e não realizar jornada como se fosse tarefa, se esta foi determinada como jornada.
Ninguém deve mostrar-se invejoso da prosperidade de um Irmão, nem substitui-lo ou retirá-lo do seu trabalho, mesmo se o puder fazer, pois nenhum homem deve realizar o trabalho de outro mesmo que em proveito do Senhor, a menos que esteja bem familiarizado com o Desenho e o Plano do trabalho de quem o tenha começado.
Quando um Companheiro for escolhido como Vigilante do trabalho, sob a orientação do Mestre, deve ser leal com o Mestre e Companheiro, e supervisionar cuidadosamente o trabalho na ausência deste, no interesse do Senhor; e os Irmãos devem obedecer-lhe.
Todos os Maçons devem, humildemente, receber o seu salário, sem murmúrio ou sedição, e não abandonar o seu Mestre até que o trabalho seja concluído.
Um Irmão mais jovem deve ser instruído no ofício, para prevenir o desperdício por falta de critério e para fazer crescer e continuar o amor fraternal.
Todos os instrumentos usados no trabalho devem ser aprovados pela Grande Loja.
Nenhum trabalhador (não maçom) deve ser empregue em trabalho próprio da Maçonaria, nem Maçons Livres devem trabalhar com aqueles que não o são, sem necessidade urgente; nem devem ser ensinados, assim como os Maçons não admitidos, da mesma forma que se ensina um Irmão.

Esta quinta Obrigação também foi, manifestamente, herdada da Maçonaria Operativa. Os princípios que a constituem são um guia do trabalho, de organização do trabalho e da formação dos Aprendizes. Regista ainda regras éticas no relacionamento entre os maçons operativos, que transitaram para a Maçonaria Especulativa. As regras expostas, concebidas para a organização do trabalho de construção de edificações são também válidas para o trabalho de construção de si próprio.

Começa-se por indicar o estilo de vida do maçom: trabalhar honestamente nos dias úteis e viver honrosamente nos dias de descanso. O homem de bem realiza-se e define-se pelo seu trabalho honesto. Quando se trabalha, deve-se aplicar toda a capacidade de que se dispõe na execução das tarefas que se realizam. No trabalho, trabalha-se, ponto final. Não apenas por uma questão de (como agora se diz a propósito e a despropósito de tudo e de nada) produtividade, mas essencialmente por uma questão de realização pessoal. Aquele que se aplica no que faz, que trabalha concentrado, que procura fazer bem feito aquilo que tem para fazer ou se propõe fazer não obtém só melhores resultados. Obtém satisfação, gosto, prazer, no que faz e no que consegue produzir. O trabalho honesto como condição de progresso material pessoal, mas também, e sobretudo, como elemento formador de nós próprios é um elemento essencial na ética do maçom.

Mas nem só de trabalho vive o homem. Há dias e horas para a família, o lazer, o descanso, o cultivo de interesses pessoais. Esses, determina a Obrigação, deve o maçom vivê-los honrosamente. De nada vale trabalhar árdua e honestamente se, nos momentos extra-laborais a pessoa se comporta desonrosamente, ou de forma embrutecida, desmerecendo da sua condição de homem de bem.

A fraternidade não implica quebra do cumprimento dos deveres. Uma organização fraternal continua a ser uma organização, com liderança e distribuição de tarefas. Por isso se enfatiza que, devendo todos tratar-se por Irmãos ou Companheiros, o Mestre deve ser obedecido e deve respeitar o trabalho daqueles que dirige. Cabe-lhe organizar o trabalho, distribuir as tarefas, determinar prioridades. Mas deve respeitar o espaço e as competências de quem executa o que há para ser executado e reconhecer e retribuir o esforço dos que executam os trabalhos por si determinados.

Ínsita no conceito de fraternidade está a noção de lealdade - ao Mestre, à Loja, ao trabalho, no fundo a si próprio.

Por fim, a advertência solene: a Maçonaria é para os maçons. Só quem adquira essa condição está em condições de bem compreender o método maçónico de desenvolvimento pessoal.

Em resumo, as regras operativas para o trabalho de construção permanecem inteiramente válidas e aplicáveis no trabalho de cinzelamento de si próprios que os maçons especulativos agora efetuam.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 133.

Rui Bandeira

08 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: IV - Os Mestres, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes



Entre os Maçons toda a promoção será baseada no valor e mérito pessoal, pois assim serão os Lordes melhor servidos, os Irmãos não serão envergonhados, nem a Arte Real menosprezada. Assim, nem o Mestre nem os Vigilantes são escolhidos pela idade, mas pelos seus méritos.
É impossível descrever estas coisas por escrito; todo Maçom deve frequentar a sua Loja e aprendê-las de acordo com as peculiaridades desta Fraternidade. Os candidatos devem saber que nenhum Mestre deve tomar um Aprendiz sob seus cuidados a menos que tenha suficiente trabalho para ele; e a menos que seja um jovem perfeito, que não possua nenhuma deformidade ou defeito físico, que possa incapacitá-lo na aprendizagem da Arte ou de servir o Senhor de seu Mestre; e sendo feito Irmão será depois Companheiro, no devido tempo, cumpridos os interstícios de acordo com o costume do país, se descender de ancestrais honrados; então, devidamente qualificado, poderá ter a honra de se tornar Vigilante, depois Mestre de Loja, Grande Vigilante, e até Grão Mestre de todas as Lojas, de acordo com os seus méritos.

