26 março 2014

O silêncio do Mestre


Depois de O silêncio do Aprendiz (um dos textos mais lidos do blogue A  Partir Pedra) e de O silêncio do Companheiro, é tempo agora de tratar do silêncio do Mestre.

À primeira vista, poder-se-á pensar que a expressão constitui um absurdo, pois o Mestre Maçom não só não está vinculado ao dever do silêncio como, pelo contrário, tem o dever de usar da palavra, designadamente para ilustração e formação de seus Irmãos e comparticipação na gestão e decisão dos assuntos da Loja. Mas assim não é. Já no final de  O silêncio do Companheiro se referiu que O silêncio do Companheiro é a sua preparação para a sua Elevação a Mestre. Para que, quando tiver direito a usar da palavra, já saiba quando se deve calar! Para que entenda perfeitamente o valor da Palavra e a valia do Silêncio. Então estará pronto! 

Uma das lições que o Mestre Maçom deve ter já interiorizado quando acede à Mestria é precisamente o valor e a oportunidade do silêncio. Que há momentos de falar e momentos de calar. Que, por vezes, a mais sonora declaração decorre do seu silêncio.Ou simplesmente que, quando não tem nada de útil a acrescentar, o melhor a fazer é estar calado...

O Mestre Maçom tem o direito ao uso da palavra em sessão de Loja. Mas esse direito não implica que tenha o dever de falar sempre nem que utilize essa faculdade para perorar sobre tudo e um par de botas, implicitamente desvalorizando o que transmite - pois ninguém sabe de tudo e o homem sábio conhece as suas limitações. Assim, o direito ao uso da palavra implica o dever de saber administrar o seu silêncio, dele só abdicando quando entender mais útil falar do que estar calado.

Como em quase tudo na vida, cada um é como cada qual - e todos evoluem ou podem fazê-lo. Há aqueles que praticamente não precisaram de aprender essa lição: por temperamento são pessoas caladas, reflexivas, ponderadas, que raramente falam - e, quando o fazem, são, precisamente pela raridade da situação, muito atentamente ouvidos. Esses quase nunca falam a despropósito - mas algumas vezes, precisamente pelo seu particular zelo na seleção de quando, como e o que dizer, deixaram de dar contributos que teriam sido preciosos, se partilhados no momento próprio. Há outros que, pelo contrário, são de natureza interventiva, não deixam de dar a sua opinião, não temem estar em minoria, entendem que participar implica opinar, contribuir, ainda que por vezes apenas marginalmente, para as deliberações coletivas. Esses correm o risco de errar algumas vezes, de opinar sem o conhecimento ou a ponderação adequados, de darem a impressão de que, sobretudo, gostam é de ouvir a própria voz - mas são frequentemente preciosos desbloqueadores de discussões, lançam os debates sobre os temas e acabam por auxiliar o grupo, quanto mais não seja porque catalisam acordos e desacordos, concordâncias e críticas, e assim acabam por contribuir para uma sadia discussão dos temas e uma participada deliberação. E há também os que só intervêm quando têm contributo válido para dar e permanecem silenciosos quando não sabem ou, sabendo, nada de especialmente útil têm para acrescentar, ou, simplesmente, porque, no seu entender,  a minudência do assunto não lhes suscita particular interesse - esses são os mais criteriosos, normalmente os mais influentes, os que mais frequentemente contribuem substancialmente para as deliberações.

Ninguém pertence obrigatória e definitivamente a um destes grupos. O avaro de palavras, se atento estiver, irá verificar que deixou passar ocasiões em que a sua intervenção teria sido útil e gradualmente evoluirá para o último grupo descrito. Por seu turno, o tagarela opinativo sobre quase tudo, sendo crítico de si mesmo, irá ter consciência das vezes em que perdeu boas ocasiões para estar calado e, vigiando-se, gradualmente se desencantará do som da sua voz e privilegiará a transmissão do que valha a pena transmitir, progressivamente ganhando o acesso ao conjunto dos realmente influentes nas deliberações do grupo. Mas também os normalmente equilibrados têm de permanentemente se vigiar, seja para não cair na tentação da intervenção a despropósito, seja para não insistir em demasiada introspeção silenciosa. Como em quase tudo na vida, o ponto de equilíbrio é instável e delicado. A gestão da palavra e do silêncio acaba por ser, ao longo do tempo, aperfeiçoada por quase todos. E quase todos acabam por aprender a falar quando é útil que falem e a guardar silêncio no resto do tempo. 

Três momentos, a meu ver, impõem o silêncio. O primeiro é quando, pura e simplesmente, nada ou muito pouco se sabe ou se pensou sobre o assunto em debate. Esse é claramente tempo de ouvir, não de falar, de aprender, não de partilhar. O segundo, mais delicado de identificar, ocorre quando se sabe algo sobre o assunto, mas ainda não se chegou a uma conclusão precisa. Em termos mais ligeiros, já se tem algumas luzes, mas ainda restam algumas apagadas... Aí ainda não é tempo de partilhar, a não ser que se partilhem dúvidas a serem esclarecidas ou hipóteses a serem trabalhadas. Sobretudo, não é altura de alardear certezas que não se têm, transmitindo meras hipóteses como conclusões. Quem o fizer, está a induzir em erro os demais e a enganar-se a si próprio. Trabalho quase concluído é, para todos os efeitos, trabalho não acabado! É preferível acabar primeiro o trabalho, chegar às conclusões e só depois partilhar o seu pensamento. Estar quase certo é como ser quase virgem: são estados que não existem! Ou se está ou não se está. Ou se é ou não se é... O terceiro momento que impõe silêncio é, creio, o mais difícil de lobrigar, aquele que requer a vivência de êxitos e fracassos, a que não se chega só por intuição ou estudo, decorre da experiência vivida e meditada e aproveitada. Esse momento existe quando, apesar de se saber do que está em discussão, apesar de se ter ideia feita sobre o tema, se tem a consciência de que será melhor para a deliberação, para o grupo, ou simplesmente para a evolução de um Irmão, que o que se tem para dizer seja dito por outro, que intuímos estar em condições de o fazer, e de o fazer tão bem quanto nós o faríamos - e renunciarmos a dizê-lo para que o outro o faça. Quando isso verificarmos, importa ter a noção de que ser um ou outro a dizer só aparentemente tem o mesmo resultado final. Porque renunciar à nossa palavra para que outro Irmão cresça, para que seja o contributo de outro Irmão, e não o nosso, a ser trazido para o grupo pode fazer muita diferença, não só para esse Irmão, mas para todo o grupo - porque ganhou mais um a contribuir, em vez de se bastar com o contributo dos mesmos...

O Aprendiz que faz bem o seu trabalho facilmente identifica o primeiro momento em que se impõe o silêncio. O Companheiro com o seu trabalho concluído reconhece o segundo momento. Mas o terceiro momento, que não é de mera renúncia, mas de colaboração, que não é simples altruísmo, mas de noção de que o fortalecimento do grupo depende do crescimento de todos, não só dos mesmos, e que esse fortalecimento se faz em benefício de todos, esse é apanágio do Mestre que aprendeu a sê-lo!

Pode demorar anos. Porventura será necessário que demore anos. Mas quando o Mestre Maçom descobre esse terceiro momento e age em conformidade com ele, então, sim, atingiu a mestria de si mesmo, aprendeu o significado de estar em Loja - não por si, mas pelos seus Irmãos e, assim, por todos e, logo, também por si. Então deparou com outra, e mais apurada, dimensão do silêncio, o Silêncio do Mestre!

Rui Bandeira

19 março 2014

Entre Colunas


O local de reunião de uma Loja maçónica tem por entrada um espaço delimitado por duas colunas. Estas evocam as duas colunas que existiam no átrio do Templo de Salomão, descritas na Bíblia no 1.º Livro dos Reis, capítulo 7, versículos 15-22:

15 E formou duas colunas de cobre; a altura de cada coluna era de dezoito côvados, e um fio de doze côvados cercava cada uma das colunas.
16 Também fez dois capitéis de fundição de cobre para pôr sobre as cabeças das colunas; de cinco côvados era a altura de um capitel, e de cinco côvados a altura do outro capitel.
17 As redes eram de malhas, as ligas de obra de cadeia para os capitéis que estavam sobre a cabeça das colunas, sete para um capitel e sete para o outro capitel.
18 Assim fez as colunas, juntamente com duas fileiras em redor sobre uma rede, para cobrir os capitéis que estavam sobre a cabeça das romãs, assim também fez com o outro capitel.
19 E os capitéis que estavam sobre a cabeça das colunas eram de obra de lírios no pórtico, de quatro côvados.
20 Os capitéis, pois, sobre as duas colunas estavam também defronte, em cima da parte globular que estava junto à rede; e duzentas romãs, em fileiras em redor, estavam também sobre o outro capitel.
21 Depois levantou as colunas no pórtico do templo; e levantando a coluna direita, pôs-lhe o nome de Jaquim; e levantando a coluna esquerda, pôs-lhe o nome de Boaz.
22 E sobre a cabeça das colunas estava a obra de lírios; e assim se acabou a obra das colunas. 


