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06 março 2017

Da diferente evolução das Lojas


Um aspeto que é importante na vivência maçónica é a visitação, isto é, a comparência, assistência e, se o desejar, intervenção de um maçom de uma Loja em sessão de outra Loja. Ao visitar outra Loja, ainda que da mesma Obediência e cidade, embora ambas trabalhando no mesmo rito e utilizando precisamente o mesmo ritual, o maçom apercebe-se de discretas diferenças entre o que a Loja visitada faz e o que a Loja que integra pratica. Se esse maçom continuar a visitar a mesma Loja em várias sessões, aperceber-se-á inevitavelmente que existem diferenças de cultura entre ambas as Lojas, a visitada e a sua. Diferenças porventura ao nível da forma de debater as questões, ou da tomada de decisões, ou ao nível da instrução dos Aprendizes e Companheiros, ou da autonomia dos Oficiais do Quadro, ou ao nível de um sem-fim de aspetos. Reconhece a Loja que visita como uma Loja maçónica similar à sua. Verifica que, na essência, são da mesma natureza e prosseguem a mesma finalidade. Mas a forma como o fazem, como traçam e seguem os respetivos caminhos, são diferentes. Em suma, facilmente verifica em cada uma é diferente em relação à outra naquilo que comummente os maçons designam como o projeto da Loja.  

Fazer essa verificação, adquirir essa noção, é intrinsecamente bom para o maçom. Verifica assim diretamente que não há uma única maneira de fazer as coisas, que se pode agir corretamente de variadas formas, aprende que a sua Loja, por ser a sua, não é a detentora do segredo da perfeição na atuação maçónica. 

Mas afinal como se processa o mecanismo que faz com que grupos de pessoas partilhando os mesmos objetivos, prosseguindo os mesmos propósitos, utilizando o mesmo método, acabem por acumular diferenças, umas mais subtis, outras mais evidentes, ao ponto de ser possível detetar verdadeiras diferenças na cultura de cada Loja?

A resposta é simples: a causa está em nós, em cada um de nós e em todos os integrantes de cada Loja. Cada um de nós é diferente, dentro da nossa essencial igualdade. O conjunto de maçons de cada Loja necessariamente que é diferente do de outra Loja. Essas diferenças vão-se traduzir em posturas, escolhas, hábitos, relações com leves ou mais acentuadas diferenças. O conjunto de caraterísticas dos elementos de uma Loja, das respetivas interações, práticas e hábitos individuais e coletivos, formas de trabalhar, de preparar, de organizar, de executar, vai estabelecer o quadro de cultura de cada Loja.

Um hipotético exemplo: duas Lojas, da mesma Obediência, trabalhando o mesmo rito, reunindo na mesma cidade, estabeleceram duas práticas diferentes em relação a um aspeto rotineiro da Loja. Uma apenas admite a inquéritos para Iniciação e, se aprovados, a provas de Iniciação, elementos que sejam conhecidos e das relações dos obreiros da Loja; a outra admite iniciar candidatos que tenham manifestado o propósito de serem iniciados maçons em contacto com a Loja, ainda que não sendo pessoas das relações de nenhum dos obreiros dela, embota tenha estabelecido um mais completo e cauteloso processo de análise, de forma a proteger-se de mal-intencionados, arrivistas e oportunistas.

A primeira Loja ganhará em coesão o que perde em diversidade. Tendencialmente, cresce e evolui em segurança, sem grandes surpresas nem clamorosos erros de casting, mantendo um conjunto de obreiros com caraterísticas, posturas, origens e estatutos sociais semelhantes e semelhantes formas de ver a vida. Mantém-se um grupo de amigos que se alarga. Tem tendência a fechar-se na sua zona de conforto. O que fizerem fazem bem, em conjunto, mas terão pouca apetência para inovar e arriscar.

A outra, porque aceita e integra estranhos aos seus elementos, arrisca muito mais. Ganha em diversidade, mas tem que construir mais laboriosamente a coesão que conseguir criar. Está sujeita a mais erros de casting, mas aprende a lidar com eles e a superá-los sem dificuldades de maior. Progressivamente vai alargando as origens sociais e profissionais dos seus elementos. Tem uma maior diversidade de pensamentos e de posturas em relação à vida e a todos os seus aspetos, opções políticas e religiosas incluídas. Tem tendência a arriscar, a atirar-se para fora de pé. Por vezes terá agradáveis sucessos. Outras suportará falhanços. Facilmente terá dois, três ou quatro projetos em preparação ou execução, divididos por vários grupos de obreiros da Loja. Convive muito bem com a diferença. Aprende a tirar partido dela. Terá períodos muito gratificantes e períodos de desorientação, pois o seu potencial criativo está no mesmo plano que o seu potencial de desorganização. Será tudo menos aborrecida, mas pagará o preço de ser por vezes inconsequente.

Vejamos outro exemplo: uma Loja definiu uma linha de sucessão para a sua liderança e segue-a, não tendo lutas eleitorais. Outra, pelo contrário, pratica a democracia pura e dura, periodicamente se confrontando candidaturas e efetuando escolhas. 

A primeira tem a vantagem de poder programar a prazo mais dilatado. Não gasta tempo nem energias a sanar diferenças nem diferendos com origem em pugnas eleitorais. Mantém uma certa continuidade no estilo da sua liderança. A transição geracional é mais suave, mas muito mais prolongada. Quem chega tem de esperar pela sua vez. A evolução da Loja tem tendência a ser lenta, reproduzindo esta os hábitos consolidados. Ganha em estabilidade o que perde em capacidade de adaptação rápida às mudanças.

A outra está mais sujeita a conflitos, a cisões, a perdas de tempo com a gestão e ultrapassagem das sequelas dos confrontos eleitorais. Tem tendência a súbitas mudanças de estilo de liderança. Faz fáceis, rápidas e, mesmo, abruptas transições geracionais. Chama à liderança os elementos que mais se destacam. A evolução da Loja tende a ser rápida, com mudanças frequentes de hábitos, estilos e posturas. Ganha em capacidade de adaptação o que perde em estabilidade.

E muitas outras variantes existem, combinando-se e recombinando-se, de forma a gerar verdadeiras idiossincrasias típicas de cada Loja.

Cada Loja é diferente, funciona de forma diferente e evolui de forma diferente. Cada Loja comporta-se e efetivamente é uma uma família diferente das demais. Mas, tal como as famílias biológicas educam as suas crianças e jovens e fazem deles adultos válidos, tendo cada família a sua individualidade própria, com as respetivas tradições, os seus hábitos e as suas formas de lidar com as situações, assim também cada Loja ajuda à melhoria de cada um dos seus obreiros, segundo as tradições que estabeleceu, os hábitos que criou e a sua respetiva forma de trabalhar.

Rui Bandeira

20 fevereiro 2017

O outro termo da equação


A afirmação de que o que se busca na Maçonaria é o aperfeiçoamento individual através da interação com a Loja transcrita para linguagem matemática seria qualquer coisa como Maçom + Loja = Aperfeiçoamento.

O primeiro termo da equação, o Maçom, é abundantemente tratado nos escritos, nos seus mais variados aspetos. É natural: os maçons que escrevem sobre Maçonaria integram eles próprios o primeiro termo da equação, conhecem-no literalmente por dentro e por fora, é mais fácil escrever sobre o que se conhece, analisar o que o próprio sente, definir os objetivos que o próprio anseia.