Nenhum Irmão pode ser Vigilante antes de ter sido Companheiro, nem Mestre antes de ter sido Vigilante, nem Grande-Vigilante antes de ter sido Mestre de Loja e nem Grão Mestre, sem ter sido Companheiro antes de sua eleição, e ser nobre de berço, ou um cavalheiro da melhor estirpe, ou notável erudito, ou um hábil arquitecto, ou artista de outro tipo, ou descendente de ancestrais honrados ou que seja de excepcional mérito segundo a opinião das Lojas. Para melhor, mais fácil e honroso desempenho de sua função, o Grão Mestre tem o poder de escolher o seu Vice-Grão Mestre, que deve ser, ou ter sido, anteriormente, Mestre de uma Loja, e que terá o privilégio de em tudo substituir o Grão Mestre, quando ausente, a não ser que este o iniba por escrito.

Todos os administradores e governadores, supremos e subordinados, das Lojas, devem ser obedecidos no exercício dos seus cargos, por todos os Irmãos, de acordo com as antigas Obrigações e Regulamentos, com toda humildade, reverência, amor e alegria.



Esta Obrigação deriva manifestamente das regras de organização das Lojas Operativas, isto é, dos grupos organizados de profissionais construtores em pedra. Em Inglaterra, os construtores em pedra trabalhavam regularmente para os Lordes (senhores), os nobres detentores de propriedades, que lhes encomendavam edifícios religiosos, mansões, fortificações, edificações diversas. O reconhecimento do valor e do mérito na promoção (passagem de grau, exercício de funções em Loja e em Grande Loja) vem assim dos tempos operativos e prossegue como regra essencial da Maçonaria Especulativa.

O apreço pelo valor e pelo mérito, a busca da excelência, o contínuo esforço de aperfeiçoamento são essenciais matrizes e caraterísticas ínsitas nos maçons e por eles esforçadamente cultivadas. É pelo hábito, pela prática, pelo cultivo do trabalho, do esforço, do estudo, da contínua busca de melhoria, que o maçom deve distinguir-se na sociedade e, consequentemente, é em resultado do valor pessoal, adquirido e acrescentado, contínua e esforçadamente, que progride, por vezes ascendendo a posições de relevo social e profissional.

Muitos, não detentores dos mesmos hábitos de trabalho prolongado, de perseverante esforço de aperfeiçoamento, clamam que os maçons ascendem a cargos, empregos ou posições por nepotismo, por proteção dos seus Irmãos, por serem maçons e não pelo seu mérito. Esses que assim clamam bem melhor fariam em dedicar os próximos anos (sim, não bastam alguns dias ou meras semanas ou mesmo alguns meses...) a esforçarem-se por aprender, aprender sempre, aprender muito, aprender fora da sua rotina, trabalhar, trabalhar muito, trabalhar mesmo sem perspetiva de recompensa imediata, aperfeiçoar-se, identificar as suas carências e seus defeitos (por vezes, coisas tão simples como incapacidade ou dificuldade de falar em público...), corrigi-los ou, pelo menos, diminui-los - e depois verificar então se as oportunidades profissionais e sociais lhes surgem ou não lhes surgem, se o seu valor que a si próprios perseverantemente acrescentaram é ou não reconhecido. Mas, infelizmente, é mais cómodo e bem menos trabalhoso para a maioria destes clamarem que o sucesso alheio se deve a "cunhas", a empenhos, a compadrios, a "escuras manobras", a "maquinações secretas"...

Os hábitos de trabalho, a rotina do cultivo de si próprio, não se adquirem por leituras ou palestras, tal como o atleta não ganha medalhas olímpicas apenas lendo sobre os mais modernos métodos de treino. O atleta tem que treinar muito, suar muito, sofrer ainda mais, aplicar-se com perseverança para poder estar em condições de competir por uma medalha olímpica - e, não poucas vezes, dela se ver arredado por uma lesão ou indisposição de última hora, ou por qualquer fortuito elemento externo e por si incontrolado e incontrolável, que derruba todo o esforço e treino e suor de anos e anos. Também não é possível ler ou ouvir sobre o método de trabalho próprio dos maçons e entendê-lo em toda a sua plenitude e dele beneficiar. É preciso efetivamente viver e aprender e trabalhar, hoje, amanhã e depois e para a semana e no mês seguinte e nos próximos anos - e os frutos serão, essencialmente de satisfação pessoal, eventual e acessoriamente de relevo profissional ou social. Não basta querer tentar descobrir "os planos da pólvora", há que viver e trabalhar e sentir. Por isso os maçons, mais do que uma mera dificuldade, têm uma verdadeira incapacidade de descrever a quem está de fora o que é ser maçom, como é estar em Loja. As palavras não chegam, só a vivência e as sensações e as emoções dão a noção plena do que é ser maçom. Este o verdadeiro e único - e inquebrável por natureza... - segredo maçónico!

Para melhor se compreender esta Obrigação, há que ter em conta que, na época em que Anderson compilou a Constituição de 1723, e em consonância com o herdado das Lojas operativas, havia apenas dois graus na Maçonaria: o Aprendiz e o Companheiro, aquele ainda aprendendo a arte e este sendo um oficial (membro do ofício) pronto e apto a realizar os trabalhos da arte. Em cada Loja havia apenas um Mestre, o gestor, o diretor das obras, o arquiteto e engenheiro responsável, que era assessorado por Companheiros (oficiais do ofício) de confiança, experientes, na superintendência do trabalho dos demais, capatazes ou encarregados que eram designados por Vigilantes (do trabalho dos demais).

Só alguns anos, aliás poucos, depois veio a ser formalmente instituído nas Lojas Azuis o sistema de 3 graus, Aprendiz, Companheiro e Mestre, sendo o líder da Loja, o Worshipful Master ou Venerável Mestre, naturalmente um dos Mestres, eleito pelos restantes. A meu ver, esta reestruturação das Lojas Azuis completa a transformação da Maçonaria operativa em Maçonaria Especulativa. O sistema de dois graus sob a tutela de um dirigente, afinal o patrão da Loja, era a estrutura organizativa dos construtores em pedra. A estrutura organizativa da Loja Especulativa complexiza-se e democratiza-se: passa a haver dois graus preparatórios, correspondentes a dois estádios de formação, enquadrados por um grau de direção e organização da atividade global da Loja, integrado pelos obreiros que concluíram a sua formação, todos com iguais direitos e deveres, sendo de entre estes periodicamente escolhido quem fica encarregado da tarefa de dirigir administrativamente a Loja e executar e desenvolver a política de atuação desta, definida pelo coletivo.