É habitual, em muitas Lojas maçónicas, que os obreiros que apresentam perante a Loja trabalhos por si elaborados o façam colocados entre essas duas colunas. Onde assim se pratica - e assim se faz, por exemplo, na Loja Mestre Affonso Domingues -, quando é chegada a ocasião de um obreiro apresentar o seu trabalho, o Venerável Mestre solicita que se conduza esse obreiro "entre colunas" e o mesmo é conduzido precisamente para esse local. O obreiro que apresenta o seu trabalho fá-lo assim situado num extremo da sala de reuniões, de frente para o Venerável Mestre e tendo os restantes obreiros da Loja situados à sua esquerda e à sua direita, ao longo da sala, entre si e o Venerável Mestre.

Esta colocação daquele que apresenta um trabalho, profere uma palestra, tem a grande vantagem de permitir que o orador seja perfeitamente visto por todos os presentes e a todos veja perfeitamente. Mas só é adequada em salas de reuniões de tamanho não demasiado grande. Num salão de grandes dimensões, esta colocação do orador torna difícil ouvir o mesmo a quem esteja colocado no lado oposto da sala (precisamente o Venerável Mestre e aqueles que se sentam junto a ele no espaço denominado de Oriente) - a não ser que se utilize sistema de captação e amplificação de som.

Esta colocação do obreiro que apresenta um trabalho perante a Loja é utilizada com alguma frequência, mas, ao contrário do que muitos pensam, não tem qualquer significado simbólico. Ou melhor, o significado simbólico de estar "entre Colunas" não tem nada a ver com as colunas delimitadoras da entrada na Loja.

É incorreto pensar que a expressão "entre Colunas" significa precisamente o posicionamento do obreiro entre as duas colunas evocativas das do Templo de Salomão. Estar "entre Colunas" é estar entre os seus Irmãos, estar em Loja coberta (onde estão apenas maçons) e em funcionamento. Com efeito, quando uma Loja maçónica reúne, a generalidade dos seus membros senta-se em lugares colocados em duas colunas longitudinais ao longo dos lados da sala de reuniões, à direita e à esquerda do Venerável Mestre, o qual está sentado na linha imaginária central do espaço de reunião da Loja, no topo oposto à entrada desse espaço de reunião. Algumas exceções têm a ver com a colocação de alguns Oficiais em exercício de funções na Loja.

Para facilidade de orientação (e também com algum significado simbólico), os maçons designam as direções e os espaços do seu local de reunião com recurso aos quatro pontos cardeais. Assim, as colunas que delimitam o espaço de entrada no local de reunião estão colocadas no Ocidente; o Venerável Mestre senta-se no Oriente; os obreiros sentam-se em filas longitudinais entre umas e outro, denominadas respetivamente de Coluna do Norte e Coluna do Sul.

Os trabalhos de um maçom são apresentados em Loja entre Colunas, isto é, no meio dos seus Irmãos, com a Loja em funcionamento e, assim, a coberto (apenas na presença de maçons). É um espaço de acolhimento, de segurança, onde o obreiro pode exprimir livremente as suas opiniões, colocar à consideração dos seus pares o resultado do seu trabalho, sabendo que este será apreciado em função do seu mérito e não de preconceitos, amizades ou inimizades. Sempre que o seu trabalho tiver encómios, elogios, é porque o mereceu, não por hipocrisia ou polidez social; todas as críticas que receber têm como escopo a melhoria, o aperfeiçoamento, não o rebaixamento ou apoucamento do trabalho ou do seu autor. As críticas apontando falhas ou sugerindo correções ou melhorias são feitas estritamente em conformidade com o pensamento honesto de quem as formula e podem e devem ser tomadas em conta pelo autor do trabalho, em ordem a lograr melhorá-lo; as críticas positivas, os elogios que porventura se receba, são a melhor garantia de que o trabalho pode ser apresentado sem receio perante qualquer plateia, qualquer que seja o seu grau de exigência - porque passou o crivo da plateia mais exigente do mundo: a constituída pelos seus Irmãos, em apreciação honesta e sempre com base em critérios de excelência. 

Assim, em bom rigor, os trabalhos devem ser apresentados entre Colunas, isto é, com o orador situando-se no eixo central longitudinal do espaço de reunião, frente ao Venerável Mestre, mas não necessariamente ao fundo da sala, junto ao Ocidente, não necessariamente entre as colunas evocativas das do Templo de Salomão. Tal pode e deve ser feito no local entre as colunas de obreiros do Norte e do Sul mais propício e adequado para mais bem se ser visto e ouvido. Tão simples como isso.

Para um maçom, estar entre Colunas é estar num dos sítios mais confortáveis do mundo: é estar entre os seus Irmãos, num espaço e tempo onde impera a confiança, a amizade, mas também a sinceridade e a justiça na avaliação. 

Rui Bandeira

12 março 2014

O Vigésimo Terceiro Venerável Mestre


Foi eleito para o exercício do ofício de Venerável Mestre em julho de 2012. Foi instalado na Cadeira de Salomão no início do ano maçónico de 2012/2013, para exercer o ofício até à instalação do seu sucessor, prevista para ocorrer no início do ano maçónico subsequente.

Sucedeu ao Venerável Mestre que aqui referi ter sido, na Loja, "talvez o maçom que mais bem preparado foi e estava para assumir o ofício de dirigir a Loja quando tal lho foi solicitado pelo conjunto dos obreiros" e cujo "mandato começou bem, prosseguiu agradável e terminou melhor. Elevou muito a fasquia para os seus sucessores".

Rui S., o Vigésimo Terceiro Venerável Mestre, não tinha, assim, tarefa fácil - e tinha consciência disso. As suas caraterísticas pessoais eram diferentes das do seu antecessor. Onde este era organizado, Rui era espontâneo. A um cultor da organização e da programação, sucedeu um afável e gregário gestor de iniciativas que privilegiava o momento, a integração do inesperado.

Nuno L. organizara a Loja com rigor. Rui S., com a noção de que o trabalho de organização estava feito, no essencial, procurou catalisar a Loja para as organizações. Com a casa arrumada, entendeu ser o momento de a Loja organizar iniciativas abertas ao exterior. Estimulou a realização de eventos sob a égide da pessoa coletiva que confere personalidade jurídica à Loja, a Associação Mestre Affonso Domingues, seja em organização própria, seja em colaboração com terceiros.

Duas vertentes distintas marcaram essas realizações. Por um lado, atividades sociais envolvendo os obreiros da Loja e suas famílias, no reforço dos laços entre todos. Foi o caso, por exemplo, de uma visita programada e guiada a Palmela, de uma segunda - e diferente da primeira - visita guiada a locais de Lisboa com interesse maçónico e de uma visita à Loja João Gonçalves Zarco, que trabalha ao Oriente do Funchal, complementada com um programa social pensado tendo em vista também as famílias que se deslocaram acompanhando os obreiros visitantes. Por outro, o apoio a organizações e eventos de caráter cultural, de que refiro, a título exemplificativo, uma exposição de fotografia de dois obreiros da Loja e uma outra exposição organizada numa aldeia do distrito de Lisboa.

O ano de mandato do Rui S. foi, assim, um ano de sucessivos eventos e organizações. Foi um ano de fazer, de executar, de reforço de laços entre os obreiros da Loja e suas famílias. Foi, sem dúvida, um ano agradável.

Mas todo o verso tem o seu reverso e este período também teve algumas implicações ou consequências negativas. A pujança da Loja manifestava-se externamente, mas descurando-se um pouco o que se tinha por adquirido, a sua organização interna. E ocorreu algo que se revelou mais difícil de ultrapassar: a imagem de pujança que externamente a Loja transmitiu  levou naturalmente a que esta fosse solicitada a colaborar no lançamento de outros projetos, de outras Lojas, cedendo alguns dos seus obreiros. Em pouco tempo, apenas num ano, a Loja cedeu  vários obreiros seus para lançamento de outras Lojas. O próprio Rui S., no final do seu mandato, anunciou que não asseguraria a função de Ex-Venerável Mestre (o principal conselheiro do Venerável Mestre em exercício), porque iria, pelo menos por seis meses, dirigir uma nova Loja. O ano de realizações foi também o ano em que a Loja teve de abdicar de um significativo número de quadros que formara e com que contava para a direção dos seus destinos nos anos mais próximos.  Na esteira da sua tradição de organização de doações de sangue, a Loja deu boa parte do seu sangue para novos e outros projetos... A Loja ficou assim com o número de Mestres ativos consideravelmente reduzido.