Mas, para que a equação funcione, exista realmente, é indispensável a presença e o efeito do seu segundo termo: a Loja. É a Loja que é o ponto de confluência de todos os obreiros, onde todos levam as suas idiossincrasias pessoais, mas também os seus esforços, preocupações e anseios. É no confronto de tudo aquilo que se junta e partilha na Loja que cada um escolhe e retira os materiais e as ferramentas que utilizará no seu próprio desbaste. Ser maçom só faz plenamente sentido se e quando integrado em Loja. Aí, sim, o método disponível para ao aperfeiçoamento individual concretiza-se. Maçom e Loja completam-se e mutuamente se influenciam.

Há muita matéria escrita sobre o primeiro termo da equação, o maçom. Sobre o segundo termo dessa equação, a Loja, os elementos disponíveis são muito menos. Não é só por ser mais fácil escrever sobre o maçom do que sobre a Loja. É também porque, se bem virmos a coisa, a relação entre o maçom e a Loja é similar ao que, dizem os entendidos no assunto, sucede no âmbito da física quântica: o observador, pelo simples facto de observar o fenómeno, altera esse fenómeno. 

Efetivamente, o maçom integra-se numa Loja. É influenciado por ela, mas também ele próprio a influencia. O simples facto de o maçom observar, analisar, efetuar juízo crítico sobre a sua Loja, faz com que, seja a sua análise melhor ou pior, seja o resultado dela mais ou menos agradável, altere a perceção que dela tinha. E, ao tal suceder, inevitavelmente que se modifica, quiçá impercetivelmente, a sua relação com a Loja e, assim, a forma como a Loja o influencia, mas também a sua própria influência sobre a Loja. O simples facto de observar a Loja resulta na modificação da Loja observada, tal como na modificação do próprio observador. Mudanças insignificantes, impercetíveis, talvez. Mas estão lá, ficam lá, interagem com outras subtis modificações. Assim evolui o maçom. Assim evolui a Loja. Assim evoluem ambos.

Esta relação mutuamente influenciadora entre o maçom e a sua Loja deve alertar-nos para a necessidade de não nos concentrarmos apenas no primeiro termo da equação, o maçom, isto é, nós - apesar de ser esse, de sermos nós, o objetivo principal -, mas também não descurar a atenção no segundo termo da equação, a Loja.

Não nos enganemos: a Loja não são as paredes dentro das quais nos reunimos. Não são os adereços que nos rodeiam. Não é o mero ambiente que criamos. Nem o conjunto de lições que aprendemos. A Loja é, somos, o conjunto de maçons que nela se integram. A Loja não é ELA. A Loja é NÓS.  A Loja, sendo algo diverso de nós, é algo de que nós fazemos parte, que nós influenciamos e que nos influencia.

O maçom deseja aperfeiçoar-se. É meritório. Ao fazê-lo, está a cuidar de si. Mas o maçom sabe que a sua tarefa só plenamente se executa se em consonância, em interação, com sua Loja. Assim sendo, o mínimo de bom senso manda que também se preocupe com a sua Loja, com o bom estado dela. E, repito, o que aqui menos importa são as paredes, a decoração ou os artefactos. O que importa, a essência da Loja, são os seus obreiros. Um a um. Todos. O conjunto de todos. A influência de cada um sobre cada um e sobre todos e a influência de todos sobre cada um.

Observar, estudar, a dinâmica da Loja, procurar determinar o estado dela, as correções que nela porventura haja a fazer, o contributo que relevantemente a ela possamos dar, é tarefa que o maçom não deve, não pode descurar. É uma tarefa ciclópica, eu sei! Parece, muitas vezes, uma tarefa impossível, de tal forma se nos afiguram insignificantes os resultados que a nossa ação individual é suscetível de obter, também o sei. Mas a colmeia vive e cresce graças ao aparentemente insignificante resultado do trabalho de cada uma das suas abelhas...

O maçom que aprendeu a sê-lo não esquece que tem de zelar pelos dois termos da equação. Porque o resultado individual depende do coletivo. Porque o coletivo depende do individual, mas também influencia o individual. Ao zelar pelo bom estado da sua Loja, o maçom está simultaneamente a melhorar-se a si próprio. Ao melhorar-se a si próprio, está a contribuir para a melhoria da sua Loja.

Bem vistas as coisas, sim, a relação entre o maçom e a sua Loja é como a física quântica: parece muito difícil, aparenta ser muito inacessível, mostra-se muito esotérica, mas o que é preciso é afinal apenas trabalho e bom senso!

Rui Bandeira 

04 julho 2016

A identidade da Loja


Cada Loja maçónica adquire ao longo do tempo uma identidade própria, que a distingue, sem dificuldades, das restantes. Essa identidade começa a construir-se pelas circunstâncias do seu aparecimento (Loja essencialmente com obreiros oriundos de outra Loja: decisão consensual ou conflitual?; Loja de caráter genérico ou Loja criada com um objetivo específico? Loja criada a partir de um grupo coeso que se expandirá normalmente ou Loja de implantação numa zona, cujos fundadores a virão a abandonar quando estiver implantada e firme?), prossegue com a forma como se relacionam os seus elementos (relações de amizade ou cordiais ou existência de tensões que vão sendo dirimidas e aplainadas?) e com a forma como é gerida a Loja e efetuadas as escolhas que tiverem de ser tomadas (Loja habitualmente coesa ou Loja com grupos estabelecidos que se vão confrontando e sucedendo nas tomadas de decisão)?

A forma como a Loja adquire e molda a sua identidade determina a sua maior ou menor aproximação ao arquétipo modelar de uma Loja maçónica: espaço de harmonia, de tolerância, de cooperação, de mútuo auxílio e propiciatório do crescimento e aperfeiçoamento individual de todos e cada um dos seus obreiros. Não tenhamos ilusões: não há Lojas maçónicas perfeitas, tal como não há maçons perfeitos (se o fossem, não precisavam de se aperfeiçoar, logo não eram maçons...). Mas cabe a cada maçom e a cada conjunto de obreiros agrupado numa Loja permanentemente trabalhar para que a sua Loja se aproxime o mais possível do desejado arquétipo.

Vários caminhos, várias formas, vários estilos podem ser e são utilizados nessa busca. Não há fórmulas mágicas nem pretensas unicidades. Cada Loja, em função da sua circunstância, vai adquirindo a sua identidade, estabelecendo a sua forma de trabalhar, o seu estilo de se gerir, a abordagem que mais lhe convém para melhorar e tornar melhores os seus obreiros. É isso que eu designo por identidade de cada Loja. 

Essa identidade vai-se estabelecendo naturalmente, no bom, no assim-assim e no menos bom que ocorrer e gradualmente a Loja vai ganhando caraterísticas próprias, facilmente adotadas pelos seus obreiros e identificadas pelos seus visitantes. 

Questão essencial para o estabelecimento da identidade de uma Loja é a da escolha da sua liderança. A identidade da Loja Mestre Affonso Domingues assenta, quanto à escolha da sua liderança, em três vetores que lhe são essenciais:

1) Não há nela luta ou querela quanto à questão da sua liderança: ressalvada a ocorrência de (sempre possível) qualquer imponderável que o impeça, o Primeiro Vigilante de um ano é o Venerável Mestre do ano seguinte, e ponto final parágrafo! Todos os anos a eleição do Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues é uma mera formalidade, escrupulosamente cumprida nos termos regulamentares! (Quem quiser  saber ou recordar a origem deste princípio identitário da Loja, procure e leia neste blogue o texto A eleição do Terceiro Venerável Mestre).

