22 setembro 2010

O Visitante, o Viajante e o Turista


Três homens decidiram deslocar-se a uma grande cidade, uma daquelas cidades que todos desejamos conhecer, com história, dimensão, vida, monumentos, museus, teatros, cinemas, enfim, uma metrópole moderna. Todos eles dispunham de tempo e meios para por lá ficarem um mês e todos eles iam decididos a fazer a "viagem da sua vida" e a ficar a conhecer aquela cidade o mais profundamente possível. Esses três homens eram, como é natural, diferentes e cada um preparou e realizou a expedição à sua maneira.

O primeiro homem, chamemos-lhe Visitante, contratou através da sua agência de viagens os serviços do melhor operador turístico da cidade, que lhe preparou meticulosamente a estada. Chegado a essa cidade, o Visitante tinha preparado um completo programa de trinta dias de visitas guiadas a tudo o que a cidade de melhor tinha para oferecer aos seus visitantes. Foi uma visita inesquecível! O Visitante foi guiado pelos melhores museus da cidade, onde lhe foram mostradas as mais significativas obras de arte que aí havia e as mesmas foram explicadas, enquadradas histórica e artisticamente. Foi guiado nas visitas aos mais relevantes monumentos, sendo-lhe chamada a sua atenção para o seu significado histórico, os detalhes da sua construção e a sua utilização nos dias de hoje. O operador reservou-lhe bilhete para assistir ao melhor espetáculo da cidade, proporcionou-lhe um guia para o conduzir pelas mais esconsas vielas da Cidade Antiga, pelos mais pitorescos recantos, pelos mercados mais tradicionais, apresentando-o a interessantes pessoas que ali viviam ou trabalhavam. Também ao Visitante foram mostradas as mais deslumbrantes paisagens da cidade e proporcionados demorados e agradáveis passeios nos mais agradáveis parques e jardins ali existentes. Claro que foi conduzido também às melhores, mais concorridas, completas e diversificadas zonas comerciais da cidade, onde o Visitante pôde admirar a maior variedade de objetos e bens de consumo e adquirir o que lhe interessou adquirir. Visitou a Universidade e as Bibliotecas, guiado por um culto guia que o operador contratou para o efeito. Visitou o Parlamento e os mais emblemáticos edifícios onde funcionavam os representantes políticos da urbe e do país, ouvindo as explicações de um guia especializado, que o esclareceu sobre as circunstâncias e a prática política ali vigentes. Maravilhou-se com a grandiosidade dos edifícios religiosos, enquanto ouvia as informações e explicações proporcionadas pelo guia especialista em Arte Sacra que o operador turístico contratou para o efeito. Enfim, foram trinta dias de algum cansaço, muitas visitas, muitos conhecimentos novos para digerir, mas foi realmente uma viagem extraordinária! No regresso, o Visitante pensava na melhor forma de elucidar os seus conterrâneos sobre as maravilhas, as riquezas, as belezas, que existiam naquela deslumbrante metrópole.

O segundo homem, designemos-lhe por Viajante, preparou e realizou a sua viagem de forma muito diferente. Não contratou os serviços de qualquer operador turístico, dispensou excursões e visitas guiadas. Preparou a sua viagem lendo tudo o que conseguiu descobrir sobre a cidade, a sua história, os seus monumentos e locais de interesse, as suas gentes. E mal desembarcou na cidade e se instalou no hotel escolhido, lançou-se numa contínua exploração da cidade. Também visitou, mas por si só, museus. Não viu tudo. Não teve ninguém que lhe chamasse a atenção para as melhores obras. Mas viu o que antecipadamente lera que era importante ver, apreciou demoradamente aquilo de que gostou, passou mais brevemente pelo que achou menos significativo. Também visitou e fotografou os monumentos da cidade, descobrindo ângulos curiosos, vestígios do passado interessantes. Falou com os guardas dos monumentos e descobriu curiosas e picarescas histórias, do passado e do presente, por eles contadas. Perguntou aos habitantes locais que espetáculos interessantes havia e acabou por ir ver um par de espetáculos que não constavam dos circuitos turísticos, que o elucidaram sobre a genuinidade das gentes daquela terra. Vagabundeou pela Cidade Antiga e ali se perdeu horas esquecidas, recanto aqui, conversa acolá, absorvendo a atmosfera da cidade e da sua história e da sua vida. Provou o que se vendia nos mercados, comeu as comidas típicas da cidade, confraternizou à roda de uns copos com genuínos habitantes da cidade, apercebeu-se dos seus anseios e desilusões, das suas alegrias e tristezas, do seu labor e do seu ócio. Passeou por agradáveis jardins, observando as brincadeiras das crianças e nelas se intrometendo. Conheceu muita gente, conversou, ouviu histórias interessantes, soube onde adquirir as mais genuínas coisas da cidade ao melhor preço, visitou fábricas e locais de trabalho, escolas e locais de culto. Em descontraída manhã de domingo, ousou mesmo jogar com um grupo de jovens o desporto preferido na cidade e - claro! - perdeu... Falou com taxistas e polícias, vendedores e ardinas, artesãos e comerciantes, enfim embrenhou-se no coração da cidade, misturou-se com as suas gentes, viu e visitou a cidade e tudo o que de bom e bonito ela tinha pelos olhos dos seus habitantes. Quando findou o tempo que tinha reservado para aquela visita, o Viajante quase se sentia um novo habitante daquela urbe, dela partia com alguma pena. Na sua máquina fotográfica, tinha mais fotografias de pessoas do que de monumentos, mas cada imagem de cada pessoa recordava-lhe um momento único, uma história curiosa, um episódio pitoresco. Na viagem de regresso, pensava de si para si que ficara mesmo a conhecer a cidade e as suas gentes e que talvez fosse interessante elucidar os seus conterrâneos como se vivia naquela importante urbe.

O terceiro homem, refiramo-lo por Turista, antes de viajar, comprou um guia de viagem relativo à cidade, consultou-o e assinalou meia dúzia de monumentos a visitar, viu quais os restaurantes recomendados, anotou as mais agradáveis esplanadas. Escolheu cuidadosamente o hotel onde ficaria. Chegado à cidade, instalou-se no hotel e tratou de descobrir os serviços que proporcionava. Reservou um dia para utilizar o SPA, comprou umas horas de consumo de Internet, para que, diariamente, ou quase, reservasse um pedaço do dia a ler as notícias do seu país. Contratou, para determinado dia, uma visita guiada à cidade, daquelas de autocarro aberto com guia de microfone, que vai debitando informações sobre o que se vai vendo. Visitou descansadamente a cidade. Viu os monumentos que selecionara, calma e descontraidamente. Comeu em todos os restaurantes que referenciara. Passou agradáveis fins de tarde em sossegadas esplanadas. Passeou quando lhe apeteceu, olhando para onde o seu olhar caía, falando com quem o acaso colocava perto de si, ouvindo os ruídos ou músicas que a sorte e o local proporcionavam, cheirando aqui o perfume de flores, ali o odor de comida. Enfim, descansadamente viu o que quis ver, visitou o que lhe agradou visitar. Descansou e andou, parou e avançou. Voltou aos locais que mais lhe agradaram. Nem sequer passou por onde não lhe interessava. No regresso, satisfeito e repousado, começou a germinar na sua mente algo que decidiu partilhar com os seus conterrâneos.

Caro leitor, faça agora uma pausa, pense e decida de si para si: qual dos três agiu melhor? E qual o pior?

A minha opinião é que nenhum foi melhor ou pior do que os demais. Cada um viu a cidade da e pela forma que a ele mais lhe convinha. Todos tiraram proveito da estada. Certamente proveitos diferentes - mas isso não é melhor nem pior, apenas diferente!

O Visitante, de regresso a casa, escreveu um exaustivo guia de viagem sobre a cidade, pelo qual os seus conterrâneos quase podiam saber tudo o que havia a saber sobre ela, mesmo antes de lá chegarem. O Viajante escreveu um livro de viagem, que retratou, com grande fidelidade, como era, como vivia, o que sentia, a gente daquela cidade. As suas impressões, os seus relatos permitiram a quem leu esse livro saber como é realmente, por dentro, essa cidade e como são os seus habitantes, mesmo antes de lá irem. O Turista, esse, regressado da sua despreocupada, descansada e nada exaustiva viagem... escreveu um romance passado naquela cidade. Quem o leu, admirou, além da qualidade da escrita e da trama da história, a forma como daquelas páginas se desprendia, leve mas sensivelmente, a atmosfera da cidade.

Que tem isto que ver com Maçonaria? Releia, caro leitor, o meu último texto sobre os Altos Graus. O Visitante simboliza o maçom que decide percorrer os Altos Graus, fazer a sua viagem apoiado no guia. Tudo aprende, certinho, direitinho. Compensa a falta de espontaneidade com a qualidade e quantidade do saber que recolhe. O Viajante simboliza o maçom que opta por seguir o seu caminho por si, fazendo a sua busca desenvolvendo ele as noções que aprendeu no seu percurso até à sua Exaltação como Mestre Maçom. Não tem a sua viagem tão organizada, tão completa, mas vive intensamente a sua busca. Não recolherá talvez a quantidade de ensinamentos passível de ser recolhida numa viagem organizada, mas recolheu o que lhe interessa e, no que lhe interessa, aprende a fundo. Vive a sua viagem e apreende a essência dela. E o Turista? Esse é o maçom que não se preocupa grandemente com tempos e saberes. Faz a sua viagem, segundo o seu tempo, o seu ritmo, os seus gostos. Não conhecerá tão profundamente como os outros, mas tudo vê, talvez mais de passagem, talvez mais intermitentemente, mas sempre de uma forma para si agradável. Só vai à Loja quando lhe apetece ir à Loja, uns anos exerce ofícios, noutros não está nisso interessado. Quando vai, quando está, participa e contribui. Mas nem sempre está disponível, necessita das suas pausas nas esplanadas. Faz a sua viagem como gosta, ao seu ritmo. Não aprende tanto como o Visitante, nem tão profundamente como o Viajante, mas o que aprende, aprende com gosto e por gosto e disso retira proveito. E partilha-o.

Todos fazem a sua viagem conforme preferem. Todos partilham o que aprendem com ela. Cada um à sua maneira. É útil partilhar a erudição. Mas também é útil partilhar a profundidade, a vivência, a genuinidade. E não menos útil é partilhar a Beleza, a satisfação, que se tira da viagem, seja ela mais esforçada ou mais descansada. Nenhuma forma de viajar é melhor do que a outra. São, simplesmente, diferentes.