Porém, ela tinha no seu seio a solução para o problema que surgira. Nuno L. deixara a Loja com um quadro de Companheiros bem guarnecido, ainda reforçado no decorrer do mandato de Rui S.. Foi apenas uma questão de apressar a ultimação da formação destes elementos e preparar o seu acesso a Mestres Maçons. No final do mandato de Rui S., a Loja estava pronta para reguarnecer o seu quadro de Mestres. O ano seguinte seria dedicado a essa tarefa e à rápida integração e preparação destes para a subsequente assunção dos destinos da Loja.

A sucessão de realizações no período de mandato de Rui S. implicou ainda um outro preço: foram mobilizados fundos da Loja e, no final do ano, feitas as contas, os fundos disponíveis tinham baixado consideravelmente. A Loja não estava em dificuldades financeiras, longe disso, mas tomou consciência de que era também necessário reequilibrar a vontade de fazer coisas, organizar, com as disponibilidades económicas reunidas e disponíveis. 

O ano de liderança do Rui S. foi um ano de agradável fruição do que se reunira, do que se obtivera. Mas foi também um ano que mostrou que era necessária a definição de justos e prudentes equilíbrios: equilíbrio entre a capacidade e "velocidade" de formação de quadros e a possibilidade de dispensar quadros formados para lançamento de outros projetos; equilíbrio entre a vontade de organizar, fazer, com a necessidade de manter organizada e equilibrada a retaguarda de funcionamento burocrático e de financiamento da Loja.

Com o Rui S., a Loja aprendeu algo que era a altura de aprender: a necessidade de equilíbrio, a conveniência de se organizar de forma a que nunca se venham a dar passos maiores do que a perna. Em linguagem de estratégia militar, aprendeu que a vanguarda não pode avançar sem a preocupação de manter garantidas as linhas de abastecimento. No caso da Loja Mestre Affonso Domingues, avançou-se, fez-se, realizou-se. Mas houve a lucidez de entender que as "linhas de abastecimento" (de quadros e de meios financeiros) estavam a ficar fracas e que era necessário reforçá-las. E, portanto, de decidir fazer uma pausa nas realizações externas para proceder aos necessários rearranjos e reforços.

Com o Rui S., a Loja tomou consciência dos seus limites. E não os ultrapassou, antes parou e providenciou as necessárias correções. Porque assim fez, ficou melhor e mais forte. Porque identificou em tempo as suas debilidades e as causas delas e se preparou para as corrigir em tempo útil. Aprendeu assim que os avanços não são sempre em linha reta e sem pausas. Há que saber consolidar para voltar a avançar. Há que reparar brechas nas fileiras antes de prosseguir. Esta lição espero que seja recordada no futuro da Loja. Porque é a diferença entre a pujança da juventude, quando se pensa que o mundo é nosso e tudo se pode fazer, e o equilíbrio da maturidade. A Loja Mestre Affonso Domingues, na sua juventude de vinte e três anos está a aprender a ser madura!

Rui Bandeira

06 março 2014




05 março 2014

Delta (II)


No texto anterior, procurei explicar e ilustrar a forma do símbolo Delta e as várias variantes que podem existir. É agora a altura de me referir ao significado desse símbolo.

O Delta, sendo um triângulo com dimensões respeitando a Proporção de Ouro ou Divina, procura ser um símbolo que espelha a Harmonia e a Beleza. O símbolo triangular (independentemente da forma) desde tempos imemoriais que é associado ao significado de Força em expansão. Muitas vezes iluminado - e com expressa chamada de atenção aos presentes para que os seus olhos se voltem para a Luz... -, o Delta é associado à verdadeira Sapiência, ou Sabedoria, à Verdadeira Luz.

Este singelo símbolo, afinal apenas três segmentos de reta que se juntam de determinada forma, apela assim ao conjunto da trilogia maçónica por excelência: Sabedoria - Força - Beleza. Desenvolvendo, temos que Sabedoria, Força e Beleza são caraterísticas necessariamente presentes na Perfeição. Com efeito, só existe Perfeição se estiverem presentes a Sabedoria, a Força e a Beleza. A falta de qualquer destas caraterísticas impede que se considere o que quer que seja como perfeito. A Perfeição é, todos o sabemos, uma caraterística que, embora desejada, embora apreciada, não é inerente ao ser humano. O ser humano pode aspirar à perfeição, pode tentar aproximar-se dela o mais possível, mas - lá está! - o máximo que consegue é aproximar-se, nunca lá chegar. A Perfeição é caraterística imanente a algo superior ao Homem, que existe noutro plano, enfim, àquilo que os vários povos e seres, cada um à sua maneira e segundo a sua cultura, referem por Divindade. Só a Divindade é Perfeita, por definição.

O Delta, evocando a Sabedoria, Força e Beleza e, por via delas, a Perfeição, simboliza, assim, a Divindade, o Poder ou Força Criadora. A conceção dessa Divindade, das suas caraterísticas, de como é designada, deixa a maçonaria à liberdade, ao juízo e à crença de cada um. Por isso, essa entidade comummente evocada por todos, mas cada um à sua maneira e segundo as suas conceções, é designado pelos maçons de Grande Arquiteto do Universo. Depois, cada um designá-Lo-á pelo que entender, seja Deus, seja Jeovah ou Javeh, seja Allah, seja Vishnu, seja Universo, seja Natureza, seja, enfim, o que cada um e a sua cultura entenderem. Isso é com cada qual.

O Grande Arquiteto do Universo NÃO É uma "divindade maçónica" nem o produto ou designação decorrente de qualquer sincretismo religioso. O Grande Arquiteto do Universo é apenas e tão só a designação encontrada como máximo denominador comum, como ponto de confluência de todas as crenças, culturas e conceções, para referir a entidade criadora, ou superior (ao plano humano e material), em que cada um creia, consoante a sua fé ou conceção. 

Porque as conceções religiosas podem ser as mais diversas, díspares, mas todas são igualmente respeitáveis, porque a crença de cada um é inerente à sua própria identidade e modo de estar na vida e no mundo, não sendo lícito respeitar mais umas do que outras, os maçons buscaram uma designação que, ligada à sua tradição da Arte da Construção, pudesse ser utilizada por todos, cada um mencionando como tal a sua particular conceção e designação da Divindade da sua crença particular.

O Grande Arquiteto do Universo não é "adorado" ou "venerado" em Loja maçónica. A adoração ou veneração da divindade do culto de cada um é matéria que só a cada um diz respeito, pela forma e nos locais que a crença de cada um determine ou aceite. O Grande Arquiteto do Universo é, por sua vez, apenas um símbolo, o símbolo comum do ponto de encontro de todas as crenças e conceções de todos os maçons, permitindo a todos e cada um manterem a sua crença e a sua individualidade independentemente das diferenças que porventura haja em relação às crenças dos demais. Assim, os maçons não "adoram" ou "veneram" o Grande Arquiteto do Universo, limitam-se a trabalhar à sua Glória, isto é, cada um procurando honrar a sua própria divindade segundo a sua individual crença ou conceção.

O Delta não é uma representação do Grande Arquiteto do Universo, pela simples razão de que o Grande Arquiteto do Universo é uma abstração criada pelos maçons para harmonizarem o respeito de todos pelas diferentes crenças e conceções de cada um. Aliás, para algumas conceções religiosas não é, sequer, aceitável, pretender representar-se a sua Divindade...

O Delta é assim um símbolo das caraterísticas comuns imanentes à Perfeição e, por consequência à conceção da divindade de cada um. O Delta não é o símbolo imediato do GADU. É, quando muito, um símbolo mediato: simboliza, evoca, lembra, as caraterísticas da Perfeição e, assim, por essa via e só por essa via, remetendo mediatamente para a divindade de cada um e, logo, para o ponto de encontro de todos, por todos designado, por conveniência comum, de Grande Arquiteto do Universo. 

Porque o Delta é assim um símbolo que lembra algo que remete para algo que significa Algo, simultaneamente diferente e comum a todos, não admira que haja variantes na sua representação. Daí os raios de Luz do Delta Radiante, ou a inserção do iod ou do tetragrama, ou ainda da autêntica apropriação maçónica de um símbolo cristão que é o "olho que tudo vê". Daí também a opção, muitas vezes também presente, da inscrição, no interior do triângulo, da letra "G", de Geometria=Maçonaria=Arquitetura (ver G...de Maçonaria e Maçonaria=Geometria=Arquitetura), como forma de unificar por mais uma abstração as diversas referências individuais.