Este sistema é um sistema que preserva e favorece a Igualdade entre os obreiros - mas uma Igualdade verdadeira, não apenas nominal. A verdadeira Igualdade não é tratar tudo e todos por igual. É tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente. A estrutura de organização em graus permite atingir esse objetivo. O recém-chegado, que ainda está a aprender as bases do funcionamento de uma Loja, que ainda está a descobrir o que é ser maçom e o que e como deve trabalhar não deve ser onerado com os mesmos deveres que oneram aqueles que terminaram a sua formação e estão aptos a fazer o seu trabalho sem tutela e a tutelar o trabalho dos que ainda estão em processo de formação. Os deveres e correspondentes direitos de quem está em formação são, assim, diversos, obviamente mais limitados, do que os que oneram e assistem quem está já "apto para todo o serviço".

Em suma, na Maçonaria cultiva-se o mérito, a busca da excelência, num ambiente de igualdade. Assim se organiza e mantém o grupo no seio do qual cada um trabalha e progride e contribui para o trabalho e progresso dos demais.


Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 132.

Rui Bandeira

02 fevereiro 2012

Harmonia em desafio...

Compete-me, no corrente veneralato, em sessão de Loja, ser o M:. Org:. de serviço, ou seja, "dar" música aos meus I:., mas mais que isso, musicar todo e qualquer momento do ritual, desde que seja musicado.

É em si um desafio. Mas é um desafio, daqueles que nos dão gosto e prazer superar, algo que tento fazer sessão após sessão.

Os meus últimos passos dados enquanto C:. M:., foram caminhados nesse sentido, tanto que preparei sobre a orientação de um Mestre (é sempre assim, até sermos M:. M:.), duas ou três sessões musicais. A experiência revelou-se, em opinião generalizada, positiva, tanto que acabei por apresentar em Loja, a minha prancha e sobre este tema; Música.

Dei a este texto o título de "Harmonia em desafio..." e é assim que o considero, um harmonioso desafio, senão repare-se:

"A Catedral é assimilável a um gigantesco instrumento de música no qual cada coluna é uma corda em tensão. Caixa de ressonância afinada pelas suas proporções, o Templo vibra ao menor estímulo cósmico ou humano, reproduzindo as notas primeiras da sinfonia do Universo.", diz-nos Didier Carrié, em La symbolique dês Cathédrales.

Se Didier Carrié compara a Catedral de cada um de nós, ao nosso Templo interior, a um grande instrumento de música, é necessário que, cada um de nós, individualmente, sem cessar, alimente esse instrumento, com estudo, com busca pela sabedoria, com paz interior e acima de tudo livre e de bons costumes.

A Música é também isso, a nossa libertação pessoal, pois, promove em cada um de nós sentimentos individuais que jamais podem ser repetidos de uns para os outros, o que eu sinto ao ouvir determinada melodia, não é certamente igual ao que outro qualquer I:. sentirá ao escutar a mesma melodia.

A tensão nas cordas, pode ser considerada a nossa paixão, no mundo profano, algo que sempre combatemos, não lhe dando de comer, deixando-a no nosso “escondido interior”, sabendo que ela lá está, mas dando ao nosso espírito a certeza de não a querer alimentar, sob pena de uma paixão se tornar em várias paixões, o que normalmente acontece, sem grande dificuldade.

Ter a nossa “caixa de ressonância” afinada pelas suas proporções, será talvez, e na minha opinião, a forma central de orientar a nossa vida, regendo-a por princípios éticos, que regulam a vida em sociedade, que estimulam o bom senso e ultrapassam quaisquer dificuldades inerentes à vida terrena em simples obstáculos, sempre passíveis de ser vencidos, pois só assim crescemos enquanto homens.

Eu tenho o meu universo, e sem grande ligeireza, cada um de vós, terá o seu, o cliché de “eu vivo no meu mundo”, ou, determinado individuo viver no seu mundo, à parte de todos os outros, é normalmente associado a laivos de loucura e insanidade, mas será mesmo assim? Todos estamos sujeitos a pressões, tensões, motivadores de opinião e às demais situações do dia a dia, faz parte da vida e ainda bem que assim é, mas se eu porventura disser, que vivo no meu mundo, serei insano ou louco? Pode ser o meu mundo, imperfeito, igual ao de tantos outros, porque aqueles que vivem no “seu mundo” e se consideram perfeitos, esses sim, sem dúvida alguma, são loucos e também fracos de espírito.

O meu Templo vibra por tanta coisa e devido aos mais diversos estímulos, vibra, porque está vivo, porque respira, porque observa e consegue, regra geral, pensar por si, mas o meu Templo também é humano, e o quanto eu gosto de ser humano, de rir e de chorar, de estar feliz e por vezes triste, e de…tanta coisa mais.

São todos estes pequenos acordes que compõem o meu universo, mas tenho ainda muitos mais por descobrir em constante harmonioso desafio.

Partilho, com todos os curiosos leitores do A Partir Pedra, algo que já partilhei com todos os I:. presentes em sessão, uma simples música de Dave Brubeck, que podem ouvir aqui.