Afinal, o Visitante, que tudo aprendeu na sua primeira estada, quando voltar, já só voltará a lugares escolhidos, para relembrar a sua beleza e terá disponibilidade para sentir a vida do povo do lugar. E o Viajante, que conheceu ao início como vive a cidade, quando voltar certamente quererá saber mais sobre os seus monumentos e sua história, dará mais atenção à erudição, mas também apreciará fazê-lo mais descansadamente, com mais pausas, para melhor apreciar a atmosfera da cidade. E o Turista, esse, sempre visitando ao seu descansado ritmo, quando volta aprende mais um pouco e mais profundamente.

Não importa como se começa, como se prefere fazer a viagem. O que importa é fazê-la e ir aliando a Sabedoria (os conhecimentos privilegiados pelo Visitante), à Força (a profundidade, a vivência, a genuinidade, em primeiro lugar buscadas pelo Viajante) e à Beleza (descansadamente privilegiada pelo Turista).

Maçonaria é vida, faz parte da vida, é uma forma de aprender e apreciar e viver o mundo à nossa volta. De evoluir com a nossa vivência. E sobretudo de partilhar a nossa vivência, os nossos conhecimentos, a nossa evolução com os demais e beneficiar da partilha do que os demais nos proporcionam. Em suma, de cada um fazer a sua viagem, da forma que prefere e de que retira mais proveito e partilhar esse proveito com os demais, pela forma como melhor o conseguir fazer.

Rui Bandeira

20 setembro 2010

Dos demónios e falsos deuses


É infelizmente frequente - e, na última década, tem-no sido mais do que nas anteriores - ouvir-se os seguidores de uma religião atacarem e denegrirem os seguidores de outras. De cada lado se vê quem, aferrado às suas "razões", esgrime argumentos teológicos, brande razões sociais e antropológicas, e por fim crava os ferros do mais baixo e vil preconceito. Em cada fação se incita o espírito de cerco, se exacerba a diferença entre o "nós" e o "eles", e se exorta ao ataque e à conquista (pela força, claro) do outro, do herege, do infiel, do adorador de demónios. Sim, que quase todas as religiões, de um modo ou de outro, reclamam a posse da Verdade, o monopólio do Caminho, a exclusividade da Luz - o que, infelizmente, é interpretado por muitos como "quem não é dos nossos está condenado".

Um dos pilares de base da maçonaria especulativa, desde que esta existe, tem sido, precisamente, a oposição a este mindset, a esta forma mesquinha de gerir a diversidade, a esta incapacidade de ver o mundo por outros olhos, de outro ângulo, sob outra luz. Num contexto histórico em que o confronto entre lados opostos tinha dado origem a uma guerra civil, a maçonaria estimulava a contenção, a tolerância e o amor fraterno entre homens que, de outro modo, nunca demonstrariam sequer um mínimo de urbanidade uns para com os outros. Estabelecendo conceitos passíveis de ser considerados um mínimo denominador comum, uma plataforma base de estabelecimento de pontes culturais e religiosas entre crentes de diversas fés, a maçonaria proibia - de modo a manter a harmonia custosamente conquistada - que cada um ultrapassasse esses frágeis compromissos e, em loja, manifestasse o que quer que fosse de próprio e exclusivo de uma qualquer denominação religiosa.

Logo vozes clamaram que a maçonaria queria destruir esta ou aquela religião, e que a maçonaria era um anátema, uma abominação, uma obra dos seguidores de satanás. Ao pretender conciliar várias crenças sob uma mesma égide, a maçonaria teria tocado num ponto nevrálgico: a maioria das pessoas não estava (e não está...) na disposição de admitir que o "outro" possa, seguindo um caminho diverso do seu, chegar ao mesmo lugar. Muitas religiões ensinam, mesmo, que os "deuses" das outras religiões são, na verdade, demónios empenhados em confundir os incautos, e que segui-los é caminho certo para a danação eterna. Esta perspetiva é, de facto, absolutamente incompatível com a maçonaria, por ser diametralmente oposta  ao conceito de tolerância que a maçonaria promove e defende. Como poderia um maçon sentar-se em loja ao lado de alguém que ele considerasse um adorador de demónios, e com ele dizer estarem ambos a trabalhar "à Glória do Grande Arquiteto do Universo", expressão que congrega os diversos conceitos de divindade de cada um dos maçons sob uma denominação comum? Por outro lado, quem tivesse a alma grande e quisesse "salvar" o seu irmão do erro em que este estivesse metido, apresentando-lhe as virtudes da sua própria fé, logo se veria remetido ao silêncio, senão voluntário, logo imposto. Como conciliar esta limitação ao proselitismo com deveres assumidos para com a sua igreja ou religião?

A resposta é simples: a maçonaria não é para esses. Quem assim pensar e quiser juntar-se a nós, melhor será que o não faça, ou rapidamente se verá confrontado com situações que lhe serão desconfortáveis e que pode entender serem contrárias aos ditames da sua fé. Nesse caso, o melhor que teria a fazer - pois nunca deveria ter sido admitido, no seu próprio interesse - seria pedir o atestado de quite e abandonar a maçonaria, pois os deveres de cada um para com a sua fé sobrepõem-se aos deveres para com a maçonaria. Quem achar que é sua obrigação converter o mundo a uma determinada fé, pois que o faça (ou que o tente...) mas sem a condição de maçon a atrapalhar. E quem, no mais fundo do seu coração, achar que todos quantos abraçam outras fés são adoradores de falsos deuses, ou mesmo de demónios, então nada tem que aprender connosco.

Mas quem aceite as limitações do seu entendimento, que a fé e a certeza são coisas distintas, e que várias pessoas podem olhar para a mesma coisa e ver coisas diferentes; quem queira ultrapassar o preconceito, praticar a virtude e tornar-se numa pessoa melhor; quem queira fazê-lo acompanhado, ajudando e sendo ajudado num espírito de fraternidade que ultrapassa as diferenças e as diversidades de pontos de vista; então encontrará entre nós verdadeiros irmãos na pessoas de uns quantos homens bons que, sob um mesmo Deus - mas respeitando as diferenças de entendimento que cada um tem d'Ele - se juntam para se tornarem melhores.


Paulo M.

17 setembro 2010

A Maçonaria incorpórea


"Ministro da Saúde acusa Medicina de incoerência". "Engenharia desacredita cursos do ensino privado". "Dança moderna na bancarrota". "Atletismo acusado de burla". "Geografia convoca eleições". "Química sobe os preços dos combustíveis". Imaginem qualquer destas frases na primeira página de um jornal. Nenhuma delas faz sentido, pois não? Agora imaginem-nas alteradas desta forma: "Ministro da Saúde acusa Ordem dos Médicos de incoerência". "Associação dos Engenheiros Civis desacredita cursos do ensino privado". "Escola Nacional de Dança Moderna na bancarrota". "Tesoureiro do Conselho Superior de Atletismo acusado de burla". "Sociedade Lisbonense de Geografia convoca eleições". "GALP sobe o preço dos combustíveis". Já se percebe melhor, não acham?

A Medicina, a Engenharia, a Dança, o Atletismo, a Geografia, a Química, não são entidades; são, quando muito, nomes de áreas do saber, de técnicas, de actividades. Dizer-se que "a Medicina" fez isto ou aquilo é desprovido de sentido, assim como o é acusar-se "a Política" de má fé. Já dizer-se que "o quadro médico do Hospital X ganhou prémo de excelência" é um discurso pelo menos coerente, como o será acusar-se "o Secretário de Estado de Z" de má fé. Por outro lado, não parece correto dizer-se que "a ponte foi construída com recurso aos mais modernos conhecimentos da Ordem dos Engenheiros", mas se dissermos "aos mais modernos conhecimentos da Engenharia" tudo muda de figura.

Entaladas entre dois conceitos ficam frases como "Igreja Católica condena o uso do preservativo", ou "O Futebol está de luto". O que não é claro, nestes casos, é a identidade do sujeito. "Igreja Católica" refere-se a quê, precisamente? Ao conjunto dos fiéis, significando que estes, na sua maioria, condenam o  uso do preservativo; ou, por outro lado, ao Papa, enquanto representante da Igreja Católica, sendo este quem condena independentemente da posição da massa de fiéis? Quanto ao futebol, pode a notícia significar que, por exemplo, a Federação Portuguesa de Futebol decretou luto oficial por uma qualquer razão; ou pode, por outro lado, querer dizer que milhões de adeptos da modalidade sofrem com a perda de uma figura de referência. Qualquer das interpretações faz sentido; traduz é realidades distintas.

Precisamente o mesmo fenómeno ocorre de cada vez que se ouve ou lê: "A Maçonaria fez...", "Maçonaria implicada em..." ou "Ligações à Maçonaria no caso...", como se a Maçonaria, à semelhança de uma Igreja, de uma Colmeia ou um Clube Desportivo, fosse uma entidade, uma soma das partes, um substantivo coletivo. E aqui, uma vez mais, há quem tenha um entendimento, e quem tenha outro, quem concorde com esta posição e quem a repudie.

Para a Maçonaria Regular - de origem Britânica, recorde-se - "a Maçonaria" não é o conjunto dos Maçons, mas o nome daquilo que eles fazem, do mesmo modo que "a Medicina" é o nome daquilo que os médicos fazem, e não o nome que se dá ao conjunto dos médicos. Da esfera da Maçonaria Regular faz parte o princípio de que a Maçonaria não deve intervir na sociedade enquanto tal, mas apenas através de cada maçon. Cada um destes pode - deve! - promover a melhoria da sociedade através do seu próprio exemplo, da sua atuação e da sua influência, seja isoladamente seja em ações conjuntas dos elementos da mesma Loja ou, mesmo, da mesma Obediência (ou seja: da mesma Grande Loja ou Grande Oriente). Assim, não se pode dizer que a Maçonaria Regular tenha um "corpo" atuante, pois cada mão, cada dedo, cada cabelo, age por si mesmo, sem que haja concertação daquilo que se faz.

Entendimento diverso tem, normalmente, quem pratica a Maçonaria Liberal - de origem Francesa - por entender ser a Maçonaria o conjunto dos Maçons, ativamente empenhados, enquanto parceiro social, na promoção dos ideais maçónicos de uma sociedade mais livre, mais igualitária e mais fraterna. A Maçonaria é, aos seus olhos, o conjunto daqueles que defendem uma mesma visão do mundo, e que se congregam enquanto grupo organizado no sentido de a tornar realidade. Deste modo, atua de forma mais ou menos concertada, mas sempre com a consciência de que fazem parte de um todo, de um corpo, com um propósito comum para o qual cada um contribui na medida da sua possibilidade.