Mas, para mim, a melhor forma de utilizar o símbolo é a mais simples, portanto a que mais permite incluir a cada um: o triângulo isósceles com o ângulo superior a 108 º e os outros dois a 36 º cada um, sem mais nada dentro e sem mais nada fora. Cada um põe, na sua mente e na sua conceção, o que entender por bem acrescentar e ninguém terá nada a ver com isso. O símbolo mais "despido", mais simples, mais singelo, tem a virtualidade de ser aquilo que deve ser: o mais abrangente possível.

Rui Bandeira

26 fevereiro 2014

Delta (I)

Entre as representações do Sol e da Lua, ao centro da parede (ou perto ou junto dela) do lado oposto à entrada do espaço de reunião de uma Loja maçónica encontra-se um símbolo designado por Delta.

É frequente, mas errada, a referência e a representação do Delta como um triângulo equilátero. A representação correta do símbolo é um triângulo isósceles, em que a base é maior do que os dois outros lados, iguais entre si, de forma a que o ângulo do topo do triângulo tenha 108 º e cada um dos ângulos da base 36 º.

Com estas medidas de ângulos internos, trata-se de um triângulo obtusângulo áureo, isto é, um triângulo isósceles em que a razão (o resultado da divisão) entre a base e um dos lados iguais corresponde ao número de ouro, ou Phi (F), correspondente a 1 + √ 5 /2, ou seja, 1,618033989..., a razão ínsita na famosa sequência de Fibonacci, a tradução numérica da Proporção Divina, encontrada em inúmeros exemplos na Natureza, reproduzida pelo Homem em inúmeros monumentos e obras de arte, e que genericamente integra o que consideramos belo, harmonioso.

O Delta, com a indicada medida nos seus ângulos e, assim, a Proporção Divina nas dimensões dos lados do triângulo, resulta da construção da Estrela Pentagonal ou Pentagrama, forma geométrica já utilizada pelos pitagóricos e também adotada como símbolo pela Maçonaria.


Com efeito, o Pentagrama constrói-se a partir de um pentágono regular:


Se atentarmos no triângulo assinalado, cuja base é a linha A-C e o ângulo superior  (invertido na figura) de 108 º, verificamos ter a exata forma de um Delta. Como  um Delta é o triângulo A-B-E (e o B-C-D, e o C-D-E, e o A-D-E), como mais claramente resulta desta imagem:


O Delta pode ser representado de forma simples ou na forma usualmente designada por Delta Flamejante ou Delta Luminoso, com raios irradiando do triângulo, o qual, por sua vez, pode ou não estar inscrito numa nuvem.


O Delta pode ser representado na sua forma simples, com o interior do triângulo vazio, ou com o interior preenchido pela letra "G" (como na figura que encima este texto), por um "olho que tudo vê" ou mesmo pela representação da letra hebraica iod, seja na sua forma hebraica abaixo indicada, seja na sua transliteração latina (como pode ver-se na imagem que ilustra o texto Sol e Lua.

Pode ainda o interior do delta conter o tetragrama hebraico lido como Jeovah ou Yaveh:


Em suma, o símbolo do Delta é essencialmente um triângulo isósceles com as dimensões resultantes da Proporção Dourada (embora, por vezes, e até com alguma frequência, erradamente representado por um triângulo equilátero). Acessoriamente a esse triângulo podem existir adornos ou representações diversas.

Esta multiplicidade de representações do mesmo símbolo tem a ver com o respetivo significado e as diferentes representações que inscreve nos diversos imaginários humanos. Veremos isso no próximo texto.

Rui Bandeira

19 fevereiro 2014

Aquela Loja


Aquela Loja tinha um problema para resolver. Não era um problema inesperado. Não era um problema que não se tivesse antecipado. Mas tinha de se resolver rapidamente e bem.

Aquela Loja tinha Mestres habituados a manifestar as suas opiniões com seriedade, a ouvir as opiniões dos demais com atenção e, sobretudo, a analisar com serenidade propostas diferentes, ou mesmo divergentes, cada um ciente de que a posição diferente da sua não é um obstáculo a abater ou a vencer, é um complemento a integrar, de forma a que o resultado final seja a melhor solução viável e possível.

Aquela Loja, nessa noite, preferia uma solução que não se revelava viável. Procurou então alternativas viáveis e perfilaram-se duas. Ambas possíveis. Ambas aptas a que se atingissem os objetivos pretendidos. Escolher-se-ia uma ou outra. Mas o problema era que não se tratava de escolher entre o bom e o mau, o certo e o errado, o forte e o fraco. Havia que escolher entre dois bons, procurando descortinar qual deles viria a ser melhor. 

Aquela Loja tinha uma escolha difícil a fazer. Porque entre duas boas hipóteses, não lhe agradava preterir uma. Sobretudo isso.

Aquela Loja fez então o que sempre soube fazer bem: cada um deu a sua opinião, expôs prós e contras, explorou hipóteses. Sem criticar as análises efetuadas ou hipóteses colocadas pelos que anteriormente tinham exposto os seus pontos de vista. Ninguém queria ganhar, ninguém queria impor a sua preferência. Todos e cada um procuravam a melhor solução.

Aquela Loja sabia que, se nada de novo surgisse, acabaria por ter de escolher entre as duas alternativas viáveis. Sem vencedores nem vencidos. sem azedumes. Simplesmente uma alternativa seria escolhida e a outra preterida porque assim teria de ser e o que tem de ser tem muita força.

Aquela Loja, quase na hora de ter que decidir viu de repente alguém apontar uma terceira solução. Uma solução que a desobrigava de escolher entre um bem e outro bem. Uma solução que também era boa. Uma solução que resolvia o problema a contento. Uma solução que estava, afinal, à vista de toda a gente, só era preciso olhar para ela...

Aquela Loja em menos tempo do que demoro a escrever esta frase decidiu o que tinha a fazer. Em menos de um ai o ar ficou mais leve, as posturas descontraídas. Alguém se encarregou de resumir o que resultara do debate e expor as várias soluções possíveis. A tomada de decisão foi uma mera formalidade: o consenso fora atingido. Com o contributo de todos. 

Aquela Loja resolveu em menos de uma hora um problema que era importante, porque todos cooperaram para que surgisse a solução.  Assim, o todo pôde ser melhor e mais eficaz do que a soma das partes. A vontade coletiva não resultou da vitória de uma vontade individual sobre outra. A vontade coletiva surgiu e facilmente se tornou consensual porque ninguém queria "ganhar" e todos procuravam resolver, em conjunto, um problema.

Aquela Loja debateu o problema em sessão aberta com a presença de Aprendizes e Companheiros. Não reservou para a Câmara do Meio o debate apenas entre os Mestres. Porque naquela Loja não se tem receio algum em que os que mais recentemente se lhe juntaram, os Aprendizes e Companheiros, vejam que os Mestres têm opiniões diferentes e que não há nada de especial nisso. Há apenas que conciliar diferenças quando se puderem conciliar, fazer escolhas quando for necessário, encontrar alternativas que superem divergências sempre que possível. E depois todo o grupo sente a satisfação de um trabalho bem feito, de uma missão bem cumprida.

Aquela Loja criou uma cultura. Uma cultura de debate sempre que o debate é preciso. De diálogo em todas as ocasiões. De cooperação na superação de divergências ou diferenças. Sempre abertamente, sempre frente a frente, sempre olhos nos olhos. E, decidido o que se tem de decidir, depois brinca-se, convive-se, come-se e bebe-se. E cada problema que é assim resolvido torna mais fácil a resolução do problema seguinte.

Aquela Loja procura integrar muito bem os novos elementos e portanto não lhes esconde nada. Os novos assistem à forma como os mais antigos e experientes debatem, escolhem, superam diferenças, cooperam, decidem, resolvem os problemas. E quando chega a hora de cada um dos mais novos assumir a responsabilidade de decidir, já sabe como ali se faz. Já viu, ao vivo e a cores, como cooperar é mais profícuo do que procurar "ganhar". Como cada um pode e deve exprimir a sua ideia, o seu sentir, em relação a todas as questões, porque todas as opiniões são importantes e todas contribuem para a formação da decisão do grupo. Como todos claramente ficam a saber em que circunstâncias cada decisão é tomada, que pressupostos a sustentam, que razões a fundamentam.

Aquela Loja funciona assim há mais de vinte anos. Não sabe funcionar de outra maneira. Não quer funcionar de outra maneira. Sente-se muito bem a ser como é.