Daniel Martins

01 fevereiro 2012

As Obrigações dos Maçons: III - As Lojas


A Loja é o lugar onde os Maçons se reúnem e trabalham; assim esta Assembleia, ou Sociedade de Maçons convenientemente organizada, é chamada Loja; e todo Irmão deve pertencer a uma, estando sujeito ao seu Regulamento Interno e aos Regulamentos Gerais.
Ela é individual ou geral, e será melhor compreendida através da comparência e através dos Regulamentos da Loja Geral ou Grande Loja, aqui anexos.
Em tempos antigos, nenhum Mestre ou Companheiro poderia faltar, especialmente quando solicitado a comparecer, e só não estaria sujeito a severa censura se se justificasse perante o Mestre ou o Vigilante, alegando que imperiosa necessidade o impedira.
As pessoas admitidas como membros de uma Loja devem ser homens bons e de bons princípios, nascidos livres, de idade madura e discretos, não escravo, não mulher, nem homens imorais ou escandalosos, mas de boa reputação.

A primeira noção que esta Obrigação transmite é a de que o maçom deve estar integrado numa Loja, num grupo de pares, onde trabalha, isto é, contribui com o seu estudo, os seus conhecimentos, o seu caráter, os seus progressos, para todo o grupo e do grupo recebe o contributo de todos os demais.

É-se verdadeiramente maçom integrado num grupo de pares. É-se verdadeiramente maçom em comunidade e na comunidade. A Maçonaria é uma incessante troca entre o indivíduo e o grupo, em que o indivíduo contribui para o coletivo e o coletivo fortalece o indivíduo. Só assim faz sentido. Por isso ao maçom não basta ter sido iniciado e ter-se como assim o ser; o maçom só o é na medida em que seja considerado como tal pelos seus pares.

Quando um maçom se afasta da Loja, seja qual for a razão, quando suspende ou cessa a sua atividade, diz-se que está adormecido. Tal como o homem só trabalha estando vigil, assim o maçom que se afasta da Loja, por muito que estude, que trabalhe, que se esforce, que individualmente progrida, porque o faz só, afastado do grupo, sem para ele contribuir, sem dele receber, não trabalha maçonicamente. Trabalha enquanto indivíduo, não enquanto maçom.

A Maçonaria cultiva o total respeito pela Liberdade individual no grupo, pelo indivíduo enquanto personalidade livre e única, mas integrado na sociedade, pelas suas escolhas individuais, mas inseridas e não insanavelmente conflituais com o conjunto das escolhas dos demais. A Maçonaria proclama o indivíduo no grupo, não o indivíduo acima ou para além do grupo, nem o grupo em detrimento do indivíduo. A Maçonaria é uma atividade intrinsecamente social, que fomenta a melhor integração possível de cada indivíduo na sociedade, para benefício mútuo - de um e da outra.

Assim, não faz verdadeiramente sentido a declaração - muitas vezes formulada por quem se afasta - de que "saio, mas continuo maçom, só que sem Obediência". Será uma piedosa intenção, mas não é vero. Aquele que entendeu por bem afastar-se será e continuará a ser um homem livre e de bons costumes, digno de apreço, certamente melhor do que quando se iniciou, será porventura um modelo de qualidades, será seguramente respeitável e desejavelmente respeitado, mas será tudo isso enquanto pessoa, enquanto indivíduo, não como maçom - porque lhe passa a faltar a vertente da partilha, do dar e receber entre o indivíduo e o grupo. E isso, como muito bem sabem todos os que o vivem, é imprescindível, é essencial, é o cerne da Arte Real.

O maçom que se afasta pode sempre voltar, pode sempre retomar o dar e receber ínsito na atividade maçónica. Por isso os maçons não consideram os que se afastam como retirados, como "mortos" para a Maçonaria, mas como simplesmente adormecidos. Se e quando decidirem retomar a sua atividade maçónica, se e quando acordarem, serão bem recebidos - mais do que isso: serão naturalmente recebidos, como se o afastamento não tivesse existido; afinal, uma boa noite de sono, prepara-nos para as exigências de um novo período de trabalho...

Precisamente pela essencialidade da incessante troca entre o indivíduo e o grupo é que um dos deveres fundamentais do maçom é a assiduidade. Mas não a assiduidade cega, a todo o preço, suceda o que suceder. A Maçonaria é importante, deve ser importante para todo o maçom, mas deve sê-lo com equilíbrio, na justa conta, peso e medida. Não pode, não deve, prejudicar os deveres do maçom perante a Pátria, os seus deveres profissionais, as suas obrigações religiosas, os seus deveres familiares. Quando estes imponham a não comparência em Loja, a sua precedência é indiscutível. O maçom tem apenas a obrigação de atempadamente informar da sua ausência e indicar o motivo justificativo dela, por respeito ao grupo, ao trabalho do grupo e dos demais. Mas o maçom, para seu próprio benefício, para que possa eficazmente beneficiar da sinergia com o grupo em que está inserido, deve procurar organizar a sua vida de forma a conciliar os seus deveres familiares, profissionais, religiosos e sociais com a presença em Loja, nos dias e horas definidos para as reuniões desta. Quanto melhor o fizer, mais eficaz será a simbiótica interação entre ele próprio e a Loja.