Em Portugal, a obediência internacionalmente reconhecida no seio da Maçonaria Regular é a Grande Loja Legal de Portugal/GLRP, de que a Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues faz parte. A maior das obediências portuguesas internacionalmente reconhecidas no seio da Maçonaria Liberal é o Grande Oriente Lusitano (GOL). Uma e outra praticam Maçonaria - mas fazem-no de forma substancialmente diferente, decorrendo esta diferença, nomeadamente, do distinto entendimento que têm da ação da Maçonaria na sociedade. Não será alheia a esta diferença de postura perante a sociedade a profusão de referências nos media ao GOL, enquanto que a GLLP/GLRP tem uma exposição mediática muito mais reduzida. A avaliação do quanto de benéfico ou de nefasto para cada uma das Obediências e para a Maçonaria advém destas distintas posturas é algo que vos deixo como exercício de especulação individual.

E a partir de agora, quando ouvirem dizer ou lerem que "a Maçonaria" fez isto ou aquilo, averiguem a quem se refere a notícia: a que maçons, a que loja, a que obediência - isto, se não for "boato". Vão ver que, se o fizerem, muitas das perguntas que aqui têm surgido ficarão rapidamente respondidas - ou saberão, pelo menos, a quem dirigi-las.

Paulo M.

(Todas as frases referidas no primeiro parágrafo são um produto de ficção e meramente exemplificativas; qualquer eventual correspondência com a realidade não passa de mera coincidência)

15 setembro 2010

Altos Graus


A formação de um maçom está formalmente concluída logo que concluída a cerimónia pela qual ele é elevado ao 3.º grau e assume a qualidade de Mestre Maçom. Todos os "segredos" lhe estão transmitidos, todas as "lições" lhe estão dadas, o método maçónico de evolução é-lhe conhecido. A partir desse momento, o Mestre Maçom é um Aprendiz que aprende o que tem de aprender, como pretende, segundo as suas prioridades e preferências. Acabou a sua aprendizagem e tem a sua "carta de condução". Mas aprender o quê? Tudo o que lhe foi exposto, apresentado, mostrado. Todos os símbolos, rituais, ornamentos, textos, que lhe foram fornecidos ao longo da sua formação. Não que tenha de saber esses textos de cor. Mas porque todos esses elementos são pistas, sinais, caminhos abertos à sua individual exploração.

Onde conduzem esses caminhos? Ao interior de si próprio! À interiorização das virtudes e normas de comportamento e princípios que devem reger a conduta de um homem bom e justo e que procura aproximar-se o mais possível do conceito de homem perfeito. Porquê? Porque crê que é esse trabalho, esse esforço, esse objetivo, o verdadeiro significado da vida, a razão de ser da nossa existência, porque o nosso caráter, o nosso espírito, a nossa alma (chame-se-lhe o que se quiser) necessita desse esforço, desse reforço, desse aperfeiçoamento, para evoluir e passar adiante (chame-se-lhe Ressurreição, ou Glória, ou Paraíso, ou Nirvana, ou o que se quiser). Complementarmente à sua crença religiosa e em reforço e desenvolvimento desta, o maçom procura assim descortinar o inescrutável, entrever o sentido da vida e o Plano do Criador, cumprir a sua vocação.

Em bom rigor, para o fazer segundo o método maçónico não necessita de mais ferramentas do que as que lhe foram dadas ao longo da sua instrução como Aprendiz e Companheiro e na sua exaltação a Mestre. Elas chegam, está lá tudo o que é necessário para que o homem bom que um dia bateu à porta do Templo se torne um homem melhor, um pouco melhor em cada dia que passa, um tudo nada melhor do que no dia anterior e um não sei quê pior do que no dia seguinte.

Para esse trabalho fazer, basta-lhe atentar e meditar e trabalhar nos conceitos e lições que recebeu, explorar a miríade de símbolos e chamadas de atenção com que se deparou. E tirar de cada meditação, de cada exploração, de cada esclarecimento, a respetiva lição e - mais e sobretudo - aplicá-la na sua conduta de vida. O Mestre Maçom tem tudo o que necessita para o seu trabalho e a obrigação de ensinar os que se lhe seguem - cedo descobrindo que será também ensinando que ele próprio aprende...

Mas alguns Mestres Maçons sentiam-se insatisfeitos, desconfortáveis. Até à sua exaltação, tinham tido um guião, uma cartilha, mentores, que auxiliavam o seu percurso. E, de repente, ainda inseguros, ainda tateando o seu caminho, os seus Irmãos largavam-nos ao caminho e diziam-lhes: "aí tens tudo o que precisas de ter para fazer o teu caminho! Procura, lê , estuda, medita, tenta, acerta, erra, quando errares volta atrás e tenta de novo até acertares." Não haveria maneira de guiar ainda o seu trabalho? Não de os conduzir, mas de fornecer como que um mapa, um guia, que facilitasse a sua tarefa? Tudo bem que tudo o que havia a explorar e aprender já lá estava no que lhe fora ensinado. Mas as alegorias têm de ser decifradas, os significados encontrados... É certo que o trabalho tem de ser individual mas... precisa absolutamente de ser tão solitário? Está certo que cada Mestre Maçom deve procurar a sua Luz e, para o fazer, tem de se abalançar ele próprio a atravessar a escuridão mas... não se pode dar-lhe nem uns fosforozitos, nem uma velinhas, para ajudar a alumiar o caminho?

Cedo se chegou à conclusão que sim, que se podia. Que, embora cada um tivesse os meios de explorar o seu caminho, não havia mal nenhum em proporcionar a quem o quisesse um mapa, um guia, um roteiro, que desenvolvesse, paulatinamente, patamar a patamar, as noções que já estavam disponíveis para serem desenvolvidas, mas que não havia mal nenhum se o fossem através de um roteiro bem organizado.

E assim se desenvolveu aquilo a que hoje se chama Altos Graus. Nas derivas do Romantismo, muitos sistemas de altos Graus foram desenvolvidos. De alguns deles ainda restam resquícios, tentativas de manutenção. Outros entretanto desapareceram. No mundo maçónico, nos dias de hoje, predominam dois sistemas de Altos Graus, do Rito Escocês Antigo e Aceite e do Rito de York. Outros são também praticados: do Rito Escocês Retificado, por exemplo.

Mas não se engane ninguém: ao percorrer qualquer desses sistemas (ou mais do que um), não se sobe, não se fica mais alto, mais poderoso, superior. Ao percorrer cada um dos sistemas de Altos Graus está-se a utilizar um guia de auxílio no nosso caminho individual. Cada grau não é um patamar. É uma viagem de descoberta e estudo. E o grau seguinte não é um patamar superior. É apenas outra viagem de descoberta e estudo. De que se volta para de novo partir, seja para reestudar a mesma lição, para reestudar lição anterior, ou para explorar nova lição. E, a todo o momento, o Mestre Maçom pode decidir fazer nova viagem segundo o seu roteiro (e tomar novo grau) ou explorar por sua conta própria. Ou fazer ambas as coisas...

A Maçonaria é um caminho de conhecimento, iluminação e aperfeiçoamento. Que cada um percorre como quer. Às vezes com roteiro. Às vezes sem guia. Uns de uma maneira. Outros de outra. Nem sequer, bem vistas as coisas, o mais importante é o destino. Importante, importante mesmo, é afinal a viagem e o que se retém dela!

Rui Bandeira

13 setembro 2010

Prioridades


Nunca cansa repeti-lo: nas prioridades de um maçon, os deveres para com a família, os deveres para com os filhos, os deveres religiosos e os deveres civis sobrepõem-se aos deveres para com a Maçonaria. Por isso, uma das perguntas que alguém que pense pedir para ser admitido maçon deve fazer a si mesmo é, precisamente, se a família próxima - especialmente o cônjuge ou, como se diz agora, significant other - o apoiará, ou se, pelo contrário, lhe irá "cobrar" as ausências, as quotas e a disponibilidade mental. É essencial pelo menos a aceitação - e, idealmente, o apoio - do cônjuge para que se possa tirar partido da Maçonaria, sob pena de que os benefícios que esta deveria proporcionar através do melhoramento do maçon - que se tornaria numa pessoa melhor e mais passível de espalhar a felicidade em seu redor - sejam ofuscados pelas querelas conugais.

Do mesmo modo que a Maçonaria Regular não reconhece Grandes Lojas em países que proíbam a Maçonaria - decorrendo isto do facto de a Maçonaria Regular se cingir estritamente ao cumprimento das leis dos países onde está constituída, pelo que não faria sentido reconhecer uma Grande Loja que, para existir, violasse as leis do país que proíbem a sua própria existência - também, por idêntica ordem de razão, não deveria, em princípio, ser admitido à iniciação um profano que ocultasse do cônjuge esse facto, ou cujo cônjuge desaprovasse a sua admissão, uma vez que, devendo prevalecer o auxílio e a harmonia familiares sobre os deveres para com a Maçonaria, estaria a ser esta causa de desavenças e contendas, o que de modo algum é desejável.

Mesmo assim, se se conseguir fazer como defendia um dos comentadores habituais deste blogue - que, entre dois cenários alternativos, escolhia os dois - o ideal será, igualmente, conjugar ambos os deveres sem faltar a nenhum, que foi o que tentei fazer hoje, na medida das escassas possibilidades que tive, escrevendo um texto, apesar de curtinho e publicado para além da hora do costume. Desculpem-me os habituais leitores, mas deveres familiares não permitiram mais; sexta-feira cá estarei com outro texto - que se espera mais disponível e mais inspirado.

Paulo M.

10 setembro 2010

Simplicidade, lógica, razão e o comportamento humano


O mundo que nos rodeia é cada vez mais complexo. Dos telemóveis aos automóveis, dos despertadores aos computadores, dos estacionamentos aos aquecimentos, tudo nos impõe mais conceitos, mais técnicas, mais botões. O lamento pela perda da simplicidade de outrora é constante. Então, num mundo dominado por máquinas de lavar cheias de botões, luzinhas e manípulos, um conhecido fabricante de máquinas de lavar roupa desenvolve um projeto revolucionário: uma máquina que pesa a roupa, da qual determina o grau de sujidade, através dos quais doseia automaticamente a quantidade de detergente e escolhe o mais eficiente programa de lavagem.

Cúmulo da simplificação, a máquina é apresentada pelo Departamento de Engenharia com apenas dois controlos: um botão de ligar/desligar, e a escolha entre "roupa de cor ou muito suja" e "roupa de limpeza fácil"; o resto do programa é determinado pelo próprio aparelho, que dispõe de um automatismo tal que, com toda a simplicidade, parcimónia e racionalidade, reduz ao mínimo os gastos de água, detergente, tempo e energia. Contudo, esta máquina acaba por ser apresentada ao público com uma profusa quantidade de controlos adicionais, impostos pelo resultado de estudos feitos pelo Departamento de Marketing!