Com este princípio identitário não se perde tempo em lutas estéreis, não se formam artificialmente grupos, não se estabelecem quezílias. Acordos e desacordos estabelecem-se e discutem-se em relação a opções a tomar, a tarefas a realizar, a projetos a desenvolver. Isso, sim, debate-se o tempo que for preciso até se nos tornar evidente qual o melhor (às vezes, qual o menos mau...) caminho a seguir. Porque não perdemos tempo em questiúnculas de (ilusório!) poder, podemos mais utilmente gastá-lo a debater o que vamos e como vamos fazer.

2) Cada Venerável Mestre é eleito para exercer um ano de mandato e depois dá lugar a outro.

O Regulamento Interno da Loja prevê a possibilidade uma (única) reeleição para um segundo mandato, por maioria qualificada. Mas esta é uma possibilidade ali colocada apenas em face da eventualidade de sobrevir um "dia de chuva" tal que nos obrigue a recorrer ao guarda-chuva de uma excecional reeleição. O exercício do ofício de Venerável Mestre por um ano e basta tem duas evidentes vantagens: todos os obreiros interessados e intervenientes na Loja exercem, a seu tempo, o ofício de Venerável Mestre; não se sacrifica demasiado ninguém, pois, como todos os que se sentaram na Cadeira de Salomão sabem, exercer este ofício permite ao seu titular duas alegrias: a primeira quando é instalado para exercer o ofício, a segunda quando (finalmente, ao fim de um loooongo ano...) vê instalado o seu sucessor e é aliviado da responsabilidade de dirigir a Loja.

3) O Segundo Vigilante de um ano é o Primeiro Vigilante do ano seguinte.

Este princípio identitário é crucial, pois impede que se criem cliques de direção da Loja, impedindo o Venerável Mestre recém-eleito de ser ele a escolher o seu sucessor. Com efeito, o Primeiro Vigilante é (ver princípio identitário 1) o sucessor natural do Venerável Mestre e, consequentemente, não deve ser por ele escolhido, ao contrário da esmagadora maioria dos demais Oficiais da Loja - as exceções são o Tesoureiro (eleito) e o Guarda Interno (que, salvo os inevitáveis imponderáveis é o Ex-Venerável do ano anterior). O Venerável Mestre, na Loja Mestre Affonso Domingues tem o dever de designar para Primeiro Vigilante o Segundo Vigilante do ano anterior, que foi escolhido para essa função pelo seu antecessor, com a expectativa do próprio, do Venerável Mestre que o nomeou e de toda a Loja, de ser no ano seguinte Primeiro Vigilante e , no subsequente, Venerável Mestre. Assim não proceder, para além de ser uma condenável forma de se arrogar o direito de escolher o seu sucessor, seria uma tremenda falta de respeito pelo seu antecessor, uma forma de lhe dizer meu caro, foste um palerma, fizeste uma má escolha para Segundo Vigilante, eu é que vou ser o Cavaleiro Branco que vai emendar o teu erro e escolher o homem certo para o lugar certo... O incumprimento deste princípio identitário da Loja abriria uma Caixa de Pandora de consequências imprevisíveis, correndo-se o risco de deitar a perder tudo o que a Loja foi e construiu ao longo de mais de um quarto de século: uma vez que alguém se arrogue o direito de escolher o seu sucessor (exceto quando o Segundo Vigilante, por qualquer razão, renuncie a exercer o ofício de Primeiro Vigilante - sucedeu recentemente e o problema resolveu-se aberta e consensualmente), cai pela base a confiança no princípio de que o Primeiro Vigilante de um ano é o Venerável Mestre do ano seguinte e cai-se, para o futuro, na pura e dura pugna eleitoral. A partir daí, a Loja não seria mais a mesma, teria perdido a sua identidade, deixava de ter a questão da escolha do seu líder como uma pacífica e natural sucessão de obreiros, passava a ter anualmente de resolver o problema de dirimir disputas eleitorais entre obreiros. A partir de então, a Loja poderia conservar a designação de Loja Mestre Affonso Domingues, mas não seria mais a Loja Mestre Affonso Domingues, seria uma mera caricatura dela!

A Loja Mestre Affonso Domingues é o que é porque, pura e simplesmente, nunca admitiu que no seu seio a questão da escolha da sua liderança fosse um problema ou sequer um fator de temporária desestabilização. Ao longo de mais de vinte e cinco anos, nunca tivemos uma disputa eleitoral, nunca tivemos de apanhar os cacos decorrentes de uma luta dessa natureza. Conseguimos e soubemos identificar, estabelecer e aplicar as condições necessárias e suficientes para tal, os três princípios identitários que atrás enunciei. O preço de abandonar qualquer deles seria muito elevado, seria a senda para mudar a Loja Mestre Affonso Domingues que construímos, de que gostamos e em que nos sentimos bem noutra coisa qualquer. Tão simples como isso!   

Estou há longos anos na Loja, há já um tempo significativo que vou escrevendo neste blogue, procuro deixar nele registada a Memória da Loja, conhecimento do passado que serve de lição, guia e inspiração para o futuro. Mas nada na vida é eterno nem definitivo - um dia, não sei quando, necessariamente que deixarei de escrever aqui, inevitavelmente deixarei de estar na Loja. Por isso me apeteceu hoje deixar esta mensagem, este testemunho, para ilustração presente e para memória futura.

Talvez este seja porventura o texto mais importante para a Loja Mestre Affonso Domingues que publiquei neste blogue!

Rui Bandeira

06 junho 2016

O trabalho fora de Loja: Segundo Vigilante


Ao Segundo Vigilante de uma Loja maçónica compete, além do exercício das funções rituais, a coadjuvação do Venerável Mestre na administração da Loja, em conjunto com o Primeiro Vigilante, e, sobretudo, a superintendência no trabalho e na formação dos Aprendizes.

Quanto ao seu papel na administração da Loja, se nele falhar ou executar deficientemente, tal implicará uma sobrecarga do Venerável Mestre (que terá de suprir a falta ou a deficiência no auxílio) e, sobretudo uma quebra ou uma deficiência na planificação e execução de longo prazo da atividade da Loja. Não é por acaso que, pese embora a Loja delegue a responsabilidade e o poder de decisão no Venerável Mestre, se refira que a administração do grupo recai sobre as "Luzes da Loja", ou seja, no conjunto composto pelo Venerável Mestre e os dois Vigilantes. Porque tendencial - e desejavelmente - estes três Oficiais da Loja cumprem uma linha de sucessão na direção da mesma, a boa cooperação entre esta tríade, independentemente das alterações concretas dos elementos que nela se integram, permite um desenvolvimento harmonioso, a longo prazo, do trabalho da Loja. O Segundo Vigilante tem dois anos para se preparar para o exercício do ofício de Venerável Mestre. O Venerável Mestre pode iniciar ou prosseguir projetos de longo prazo, com o conhecimento e a participação dos seus Vigilantes, sabendo que eles estarão aptos a dar continuidade aos projetos e a inserir neles, se necessário, as modificações que se mostrem aconselháveis.

Mas o principal objetivo, a principal tarefa, do Segundo Vigilante é assegurar o acolhimento, a integração e a preparação dos Aprendizes. E essa tarefa, para ser bem executada, não pode ser deixada apenas para os dias de sessão. O Segundo Vigilante tem de ter disponibilidade, interesse e organização para acompanhar individualmente cada Aprendiz.