O último parágrafo desta Obrigação elucida quem pode ser iniciado maçom: homens bons e de bons princípios, pois só se pode tornar melhor o que já é bom; nascidos livres (originariamente: não nascidos escravos - a Maçonaria sempre foi produto do seu tempo...), hoje entendendo-se como livres na sua razão, isto é, com capacidade de entender, de escolher, de progredir, de aprender; de idade madura, isto é, adultos, homens feitos, sobretudo que se regem a si próprios, independentes, inclusive financeiramente, pois só homens maduros e sem condicionalismos de sobrevivência básica têm verdadeiramente disposição e capacidade para se dedicar a algo mais e mais além do que a satisfação das necessidades básicas, algo por vezes tão imaterial e fluido como o conceito de aperfeiçoamento pessoal; não escravo (de novo, a Maçonaria é sempre em cada tempo produto do seu tempo...), hoje, não escravo das suas paixões, de vícios que impossibilitam o desejado progresso pessoal; não mulher (o fundamento original da inegociável exclusividade de género - mas isto não implica que os maçons regulares não reconheçam às mulheres o direito e o igual interesse de se aperfeiçoarem segundo o método maçónico, criando e mantendo organizações similares à sua própria, destinadas ao sexo feminino - pelo contrário, favorecem e respeitam a Maçonaria Feminina, entendendo apenas que o aperfeiçoamento do homem e da mulher se processam segundo diferentes sensibilidades e devem ocorrer em separado, pois no método maçónico de aperfeiçoamento o apelo à emoção e à inteligência emocional tem um grande papel e as formas masculina e feminina de viver e lidar com as respetivas emoções são manifestamente diferentes); nem homens imorais ou escandalosos, mas de boa reputação (na Maçonaria pratica-se a Tolerância com as diferenças, mas dentro dos padrões morais definidos pela sociedade em que se insere; se os maçons têm como primeira Obrigação a obediência à Lei Moral, não faria sentido admitir pessoas de comportamentos considerados imorais, escandalosos, de má reputação).

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 131-132.

Rui Bandeira

25 janeiro 2012

As Obrigações dos Maçons: II - Autoridade civil


Um maçom é um súbdito pacífico do Poder Civil, onde quer que more ou trabalhe, nunca se envolverá em complôs ou conspirações contra a paz ou o bem-estar da nação e nem se comportará irresponsavelmente perante os agentes da autoridade; como a Maçonaria sempre foi prejudicada pelas guerras, derramamentos de sangue e desordens, os antigos Reis e Príncipes sempre se dispuseram a estimular os Homens da Fraternidade, por sua lealdade e índole pacífica; pois sempre responderam adequadamente às conspirações de seus adversários e promoveram a honra dessa Fraternidade, que sempre floresceu em tempos de paz. Se um Irmão se rebelar contra o Estado, não deverá ser incentivado na sua rebelião, antes ser digno de pena por ser um homem infeliz; e, se não tiver sido condenado por qualquer outro crime, a Irmandade precisa, e deve, repudiar a sua rebelião, não deixando margem para qualquer desconfiança política perante o Governo vigente; mas não deve expulsá-lo da Loja, permanecendo inalienável a sua relação com a mesma.

Esta segunda Obrigação dos maçons inscrita na Constituição de Anderson de 1723 constitui a clara e iniludível orientação estrita de que o maçom - e, por extensão, a própria Instituição Maçónica - se insere na legalidade vigente em cada sociedade. É uma consequência do princípio, ínsito na primeira Obrigação, da obediência à Lei Moral: se a Moral se baseia na Ética e é fundamento da norma, da lei, não faria sentido que aqueles que têm por dever primeiro a obediência à Lei Moral desobedecessem às normas sociais, resultantes da Moral vigente na Sociedade.

Tem justificação, porém, o argumento de que se a Lei viola a Moral Social, se é iníqua, não deve ser respeitada e se o Poder não é legítimo, é ditatorial ou opressivo, deve ser derrubado, pois a obediência às leis é corolário da obediência à Lei Moral, pelo que, se a norma é imoral ou o Poder se afasta da mesma, a obediência à Lei Moral impõe a desobediência da lei e a luta contra o Poder abusivo. O argumento é, manifestamente, ponderoso - como se evidencia pela sua simples enunciação e pela correção do silogismo que o sustenta: se a lei é imoral, então não é verdadeiramente lei, só aparentemente o é, pois o que viola a Moral vigente numa sociedade não pode ser obrigatório para os seus membros; se o Poder é abusivo, ditatorial, opressivo, viola a Moral da sociedade, que precisamente o considera abusivo, ditatorial, opressivo.

O problema - em contra-argumento - é que não existe um "moralómetro", um instrumento que permita medir a compatibilidade entre a Lei ou o Poder e a Moral social, sendo assim, no mínimo, subjetiva a determinação dessa compatibilidade ou incompatibilidade, pelo que o único critério admissível é o cumprimento da Lei vigente, cuja adoção resulta das normas criadas para a determinação do que deve ser considerado lei e que se destinam, além do mais, precisamente a garantir que a Lei seja a vera expressão da Moral Social vigente, e a sujeição ao Poder em funções, o qual resulta das normas de definição de quem tem direito à titularidade do exercício do Poder.

Mas - contrapõe-se ao contra-argumento - situações há em que o Poder é usurpado por quem, segundo as regras, a ele não tem direito - é a isso que se chama poder ditatorial... - e em que as leis são abusivamente criadas, em verdadeiro desvio de poder, para proteger interesses pessoais, mesquinhos, beneficiar quem as faz ou quem influencia quem as faz, em total desprezo ou, pelo menos, dessintonia com a Moral social, pelo que devem ser consideradas iníquas e imerecedoras de cumprimento. Além de que toda a gente sabe que, por exemplo, os nazis ascenderam ao Poder por via de eleições...

No entanto - riposta-se à contraposição - Poder vigente é Poder vigente e, por definição, se é Poder, implica sujeição ao mesmo. Se se põe em causa a legitimidade da ascensão por via de eleições dos nazis ao Poder, por mais execráveis que eles tenham sido, põe-se em causa os próprios fundamentos do regime democrático; se se põe em causa uma lei aprovada segundo as regras em vigor para a sua vigência, põe-se em causa toda a estrutura normativa e, logo, organizacional, da Sociedade. E, como lucidamente referiu Winston Churchill, "a Democracia é o pior de todos os sistemas políticos... exceto todos os outros!".