Pois é. Todo o racionalismo na conceção, toda a simplificação do uso, toda a sofisticação do funcionamento, esbarraram em dois factores de peso. Por um lado, a perceção por parte do consumidor, quando compara as máquinas em exposição à procura da que vai adquirir, de que quanto mais funcionalidades a máquina tiver, melhor é - e que as funcionalidades têm, forçosamente, que se traduzir em mais comandos e botões. Por outro lado, um sentimento primário absolutamente contrário aos clamores por mecanismos mais simples, e que pode ser traduzido por algo como "mas queres uma máquina que mande em ti, ou vais tu mandar na máquina?" e que deita por terra os automatismos mais argutamente desenvolvidos.

A razão é um valor que a Maçonaria muito preza. Contudo, a mente humana não paira no éter: reside no cérebro, que por sua vez está agarrado ao resto desta coisa a que chamamos corpo. E mesmo a mente humana não é, como podemos ver, um bastião de razão pura. Por isso a Maçonaria insiste na tolerância, no equilíbrio e na diversificação dos saberes enquanto medidas conducentes à harmonia entre corpo e espírito, à aceitação das diferenças, e à interiorização de que, no fundo, somos frágeis, falíveis e imperfeitos - primeiro passo para pretendermos tornar-nos melhores.

Paulo M.

Para quem tenha curiosidade quanto à história rerferida:
http://www.jnd.org/dn.mss/simplicity_is_highly.html
http://www.joelonsoftware.com/items/2006/12/09.html

08 setembro 2010

33.º = 3.º


Uma das razões pelas quais quem está de fora da Maçonaria tem dificuldade em compreender, na sua plenitude, o que esta é resulta - bem vistas as coisas, naturalmente - de aquele que vê do exterior julgar, apreciar, avaliar, a instituição segundo o paradigma da sociedade em que se insere e não através do paradigma próprio criado pela Maçonaria.

Quem vê de fora tem tendência a conceber a Maçonaria segundo o cânone da hierarquia, que é comum à maior parte das instituições humanas. O Governo é dirigido por um Primeiro-Ministro, que manda nos, ou coordena os, Ministros, que, por sua vez, mandam no seu Ministério, dando ordens aos seus Secretários de Estado, e estes aos Diretores-Gerais, que ordenam aos Diretores de Serviço, que mandam nos Chefes de Repartição, que exercem autoridade sobre os Chefes de Secção, que dão instruções aos Administrativos, que... E todo o titular de um cargo superior hierarquicamente exerce autoridade não só sobre o seu inferior hierárquico imediato, mas por todos os que hierarquicamente estão abaixo deste e de si.

Se pensarmos nas Forças Armadas, idem, aspas, apenas com a diferença de o superior ter o título de General, aquele que está na base da pirâmide, o praça, ser o soldado e, entre um e outro, haver toda uma cadeia hierárquica de Oficiais, Sargentos e Cabos.

Se nos lembrarmos de um clube desportivo, lá está: facilmente visualizaremos a cadeia hierárquica que vai do Presidente da Direção ao roupeiro, passando pelos Diretores, Treinadores, Adjuntos, Capitão de Equipa e seus substitutos, jogadores e demais pessoal.

Se nos detivermos na Igreja do credo religioso maioritário em Portugal, lá temos a omnipresente hierarquia de Papa, Cardeais, Arcebispos, Bispos, Cónegos, Padres e, na aparente base da pirâmide, afinal a sua única razão de ser e de existir, a massa dos crentes.

Em suma, e para não me alongar em exemplos, a maneira comum de ver as instituições da sociedade é de forma hierárquica, em que alguém manda, alguém é mandado e manda, em sucessivos patamares até se chegar a quem só obedece.

A tendência de quem olha de fora para a Maçonaria é vê-la segundo este paradigma e, portanto, considerar que, se no Rito Escocês Antigo e Aceite há 33 graus, os detentores do grau 33.º são os que estão no topo da hierarquia e "mandam" em todos os que se integram nos graus inferiores e o mesmo sucede ao longo da "cadeia hierárquica".

Esta forma de ver a instituição maçónica é profundamente errada e conduz a graves vícios de análise. Persiste quer pelo contágio das demais instituições sociais, quer porque os próprios maçons têm negligenciado o esclarecimento do erro. É por isso que não me escandalizo quando um dos nossos interlocutores afirma - como por vezes sucede - que Fulano era do grau 33 e portanto pertencia ao topo da hierarquia e o que disse ou escreveu há de ter um especial significado, pois integrava o escol dos que mandam. Se este erro persiste, a culpa não é só dos meus interlocutores - é também minha! É, pois, tempo de alijar o fardo da minha culpa e esclarecer!

A Maçonaria não se organiza segundo o princípio da hierarquia. A Maçonaria funciona estritamente segundo o princípio da Igualdade!

A única - e temporária - derrogação destes princípio respeita aos Aprendizes e Companheiros (graus 1.º e 2.º), os quais, por estarem em processo de formação e integração, têm uma diminuição de faculdades, não tendo (ainda) o direito de voto nem o direito de palavra (em reunião formal). Mas esta derrogação da plena Igualdade é temporária e estritamente decorrente da natureza do processo de formação e de integração de Aprendizes e Companheiros. O seu percurso far-se-á com naturalidade até que - sem demasiada demora, mas também sem grandes pressas - aquele que um dia se apresentou à Iniciação se submete ao Ritual de Elevação ao 3.º grau e assume a condição de Mestre Maçom.

A partir desse exato momento, é um Mestre com exatamente os mesmos direitos e deveres e a mesma e igual posição hierárquica que todos os outros Mestres. Nem a antiguidade importa. Nem esta é um posto. O maçom acabado de ser elevado a Mestre pode, no minuto seguinte, ver ser-lhe confiado o exercício de um ofício em loja. E, logo que tenha exercido o ofício de 2.º ou de 1.º Vigilante, pode ser eleito Venerável Mestre, em estrito pé de igualdade com todos aqueles que estão na mesma situação há 1, há 10 ou há 30 anos. E todo aquele que tenha exercido o ofício de Venerável Mestre de uma Loja pode ser eleito Grão-Mestre.

É indiferente, em Loja, se A tem "apenas" o 3.º grau, B o 9.º, C o 15.º, D o 33.º. Todos são estritamente iguais e aquele que tem "apenas" o 3.º grau pode ser eleito Venerável Mestre e dirigir os outros, os que têm o 9.º, o 15.º ou o 33.º grau. Todos os Mestres maçons são estritamente iguais, independentemente do grau dos Altos Graus a que cada um tenha acedido. Um maçom do 3.º grau não é menos, nem mais, do que um maçom do 33.º grau. São ambos Mestres maçons - e com um estatuto rigorosamente igual em Loja. Um dos Mestres maçons da Loja é eleito para, durante um ano, exercer o ofíci0 de Venerável Mestre. Outro dos Mestres maçons da Loja é eleito para, durante o mesmo período, exercer o ofício de Tesoureiro da Loja. O Venerável Mestre eleito designa, segundo os costumes e os critérios próprios da Loja, estabelecidos ao longo do tempo, os Mestres maçons que exercem os demais ofícios necessários para o bom funcionamento da Loja. Independentemente do grau que tenha ou deixe de ter cada um dos designados. Durante um ano, os Oficiais da Loja exercem os poderes e cumprem os deveres inerentes aos respetivos ofícios e os demais elementos da Loja respeitam esse exercício e, se assim o quiserem, colaboram. Em qualquer assunto que se debata, todos - mas rigorosamente todos! - os Mestres maçons, independentemente do grau que porventura adicionalmente detenham ou do ofício que no momento cada um exerça ou não, têm exatamente o mesmo direito à palavra e o mesmo direito ao voto, com exatamente o mesmo valor.

Igualdade absoluta, pois.

Também as Lojas são estritamente iguais. Nenhuma tem mais direitos ou deveres do que as outras.

Sendo assim, perguntará, e bem, quem está de fora, porque há 33 graus, que relação existe entre eles, se não é hierárquica, em que consiste esse paradigma de graus "iguais"?

Essa é matéria que procurarei esclarecer no próximo texto, dedicado aos Altos Graus.

Rui Bandeira

06 setembro 2010

Uma loja maçónica não é uma tertúlia (II)



Dois grandes factores de distinção entre uma tertúlia e uma loja maçónica são o objetivo e forma da intervenção de cada um. Numa tertúlia as intervenções sucedem-se, e cada um vai tomando a palavra repetidamente tantas vezes quantas queira (ou lho permitam...), sucessivamente acrescentando ao que disse antes, refutando os argumentos deste ou daquele, e fortalecendo - ou alterando - a sua posição de cada vez que se dirige aos demais. Cada um vai tentando fazer prevalecer a sua posição através de argumentos e contra-argumentos ao que foi dito antes, esperando-se que, a partir de um certo ponto, se tenha atingido um equilíbrio em que já tudo foi dito e cada um (re)contruiu já a sua posição face ao assunto em debate.

Numa loja maçónica, porém, as coisas não poderiam ser mais diferentes. Começa por que, no que respeita cada assunto, cada um pode fazer apenas uma única intervenção - e só muito excecionalmente poderá fazer uma segunda, sempre muito curta, e apenas se absolutamente impreterível, como por exemplo para clarificar algo que não tenha sido dito da forma mais inteligível. Esta imposição obriga a que se tenha um cuidado multiplicado com aquilo que se diz, de forma a dizê-lo bem à primeira.

Há uma ordem estrita a ser seguida. Primeiro começa-se pelas colunas (do Norte e do Sul), para que os mestres maçons que aí se sentam possam, querendo, pedir a palavra. Depois de não haver mais pedidos de intervenção, os dois Vigilantes podem pedir a palavra para si mesmos, primeiro o 2º Vigilante e depois o 1º Vigilante. É então dada a indicação de que não há mais intervenções nas colunas, e esta passa ao Oriente, onde residem o Venerável Mestre, o Secretário, o Orador, o Ex-Venerável e eventuais visitas a quem tenha sido dada essa distinção. A palavra é dada, no Oriente, a quem quiser dela fazer uso, e o Venerável Mestre é o último a intervir. Caso esteja em causa uma decisão, esta poderá ser tomada pelo Venerável Mestre de imediato, ou este poderá consultar a Loja através de uma votação. De qualquer modo, a intervenção do Venerável Mestre deve ser sempre no sentido de procurar encontrar uma conclusão que seja harmoniosa para a loja, e com que a maioria se identifique.