Aquela Loja é a minha Mestre Affonso Domingues e é por ela ser como é que eu não quero nem perspetivo alguma vez ser obreiro de outra Loja que não ela.

Rui Bandeira

Já não posto nada neste blog há demasiado tempo... Lembrei-me de publicar algo que merece ser recordado, naturalmente desprovido de qualquer conotação politica que lhe possam querer dar. Eu posto unicamente as palavras do Poeta:

É preciso avisar toda a gente
dar notícia informar prevenir
que por cada flor estrangulada
há milhões de sementes a florir

É preciso avisar toda a gente
segredar a palavra e a senha
engrossando a verdade corrente
duma força que nada detenha

É preciso avisar toda a gente
que há fogo no meio da floresta
e que os mortos apontam em frente
o caminho da esperança que resta

É preciso avisar toda a gente
transmitindo este morse de dores
É preciso imperioso e urgente
mais flores mais flores mais flores


João Apolinário (poeta português falecido a 22 de Outubro de 1988)


12 fevereiro 2014

Sol e Lua


Na parede (ou junto ou perto desta) do lado oposto à entrada do espaço de reunião de uma Loja maçónica são visíveis representações do Sol e da Lua, aquele do lado direito de quem entra, esta do lado oposto.

O Sol, estrela sem a qual não seria possível a existência de vida no nosso planeta, desde a mais remota Antiguidade que foi associada pela Humanidade à Vida, à Criação. As religiões primitivas divinizavam o Sol. O mesmo se verificou no Egito, na Suméria e noutras regiões das civilizações da Idade do Bronze e subsequentes, prévias às mais elaboradas crenças greco-romanas e ao Monoteísmo.  

O Sol sempre foi associado ao princípio ativo, ao masculino, ao poder criador.

Por outro lado, a Lua é associada ao princípio passivo, ao feminino, à fecundidade.

A colocação destes símbolos no espaço das reuniões maçónicas não tem nada a ver com crenças pagãs ou religiosidades primitivas, mas insere-se na mesma linha da simbologia do pavimento mosaico: a chamada da atenção para a dualidade, especificamente, no caso, para a polaridade.

O Sol e a Lua simbolizam o dia e a noite, a luz direta e a luz reflexa, a ação e a reflexão, o trabalho ou atividade e o descanso, o dinâmico e o estático, a crueza da forte luz solar e a placidez da suave luz lunar, a ação e a reação. São símbolos que nos recordam que nada é tão simples e direto como possa parecer á primeira vista, que a aparência exterior que brilha como a luz solar encobre a natureza interior que se vislumbra como a pálida luz da Lua. 

Os dois símbolos recordam-nos que há tempo de agir e tempo de refletir. Há tempo de fazer e tempo de descansar. Há tempo de aprender e tempo de ensinar. Há ação e contemplação. Há dia e há noite. Há verso e há reverso. Todas estas dualidades integram a Realidade, afinal constituem a Realidade.

O Sol e a Lua dão-nos a noção do dinamismo da Vida, da Criação, do Real, da interação entre duas polaridades que se atraem e que se repelem, que mutuamente se influenciam. Dois princípios, duas forças, dois elementos, dois fatores, que ambos existem, ambos são reais, mas ambos são incompletos, completando-se apenas mediante a sua mútua influência. Tal como já o Pavimento Mosaico perspetivara, a Criação, a Vida, o Real, não são estáticos, não são simples, não são básicos. São dinâmicos, são complexos, são evolutivos. 

Ao meditar sobre a relação entre estes dois símbolos, o maçom deve adquirir a noção de que se não deve limitar a um único aspeto da realidade, a um único tema de estudos. A espiritualidade é importante, mas não menos importante é a materialidade. Espírito e matéria não se opõem - completam-se. Tal como o Sol e a Lua não se digladiam, repartem entre si o dia e a noite. E um dia completo, um ciclo de vinte e quatro horas, compõe-se de dia e de noite, do reino do Sol e do tempo da Lua. Assim também o Homem completo não dedica apenas a sua atenção aos assuntos do espírito, também se dedica aos negócios da vida real e quotidiana, material. Tão incompleto é aquele que apenas se importa com o material, o dinheiro, o poder social, o ter, ignorando a vida espiritual, o aperfeiçoamento moral, o interior de si mesmo, o ser, como aqueloutro que navega nas regiões etéreas do esoterismo, ignorando, ou fazendo por ignorar, que a Vida é esforço e trabalho e pó e carne e esforço e ação e construção.

O Sol e a Lua simbolizam opostos, mas opostos que mutuamente se influenciam e se completam. Assim deve o maçom gerir a sua vida: estudar mas também aplicar, contemplar sem deixar de trabalhar, imaginar mas também executar, fazer e descansar, ter o que necessita para Ser, mas Ser sempre acima do mero Ter.

Rui Bandeira  

05 fevereiro 2014

Romãs e colmeia


Normalmente colocadas sobre os capitéis das duas colunas que marcam a entrada do Templo - do espaço onde ocorre uma sessão ritual maçónica - estão seis romãs, três sobre cada um dos capitéis.

Este número já é uma simplificação. O Templo de Salomão (que muitos dos símbolos maçónicos evocam) teria representadas, sobre as suas colunas de entrada nada mais, nada menos do que quatrocentas romãs! Com efeito, pode ler-se no segundo livro dos Reis, capítulo 7, versículos 18 a 20: "Fez também romãs em duas fileiras por cima de uma das obras de rede para cobrir o capitel no alto da coluna; o mesmo fez com o outro capitel. Os capitéis que estavam no alto das colunas eram de obra de lírios, como na Sala do Trono, e de quatro côvados. Perto do bojo, próximo à obra de rede, os capitéis que estavam no alto das duas colunas tinham duzentas romãs, dispostas em fileiras em redor, sobre um e outro capitel."

E, no segundo livro de Crónicas, capítulo 4, versículo 13, encontramos: "Há quatrocentas romãs para as duas redes, isto é, duas fileiras de romãs para cada rede, para cobrirem os dois globos dos capitéis que estavam no alto da coluna." 

Para além da representação simbólica de elemento decorativo do Templo de Salomão, as romãs simbolizam a união entre os maçons, a igualdade essencial de todos combinada com a individualidade de cada um.

A observação do fruto elucida-nos rapidamente da razão de ser destas representações simbólicas. Uma romã tem uma casca dura e resistente, que representa o espaço físico da Loja: uma e outro abrigam as infrutescências (os obreiros), mantendo-os a coberto de elementos exteriores (pragas; profanos). As infrutescências (as "sementes", "bagas" ou "grãos") representam os obreiros da Loja. Tal como as infrutescências da romã são todas diferentes umas das outras, havendo leves variações de formato e de tamanho, também os obreiros de uma Loja mantêm a sua individualidade própria. Mas, se comermos as infrutescências da romã, verificamos que todas elas têm exatamente o mesmo sabor, o mesmo grau de doçura em função do amadurecimento do fruto, independentemente da forma e do tamanho delas.

Assim também os obreiros de uma Loja, pese embora as inevitáveis diferenças decorrentes da sua individualidade, estão unidos na mesma essencial igualdade.

Tal como as bagas de uma romã estão unidas por uma pele branca, que torna difícil e trabalhoso a sua separação, assim também os obreiros de uma Loja se unem por laços de fraternidade, auxiliando-se mutuamente nas adversidades, cooperando nos seus estudos ou projetos.

Os grãos da romã estão firmemente unidos e apertados uns contra os outros. Se abstrairmos da cor granada (romã em castelhano), assemelham-se a um favo de mel, lembrando as abelhas, que, tal como os maçons, trabalham incessantemente, aquelas colhendo o néctar nos campos para fabricar o mel, estes recolhendo da Loja e de seus Irmãos os ensinamentos, os exemplos, que lhes são úteis para o sempre desejado aperfeiçoamento pessoal.

Enquanto que na Maçonaria latina e no Rito Escocês Antigo e Aceite se utiliza a simbologia da romã, ela não é usada na Maçonaria anglossaxónica, no Rito de York ou no Ritual de Emulação. Estes, pelo contrário, utilizam o símbolo da colmeia.

Uns e outros procuram enfatizar o mesmo: a união entre os maçons. Mas uns fazem-no com recurso à romã, outros através da colmeia.

A meu ver, esta diferença é essencialmente cultural. A sociedade latina, mediterrânica é essencialmente gregária. O gregarismo meridional acentua a importância do estar junto, sendo essa união que gera a força grupal que protege o indivíduo e potencia as suas capacidades. Já as sociedades anglossaxónicas e nórdicas privilegiam a iniciativa, a ação e, assim, enfatizam a organização da colmeia como forma de potenciar as capacidades de cada abelha para o bem comum.