E, como este debate de mim para comigo mesmo o demonstra, poder-se-ia eternamente discutir estas duas posições opostas, sem se chegar a uma posição consensual passível de aplicação prática. A Maçonaria Regular desde o seu início que adotou o critério de que o Poder vigente é aquele que vigora, que a Lei a cumprir é a que está em vigor, ponto final parágrafo. A Maçonaria Regular não é contrapoder nem intervém politicamente, pelo que o único critério que adota é o do cumprimento da Lei vigente.

E então se o Poder é ditatorial, como fazer? Pura e simplesmente a Maçonaria Regular só atua em ambiente democrático, em Liberdade. Se estas condições não estão preenchidas, retira-se, suspende atividades, dos locais onde a Democracia não impera, o poder ditatorial vigora, onde não há, assim, garantia de que as leis sejam globalmente justas e conformes à Moral. É a única opção possível de uma Instituição que simultaneamente se impõe seguir a Moral e cumprir a Lei vigente, quando esta ou o Poder de facto em funções se afastam daquela.

A Maçonaria Regular só pode ser um espaço de Tolerância, uma sede de fraternal convívio de pessoas e de ideias diversas e díspares, um fórum de confronto de posições que podem ser antagónicas, mesmo inconciliáveis, mas que são suscetíveis de debate frutuoso, de entendimento e deteção de pontos de acordo, de determinação e limitação dos espaços de efetiva diferença, de fixação dos consensos possíveis e de aceitação das diferenças realmente existentes se atuar dentro da mais estrita legalidade, se nenhuma dúvida fundada o Poder tiver de que recusa e não pactua com qualquer atividade conspirativa. Se assim não for - quando assim não é... - sujeita-se a todas as retaliações, ao pagamento de elevado preço pela sua intervenção em campos que não são os seus.

Porém, em aparente conflito com esta orientação firme, prossegue a segunda Obrigação afirmando que se, apesar de tudo, apesar de violar a sua Obrigação, um maçom se rebelar contra o Poder, se conspirar, apesar de a Maçonaria Regular repudiar tal atitude e a ela se não associar, não deve expulsar o infrator, se ele não tiver sido condenado por outro crime.

Resulta esta determinação da aplicação do princípio da Tolerância, ínsito e essencial no ideário maçónico. O princípio da Tolerância pressupõe o indefetível respeito pelas opiniões, pelas posições, pelas opções, de cada um. ainda que delas sejamos discordantes - principalmente quando delas discordamos! O Outro tem tanto direito à sua opinião, às suas ideias, às suas opções quanto eu. Por muito que eu discorde delas, por muito que eu entenda que eu tenho razão e ele não, não posso, não devo, concluir que sou eu que estou sempre certo. Pode suceder que seja eu que estou errado e que seja o Outro que está certo. Como a inversa. Tenho assim que tolerar a divergente posição alheia, tal como tenho o direito de exigir que a minha posição seja tolerada pelos demais. Este é um corolário essencial e inalienável da Liberdade individual, da essencial Igualdade que os maçons respeitam e um pressuposto básico da Fraternidade que se pretende impere. Assim, apesar de tudo, a Tolerância impõe o respeito pela decisão, ainda que infratora, e proíbe a expulsão do infrator.

Há, no entanto, um limite absolutamente inultrapassável: a condenação por outro crime (pressupondo-se que o Poder ou a Lei vigentes já qualifiquem como crime a rebelião). Outro crime implica violação de outros preceitos legais, outras normas em princípio resultantes da Lei Moral que o maçom se compromete a cumprir. O maçom regular tem todo o direito a, individualmente, divergir politicamente. Nesse estrito limite, a sua divergência nunca será considerada infração maçónica. Mas não tem nunca o direito a ser um criminoso. Se o for, se infelizmente assim proceder, viola grave e insanavelmente a primeira das suas obrigações e tem de se sujeitar às consequências, designadamente à consequência de deixar de ser reconhecido como tal pelos maçons.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 131.

Rui Bandeira

18 janeiro 2012

As Obrigações dos Maçons: I - Deus e Religião


Um Maçom é obrigado a obedecer à Lei Moral; e se compreender corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu nem um libertino irreligioso. Muito embora em termos antigos os Maçons fossem obrigados,em cada País, a adotar a religião desse País ou Nação, qualquer que ela fosse, hoje é mais acertado que adote a religião com a qual todos os homens concordem, guardando as suas opiniões pessoais para si próprios: Ou seja, devem ser homens bons e leais, ou homens de honra e probidade, qualquer que seja a denominação ou convicção que os possam distinguir; Assim a Maçonaria será um centro da união e um meio de concretizar uma verdadeira amizade entre pessoas que de outra forma permaneceriam separadas.

A primeira Obrigação dos maçons da Constituição de Anderson de 1723 resume o essencial do que é a Maçonaria e do que são e devem ser os maçons.

Logo a primeira noção que transmite é que o maçom é obrigado a obedecer à Lei Moral. Moral deriva do latim mores, ou seja costumes. O vocábulo mores foi utilizado pelos Romanos para traduzir a palavra grega êthica, ou seja, ética. A ética é o suporte da moral e esta a origem da norma, eventualmente lei, pois da ética individual passa-se aos valores sociais e estes originam as normas, as leis, com que as sociedades impõem os comportamentos entendidos adequados, isto é, comportamentos morais, baseados em princípios éticos. Desta noção - a primeira expressa nas Obrigações dos maçons - resulta inequívoco o dever do maçom se comportar adequadamente em termos éticos, seguindo os princípios que elevam o Homem acima da sua pura animalidade, e também de cumprir os valores sociais em uso na época e lugar em que se encontra. O maçom é um produto da sociedade onde se insere. Desejavelmente, inserindo-se entre os melhores produtos dessa sociedade. Mas não é nunca um estranho, uma exceção. Pode e deve pugnar pela evolução, pela melhoria dessa sociedade. Deve fazê-lo antes de tudo e acima de tudo dando ele próprio o exemplo dos comportamentos em que deve assentar essa melhoria e esperando que outros e outros e cada vez mais assumam os mesmos desejáveis comportamentos, não procurando impor aos outros as suas teses, os seus entendimentos. Implícita na noção de obediência à Lei Moral está ainda a obediência às normas e leis do País, recusando-se a atividade conspirativa e revolucionária.