Para além da forma, já exposta, há o objetivo. Idealmente, cada intervenção destinar-se-ia a que cada um, na medida em que considerasse ser isso útil, apresentasse a sua posição ou opinião a respeito do assunto em causa, e sem que o seu conteúdo fosse condicionado por ser a primeira ou a última intervenção a ser efetuada. O que se diz não deve ser dirigido a ninguém em particular, mas a toda a Loja, e não deveria sequer referir-se alguma intervenção anterior, mas apenas fazer-se referência ao tema que esteja em discussão. Não deve haver interpelações, refutações ou contraditório, uma vez que isso colocaria em desvantagem aquele que já fez a sua intervenção e não pode agora responder. Pretende-se, assim, que cada um possa dar a conhecer a sua posição, sem que tente impô-la aos demais, e sem que explicitamente contrarie alguma posição já exposta, e por outro lado que cada um tenha a oportunidade de ser confrontado com opiniões alheias - porventura distintas das suas - num tom e numa postura que não ameacem a posição com que cada um se identifica.

A Maçonaria cria, deste modo, um contexto que induz cada um a confrontar-se com opiniões e posições distintas da sua, num ambiente de boa fé, entre iguais, sem que ninguém possa impor a ninguém nenhuma obrigação, mas em que cada um possa, querendo, tomar para si as palavras do outro, seja como as recebeu seja na forma que as queira incorporar naquilo que constitui a sua identidade.

Por fim, é costume - se bem que não creia haver nenhuma regra escrita a esse respeito - serem públicos os louvores e privados os reparos. Quando um bom trabalho é apresentado, é frequente que, nas palavras proferidas por cada um, sejam manifestadas palavras públicas de louvor e de encorajamento. Quando, porém, foi dito algo passível de ser interpretado como menos bom ou menos correto, a correção fraterna - que raramente falha - surge quase sempre em voz baixa directamente ao ouvido do "prevaricador". A franqueza e honradez manifestadas, de mão dada com a genuína preocupação que os maçons têm uns com os outros, levam a que seja frequente surgirem amizades muito fortes entre irmãos da mesma loja - e mesmo entre irmãos de lojas diferentes. A este respeito não me sai da cabeça uma frase que li há tempos numa entrevista em que alguém dizia: «A maçonaria é a única organização em que se faz amigos de infância aos 40 anos». Não sei se é a única, mas que se faz, faz.

Paulo M.

P.S.: Devo recordar que a Loja Mestre Affonso Domingues está integrada numa Obediência Regular - a Grande Loja Legal de Portugal / GLRP, e que o que descrevi se aplica a esta. Noutras obediências far-se-á de forma distinta; um destes dias escreverei um texto sobre isso.

03 setembro 2010

Uma loja maçónica não é uma tertúlia (I)


«Tenho um grupo, que com as vicissitudes da vida se foi afastando, mas que durante uns bons 15 anos formou uma tertúlia que se encontrava quase todos os dias. Tivemos incontáveis debates e polémicas. Aprendemos todos muito uns com os outros. Hoje, ainda continuamos todos amigos. Não há necessidade de proibições no que toca a troca de ideias.» (Diogo, num comentário recente)

Este comentário explica, quase por si mesmo, porque é que uma Loja Maçónica não é - nem pode ser - uma tertúlia. Ora comecemos, como quem analisa, escrutina e disseca um texto numa aula de Português.

Ter um grupo «... que com as vicissitudes da vida se foi afastando...» é uma das coisas que se pretende evitar numa Loja. Pertencer a uma Loja é como que um casamento. Não é forçosamente para toda a vida, pode-se ter "outras" ao mesmo tempo (se bem que seja difícil de gerir) mas, mesmo quando isso acontece há sempre uma que é a "principal"; pode-se cortar os laços com essa, e ou arranjar outra "principal" ou mesmo passar a não ter nenhuma, mas ambas são situações dolorosas. Uma Loja é como que uma família. Uns nascem, outros morrem, mas a família é a mesma - se não se extinguir; numa Loja, são iniciados uns, adormecem ou partem para o Oriente Eterno outros, mas a Loja permanece - se não abater colunas. Há lojas várias vezes centenárias, e esse vínculo a algo que existia antes de nós e continuará a existir depois é uma das coisas boas que a Maçonaria nos proporciona; ao mesmo tempo que nos reduz à nossa pequenez de meros "passadores de testemunho" dá-nos a satisfação de saber que pertencemos a essa cadeia de continuidade.

Pertencer a um grupo «...que se encontrava quase todos os dias» deve ser algo de muito exigente, e pouco consentâneo, suponho, com os deveres conjugais, laborais e parentais. Claro que isso é questão que só se põe a quem esteja sujeito a esses deveres... Por outro lado, encontros diários não serão, como dizia Shakespeare, "too much of a good thing"? Não terão esgotado em 15 anos conversa que dava para uma vida inteira? Em contraste, a maçonaria alerta os seus membros de que os seus principais deveres são para com a família, para com o Criador (qualquer que seja a conceção que dele se faça), e para com o país; a maçonaria vem depois.

Dizer-se, ao fim de 15 anos, que «ainda continuamos todos amigos» implica ter-se começado por aí: pela amizade enquanto vínculo genitor. Ora, quando se ingressa uma loja é-se integrado num grupo de desconhecidos; as amizades que surjam são paralelas ao grupo, não são condição prévia do mesmo. Os nossos amigos são pessoas que nós conhecemos e cujo contacto decidimos manter e aprofundar, e com quem nos identificamos mais; numa loja, pelo contrário, não se escolhe nada; um pouco como a família  do cônjuge, fica-se com o que nos calha na rifa. A um amigo perdoa-se mais, aceita-se mais e tolera-se mais do que a um desconhecido; por isso, as regras e os pressupostos de uma loja e de um grupo de amigos não podem deixar de ser diferentes, pois que numa loja a diversidade é maior do que num grupo de amigos.

Tertúlias como aquela de que o Diogo fala são próprias da adolescência e da juventude. Nos debates, frequentemente acesos, cada um tenta marcar a sua posição, convencer os demais, ensinar e impor o seu ponto de vista. Contudo, é normal que os seus membros, uma vez "crescidos", tendo adquirido a sua própria individualidade e identidade fora do grupo, se afastem progressivamente.; é normal que haja menos disponibilidade para um contacto tão íntimo e envolvente, para uma exposição tão prolongada, para um desnudar-se tão profundo - até porque as ideias se vão cimentando e há cada vez menos temas novos a debater sem que o resultado do debate esteja determinado a priori. Assim, a maturidade acaba por estabelecer o limite. Em loja, pelo contrário, o objetivo não é "converter" ninguém a um determinado ponto de vista, mas permitir que cada um encontre o seu.

Paulo M.

01 setembro 2010

A Cadeia de União


Em todas as reuniões das Lojas que trabalham no Rito Escocês Antigo e Aceite (mas não só neste rito: por exemplo, também no Rito de Schröder) se reserva um momento para que todos os maçons presentes formem a Cadeia de União.

É um dos momentos marcantes da reunião: ao formarem e integrarem a Cadeia de União, os maçons relembram que cada um individualmente faz parte de um Conjunto. Conjunto que é mais forte do que a mera soma das forças individuais, porque a todas estas se agrega a força da união de todos.

A Cadeia de União simboliza e demonstra ainda o princípio fundamental da plena Igualdade dos maçons. Todos os presentes, desde aquele que dirige a Loja ao mais recente Aprendiz se unem, na mesma exata e igual postura, cada um mero elo de uma cadeia. Não há, naquele momento, distinção alguma, não se atende a graus, a funções, a antiguidades. Todos iguais em comunhão!

É um momento de reflexão, de solidariedade, de união, em que cada um sente que contribui para o grupo - mas também sente que beneficia da força comum do grupo.

A Cadeia de União forma-se perto do final dos trabalhos, já depois de finalizados os debates da ordem do dia. Por muito acesos que tenham sido esses debates, por muito díspares que tenham sido as opiniões formuladas, por muito distantes que porventura estivessem as conceções confrontadas, o debate já terminou, a decisão já foi tomada, ora uma bissetriz traçada com as contribuições de todos, ora uma opção que não será a de todos. Mas todos contribuíram, leal e esforçadamente, para a assunção da decisão, contra a qual nenhum militará. Todos se reúnem na cadeia de União, onde não há lugar a desacordos, pontos de vista ou discordâncias: cada um assume a sua função de elo de uma cadeia, igual a todos os outros elos, solidário com todos os outros elos. De muitos, e diferentes, se faz um, o grupo, o conjunto.

A Cadeia de União é a expressão da rara capacidade que os maçons adquirem e praticam: conformar e utilizar a diversidade para o bem e o objetivo comum. Todos são diferentes, todos colocam as suas diferenças em prol do grupo, todos são ali iguais.

A Cadeia de União é a prática sempre repetida, que, em iguais proporções, reforça o elemento "cadeia" (cada um é um elo, uma peça de um conjunto) e "união" (todos juntos, todos em comum, solidários).

A Cadeia de União é uma prática pela qual se forma, reforça e assinala a coesão do grupo. Nos momentos em que o grupo assim se une, desvanecem-se os individuais egos, avulta o coletivo, na busca de uma egrégora fortalecida e fortalecedora. Todos os espíritos se unem no mesmo objetivo, na mesma intenção, na mesma prece, na mesma celebração, seja o que for, mas o mesmo...

A Cadeia de União é um gesto, mas é muito mais do que um gesto. É parte integrante do nosso segredo de maçons, não porque guardemos ciosamente a notícia da sua existência (este texto prova o contrário...), mas porque é realmente impossível explicar a quem nunca participou numa Cadeia de União o efeito, a paz, a comunhão, a força, que produz nos membros de uma Loja assim unidos. É um gesto, mas é muito mais do que um gesto. E o seu significado só é plenamente apreendido por quem nele participa, uma e outra e ainda outra vez e muitas vezes. É um significado que não se ensina. Aprende-se vivendo-o!

Fora de Loja, só se forma Cadeia de União em homenagem fúnebre a maçom que passou para o Oriente Eterno. E aí, então, têm lugar como elos nessa cadeia todos aqueles que se reclamam de ser maçons. Aí não importam reconhecimentos, nem regularidades, nem nada dessas miudezas. Aí, pessoas de boa vontade e com muito em comum homenageiam uma pessoa de boa vontade que nos precedeu no caminho que todos trilharemos.