Quando é iniciado numa Loja maçónica, o novel Aprendiz, por regra, entra num grupo em que conhece muito poucos elementos (por vezes só um ou dois), com regras estabelecidas que inicialmente desconhece e cujo conhecimento tem de adquirir em simultâneo com o seu cumprimento, e com uma ligação forte entre os seus elementos. Sente-se um estranho, um peixe recém-entrado num aquário já bem povoado... Para que a sua integração no grupo ocorra rápida, fácil e harmoniosamente, é importante o apoio do Segundo Vigilante. É este quem deve dar as primeiras indicações, os primeiros esclarecimentos, ao novo elemento, quem deve zelar pela rápida e tranquilizadora integração do novo "peixe" na segurança do "cardume" dos Aprendizes, com ele e nele tomando conhecimento dos "meandros do aquário".

Paralelamente à integração dos novos elementos, compete ao Segundo Vigilante coordenar a sua formação. Afinal de contas, Aprendiz é para aprender... Esta tarefa é complexa a vários títulos. Desde logo, porque naturalmente haverá Aprendizes em vários estádios de integração e formação, havendo que corresponder às necessidades de cada um de forma individualizada. As necessidades de integração e de auxílio na formação de um Aprendiz recém-iniciado são, naturalmente, diversas de um outro que já leva alguns meses de integração ou de um terceiro que tem já a sua primeira fase de preparação quase terminada e que ultima a elaboração e apresentação da sua prancha de proficiência ou que, apresentada esta, aguarda a oportunidade para o seu aumento de salário.

Mas também há que ter noção que coordenar a formação de um grupo de Aprendizes maçons não tem rigorosamente nada a ver com lecionar uma turma de jovens estudantes. Os Aprendizes maçons serão Aprendizes, mas são homens ativos, alguns homens maduros, em pleno auge das suas carreiras profissionais ou já na fase mais avançada dela, com famílias constituídas, responsabilidades que asseguram, filhos que educam e guiam. São Aprendizes, mas não são - longe disso! - meninos! O tempo em que aprendiam ouvindo as preleções do "sôtor" já é para eles passado, para alguns já longínquo. 

O Segundo Vigilante tem de coordenar a formação do conjunto de Aprendizes, normalmente heterogéneo, em termos de idade, de experiências de vida, de formações académicas, profissionais e culturais e em diferentes estádios de desenvolvimento na aprendizagem da Arte Real. Mas, com todas estas diferenças, são, Aprendizes e Vigilante, essencialmente IGUAIS. Não há qualquer relação de superioridade, nem intelectual, nem académica, nem de responsabilidade. A única coisa que diferencia o Vigilante dos seus Aprendizes é tão só a experiência em Maçonaria que aquele adquiriu e que tem a obrigação de ajudar a que estes adquiram.

A tarefa de coordenar a formação dos Aprendizes não é, pois, fácil. Cada Vigilante terá de a desempenhar por si, em função das suas circunstâncias, das suas disponibilidades, das suas capacidades, das caraterísticas do grupo e dos indivíduos que lhe cabe coordenar. 

Não há, assim, um modelo único de formação que se possa aconselhar. Nem sequer um único método a seguir. No entanto, pode-se sugerir um plano e um método de formação que - sempre sujeito e aberto às adaptações e alterações que cada Vigilante entender necessárias e justificadas - se entende adequado para atender às diferenças do grupo de Aprendizes e apto a captar e manter o interesse de gente por vezes já altamente formada e especializada nos respetivos campos profissionais e que, assim, não está propriamente na disposição de regredir aos seus tempos de polidores dos bancos da escola.

Sugiro que, no início das suas funções, no dealbar do ano maçónico, o Segundo Vigilante selecione até sete temas, não mais, que constituirão a base da formação de Aprendizes nesse ano. Uma hipótese (entre muitas e variadas) pode ser, por exemplo:

1) HISTÓRIA DA MAÇONARIA
2) SÍMBOLOS DO GRAU
3) VALORES MAÇÓNICOS
4) RITUAL DE INICIAÇÃO
5) O MAÇOM PERANTE O CRIADOR
6) O MAÇOM PERANTE SI PRÓPRIO
79 O MAÇOM PERANTE A SOCIEDADE

Repare-se que cada um destes temas é suficientemente amplo e aberto para ser abordado, tratado, desenvolvido, de uma miríade de diferentes maneiras. É esse o objetivo! Não se vai ensinar nada a ninguém, muito menos um pensamento único ou uma visão "correta". Como homens livres e de bons costumes que são, com a maturidade que lhes foi reconhecida como apta a integrar a Loja, os Aprendizes não precisam de ser ensinados, de receber lições. Apreciarão, pelo contrário, enquadramento e meios para que cada um aprenda o que quiser, pelo ângulo que entender, com a perspetiva que achar melhor.

A cada tema corresponderá um ciclo de trabalho de duas sessões e um desenvolvimento.

Para a primeira sessão de cada ciclo, o SEGUNDO VIGILANTE deve ter identificada e preparada (desejavelmente em ficheiros informáticos para serem disponibilizados aos Aprendizes) bibliografia sobre o tema, nos vários aspetos e abrangências dele, tão variada quanto possível - cinco a dez obras ou trabalhos.

Na primeira sessão do ciclo, o Segundo Vigilante deve introduzir o tema, designadamente chamando a atenção para os aspetos mais importantes nele, os subtemas ou questões que acha que serão importantes que os Aprendizes sobre eles debrucem a sua atenção. Deve indicar a bibliografia, de preferência chamando a atenção para diferentes formas de tratar o tema ou os diferentes aspetos abrangidos pelos trabalhos disponibilizados. Deve designar um LÍDER DE DISCUSSÃO para a sessão seguinte sobre o tema. De preferência, os líderes de discussão devem ser designados por ordem de antiguidade dos Aprendizes. O LÍDER DE DISCUSSÃO fica com o encargo de preparar e dirigir a discussão sobre o tema na sessão de trabalho subsequente, escolhendo vários aspetos do tema a tratar para colocar em debate, competindo-lhe garantir que, na sessão seguinte, haja mesmo discussão, debate sobre o tema, sem tempos mortos. Finalmente, o Segundo Vigilante designa a data da sessão de trabalho subsequente, exorta os Aprendizes a prepará-la lendo a bibliografia fornecida e o mais que entenderem e acentua que a sessão subsequente consistirá num debate de todos sobre o tema, dirigido pelo LÍDER DE DISCUSSÃO, que só será proveitoso se todos e cada um, entre as duas sessões, lerem a bibliografia, aprenderem sobre o tema e se prepararem para, exopondo o que cada um aprendeu, ajudar à aprendizagem dos demais.

Na segunda sessão. processa-se a discussão do tema, sob a direção do LÍDER DE DISCUSSÃO. Esta será tanto mais proveitosa quanto melhor o LÍDER DE DISCUSSÃO e os demais Aprendizes se tiverem preparado entre as duas sessões. Se porventura ninguém se tiver preparado convenientemente, provavelmente a sessão será muito aborrecida, constrangedora e muito pouco proveitosa... Mas, pelo menos ensinará a todos que, em Maçonaria, não se ensina, aprende-se - e que a aprendizagem é um esforço individual de cada um, posto em comum com o grupo. Na discussão da segunda sessão, o Segundo Vigilante deve intervir o menos possível - apenas quando necessário para repor a conversa no tema, quando o grupo dele se afastar (as conversas são como as cerejas...).