A segunda noção transmitida por esta Obrigação é a de que o maçom deve ser crente, não sendo admissível que seja um "estúpido ateu" ou um "libertino irreligioso", esta última expressão abarcando também o agnóstico, pois a palavra "libertino", na época de Anderson não tinha o significado atual de "devasso", "dissoluto", antes respeitava àquele que não professava fé religiosa, o incrédulo - ou seja, o ateu e o agnóstico.

A terceira noção decorrente desta Obrigação é a de que, embora o maçom deva ser crente, os contornos, a estrutura da crença de cada um só a si diz respeito ("guardando as suas opiniões pessoais para si próprios"), não devendo impor o seu entendimento aos demais, de forma a que todos se encontrem no espaço comum da "religião com a qual todos os homens concordem". Daí a utilização comum por todos os maçons da expressão Grande Arquiteto do Universo, com a qual é possível designar a divindade em que cada um creia, independentemente do nome particular que cada um lhe dê. Na época de Anderson, a Maçonaria era indubitavelmente cristã. O terreno comum era o espaço de convergência de católicos, anglicanos, presbiterianos, luteranos, calvinistas, etc., enfim, o espaço comum cristão. Só em 1732 viria a ser iniciado o primeiro judeu, Edward Rose. A expansão da Maçonaria pelo Império Britânico paulatinamente viabiliza a iniciação de muçulmanos, hindus, enfim crentes de outras crenças não cristãs. Este alargamento a crenças não cristãs da originalmente cristã Maçonaria é fruto da clara influência deísta exercida nos primórdios da Maçonaria Especulativa (há quem defenda que tanto Anderson como Desaguliers, ambos pastores, eram deístas). A convicção religiosa fundada na Razão, a não aceitação de dogmas, logo, a não sujeição a Verdades Reveladas, convivendo com a convicção religiosa teísta, conjugada com o princípio da Tolerância (guardar "as suas opiniões pessoais para si próprios"), naturalmente que viabilizou a expansão da Maçonaria até aos crentes das religiões não cristãs e, em última análise, aos crentes não integrados em nenhuma confissão religiosa específica, puros deístas seguindo sua crença pessoal.

A quarta noção é que, mais importante do que a crença de cada um, é que os maçons sejam "homens bons e leais, ou homens de honra e probidade", ou seja, mais sinteticamente, e usando expressão hoje consagrada, homens livres e de bons costumes. Não é qualquer um que é apto a ser admitido maçom, há um nível ético previamente atingido indispensável para se ser aceite entre os maçons.

Finalmente, esta primeira Obrigação define uma outra caraterística essencial da Maçonaria, a de organização fraternal ("a Maçonaria será um centro de união e um meio de concretizar uma verdadeira amizade entre pessoas que de outra forma permaneceriam separadas").

A Maçonaria Regular prossegue e mantém, até aos dias de hoje, estas cinco caraterísticas da Maçonaria fixadas na primeira Obrigação da Constituição de Anderson de 1723: organização baseada na Moral e respeitando a legalidade vigentes, restrita a crentes, tolerante quanto às crenças individuais de cada um, agrupando homens livres e de bons costumes, de índole fraternal.

Como é sabido, em 1877 ocorreu o chamado cisma maçónico, pelo qual o Grande Oriente de França iniciou um movimento que veio a ser seguido por outras estruturas em outros locais (em Portugal, presentemente o GOL - Grande Oriente Lusitano), que desembocou na chamada Maçonaria Irregular, também por alguns apelidada de Maçonaria Liberal e pelos próprios referida por Maçonaria Universal - por ser aberta a todo o universo de indivíduos, crentes e não crentes. Este ramo do movimento especulativo organizado em Inglaterra em 1717 diverge da Maçonaria Regular essencialmente quanto à obrigatoriedade de crença, admitindo agnósticos e ateus, e à diferente postura em relação à legalidade vigente (se uma Lei é injusta deve ser combatida; se um regime é iníquo ou ultrapassado deve ser combatido e, se possível, derrubado, se necessário pela via revolucionária), neste caso muito por influência da Revolução Francesa, prosseguida pelas Lutas Liberais e pelas Guerras de Independência, na Europa, Estados Unidos e América do Sul.

Fontes:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 131.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Moral

http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.thegoatblog.com.br%2Fcadenafraternal%2FplanchasII%2F029_descristinizacao_da_masoneria.doc&ei=4RYMT53-EMrR8QOs7pD7BQ&usg=AFQjCNFFhAXuFcZNS6waAC3HnFPCJ3CxMA

Rui Bandeira

11 janeiro 2012

A Constituição de Anderson de 1723


A Constituição de Anderson de 1723 é, provavelmente, o documento que mais bem espelha os princípios da Maçonaria. Foi elaborada na transição entre a Maçonaria Operativa e a Especulativa, quando a organização outrora agrupando artesãos construtores se transformava na sua forma atual de organização fraternal indutora de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual dos seus membros, segundo um método próprio, fundado em princípios herdados de tempos imemoriais, transmitidos e preservados de geração em geração.

Muito - quase tudo - daquilo que os maçons referem como proveniente de "antigas tradições" está inscrito nesta Constituição, autêntico documento basilar da Maçonaria.