Os símbolos maçónicos não nascem do nada e não são interpretados no limbo. Resultam das sociedades onde os maçons se inserem. Esta diferenciação é exemplo disso, na minha ótica.

Rui Bandeira 

29 janeiro 2014

Oração de um Mestre a outros Mestres - II


Novos Mestres:

Eis-vos finalmente na Câmara do Meio. Eis-vos merecidamente revestidos da plenitude de todos os direitos de Mestres Maçons. Eis-vos igualmente onerados com a totalidade dos deveres de Mestres Maçons.

Estais na Câmara do Meio iguais entre iguais. Cada um de vós não é menos, não vale menos, do que eu ou qualquer outro Mestre Maçom presente nesta sala – quaisquer que sejam os ofícios por alguns exercidos, quaisquer que sejam as dignidades a alguns outorgadas. Cada um de vós não é mais do que eu ou qualquer outro Mestre Maçom presente nesta sala – quaisquer que sejam os vossos méritos, os vossos títulos académicos ou posições profanas. Cada um de vós é exatamente igual a mim e a qualquer outro Mestre Maçom presente nesta sala – iguais entre iguais na nossa comum pequenez perante o Grande Arquiteto do Universo, perante a nossa comum ignorância do sentido da vida e da existência, perante o nosso comum desejo de ser melhor, saber mais, fazer bem, viver plenamente.

Tendes exatamente os mesmos direitos que cada um dos outros Mestres Maçons presentes nesta sala – e que, afinal, se resumem ao direito de transmitir aos demais as opiniões e os entendimentos de cada um, ao direito de cooperar na tomada das deliberações que hajam de ser tomadas e ao direito de participar organizadamente na administração da Loja.

Recaem sobre vós exatamente os mesmos deveres que recaem sobre cada um dos outros Mestres Maçons presentes nesta sala – todos os deveres inerentes a um homem de honra e de bons costumes, fiel à sua palavra e aos seus compromissos, mais os deveres resultantes do nosso comum compromisso de nos aperfeiçoarmos permanentemente, acrescidos da especial responsabilidade assumida pelos Mestres Maçons: a partir de agora, não sois responsáveis apenas por vós próprios e pela vossa própria melhoria; a partir de agora sois responsáveis também por todos os Aprendizes e Companheiros desta Loja. Responsáveis por os auxiliar na sua jornada, responsáveis pela preparação e evolução de cada um como todos nós nos responsabilizámos pela vossa preparação e evolução. Responsáveis por iguais que um dia também acederão a esta Câmara do Meio no exato mesmo estatuto de que agora vós, como todos os demais Mestres Maçons presentes nesta sala, dispondes.

Compreendeis agora, se não vos tínheis já apercebido antes, que a dureza dos Mestres na apreciação dos vossos trabalhos não era vã exigência, estulto apoucamento ou deslocada manifestação de inexistente superioridade. A nossa meticulosidade no apontar dos mais ínfimos detalhes negativos dos vossos trabalhos, tantas vezes mostrando-os piores e mais significativos do que realmente eram, o nosso hábito de temperar os quantas vezes parcos elogios ao resultado do vosso esforço com a referência ao que podia ser melhor, não se destinaram nunca a desmerecer do vosso trabalho ou alardear inexistentes superioridades. Foram, como tudo o que ritualmente em Loja se processou ao longo de todo o tempo da vossa formação, simples meios, ferramentas, de vos incutir algo que deveis considerar absolutamente inerente à condição de Mestre Maçom: uma absoluta e permanente exigência da melhor qualidade possível em tudo o que somos e fazemos, uma absoluta aspiração à maior aproximação que nos for possível da perfeição.

O vosso percurso teve de ser longo e duro, porque culmina na vossa presente situação de iguais entre iguais, com a inerente consequência de que o direito de vos julgar e de julgar as vossas ações passou a ser em primeiro lugar atribuído aos mais severos dos julgadores: vós próprios! A nossa aparente severidade nunca foi, pois, mais do que mera preparação para a mais rigorosa severidade na vossa apreciação e na apreciação dos vossos atos, a indeclinável e inabalável severidade que um homem de bem, livre e de bons costumes, devidamente preparado e completamente consciente de si próprio deve devotar à sua autoapreciação, como meio de ser e tornar-se sempre, dia a dia, momento a momento, melhor, cada vez melhor, cada vez um poucochinho menos longe da inatingível meta da perfeição.

De vós a Loja pede sempre o mesmo: aquilo que cada um de vós, em cada momento, puder dar. Cada um de vós retirará e receberá da Loja sempre o que lhe aprouver do que a Loja tem. E todos sabemos que a Loja só tem aquilo que nós lhe dermos, pelo que, quanto mais todos lhe dermos, mais poderemos tirar.

Meus Irmãos Mestres Maçons, hoje festejai. A partir de amanhã reiniciai o vosso trabalho, reempunhai as vossas ferramentas, senhores do vosso trabalho, do vosso caminho, da vossa criação. Confiamos todos em que, como até aqui, sereis dignos de vós próprios e das vossas ferramentas até ao momento em que finalmente vos autorizardes a vós mesmos a pousá-las, quando verificardes ter chegado a vossa meia-noite.

Meus Irmãos no vosso grau de Mestres Maçons e na vossa insuperável qualidade de homens livres e de bons costumes, bem-vindos ao vosso lugar, bem-vindos aonde sentíamos a vossa falta, bem-vindos a esta Câmara do Meio!

Rui Bandeira

25 janeiro 2014

O Mundo quadrado!

(Fonte: Desconhecida, pesquisa em Google Imagens)

Por vezes esta é a forma como vejo o espaço onde vivemos!
Por vezes esta é a forma como me sinto envolvido pela iMundice em que diariaMente chafurdamos!

Por vezes, algumas vezes, de vez em quando!

Será que o Mundo podia ser menos Quadrado, se fosse gerido e liderado por aqueles, que se dizem, “Eu estou preparado”?
Será que seria melhor se tudo fosse mais Redondo e menos Quadrado?

Será?
Por vezes?
Quadrado?
Redondo?

Será que não estamos a ser Quadrados ao tentar arRedondar aquilo que na verdade deve de ser Quadrado?

Pois é, tantas questões e tão poucas ou nenhumas respostas, e logo num espaço onde se escreve sobre a Maçonaria Universal de uma forma tão brilhante e transparente.

Não deve ser a Maçonaria um espaço de crescimento, aprendizagem e de construção de homens melhores e assim serem capazes de a todo e qualquer instante dar respostas para tudo e mais alguma coisa?

- Se sim e se este é um espaço escrito por Maçons, como pode este Maçon ter tantas questões e tão poucas, ou nenhumas respostas?

Por isso mesmo!

- Exactamente por isso mesmo é que o Maçon não se considera um Homem perfeito, o Maçon é um Homem que trabalha diariamente no caminho da perfeição!

- Exactamente por isso mesmo é que existem tantas e tantas outras questões, sem uma resposta concreta e definida, porque o Maçon sabe que é através deste processo de se questionar, que vai ser levado a encontrar as respostas a todas as suas e mais algumas questões!

- Exactamente por isso mesmo é que o Maçon é, e afirma-se ser, um Homem Livre e de Bons Costumes, porque quando se questiona e busca respostas, fá-lo no uso total da Liberdade de Pensamento e em Plena Consciência, nunca no entanto quebrando a regra, de o fazer, de acordo com os Bons e Antigos Usos e Costumes!

-Exactamente por isso mesmo é que o Maçon não se afirma como Maçon mas é-o Reconhecido como tal, pelos seus iguais (Irmãos)!

- Exactamente por isso mesmo é que hoje vos deixo com todas estas questões e sem respostas, para que, se assim o entenderem, possam também procurar, um pouco mais, por vós próprios sobre o que é ser Maçon!

Exactamente por isso mesmo, hoje, termino este meu texto!
Disse!

Alexandre T.

22 janeiro 2014

Saber parar


Um dos desafios mais difíceis para um homem ativo é saber parar. Uma das coisas mais descuradas por quem está habituado a assumir responsabilidades é a preparação para a cessação da assunção dessas mesmas responsabilidades. Quem está habituado a fazer tem tendência para alimentar a ilusão de que o seu contributo é imprescindível. Pessoalmente, procuro combater essa tendência lembrando-me frequentemente que o cemitério está cheio de insubstituíveis - e, no entanto, o mundo continua a girar, o Sol continua a nascer todas as manhãs no Oriente e a pôr-se todas as tardes no Ocidente, o mundo e as sociedades prosseguem imperturbavelmente os seus destinos, apesar de os insubstituíveis terem sido substituídos...