Finalmente, após a segunda sessão, o LÍDER DE DISCUSSÃO fica encarregado de preparar e apresentar uma prancha sobre o tema - que poderá vir a ser a sua prancha de proficiência para aumento de salário.

Repete-se, ao longo do ano, este esquema, com os vários temas. Ao fim do ano, tem-se Aprendizes preparados, não por terem ouvido umas preleções, mas por se terem debruçado sobre vários temas, por si e para si e para todos. Tem-se trabalhos elaborados - e tendencialmente de boa qualidade, porque resultantes de discussão em grupo e elaborados por quem se preparou para dirigir essa discussão. Tem-se um conjunto de obreiros que criou naturalmente espírito de grupo. O Segundo Vigilante ainda tem o bónus de, no ano seguinte, ir ter, como Primeiro Vigilante, Companheiros que foram Aprendizes bem preparados e bem habituados a preparar-se.

Finalmente, este método permite que, com toda a naturalidade e sem custo, sem demasiado esforço nem dificuldade, os novos Aprendizes que sejam iniciados ao longo do ano se integrem no trabalho da Coluna de Aprendizes, No ano seguinte, o trabalho recomeça. com os mesmos ou outros temas, ou alguns destes e temas novos, consoante o entender o  Segundo Vigilante de então.

Não tenho dúvidas que uma Loja que siga consistentemente este método de formação de Aprendizes terá, mais cedo do que mais tarde, um escol,de obreiros da melhor qualidade, prosperará e cumprirá devidamente o seu papel de fazer, cada vez mais, de homens bons homens melhores!

Rui Bandeira    

22 fevereiro 2016

O trabalho fora de Loja



Em Maçonaria, é essencial o trabalho realizado em Loja: a execução do ritual de abertura, através do qual todos os presentes se concentram no espaço, tempo, lugar e trabalho que vão efetuar, desligando-se das vicissitudes do mundo exterior (o mundo profano), o despachar de toda a parte burocrática e administrativa inerente ao funcionamento da Loja, a participação na ordem do dia e o ritual de encerramento, pelo qual os presentes se preparam para a saída do espaço, tempo, lugar e trabalho comuns e conjuntos e para o regresso ao mundo exterior (o mundo profano).

Mas mal andará qualquer Loja em que apenas se dê atenção ao trabalho em sessão! Este não é possível, ou, pelo menos, não é profícuo, nem sustentável, sem o trabalho que, desejavelmente, todos os maçons efetuam, em si e perante os que os rodeiam, no mundo e tempo profanos e particularmente sem o trabalho, o esforço e a dedicação dos Oficiais da Loja entre as sessões desta.

Para que os trabalhos de uma Loja decorram de forma harmoniosa e profícua, muito tem de ser preparado, estudado, trabalhado e concretizado fora de Loja. Desde as obrigações legais que a Loja tem de assegurar, ao enquadramento burocrático, passando pela aquisição, conservação e guarda dos bens e materiais da Loja, não esquecendo a execução do que se deliberou em sessão e a preparação dos assuntos a serem postos à discussão e deliberação nas sessões subsequentes, atendendo à deteção, prevenção e resolução de problemas, diferentes entendimentos ou divergentes interpretações e conflitos, reais ou potenciais, tudo tem de ser assegurado e trabalhado pelos Oficiais do Quadro da Loja entre as sessões desta. 

Sem esse trabalho de triagem e preparação, tudo viria a recair na Loja, transformando as sessões desta numa sucessão de resolução de problemas, sem dar tempo, espaço e lugar ao mais importante: a criação, fortalecimento e manutenção da Cadeia de União entre os obreiros da Loja, pela qual e com a qual cada um recolhe do grupo a energia, o incentivo, a experiência, os conselhos, a solidariedade e a cooperação que lhe são úteis para o seu próprio trabalho de aperfeiçoamento e, por sua vez, dá ao grupo e a cada um dos seus integrantes a sua contribuição.  

É por isso que a eleição ou designação para Oficial do Quadro de uma Loja maçónica deve ser por todos encarada antes do mais como um encargo e só depois como uma honra ou o reconhecimento de qualidades ou esforço do eleito ou designado. O Oficial de uma Loja maçónica não é um "graduado" que exerce autoridade sobre elementos de patente inferior, os soldados ou praças. O Oficial de uma Loja maçónica é assim designado porque lhe é confiado o exercício de um ofício, de uma tarefa. O Oficial do Quadro da Loja serve esta e os seus obreiros, através do cumprimento das obrigações do seu ofício.

Todos os maçons com um mínimo de assiduidade às sessões da sua Loja sabem quais são os deveres dos Oficiais durante as respetivas sessões - porque participam nelas e assistem ao respetivo exercício ou efetuam o exercício de um ofício. Mas o conhecimento das tarefas que os vários Oficiais do Quadro de uma Loja maçónica devem assegurar no intervalo das sessões não é tão evidente assim. No entanto, essas tarefas fora de sessão são indispensáveis para a administração da Loja, a preparação e decurso das sessões desta, o cumprimento dos objetivos de todos.

É, por isso indispensável que cada um, quando chegar a sua vez de assumir funções de Oficial do Quadro da sua Loja, tenha bem presente que as suas obrigações no exercício do seu ofício vão muito para além do desempenho ritual em Loja, pesam muitíssimo mais do que o o colar de função que cada Oficial coloca no início de cada sessão da Loja.

Basta que um ofício seja mal ou incompletamente exercido, fora de Loja, para que o equilíbrio de todo o Quadro de Oficiais seja afetado, para que a sessão da Loja seja menos produtiva ou menos agradável do que poderia e deveria ser. O desempenho do ofício fora de Loja é tão ou mais importante do que é executado em sessão. Este é só mais visível...

Rui Bandeira

24 agosto 2015

Maçonaria em Loja (republicação)

O texto de hoje saiu da pena do J. Paiva Setúbal na época em que teve os "destinos" da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues nº5 nas suas mãos. Ou seja, foi escrito e publicado durante o seu Veneralato, que decorreu durante os anos profanos de 2007 e 2008.

Trago-Vos este texto porque considero que ele faz uma reflexão bastante certeira sobre o que  a Loja espera dos seus obreiros. A contemporaneidade deste texto é inegável, e por isso mesmo, decidi partilhá-lo com aqueles que possivelmente não terão tido acesso a ele, por se encontrar nos "confins" do blogue, mas também àqueles a quem tal nunca poderá passar despercebido, sendo que nunca é tarde demais para salientar esta reflexão que foi efetuada na altura por quem a escreveu e que a decidiu partilhar com os leitores nessa época, cabendo agora a mim, ter a mesma deferência para com os atuais leitores...

Apesar de o texto poder ser consultado aqui, deixo-Vos para vossa leitura agora o respetivo texto.

"Maçonaria em Loja

A organização da Maçonaria Regular tem uma base de sustentação, a Loja.

E a Loja tem como base os Obreiros que a compõem.
Quero eu acentuar com este começo de texto que os Obreiros, ao nível das Lojas, são os alicerces sobre os quais toda a estrutura se levanta.