Foi publicada em 1723 no Grão-Mestrado de Philip Wharton, 1.º Duque de Wharton, o sexto Grão-Mestre da Premier Grand Lodge de Inglaterra, na realidade o quinto maçom a exercer tais funções, já que George Payne repetira o exercício do ofício, que assegurou em 1718 e de novo em 1720, e o segundo nobre a assumir a condução dos destinos da maçonaria inglesa. O primeiro fora John Montagu, 2.º Duque de Montagu, Grão-Mestre entre 1721 e 1723, que foi quem, em 1721, encarregou James Anderson de "examinar, corrigir e organizar, segundo um melhor método, a História, Obrigações e Regras da Antiga Fraternidade".

James Anderson (1679 ou 1680 - 1739), pastor da Igreja da Escócia, era ministro da Igreja presbiteriana de Swallow Street, em Londres, desde 1710 e Venerável Mestre da Loja com o n.º 17 aquando da publicação da Constituição, conforme se pode ler no apêndice final desta (aliás o local onde consta a única referência à sua autoria do texto).

O post-scriptum final foi assinado pelo Grão-Mestre Philip, Duque de Wharton, o Vice-Grão-Mestre John Teophilus Desaguliers (que exercera já o ofício de Grão-Mestre em 1719), pelos Grandes Vigilantes Joshua Timson (ferreiro de profissão) e William Hawkins (maçom operativo, ou seja, artesão construtor) e pelos Veneráveis Mestres e Vigilantes das então existentes 2o Lojas (incluindo o primeiro Grão-Mestre, em 1717, Anthony Sayer, em 1723 Vigilante da Loja com o n.º 3, e George Payne, que foi Grão-Mestre em 1718 e 1720 e em 1723 era o Venerável Mestre da Loja com o n.º 4) e nele pode ler-se que Anderson, para realizar a tarefa de que fora incumbido, "analisou várias cópias manuscritas de Itália, Escócia e outras partes de Inglaterra e daí (embora aqueles estivessem errados em muitas coisas) e de vários outros arquivos antigos dos maçons extraiu e elaborou a presente Constituição, Obrigações e Regras Gerais".

O volume começa por uma dedicatória ao Ex-Grão-Mestre, John, Duque de Montagu, elaborada pelo Vice-Grão-Mestre em exercício, John Teophilus Desaguliers, prossegue com um capítulo dedicado à História da Maçonaria, a que se seguem os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais, um post-scriptum e a Aprovação, concluindo-se com letras e algumas pautas musicais de canções maçónicas (Canção do Mestre ou a História da Maçonaria, Canção dos Vigilantes ou Outra História da Maçonaria, ambas da autoria de Anderson, Canção dos Companheiros, da autoria de Charles Delafaye e Canção dos Aprendizes, da autoria de Matthew Birkhead).

A parte dedicada à história da Maçonaria é uma compilação efetuada, fixada e, não pouco significativamente, corrigida por Anderson das versões, há muito existentes em documentos da maçonaria operativa e de que neste blogue já dei conta e divulguei e comentei, da Lenda do Ofício (ver os textos agrupados no marcador Lenda do Ofício). A parte final, das canções, hoje pouco mais interesse tem do que o de curiosidade. A dedicatória, o post-scriptum e a Aprovação são textos quase que apenas protocolares.

Particular interesse revestem os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais. Lendo-os e analisando-os, neles detetamos a origem de variadas compilações e versões de chamados Landmarks (princípios fundamentais da Maçonaria) e de regras ainda hoje usadas e praticadas em Maçonaria, muitas delas não constando de qualquer regulamento e invocadas como derivando de "Antigas Tradições". Pois bem, a fonte ou, pelo menos, a compilação dessas Antigas Tradições está na Constituição de Anderson de 1723!

Se nada surgir em contrário, vou dedicar quase todos os meus textos deste ano de 2012 à divulgação, análise e comentário crítico dos textos das Obrigações dos Maçons e das Regras Gerais da Constituição de Anderson de 1723. Serão muitos textos (as Obrigações são seis, a última das quais dividida em seis partes, o que, em princípio, justificará onze textos; as Regras Gerais são 39, o que justificará outros tantos textos). Resumindo: um programa para 50 textos, que ocupará todo este ano de 2012 e poderá ainda sobrar para 2013, dependendo da altura em que eu decidir publicar dois textos dedicados à memória da Loja, relativos ao período do veneralato do vigésimo primeiro Venerável Mestre da Loja e da eventualidade de, a qualquer tempo, poder interromper o que será esta longa série para escrever sobre qualquer assunto que julgue oportuno.

O tema desta série merece esta alongada atenção. Afinal, a Constituição de Anderson de 1723 é um documento essencial para se compreender o que é a Maçonaria. Essencial para quem é maçom, se quer mesmo saber porque faz algo do que faz; essencial para quem não é maçom, se não se quiser limitar a umas "ideias gerais", geralmente pouco acertadas, sobre a instituição da Maçonaria de que tantos falam e tão poucos acertam.

Nesta série de textos, utilizarei como fonte permanente a excelente versão portuguesa da Constituição de Anderson de 1723, publicada em 2011 pelas Edições Cosmos, com introdução, comentário e notas de Cipriano de Oliveira (não concordo com todas as posições expressas por Cipriano de Oliveira - e ele sem dúvida que sabe onde discordamos... -, o que não invalida que seja um notável trabalho o que ele realizou e muito útil a edição resultante da sua pesquisa e do seu labor).

Fontes:

http://en.wikipedia.org/wiki/Premier_Grand_Lodge_of_England http://en.wikipedia.org/wiki/James_Anderson_%28Freemason%29 http://books.google.pt/books?id=LkICAAAAQAAJ&printsec=frontcover&dq=anderson%27s+constitutions+1723&hl=pt-PT&sa=X&ei=JOkCT9z8GYij8gOmtPjRAQ&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false Cadernos Humanitas - Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011

Rui Bandeira