Rui Bandeira

30 agosto 2010

Os símbolos e os rituais maçónicos: ferramentas de trabalho

 
Conta-se que um novo monge, chegado a um mosteiro, é incumbido de auxiliar os outros monges na cópia de textos antigos à mão. Nota, porém, que estão a copiar a partir de cópias, e não de textos originais., o que o leva a perguntar a razão ao superior, notando que, em caso de erro em qualquer cópia, esse seria propagado por todas as cópias seguintes. O superior responde-lhe: «É assim que temos feito há séculos, mas é uma boa questão, meu filho.»
Assim, o velho monge desce com uma das cópias à cripta para a comparar com o original, e por lá fica horas esquecidas. Não o vendo regressar, os monges, preocupados, enviam um deles ao seu encontro. Este, ao aproximar-se, ouve o ancião soluçar debruçado sobre um dos livros antigos. Pergunta-lhe o que se passa, ao que ele lhe responde, com os olhos rasos de lágrimas: «Aqui diz "celebrado", não diz "celibato"...»

O tempo e as sucessivas passagens de testemunho encarregam-se de que as palavras, os símbolos e os gestos percam o seu significado original, adquirindo eventualmente outros completamente distintos. "Quem conta um conto acrescenta um ponto", diz com razão a sabedoria popular. Aquilo que, na sua génese, poderia constituir mero artifício literário destinado a ilustrar uma ideia pode, ao fim de algum tempo, ser distorcido pela própria evolução linguística. Ainda hoje se discute a que se referiria, precisamente, a frase bíblica que diz ser "mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus". O camelo seria o bicho de duas bossas, ou uma má tradução da palavra grega que significa "cordel", ou ainda um tipo de cabo usado nos barcos para os amarrar ao cais? E o buraco da agulha, é mesmo um buraco literal de uma agulha vulgar, ou é uma porta, uma passagem, um estreito, como especulam alguns? As palavras - simbólicas - ficaram connosco; o seu contexto original perdeu-se. Ficou a ideia que se pretenderia passar: de que aos ricos é difícil "entrar no Reino dos Céus".

Por outro lado, algumas mentes têm tendência para tomar os símbolos por aquilo que representam. A partir deste instinto formam-se verdadeiros cultos: veja-se o das personalidades políticas nos países do bloco soviético ou , mais proximamente, o do Doutor Sousa Martins. Cientes deste facto, várias religiões têm duras regras de condenação da idolatria, que mais não é do que a adoração de um símbolo, ao tomar-se o objeto por aquilo que ele representa. O Islão proíbe, por exemplo, qualquer representação de pessoas ou animais, não vá alguém tentar-se e lançar-se em sua adoração; e os protestantes costumam acusar os católicos de idolatria por terem nas suas igrejas imagens humanas.

Quer as restrições alimentares estipuladas por certas religiões como o Islão ou o Judaísmo (segundo as quais não se pode consumir carne de porco, e se impõe que os animais sejam abatidos de forma ritualizada e sangrados) quer a proibição de consumo de álcool pelo Islão, parecem refletir hábitos e costumes anteriores ao surgimento dessas mesmas religiões. Recordemo-nos de que o álcool desidrata, e que quem o consuma no calor do deserto pode correr perigo de vida; que a carne de porco, rica em gordura, se decompõe facilmente com o calor, podendo provocar epidemias; que o mesmo se pode dizer do sangue, que, se retirado da carne, permite que esta chegue a secar ou, pelo menos, dure mais em temperaturas altas. Estas medidas constituem, por si mesmas, sensatas medidas sanitárias de defesa da saúde pública. Se a sua inclusão enquanto preceito das religiões em causa decorreu de causa humana ou revelação divina já é questão a ser respondida no foro íntimo de cada um.

A Maçonaria tem os seus símbolos e os seus rituais. Os símbolos - que representam princípios, ideias e deveres - servem para evocar, e não para que se lhes preste culto. Não há nada de idólatra nos símbolos maçónicos. Há, de facto, símbolos e lendas cuja génese se perdeu; mas persiste o seu significado, que não podemos garantir que seja o original. Há entre os maçons, como em todo o lado, quem tome os símbolos por mais do que eles representam, atribuindo-lhes sentidos oblíquos, afectando-lhes significados ocultos, e mesmo especulando encerrarem os mesmos verdades inalcançadas. Esta "corrente" existe desde que a Maçonaria existe - e existe ainda hoje - mas a maioria dos maçons tem os pés mais assentes na terra, e considera serem os símbolos, rituais e lendas simples ferramentas de trabalho. Cada um é, todavia, livre de crer no que quiser, e mesmo de fabricar o próprio objeto da sua crença, mas essa é uma postura que, em certa medida, é contrária ao espírito da Maçonaria, segundo o qual o Homem deveria caminhar para a Luz e para o Esclarecimento.

E aqui se suscita uma questão essencial: onde acaba a liberdade religiosa e começa a superstição e o disparate? Como se concilia, a este respeito, o facto de a Maçonaria defender a liberdade individual (que passa pelo direito de cada um crer no que quiser) com a defesa da Razão enquanto fonte de autoridade e de legitimidade? Perante princípios antagónicos temos que estabelecer hierarquias; e a Maçonaria dá primazia ao respeito pela liberdade individual, o direito de cada um acreditar no que queira, sobre o interesse em que todos sejam racionais e esclarecidos. Assim, cada um é senhor de si mesmo e do caminho pessoal que escolheu e, desde que respeite os ideais e princípios maçónicos e a liberdade alheia, tem o direito de não ver questionado, escrutinado ou dissecado aquilo em que acredita.

Paulo M.

27 agosto 2010

Brincadeira de "gente crescida"




Perguntou um dos leitores habituais do A-Partir-Pedra, no comentário ao texto "Os sinais de reconhecimento": "Continuo a considerar tudo isto um brincadeira de “gente crescida”. Para quê? Ensinamentos que os maiores filósofos do mundo não tenham explicado?" A pergunta é tão pertinente que, tendo tencionado inicialmente responder-lhe nos comentários, acabei por decidir dedicar-lhe o texto de hoje.

Comecemos então por uma analogia. Existem milhentas formas de perder peso: dietas equilibradas, dietas malucas, jejum, exercício moderado, exercício pesado, exercício combinado com dietas, bulimia, enfim... Há para todos os gostos. No fim, todas têm o mesmo objetivo: perder peso. De uma forma mais lata, podemos ainda explorar o objetivo "ser saudável". Aí entram, além das dietas e do exercício, as pulseiras magnéticas milagrosas, os chás de tudo e mais alguma coisa, as noites de sono bem passadas, as almofadas mágicas, o auto-controlo, a alternância equilibrada entre períodos de descanso e períodos de trabalho, os amuletos, o cumprimento de determinados rituais, enfim... Todas elas nos prometem mais e melhor saúde. Umas serão globalmente mais eficientes do que outras - e não esqueçamos que a eficiência é diferente de pessoa para pessoa - e umas terão mais contra-indicações do que outras. No fim, cada um deverá procurar aquela que mais se lhe adequa, e pode, até, conseguir bons resultados combinando vários métodos ou aplicando apenas parte deles.

Do mesmo modo, tudo o que a Maçonaria ensina de substantivo pode ser encontrado de muitas outras formas: através de várias religiões, de diferentes correntes filosóficas, de palestras, de "gurus" privados, ou, para quem se disponha a despender algum do seu tempo, através até de uma boa biblioteca pública. O que a Maçonaria tem de único é o método, o meio, a forma. Não há ensinamentos exclusivos da Maçonaria que não sejam instrumentais, ou seja, que não digam respeito ao método e não ao fim, ao objetivo. Por isso, quem procura na Maçonaria ensinamentos exclusivos, secretos, reservados, e que o resto do mundo desconheça, então desengane-se: não há. Já aqui foi dito, bem como explicado o que a Maçonaria não revela e porquê. Os símbolos, as alegorias, os "segredos de grau"? Não passam de instrumentos, simples andaimes, meros artefactos que suportam, ilustram e consolidam os verdadeiros ensinamentos.

Mas que ensinamentos são esses, afinal?! Ah, esses são tão únicos como único é cada indivíduo! Pretender sabê-los seria como, através da descrição das técnicas de pintura de um dos grandes Mestres, pretender saber o que viriam a representar as telas pintadas por cada um dos seus discípulos... A Maçonaria apenas indica os princípios, e esses são bem simples: a fraternidade, a entre-ajuda, a tolerância perante a diversidade, a crença num Princípio Criador, o trabalho como meio de obter resultados, o desenvolvimento intelectual, a procura do Bem e da Virtude, o combate ao Vício e às Paixões, e tudo isto focado em cada um, do modo que este melhor entenda que mais lhe aproveita para atingir os objetivos que definiu para si mesmo. É, por isso, impossível dizer-se que ensinamentos é que a Maçonaria transmite: era preciso, para isso, que cada um estivesse ciente dos mesmos - que, tantas vezes, são absorvidos quase que "por osmose", pelo contacto com ideias alheias, sem que sejam propriamente sequer verbalizados, e por vezes nem mesmo conscientemente apercebidos, o que traz a segunda dificuldade: mesmo que apercebidos, podem não se conseguir transmitir senão de forma imperfeita. Pensemos como explicaríamos como se pinta a alguém que nunca pegou num pincel, mas sem o fazer passar pela experiência de conspurcar dezenas de telas brancas, nem se besuntar nas tintas, ou passar pelo experimentar, olhar e tentar de novo...

Por fim, quem considere ser a Maçonaria uma "brincadeira de gente crescida" deve recordar que:
  • a Maçonaria Regular não faz proselitismo, ou seja, não faz convites nem recruta novos membros, pelo que ninguém pode acusar a Maçonaria de o ter arrastado para um erro; cada um dos que adere à Maçonaria fá-lo pelo seu próprio pé, por sua própria opção e no exercício da sua própria liberdade.
  • apesar de nem todos serem livres de entrar, todos são livres de sair quando entendam; não queremos entre nós gente contrariada; há inúmeras formas de aumentarmos o nosso potencial humano e espiritual, das quais a Maçonaria é apenas mais uma.
  • como os meios de emagrecimento, cada um deverá procurar o que mais se lhe adequa; de facto, aos olhos de quem faça exercício duro uma ou mais horas por dia, uma pessoa dedicar-se ao vegetarianismo como único meio de emagrecer pode parecer uma "brincadeira de gente crescida"; se de facto o é ou não, já é questão completamente diferente...

Paulo M.