Bom…, mas sendo os Obreiros homens, seres humanos com pernas, braços e o resto, como todos os outros, interessa discorrer um pouco sobre o relacionamento entre os componentes desta estrutura que assume uma tão grande responsabilidade.
Quando alguém é proposto para iniciação na Maçonaria, necessariamente a nível de loja, é-lhe feito um inquérito e sobre isso já se escreveu aqui neste blog o suficiente para justificar que não gaste agora mais espaço com o porquê e o como do inquérito.
Mas interessa notar que sendo o inquérito, ele também, feito por homens, é evidentemente um exercício de conclusões falíveis, e pode acontecer que seja proposto para iniciação alguém que realmente não esteja em condições de admissão na Maçonaria.
Em boa verdade as exigências são absolutamente humanas, isto é, na prática apenas se exige que o candidato seja um Homem, assim com maiúscula, o que neste caso se resume no nosso dizer, “livres e de bons costumes” e queira verdadeiramente pertencer a esta estrutura.
Apenas isso.
Ainda assim pode acontecer um erro de apreciação, por parte de quem faz a inquirição ou da parte do profano que se apresenta a candidato, e quando isso acontece todos perdem.
É uma óbvia desilusão para todos, desencantamento para o candidato que só tarde percebe que afinal a Maçonaria não responde às suas interrogações e aos Irmãos que com ele contactaram porque, à alegria de receber mais um membro na Família se segue a tristeza de verificar que afinal todos estavam enganados.

O relacionamento entre obreiros da Loja constitui o betão que garante a força da estrutura, de forma a que o “prédio” resista aos temporais que de tempos a tempos acontecem, tal qual na Natureza, e do qual a história da nossa Loja Mestre Affonso Domingues, também já contada aqui, pode bem servir de exemplo.
Este relacionamento tem por base duas variáveis, a saber, os procedimentos rituais (o “Ritual” como conjunto de regras formais que regulam a vida em Loja) e a Amizade entre os Irmãos membros daquela comunidade.
É no Ritual e na Amizade entre os Irmãos que assenta tudo o resto.
Se alguma destas variáveis falha, falha a Maçonaria !

Relativamente ao Iniciado muito pouco se sabe, habitualmente.
A Loja sabe que é conhecido do padrinho que o propõe e esse, sendo necessariamente um Mestre Maçom, merece a confiança dos restantes membros da Loja.
Depois, durante o inquérito, algo mais se fica sabendo, mas são conversas curtas, 1 hora ou 2, o tempo de um almoço ou algo assim, o que é manifestamente pouco tempo para conhecer alguém com pormenor.
Quando o Profano se apresenta para iniciação raramente a generalidade da Loja conhece detalhes da sua vida profana, nomeadamente a profissão, onde trabalha, o que faz, qual o grau de formação e por aí fora.
De facto não é isto que consta por aí, mas é isto o que acontece na verdade !
O que se pede a todos os Maçons quando em Loja é que deixem “os metais à porta do Templo”, e este pedido/exigência é frequentemente mal entendido por muitos, interpretando os “metais” como sendo a bolsa com os valores que eventualmente contenham (aquilo com que se compram os melões…).
Ora os “metais” que devem de ficar à porta do Templo são muito mais subjectivos do que isso.
Esses metais devem ser entendidos como os valores aos quais a profanidade dá importância grande, mas que em vivência Maçónica não só são dispensáveis como totalmente desajustados aos valores que a Maçonaria cultiva.
São a arrogância, a vaidade e a ambição.
Esses são os metais que, de todo devem ficar à porta, para que lá dentro reine verdadeiramente, e naturalmente, a igualdade e a fraternidade objectivos finais do nosso trabalho.
Sem isso surgirão as disputas por interesses particulares, a arrogância da saliência, a ambição por lugares de destaque.

Recordo palavras do nosso companheiro de blog Templuum Petrus, “quem se humilha será exaltado, mas quem se exalta será humilhado”.

Pois saibamos verdadeiramente, convictamente, deixar à porta do Templo os nossos metais, principalmente aqueles, porque eles são o fruto da grande maioria (totalidade ?) dos desencontros entre Maçons, tal como afinal são a razão de todas as guerras.
Cultivemos e levemos connosco a capacidade de compreender as diferenças.
Porque afinal, ser amigo do que gostamos ou do que nos é igual é fácil.
O que pode ser desafio interessante é a amizade com a diferença.
E para isso a abertura de espírito e a capacidade de aceitação é uma exigência."

J.P. Setúbal


13 abril 2015

Introdução a uma merecida exceção



(O texto que se segue foi proferido em sessão da Loja Mestre Affonso Domingues. Creio que fala por si. Quanto à identidade do homenageado, nós, os seus Irmãos, conhecemo-la - e isso basta, para ele e para nós...)


Muito Respeitável Vice Grão-Mestre,
Respeitáveis Grande Oficiais,
Venerável Mestre da Respeitável Loja Lusitânia,
Venerável Mestre,
Meus Irmãos, em todos os vossos graus e qualidades,

A Loja Mestre Affonso Domingues vai fazer algo que nunca fez em vinte e cinco anos, algo que, precisamente para conferir valor e significado ao que vai ocorrer, tenciona que, nos próximos vinte e cinco anos, em muito raras e escolhidas ocasiões, se é que em alguma, volte a fazer: homenagear um dos nossos!

Fazemo-lo pela primeira vez em vinte e cinco anos, e tencionamos muito parcamente voltar a fazê-lo nos próximos vinte e cinco anos, não porque tenhamos algum problema em relação a homenagens, mas simplesmente porque na cultura, na matriz, da nossa Loja está profundamente impresso que aqui cada um de nós está para procurar ser melhor, para buscar fazer melhor, com o auxílio dos seus Irmãos e auxiliando os seus Irmãos a igualmente todos os dias melhorarem mais um pouco. Nesta Loja, desde sempre que os mais antigos instilam nos mais novos a noção de que o simplesmente bom não chega, sendo corrente, mesmo até rotineiro, que trabalhos dos nossos obreiros sejam áspera e por vezes impiedosamente criticados... porque são apenas bons! 

Nesta Loja, o mínimo que exigimos de nós próprios é ser melhores, porque, no nosso padrão, o Ótimo não é nunca o objetivo final, é apenas um necessário degrau para se atingir a Excelência, aquele patamar em que por vezes - ainda que sempre fora do alcance da nossa mão, por mais que estiquemos o braço - se consegue vislumbrar a humanamente inatingível Perfeição. 

Porque esta é a nossa cultura, a nossa matriz, não somos muito dados a homenagens aos nossos, porque aqui ser melhor do que bom é um simples cumprimento do dever, sem direito a especial menção, ser ótimo é um ponto de passagem que confere apenas direito a um breve e discreto louvor, atingir a Excelência é o objetivo.

No entanto, hoje, aqui e agora a Loja entendeu ser imperativo da justiça prestar fraterna homenagem a um dos nossos, porque lhe reconhece a Excelência. Excelência enquanto cidadão, homem de família, profissional e maçom. Aquele que hoje gostosamente vamos homenagear é um maçom que é muitíssimo mais que um homem bom,  muito mais do que um homem que se tornou melhor – afinal de contas, não fazendo mais do que a sua obrigação ao estar entre nós - é bem mais do que um ótimo homem e maçom.  Aquele que hoje vamos homenagear pertence ao muito restrito número daqueles que se impõe que reconheçamos como um Excelente homem e Excelente maçom, alguém que faz com que cada um de nós pense, de si para consigo, que “quando eu for grande gostava de ser como ele”.