Este alerta mental é válido também para uma Loja maçónica. Uma das piores coisas que pode acontecer a uma Loja maçónica é haver elementos que, qualquer que seja ou tenha sido a sua valia ou importância, se considerem insubstituíveis, necessários, procurando exaustivamente influenciar ou determinar o que na Loja se decide, se projeta, se faz - como se nada se possa de jeito fazer sem que o trigo seja cultivado na sua terra, a farinha moída em seu moinho e o pão cozido no seu forno - embora gostem que haja semeadores para lançar o trigo à sua terra, moleiros para fazer funcionar o seu moinho e padeiros para colocar o seu pão dentro do seu forno e de lá o retirar... Uma Loja subordinada a quem não consegue deixar de nela impor a sua vontade perde inevitavelmente qualidade, capacidade de evolução, criatividade e capacidade de execução.

É por estarmos alerta em relação a isso que o José Ruah e eu, já em conversa de há cerca de três anos, assentámos em que teríamos de estar atentos ao momento em que fosse asado irmo-nos discretamente afastando da influência nos destinos da Loja, de modo a não sufocarmos esta na sua evolução, deixando que a nossa contribuição passada seja isso mesmo, Passado, e favorecendo a evolução futura nas mãos de gente tão ou mais bem preparada do que nós.

As circunstâncias têm feito com que, nos últimos três anos, a nossa intenção ainda não pudesse passar disso: num ano fui chamado a desempenhar funções no Quadro de Oficiais, no seguinte foi o Ruah, agora sou novamente eu. A contribuição de quadros da Mestre Affonso Domingues para outras Lojas obrigou a que não nos pudéssemos afastar sem auxiliar na reconstituição de uma massa crítica de Mestres, em número e qualidade suficientes para que a Loja não precise de nós coisíssima nenhuma. Mas estamos ambos atentos à chegada desse inevitável momento em que devemos iniciar o nosso processo de reforma - para não corrermos o risco de passarmos a ser peso onde antes procurámos ser motor.

Essa foi uma das razões pelas quais no final da última sessão, o Zé e eu olhámos um para o outro com um ar de enorme satisfação - quais dois gatos gordos deitados em frente à lareira, lambendo os beiços após lauta refeição. Claro que um dos motivos foi a satisfação de termos colaborado numa sessão da Loja particularmente bem sucedida, como referi no meu texto anterior. Mas também porque sentimos que o momento em que nos vamos tornar desnecessários está iniludivelmente mais próximo. Não será porventura já para amanhã (pelo menos até ao fim do ano eu tenho ofício a executar), mas a Loja está a atingir um nível comparável aos seus melhores tempos, reconstituiu (e ainda não terminou o processo) o seu Quadro de Mestres e dispõe agora de um confortável número de jovens e qualificados Mestres, tem as colunas de Aprendizes e Companheiros preenchidas por gente capaz e tem candidatos que bateram à porta e aguardam a sua vez de ser atendidos (alguns já há bastante tempo - não estão esquecidos...). Se nada suceder em contrário, se o quadro de obreiros agora se mantiver estabilizado por, pelo menos, dois ou três anos, não tenho dúvidas de que não só o Zé e eu já não faremos falta nenhuma, como deveremos afastar-nos dos centros de decisão da Loja, de forma a não pearmos a normal evolução dela com as nossas recordações de tempos passados. A experiência é benéfica, mas para enquadrar a força e o empenho da juventude e a capacidade da maturidade, não para as subjugar ou limitar...  

Parece-me assim que se aproxima a passos largos o momento em que o Zé e eu deveremos de vez deixar o exercício de Ofícios no Quadro (enfim, uma vez por outra, para substituir alguém, se não houver mais ninguém disponível, pode ser - mas sem abusar...) e, sobretudo, guardarmos para nós as nossas apreciações, para que mais fluidamente se expressem as opiniões e mais livremente se tomem as decisões pela nova geração da Loja. É esta a lei da vida. É assim que os grupos e as sociedades evoluem, cada geração assumindo as rédeas no momento asado.

Então e finalmente o Zé e eu poderemos assumir total e completamente o nosso papel de  Marretas, assistindo ao que se passa do nosso camarote, caturrando sobre o que vemos ser feito e resistindo a reconhecer que o que então estiver a ser feito é tão ou mais bem feito do que nós alguma vez fizemos...

Rui Bandeira

Subscrito por mim  José Ruah

15 janeiro 2014

Confortavelmente no fio da navalha


Quem costuma ler os escritos que aqui publico sabe que não é meu hábito escrever sobre acontecimentos internos da Loja Mestre Affonso Domingues, para além dos balanços anuais dedicados a cada um dos Veneráveis que se vão sucedendo à frente dos destinos da Loja - e mesmo estes só depois de decorrido pelo menos um ano após o termo do mandato. Mas toda a regra tem exceção e hoje apetece-me escrever algo a propósito da última sessão da Loja Mestre Affonso Domingues.

Em parte do presente ano maçónico, e por razões cujo esclarecimento reservo para o texto que, daqui a um pouco mais de ano e meio, projeto elaborar sobre o presente veneralato, a Loja Mestre Affonso Domingues tem - consciente e assumidamente - vivido em estado de exceção, no que à sua liderança respeita. Não se tratou de nada inesperado ou sequer imponderado. Pelo contrário, trata-se da resolução de um problema que foi em devido tempo colocado à consideração da Loja, pela forma que esta - repito, consciente e assumidamente - decidiu utilizar para superar a situação de exceção. A superação do problema mobilizou esforços dos elementos mais antigos e necessita de uma maior atenção dos atuais Oficiais do Quadro, mas confirmou o que esperávamos: resultou num agradável reforço do espírito de corpo de toda a Loja, mediante a coletiva, coordenada e cooperada ultrapassagem da dificuldade.

A Loja Mestre Affonso Domingues, ao longo dos seus mais de vinte anos de existência, tem revelado como caraterísticas próprias os especiais cuidados na qualidade da execução ritual e na formação de quadros, a par da manutenção de um quadro de obreiros que normalmente não ultrapassa a centena de elementos, pois muitos dos quadros que ela forma vão depois dar origem a novas Lojas ou reforçar os quadros de outras Lojas da Obediência. A Loja sente-se muito confortável com este seu papel: a manutenção de um número moderado de obreiros permite manter um elevado nível de personalização nas relações entre os seus membros, potenciando a criação e o fortalecimento de amizades; por outro lado, o papel de "fornecedora" de quadros para outras Lojas leva a que, ao longo do tempo, um grande e significativo número de Lojas da Obediência tenham nos seus quadros elementos que passaram pela Mestre Affonso Domingues e, não menos importantemente, a que se estabeleçam e frequentemente renovem as mais amistosas relações entre a Loja Mestre Affonso Domingues e as demais Lojas da Obediência.

É claro que a manutenção do equilíbrio entre os dois referidos vetores - qualidade de execução ritual e fornecimento de quadros para outras Lojas - se revela por vezes delicada. É inevitável que, de cada vez que a Loja vê partir quadros formados e experimentados, o nível da qualidade dos seus trabalhos se ressinta, ao menos momentaneamente. Não é nada de especial nem a que a Loja não se tenha já habituado: os mais novos assumem as responsabilidades dos mais experientes que saíram; em vez de primeiro verem como se faz, a seguir experimentarem aqui e ali fazer e só depois começarem a assegurar a responsabilidade do exercício titular de ofícios, são-lhes confiadas responsabilidades mais cedo e eventuais erros são colmatados e corrigidos com a ajuda dos mais experientes. E, afinal de contas, para gente bem preparada a formação em exercício acaba por potenciar as capacidades...  No decorrer deste sucessivo e infindável processo, a Loja consegue manter um muito razoável nível de qualidade de funcionamento, ainda com a vantagem de conseguir dispor de vários elementos para as várias funções e de elementos polivalentes. Por exemplo, hoje a Loja Mestre Affonso Domingues dispõe de, pelo menos, uma dezena de elementos aptos a, sem problemas, executarem, se necessário for sem preparação prévia, os ofícios de Mestre de Cerimónias ou de Experto, qualquer que seja o tipo de trabalhos previsto para a sessão. E dispõe de, pelo menos, quatro obreiros aptos a assegurarem a Coluna da Harmonia, satisfatoriamente se tiverem de o fazer sem preparação prévia, muito agradavelmente se dispuserem de 24 horas de pré-aviso para prepararem um alinhamento musical mais pensado... E por aí fora, em todos os ofícios necessários para o funcionamento da Loja.