25 agosto 2010

O terceiro Grão-Mestre

O terceiro Grão-Mestre da GLLP/GLRP foi José Manuel Morais Anes. Exerceu essas funções entre 2001 e 2004. Coube-lhe assumir a tarefa da retomada da normalidade, após o tumultuoso mandato do seu antecessor. Garantida que fora por este a continuação do reconhecimento internacional da GLLP/GLRP como a única Potência Maçónica Regular em Portugal, José Manuel Anes, na frente internacional consolidou a normalização das relações. Com ele, virou-se a página e retomou-se o caminho.

Também na frente interna o mote do trabalho do Grão-Mestre José Manuel Anes foi a retomada e consolidação da normalidade. Paulatina mas firmemente, deixou bem claro que o passado era passado e que, mais do que recordar eventos, o que interessava era que cada um prosseguisse o seu trabalho de aperfeiçoamento pessoal, que cada Loja exercesse a sua função de enquadramento e catalisador do trabalho dos seus elementos.

Bem-disposto, bonacheirão, sempre com um sorriso na cara, José Manuel Anes transmitiu a todos a sua confiança. E o seu mandato foi um percurso em crescendo para a normalidade...

O Grão-Mestre José Manuel Anes recebeu uma Grande Loja ainda marcada pelos eventos que ofuscaram o mandato do seu antecessor e transmitiu ao seu sucessor uma Grande Loja estabilizada, confiante e em velocidade de cruzeiro. Podemos e devemos, sem dúvida alguma, considerar, com toda a justiça, que foi o homem certo a segurar na altura certa o leme da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP.

Eis o seu currículo, reunindo informação registada no sítio da GLLP/GLRP e na página a ele dedicada na Wikipédia:

Nascido em Lisboa a 21-6-1944.

Residente na Costa da Caparica.

Licenciado em Química, pela Faculdade de Ciências de Lisboa, em 1975 (Bacharel em 1973).

Nos anos 70 foi assistente de Biomatemática na Faculdade de Medecina de Lisboa (HSM) - 1976-77 e 1977-78 - e, tendo sido equiparado a bolseiro, frequentou um curso de pós-graduação em Química-Física Inorgânica na Fac. de Ciências da Universidade Complutense de Madrid e estagiou em Catálise e Catalisadores no Instituto de Química-Física do Conselho Superior de Investigações Científicas de Madrid. Foi durante vinte anos Perito Superior de Criminalística do Laboratório de Polícia Científica da P.J.; actualmente está na situação de aposentado.

Desde 1986,é docente convidado de Matemáticas para as Ciências Humanas do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade onde tem lecionado também Métodos Quantitativos no Departamento de História, Estatística e no de Ciência Política; desde o ano de 2000-2001, leccionou também, na FCSH da UNL, a cadeira de Antropologia da Religião no Departamento de Antropologia, nos anos de 2000-2001 e 2001-2002. Tem dado, desde 1998, Cursos livres sobre História das Correntes Esotéricas, Novos Movimentos Religiosos e "New Age", no Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões da mesma Faculdade, e também no Centro Nacional de Cultura, os último dos quais se intitularam "Violência e Novos Movimentos Religiosos" e "Esoterismo e Política". Foi Assessor Cultural da Fundação Cultursintra, em 1996 e 1997, sendo Medalha de Prata da C.M. de Sintra em virtude da sua iniciativa pessoal que conduziu à classificação da Quinta da Regaleira pelo IPPAR como imóvel de interesse público e também pelos estudos realizados (um dos quais foi apresentado em Londres na Cornerstone Society - ver o resumo da conferência em www.workingtools.org) e pela divulgação da mesma Quinta. Foi Presidente da Academia de Estudos Ibero-árabes (1995/97) e Vice-Presidente da Associação Fernando Pessoa (1999-2000).

É membro correspondente em Portugal da Associação "ARIES" (de Estudos e Informações sobre Esoterismo) dirigida pelo Prof. Antoine Faivre da EPHE (Sorbonne), do CIRET (Centro de Estudos sobre Transdisciplinaridade) dirigido por Basarab Nicolescu (Paris) e das seguintes Associações de estudos dos Novos Movimentos Religiosos: a francesa AEIMR dirigida por Bernard Blandre e a italiana CESNUR (Torino) dirigida pelo Doutor Massimo Introvigne (Torino). Foi Director da "Biblioteca Hermética" da Hugin Editores, onde publicou obras de diversos autores, entre os quais Lima de Freitas, Gilbert Durand, Adalberto Alves, Carlos Calvet, etc.

É um especialista de Correntes Esotéricas Ocidentais, sendo membro da ESSWE- European Society for the Study of Western Esotericism, dirigida pelos Profs. Wouter Hanegraaff (Univ. Amsterdão) e Antoine Faivre (Jubilado da EPHE-Sorbonne).

Organizou, em 2000, a pedido da Câmara Municipal de Cascais/Pelouro de Cultura, o Colóquio internacional "Fernando Pessoa, o Esoterismo e Aleister Crowley" que contou com as participações, entre outros, dos grandes especialistas universitários de esoterismo e de "novos movimentos religiosos", Antoine Faivre, Massimo Introvigne e Gordon Melton e dos pessoanos Maria Aliette Galhós, Manuela Parreira da Silva e Luis Filipe Teixeira.

Escreveu prefácios para vários livros, os últimos dos quais para “O Pensamento Maçónico de Fernando Pessoa” de Jorge de Matos (Sete Caminhos, Lisboa, 2006) e “La Franc-Maçonnerie comme Voie d’Éveil” de Rémi Boyer (Rafael de Surtis/Éditinter, Monts, França, 2006).

Para além da sua formação em Criminalística, desde 1999, tem-se dedicado também, no quadro da Socio-Antropologia, particularmente no domínio do estudo da Violência em “Seitas” e grupos religiosos radicais, tem sido Docente de cursos sobre Violência Religiosa e Terrorismo Religioso, quer no ISER, a partir de 2001, quer em 2006, na Reitoria da Universidade (Clássica) de Lisboa, na Universidade Autónoma de Lisboa e na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, num curso de Pós-graduação e Mestrado em Estudos Avançados de Segurança e Direito, onde lecciona as cadeiras de Violência Religiosa e de Criminalística. É co-autor no livro “As Teias do Terror” (Ésquilo, 2006).

Foi (desde 2004) Vice-Presidente do OSCOT- Observatório de Segurança, Crime Organizado e Terrorismo e é, desde o início de 2010, o seu Presidente. É Director da revista para o grande público intitulada “Segurança e Defesa”.

Bibliografia publicada:

"Re-creações Herméticas", Hugin, Lisboa, 1ª. ed. 1996, 2ª. ed. 1997; "O Esoterismo da Quinta da Regaleira", Hugin, Lisboa, 1ª. ed.1998, 2ª ed. 2000, 3ª ed. 2003. "Maçonaria Regular - Maçonaria Universal" - Hugin, Lisboa, 2003. "Re-creações Herméticas - II" - Lisboa, Hugin; “Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos” – Lisboa, Ésquilo, 1ª. E 2ª. Eds., 2004;“Os Jardins Iniciáticos da Quinta da Regaleira” – Lisboa, Ésquilo, 2005.
Com outros autores: "As Tentações de Bosh e o Eterno Retorno", Lisboa, Museu de Arte Antiga, 1994; "Poesia e Ciência", Lisboa, Cosmos/GUELF, 1994; "Caos e Meta-Psicologia", Lisboa, Fenda/ISPA, 1994; "Religião e ideal maçónico", Lisboa, ISER, 1990); "Seminário sobre Newton", Évora, Universidade de Évora/CEHFC, 1995; "Masoneria y religión", Madrid, Ed. Complutense, 1996; "A Vivência do Sagrado", Lisboa, Hugin, 1998, "A Quinta da Regaleira: história, símbolo e mito", Fundação Cultursintra, 1998; "Portugal Misterioso", Lisboa, SRD, 1998; "L'Âme secrète du Portugal", Paris, L'Originel, nº 9, 2000; "L'Homme à venir - Mémoire du XXe.siècle - nº.2", Paris, Rocher, 2000; "Discursos e práticas alquímicas - I", Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2001; "Esoterismo e Humanidades" -Colibri/Faculdade de Letras de Lisboa, 2001; "Discursos e práticas alquímicas - II" - Lisboa, Hugin/CICTSUL, 2002; "O Homem do futuro - um ser em construção" - São Paulo -Br., Triom/USP, 2002; "A Creação - La Création" - Lisboa, Atalaia/Intermundos, 2003; "Le Sacré aujourd'hui" - Paris, Rocher, 2003; “Templiers: les yeux du Baphomet” – Monts (Fr.), Rafael de Surtis/Editinter, 2004.

Percurso Maçónico

Foi iniciado Maçon no Grande Oriente Lusitano, em 1988, tendo saído em 1990, para constituir a Grande Loja Regular de Portugal-GLRP, onde fundou a Loja "Quinto Império" e onde foi sucessivamente, até finais de 1996, Grande Inspector, Assistente de Grão-Mestre e Vice Grão-Mestre. A partir de 1997, continuou a integrar a Grande Loja Legal de Portugal/GLRP - potência regular internacionalmente reconhecida pela Maçonaria Universal - de que foi, a partir dos começos de 2001, Grão Mestre, até Março de 2004.

Foi de 1995 a 2000, Grão Prior do Grande Priorado Independente da Lusitânia da Ordem dos CBCS (Altos Graus do Rito Escocês Retificado).

É CBCS-Cavaleiro Benfeitor da Cidade Santa (armado na Prefeitura de Genève do Grande Priorado Independente da Helvécia, de que é Membro de Honra), Cavaleiro maçónico de Malta - KM (armado no Grande Priorado da Gálias, em Paris), do Grande Priorado de Inglaterra e Gales) e 33º., Grau honorário do Rito Escocês Antigo e Aceite (Supremo Conselho para Portugal).

É membro do Supremo Grande Capítulo do Arco Real de Portugal e do Conselho Críptico para Portugal (Mestres Reais e Escolhidos) - altos graus do Rito de York. É ainda Cavaleiro do Conclave "Henrique de Borgonha" do Grande Conclave Imperial para a França da Ordem Maçónica e Militar da Cruz Vermelha de Constantino e das Ordens do Santo Sepulcro e de S. João Evangelista. É IXº. Grau e membro honorário do Colégio dos "Supreme Magus" da Sociedade Rosacruciana dos EUA ("Societas Rosacruciana in Civitatibus Foederatis" e ainda membro da "Societas Rosacruciana in Lusitania (SRIL).