Todos nós, os que aqui estamos reunidos, buscamos entender o sentido da vida e procuramos que a nossa vida tenha significado. Sobre o sentido da vida, cada um saberá a que conclusões chegou. Sobre o significado da vida do Irmão que hoje está no centro das nossas atenções, a homenagem que agora se inicia pretende precisamente assegurar-lhe que a sua vida, o seu caráter, a sua postura, a sua fraternidade, a sua disponibilidade, representaram e representam um profundo significado para todos e cada um de nós, que é apenas justo hoje demonstrar-lhe.

Quis – e bem – toda a Loja envolver-se neste reconhecimento ao nosso Irmão. Assim, seguidamente serão apresentadas três pranchas dedicadas a ele, à sua figura, à sua ação, ao que ele representa para todos nós, uma apresentada em representação da Coluna dos Aprendizes, uma outra em nome da Coluna dos Companheiros, a terceira pronunciada por mandato dos demais Mestres da Loja. Seguir-se-á ainda uma pequena e despretensiosa surpresa que esperamos agrade ao nosso Irmão e, naturalmente, no que toca à Loja, a voz de quem toda a Loja representa, a do Venerável Mestre. 

Muito Respeitável Vice Grão-Mestre,
Respeitáveis Grande Oficiais,
Venerável Mestre da Respeitável Loja Lusitânia
Venerável Mestre,
Meus Irmão, em todos os vossos graus e qualidades,

É com um enorme sentido de privilégio e de honra que declaro aberta a merecida homenagem ao nosso muito prezado Irmão ...

Rui Bandeira

19 janeiro 2015

Formalismos na Maçonaria…

(imagem proveniente de Google Images)

Na Maçonaria existe o costume de os seus membros se tratarem por irmãos ou manos, uma vez que a Augusta Ordem Maçónica é uma Irmandade de carácter fraternal.

Mas para além deste hábito, existe outro que costuma fazer alguma confusão aos recém-chegados. É o facto de todos no seu trato habitual se tratarem por “tu”.
Independentemente da idade, do grau ou da qualidade maçónica (cargo que se represente em Loja ou na Obediência), todos, mas mesmo todos, se tratam por “tu”.

Enquanto na vida profana é habitual  as pessoas tratarem-se com alguma deferência, nomeadamente tratarem-se por “você” ou por “senhor” ou até mesmo pelo título académico que detenham, na Maçonaria não existe esse distanciamento pessoal. Quando se aborda um irmão, é por “tu isto…” ou “tu aquilo…” É “tu” e prontos!

Isto por si só, é uma demonstração que aos maçons não interessam os cargos ou as profissões que um irmão desempenhe na sua vida profissional. Em Loja todos sãos iguais entre si. Desde o mais desfavorecido financeiramente ao mais folgado em questões de metais, não existe diferença no trato. Os “metais” devem ficar sempre fora de portas do Templo. 
Esta é outra das virtudes que se podem encontrar na Maçonaria a par da tolerância e do espírito fraternal.

E como entre irmãos não há lugar para deferências ou "salamaleques", é mais salutar e sensato o tratamento por “tu” que por outra coisa qualquer. Desse modo, aos recém-chegados dá-se lhes a confiança necessária para se enturmarem com os mais antigos na casa, e aos mais idosos em idade, consegue-se que mantenham dessa forma, um espírito jovem e reverencial que a todos agrada. Aos mais jovens é que normalmente causa algum desconforto em tratar alguém mais velho em idade por uma forma tão simples de tratamento, mas com o tempo esse pequeno desconforto passa e é normal que depois nem se note a diferença de trato nem a idade do irmão com quem se interage.

Esta forma de tratamento entre pessoas, foi dos hábitos que mais “estranheza” me causaram nos meus tempos de neófito.

É como se costuma dizer: “primeiro estranha-se, depois entranha-se…”

Mas em Maçonaria e em como tudo o que sejam instituições, associações ou grupos onde o Homem se reúna, existe sempre uma hierarquia a respeitar, e como tal, o tratamento com alguém hierarquicamente superior, devido às funções que lhe são acometidas, nunca poderia ser igual à que os outros membros terão entre si. E como afirmei acima, se na Maçonaria os seus obreiros se tratam entre si como irmãos e no trato normal por “tu”, não deixa de ser interessante que quando se trata de alguém com funções diretivas, esse tratamento seja enaltecido.

Apesar de quando um irmão se dirige a um irmão que ocupe um cargo relevante na estrutura maçónica o trate na mesma por “tu”, a diferenciação no tratamento é respeitante ao cargo e função ocupada em si e não à pessoa em concreto. Por isso é que é habitual se ouvir falar em “Venerável Mestre”, “Respeitável Irmão” e “Muito Respeitável Grão-Mestre” entre outros apelidos que se conheçam e que existem, que servem apenas para diferenciar um irmão dos restantes apenas pelas funções que lhe são atribuídas e nada mais.

Em Maçonaria todos os cargos são transitórios, tal como quase tudo na vida, e os maçons têm isso presente, e como tal, não adianta ou não é necessário existir outro tratamento que não seja por “tu”, pois se hoje desempenhamos um cargo, amanhã poderemos estar apenas a ocupar um lugar numa das colunas. E quem hoje se encontra simplesmente numa coluna e sem funções atribuídas, amanhã poderá ser chamado a ocupar alguma função importante na estrutura maçónica. E este tipo de tratamento possibilita uma transição entre colunas ou funções sem qualquer tipo de sobressaltos.

Concluindo, se as designações dos cargos maçónicos ou dos títulos dos graus maçónicos que existem poderem sugerir algumas vezes que o tratamento entre irmãos possa derivar em "pantominices", essa assumpção está bastante errada. O tratamento entre irmãos é sempre feito da forma mais simples que se conhece, utilizando simplesmente o pronome “tu”.
E é assim que se quer que a Maçonaria funcione, de uma forma simples e elementar.


PS: Texto adaptado deste outro, também escrito e publicado por mim.

15 setembro 2014

Ser reconhecido Maçom...


(imagem retirada de Google Images)

Para alguém ser considerado maçom, primeiramente terá de ser reconhecido por outro como tal. Depois terá de passar por uma conjunto de processos após os quais será aceite ( ou não) por uma Respeitável Loja e a sua consequente Iniciação.

Mas não é tão fácil como o parágrafo anterior se apresenta, mas também não será tão difícil como se poderá supor.
Nas Maçonarias tipicamente anglo-saxónicas é usual a célebre afirmação “2B1ASK1” ou seja “ To Be One, ask One” ( Para ser Um, Pergunte a Um; numa tradução literal), o que permitirá mais facilmente atrair mais gente a esta Augusta Ordem.
Mas por norma, qualquer Obediência (Potência Maçónica) tem um domicílio físico, isto é, uma porta onde se poderá bater no caso de que algum potencial candidato que se interesse ou identifique com os princípios e causas maçónicas se puderá dirigir caso não tenha nenhum conhecido que seja maçom na sua lista de contatos ou esfera de influência. Ou também, o que sucede bastantes vezes, não tenha sido reconhecido ainda por algum outro maçom.

Mas que “reconhecimento” é esse que acabei de falar?!
Nada mais nada menos que tal como os maçons afirmam, que se reconheça em alguém que seja uma pessoa “livre e de bons costumes”, com um comportamento probo e honesto; que seja alguém considerado com bom “pai de família” e um bom colega de trabalho pelos seus pares; que esteja inserido na sociedade onde viva e que tenha vontade em aprender e partilhar o que sabe com outrem; bem como ter também a vontade em auxiliar o seu semelhante.