Sem embargo, este ano, após duas "sangrias" de obreiros para colaborarem em ou lançarem outros projetos na Obediência, estamos a trabalhar no fio da navalha, simultaneamente em situação de exceção quanto à liderança, com gente nova a ganhar experiência em ofícios e ultimando a preparação de novos quadros de forma a que estejam prontos para serem chamados à execução de ofícios quando ocorrer a próxima contribuição da Loja para o lançamento ou reforço de outros grupos na Obediência.

E foi assim que demos connosco na situação de, na última sessão, irmos realizar uma das mais complexas e exigentes cerimónias maçónicas (que se recomenda tenha sempre a sua execução previamente ensaiada), uma cerimónia que, se bem feita, exige a compenetrada contribuição de toda a Loja, nos seguintes termos: liderança da sessão de recurso (embora assegurada por alguém muito experiente), um Quadro de Oficiais com elementos com poucos meses de experiência em funções rituais importantes e... sem possibilidade de preparação prévia em conjunto. Para culminar, que isto de nos lançarmos para fora de pé ou se faz com mar alteroso ou não tem piada nenhuma, esta complexa cerimónia iria ser realizada na presença do Muito Respeitável Grão-Mestre, do Grande Diretor de Cerimónias, do Grande Capelão, de um Vice Grão-Mestre Provincial de uma Obediência estrangeira e de delegações ou visitantes de nada mais, nada menos, do que cinco outras Lojas da Obediência...

Pois bem: se não era possível preparação em conjunto, cada um dos que iam assegurar ofícios tratou de se preparar individualmente para o que ia fazer (a esse propósito, releia-se, por exemplo, o texto Alinhamentos!, do Daniel Martins).

E tudo correu bem! Direi mesmo que mais do que bem! Obriga-me a justiça a deixar aqui registado que tivemos uma sessão que em nada ficou atrás das melhores execuções rituais que, ao longo dos seus mais de vinte anos de existência, a Loja executou. Tudo se fez como devia ser feito! Cada elemento fez o que tinha a fazer pela forma como o devia fazer e o conjunto dos elementos funcionou de forma coerente e harmoniosa, como se tivesse ensaiado em conjunto até à exaustão. Até os imprevistos (e há sempre imprevistos, acreditem...) foram resolvidos rápida, eficiente e, sobretudo, discretamente, de forma a que só os mais experientes e habituados a olhares mais críticos se terão apercebido da necessidade de corrigir imprevistos...  

O que mais me impressionou foi que sei que alguns dos que realizaram um trabalho bem realizado são elementos novos, ainda não muito experientes e com uma grande margem de progressão à sua frente. O que me leva a admitir que, se a Loja não tiver de, a curto prazo, abrir mão destes quadros para outros projetos, a breve trecho podemos superar-nos em qualidade, comparativamente a quaisquer outros períodos da Mestre Affonso Domingues.

O que me dá o mote para outra questão - mas não hoje, antes para a próxima semana, que este texto já vai longo.

Rui Bandeira

10 janeiro 2014

Entre uns e outros!



- Entre o que de mim dizem, entre o que de mim pensam, entre os que
me julgam sem saberem bem e sobre o quê, entre os que de mim não gostam, entre os que das minhas dificuldades se glorificam, está a verdadeira razão da minha existência:
-AQUELES a quem eu AMO e que me retribuem de forma igual!

- Entre aqueles que acham que o melhor era o meu silêncio, entre aqueles que em todas as minhas ações só vem o que não conseguem fazer, entre aqueles que se preocupam mais com o que faço e com o pouco que tenho, do que com aquilo que deviam de fazer para poder ter mais ou o mesmo, está a verdadeira razão da minha persistência:
- AQUELES que mesmo sem que eu tenha de pedir, me dão força para seguir em frente e continuar a caminhar, os meus AMIGOS!

- Entre aqueles que em todos os meus actos só vêm interesses ocultos, entre aqueles que buscam permanentemente nos meus actos o reflexo negro e sujo das suas mentes pobres, entre aqueles que apenas se focam em desdizer e contrariar, por contrariar, o que de boa-fé partilho, entre aqueles que da inveja fazem seu alimento, está a verdadeira razão da minha caminhada e persistência:
- AQUELES que trilham o mesmo carreiro, aqueles que se sentem IGUAIS entre IGUAIS!

Alexandre T.


09 janeiro 2014

Alinhamentos!

Há vários dias que sabia que seria o mestre, ainda que em exercício, da Coluna da Harmonia, na próxima sessão, algo que nada de novo tem, pois é função que já desempenhei enquanto Oficial da Loja e sempre que me é solicitado por quem de direito, mesmo não sendo o titular da “pasta”.

Portanto, tudo normal, mais uma sessão, um novo plano de alinhamento e a “coisa” decorrerá sem problemas de maior, foi este o meu pensamento conseguinte.

A verdade é que fiquei inquieto, diria mesmo um pouco nervoso, havendo algo que não consigo explicar por meras palavras e que me está a atormentar o juízo e a preocupar-me.

Visualizei mentalmente que músicas iria selecionar para este e para aquele momento, afastando possibilidades, suposições e as várias hipóteses que existem para todos os momentos da sessão e fiquei ainda mais inquieto.

Já tive oportunidade de preparar alinhamentos musicais para sessões com enorme simbolismo, exemplo disso são as iniciações, aumentos de salários e elevações, cerimónias de lembrança, sessões conjuntas, um sem fim de escolhas musicais para todas elas, portanto todo este estado de espirito será impensável, mas é real.

Ser mestre da Coluna da Harmonia da RLMAD, é algo peculiar, é algo difícil de transcrever em palavras, pois chega a ser um “lugar” isolado dos demais Ir:., no espaço físico do templo, e ao mesmo tempo estar perto de todos eles a cada acorde que se escolhe para cada momento da sessão, é ler nos olhares cruzados as notas que se fazem ouvir, é compreender que aquele som, aquela música, os conduz ao momento e local certo, ao seu templo interior, é fechar os olhos e ouvir a música, ouvir simplesmente, ouvir até por vezes o silêncio.

Que as minhas escolhas tenham a Sabedoria que espero, a Beleza que a adorne e a Força que a todos trará união.

Nada de nervos, a sessão decorrerá justa e perfeita, assim o GADU o irá permitir, os obreiros irão satisfeitos, pois o conjunto de todos os momentos que decoram a sessão tem apenas e só um nome, Maçonaria.

(artigo escrito durante a preparação do alinhamento musical para a sessão de dia 08-01-6014)


Daniel Martins

08 janeiro 2014

"Um olhar..."



Também foi um amante da fotografia. Não do mero registo de imagens que a facilidade dos modernos telemóveis com câmaras de milhões de pixels possibilita, mas da fotografia a sério, buscando imagens de qualidade e dignas de serem registadas em telas de grandes dimensões. Na última sessão de Grande Loja (não sabíamos então que seria mesmo a sua última sessão de Grande Loja!) efetuou uma exposição de várias fotografias suas assim registadas em tela, todas de grande qualidade. 

Essa exposição constituía um aperitivo de uma outra que o Rui, com o apoio de um obreiro da Loja Mestre Affonso Domingues, preparava para ter lugar no início de 2014.

A sua inesperada Passagem ao Oriente Eterno impediu-o de ultimar a mostra. Mas felizmente o essencial do trabalho estava já feito, a escolha das imagens a exibir  estava quase ultimada e o que faltava pôde ser completado, com as informações da família e dos amigos mais chegados.

O projeto que preparava pôde assim ser prosseguido postumamente. Tenho, assim,  o gosto de  aqui divulgar que está já patente na Biblioteca - Museu República e Resistência - Espaço Grandella, sita na Estrada de Benfica, n.º 419, em Lisboa, a exposição "Um olhar...", exposição póstuma de fotografia de Rui Clemente Lelé. Poderá ser visitada até ao dia 23 de janeiro, de segunda a sexta-feira, das 10 às 17,30 horas. 

A exposição é organizada com o apoio da Associação Mestre Affonso Domingues (da Loja Mestre Affonso Domingues, de que Rui Clemente Lelé foi fundador e onde esteve durante a maior parte do tempo da sua atividade maçónica) e da Associação Fernando Teixeira (da Loja Fernando Teixeira, de que Rui Clemente Lelé foi também fundador e seu primeiro Venerável Mestre e cujo quadro de obreiros integrava à data da sua Passagem ao Oriente Eterno).

A cerimónia de inauguração da exposição foi agendada para a próxima sexta-feira, dia 10 de janeiro, a partir das 18,30 horas.

A Associação Fernando Teixeira e a Associação Mestre Affonso Domingues convidam todos os interessados, particularmente os Irmãos e os muitos amigos do Rui, a estarem presentes nesta inauguração, simultaneamente uma homenagem e um preito de admiração ao Rui Clemente Lelé. 

Rui Bandeira