É membro de honra da Loja "Oldest Ally" da Grande Loja Unida de Inglaterra, Companheiro do Arco Real inglês (Capítulo "Benaventa" de Northamptomshire), Cavaleiro Templário - KT de Honra (Capítulo "Holy Cross" de Northamptonshire, "Supreme Ruler" da Ordem inglesa do "Secret Monitor" e do Conclave "Olissipus Fidelis" (a Oriente de Lisboa) da OSM, Cavaleiro Rosa Cruz da Ordem Real da Escócia (Grande Loja de Edimburgo), Maçon de Marca e do "Royal Ark Mariner" da Loja "Rose and Lilly" de Londres e membro (em Inglaterra, do Conselho do Grão-Mestre) dos 5 Ordens que constituem os Allied Masonic Degrees: St. Laurence the Martyr, Knight of Constantinople, Grand Tiler of Salomon, Red Cross of Babilon e Grand High Priest. É Knight Templar Priest do Tabernáculo «London Freemen» e membro da Sociedade «Operatives».

É detentor das mais altas distinções do Grande Oriente do Brasil - GOB, entre as quais, a Condecoração da "Estrela da Distinção Maçónica" (Conferida pelo Grão Mestre Geral do GOB), Diploma e Medalha de Honra ao Mérito "Gonçalves Ledo" (Conferida pelo Grão Mestre do Grande Oriente do Estado de São Paulo, federado ao GOB), Medalha do Mérito "Presidente Ivo Ramos de Mattos" (Conferida pela Assembleia Estadual Legislativa do Grande Oriente do Estado do Rio de Janeiro, federado ao GOB) e Medalha "Jubileu de Prata do GOERJ- 2003" (Conferida pelo Grão Mestre do Grande Oriente do Estado do Rio de Janeiro, federado ao GOB). É ainda detentor da Medalha do "Mérito Montezuma" do Supremo Conselho para o Brasil do Supremo Conselho do Grau 33 do REAA (atribuída pelo Soberano Grande Comendador).

É Grande Representante da Grande Loja do Estado de Nova Jersey (EUA) , junto da GLLP/GLRP, da Grande Loja da Suécia junto do Grande Priorado Independente da Lusitânia e Grande Oficial de Honra da GL Real de Marrocos.

É membro correspondente das seguintes sociedades de investigação maçónica: «Ars Quotur Coronati» (Inglaterra), «Villart de Honnecourt» (França) e «Scottish Rite Research Society» (EUA).

Rui Bandeira

23 agosto 2010

Os sinais de reconhecimento


Um dos segredos que os maçons devem guardar consiste nos sinais, palavras e toques próprios de cada um dos graus. A sua origem - os sinais pelos quais um artesão da maçonaria operativa identificava as suas aptidões perante mestres que o não conhecessem - já foi aqui sobejamente explicada. Mas quais a sua utilidade e significado atuais?

Desde o século XVIII que há exposés, ou revelações, de rituais maçónicos. Como seria de esperar, uma vez que cada Grande Loja tem autonomia para alterar os seus rituais - o que costumam fazer com alguma regularidade - rapidamente os sinais de reconhecimento estabelecidos nos rituais terão sido alterados em reacção a essas "inconfidências". Também não surpreenderá que, em função dessas alterações, os sinais de reconhecimento não sejam, hoje em dia, os mesmos nem em todo o mundo, nem em todos os ritos, nem em todas as obediências. Há variações, pelo que os maçons são delas instruídos para que possam reconhecer irmãos apesar das diferenças.

Entenda-se, por outro lado, que estes "meios de reconhecimento" são meramente rituais. O que é que isto significa? Significa que, em primeiro lugar, são usados no contexto das sessões rituais, e do acesso às mesmas. Assim, se um maçon se dirigir a um templo onde se vão reunir irmãos de outra Loja na qual não seja conhecido, e pretender assistir à sessão, é quase certo que o farão identifica-se através dos sinais rituais de reconhecimento. No entanto, quase certo é também que não se fiquem por aí. Nos nossos dias a maioria das Obediências emite cartões em nome e para uso dos seus obreiros que atestam estarem os mesmos com a sua situação regularizada. É também costume as Obediências emitirem, a pedido, o chamado "Passaporte Maçónico", que permite a identificação do seu portador perante Obediências estrangeiras. Sem qualquer destes documentos, e sem que sejamos conhecidos, é não só possível como quase inevitável vermos a nossa entrada negada numa sessão de Loja. E fora de uma sessão de Loja? Espero que ninguém imagine os maçons a fazer macaquices e "sinais secretos" a estranhos, não vá dar-se o caso de eles serem maçons também... Fora de Loja os maçons, ou já se conhecem previamente, ou reconhecem-se pela sua postura, forma de estar na vida e princípios que defendem.

Dados os modernos meios de identificação (cartões, passaporte maçónico, etc.), a utilidade original dos sinais de reconhecimento é reduzida. Por que se mantêm então, e qual a razão do seu secretismo? Não nos esqueçamos de que a Maçonaria se socorre de símbolos e alegorias para transmitir os seus ensinamentos. Assim, os segredos de grau recordam a cada maçon que deve ser um homem honrado, de bons costumes, capaz de guardar para si um segredo que lhe tenha sido confiado. Por outras palavras, os maçons guardam segredo desses sinais de reconhecimento, uma vez mais, por uma razão muito simples: porque juraram fazê-lo.

Paulo M.

21 agosto 2010

O Grifo



O grifo é um animal mitológico com corpo de leão e cabeça e asas de águia. O leão era considerado o rei dos animais, e a águia o rei das aves, pelo que o grifo era considerado uma criatura majestosa e poderosa. Os grifos eram conhecidos por guardar tesouros e outros bens sem preço.

Ora, o que poucos saberão é que este "tesouro" que é o A-Partir-Pedra tem um grifo a guardá-lo! Senão vejamos: a Águia é o símbolo do Benfica; e quem nasceu a 21 de Agosto é do signo Leão. Consequentemente, um Benfiquista que faça hoje anos é um Grifo: meio Águia e meio Leão!!!

Parabéns, Rui Bandeira! Um grande abraço, e um dia feliz!

Paulo M.

20 agosto 2010

A Maçonaria: tecnologia avançada (VI - Epílogo)


Muitos dos "segredos" da maçonaria operativa - especialmente os ligados à engenharia, à arquitetura e à ciência - fazem hoje parte do conteúdo curricular de cursos do ensino superior - e alguns mesmo do ensino obrigatório. Outros ainda, mais ligados à técnica do trabalho artesanal da pedra, ter-se-ão perdido irrecuperavelmente por falta de aprendizes que perpetuassem a arte. Outros, de cariz mais simbólico, apesar de subsistirem, terão distorcido o seu significado a ponto de ser irreconhecível o seu sentido original. A "tecnologia avançada" da época, que as Lojas tão ciosamente guardavam, deixou de ser sigilosa, encontrando-se hoje - com mais ou menos estudo - ao alcance de todos.

Por tudo isto, é inegável que a Maçonaria actual não tenha quase nada em comum com a maçonaria operativa da Idade Média. Então, o que é hoje a Maçonaria? A chave desta questão encontra-se na forma como a própria Maçonaria se define: "A Maçonaria é um sistema peculiar de moralidade, velado por alegorias e ilustrado por símbolos". A Maçonaria é, portanto, um sistema de moralidade, e um que, como vimos já, abraça os princípios do Iluminismo - com o primado da razão enquanto fonte de autoridade e legitimidade - bem como a tolerância religiosa. A Maçonaria, não obstante partindo do princípio da imortalidade e da crença num princípio criador regular e infinito, apresenta uma conceção do mundo afastada da ignorância, do obscurantismo e da superstição, promovendo a busca da virtude, entendida como a força de fazer o bem no seu sentido mais lato do cumprimento dos nossos deveres para com a sociedade e para com a nossa família sem interesse pessoal. A ética da Maçonaria é, por outro lado, uma ética de trabalho, não pondo nenhum obstáculo ao esforço na busca da verdade, nem reconhecendo outro limite nessa busca senão o da razão.

Esse "sistema de moralidade" não é apresentado de uma vez; os princípios vão sendo apresentados de forma progressiva, e vão sendo desvendados novos "segredos" através de histórias alegóricas - que mais não são do que pontos de partida para a reflexão sobre potenciais imperfeições da nossa existência com o fim do auto-aperfeiçoamento. Por outro lado, as alegorias não são apresentadas de forma inequívoca, tendo cada um a liberdade de retirar delas os ensinamentos que lhe sejam mais proveitosos, o que é rigorosamente respeitado e promovido. Os símbolos, do mesmo modo, não têm significados universais, podendo ser interpretados por cada um da forma que entenda. A par de todo o aperfeiçoamento moral e espiritual, promove-se um saber diversificado, muito para além da especialização profissional que é a norma do nosso tempo. Cada um é, por exemplo, incentivado a apresentar oralmente trabalhos que tenha escrito e que podem ser sobre qualquer tema que possa interessar os obreiros da Loja, o que, promove para além do conteúdo apresentado, a prática da Retórica e da Gramática. Enquanto tudo isto sucede, vai cada um aprendendo a respeitar a posição alheia, mesmo que com ela não concorde; a calar um reparo se do mesmo não resulte senão a quebra da harmonia; a exercer a sua Liberdade dentro dos limites que a Igualdade e a Fraternidade impõem.

Mas então, porque continua a Maçonaria a manter "segredos" já revelados? Porque é que se continua a imitar uma profissão extinta, e a perpetuar lendas e símbolos de outros tempos? Por outras palavras, porque é que a Maçonaria é o que é, e porque é que, na Maçonaria, se faz o que se faz, e do modo que se faz? A resposta não poderia ser mais simples: porque funciona. De facto, o passar dos séculos tem demonstrado ter a Maçonaria uma metodologia eficaz de propagação dos princípios que esta acarinha e representa.

Por outro lado, pode dizer-se ser o seu "tradicionalismo" uma das causas da sua longevidade e, contrariamente a tantas associações que aparecem e desaparecem num curto espaço de tempo, a Maçonaria não tenciona deixar de existir de um dia para o outro. De facto, é inegável que nas sociedades atuais, como no século XVII, grassa a ignorância e a mediocridade, prevalece o fundamentalismo e o preconceito, e o oportunismo sobrepõe-se à retidão de princípios. Os propósitos da Maçonaria estão ainda longe de se ter concretizado, e longe de se ter esgotado os motivos da sua existência. Por esta razão, enquanto houver Homens com o firme propósito de se melhorar, de aprender a viver em proximidade com perspetivas diferentes das suas e de praticar a virtude e o bem, haverá lugar para que, por seu intermédio, a Maçonaria torne o mundo num lugar mais justo e mais perfeito.

Paulo M.