Todavia, e aqui algo que poderá criar confusão na mente de algumas pessoas, o candidato terá de ser alguém com defeitos, ou seja, alguém que identifique e reconheça os seus defeitos pessoais e tenha a vontade e ambição de mudar o seu comportamento para melhor - “vencer os seus vícios e paixões”… - evoluindo como pessoa e ser humano que é, através de uma via espiritual e iniciática que neste caso preciso é a Maçonaria.

Em geral, na minha opinião, não é a simples pertença na Maçonaria que tornará “homens bons” em “homens melhores”, antes pelo contrário, serão os homens que poderão tornar a instituição maçónica em algo melhor; pois as suas atitudes estarão sob o escrutíno da Sociedade. Os maçons são os seus próprios “juízes e carrascos”, o resto é conversa…

A Maçonaria através das suas “ferramentas filosóficas e espirituais” é que pode auxiliar na evolução pessoal de cada um em direção a um aperfeiçoamento moral e comportamental. Por isso é que é hábito em maçonaria se afirmar que “ a Ordem não procura homens perfeitos”, pois esses já trilharam o seu caminho… 
À Maçonaria interessa sim, quem deseja mudar, mas mudar para melhor…
Somente atuando assim, é que alguém pode um dia esperar ser reconhecido como maçom. Mas não lhe bastará apenas ter sido reconhecido, há que continuar nesta senda de perfeição, caso contrário, as palavras, as atitudes, os comportamentos serão vãos e apenas tudo culminará numa perda de tempo para ambas as partes, tanto para a Respeitável Loja e Obediência que o acolha, quanto para o próprio, que será passível de perder um reconhecimento que por regra não é atribuído a qualquer um!
Tanto que por isso, sempre após uma possível “identificação maçónica” num profano ou após a submissão de um pedido de candidatura de adesão a uma Respeitável Loja, é desencadeado um conjunto de diligências, nomeadamente um processo de inquirição, para que se possa averiguar qual a conduta do suposto candidato a iniciar. Seja através de conversas com o próprio ou com seus familiares e/ou amigos, para que se possa aferir quais as reais intenções de quem deseja que “a porta lhe seja aberta”… 

É que fortuitamente e como em qualquer instituição ou associação onde entre o bicho-homem, também por vezes a Maçonaria tem alguns erros de casting que acabam por manchar a reputação dos demais maçons e influenciar negativamente a opinião profana sobre a Maçonaria e os seus membros. E geralmente são estes casos que vêm a público, pois o bem que a Maçonaria faz, apenas fica resguardado para ela…
E, mesmo depois de ter terminado o processo de inquirição respeitante a um candidato, o mesmo ainda terá de ser sufragado pela Respeitável Loja que o irá cooptar no futuro. E somente após essa decisão da loja, será ou não iniciado.

Por isto tudo, é que afirmei no início que não seria difícil entrar na Maçonaria, mas que por sua vez também, não será tão fácil assim como se poderia supor.


Finalizando e em jeito de conclusão, tenho para mim que antes de se entrar na Maçonaria e se obter qualquer tipo de reconhecimento, já a Maçonaria “entrou dentro de nós”…

19 março 2014

Entre Colunas


O local de reunião de uma Loja maçónica tem por entrada um espaço delimitado por duas colunas. Estas evocam as duas colunas que existiam no átrio do Templo de Salomão, descritas na Bíblia no 1.º Livro dos Reis, capítulo 7, versículos 15-22:

15 E formou duas colunas de cobre; a altura de cada coluna era de dezoito côvados, e um fio de doze côvados cercava cada uma das colunas.
16 Também fez dois capitéis de fundição de cobre para pôr sobre as cabeças das colunas; de cinco côvados era a altura de um capitel, e de cinco côvados a altura do outro capitel.
17 As redes eram de malhas, as ligas de obra de cadeia para os capitéis que estavam sobre a cabeça das colunas, sete para um capitel e sete para o outro capitel.
18 Assim fez as colunas, juntamente com duas fileiras em redor sobre uma rede, para cobrir os capitéis que estavam sobre a cabeça das romãs, assim também fez com o outro capitel.
19 E os capitéis que estavam sobre a cabeça das colunas eram de obra de lírios no pórtico, de quatro côvados.
20 Os capitéis, pois, sobre as duas colunas estavam também defronte, em cima da parte globular que estava junto à rede; e duzentas romãs, em fileiras em redor, estavam também sobre o outro capitel.
21 Depois levantou as colunas no pórtico do templo; e levantando a coluna direita, pôs-lhe o nome de Jaquim; e levantando a coluna esquerda, pôs-lhe o nome de Boaz.
22 E sobre a cabeça das colunas estava a obra de lírios; e assim se acabou a obra das colunas. 


É habitual, em muitas Lojas maçónicas, que os obreiros que apresentam perante a Loja trabalhos por si elaborados o façam colocados entre essas duas colunas. Onde assim se pratica - e assim se faz, por exemplo, na Loja Mestre Affonso Domingues -, quando é chegada a ocasião de um obreiro apresentar o seu trabalho, o Venerável Mestre solicita que se conduza esse obreiro "entre colunas" e o mesmo é conduzido precisamente para esse local. O obreiro que apresenta o seu trabalho fá-lo assim situado num extremo da sala de reuniões, de frente para o Venerável Mestre e tendo os restantes obreiros da Loja situados à sua esquerda e à sua direita, ao longo da sala, entre si e o Venerável Mestre.

Esta colocação daquele que apresenta um trabalho, profere uma palestra, tem a grande vantagem de permitir que o orador seja perfeitamente visto por todos os presentes e a todos veja perfeitamente. Mas só é adequada em salas de reuniões de tamanho não demasiado grande. Num salão de grandes dimensões, esta colocação do orador torna difícil ouvir o mesmo a quem esteja colocado no lado oposto da sala (precisamente o Venerável Mestre e aqueles que se sentam junto a ele no espaço denominado de Oriente) - a não ser que se utilize sistema de captação e amplificação de som.

Esta colocação do obreiro que apresenta um trabalho perante a Loja é utilizada com alguma frequência, mas, ao contrário do que muitos pensam, não tem qualquer significado simbólico. Ou melhor, o significado simbólico de estar "entre Colunas" não tem nada a ver com as colunas delimitadoras da entrada na Loja.

É incorreto pensar que a expressão "entre Colunas" significa precisamente o posicionamento do obreiro entre as duas colunas evocativas das do Templo de Salomão. Estar "entre Colunas" é estar entre os seus Irmãos, estar em Loja coberta (onde estão apenas maçons) e em funcionamento. Com efeito, quando uma Loja maçónica reúne, a generalidade dos seus membros senta-se em lugares colocados em duas colunas longitudinais ao longo dos lados da sala de reuniões, à direita e à esquerda do Venerável Mestre, o qual está sentado na linha imaginária central do espaço de reunião da Loja, no topo oposto à entrada desse espaço de reunião. Algumas exceções têm a ver com a colocação de alguns Oficiais em exercício de funções na Loja.

Para facilidade de orientação (e também com algum significado simbólico), os maçons designam as direções e os espaços do seu local de reunião com recurso aos quatro pontos cardeais. Assim, as colunas que delimitam o espaço de entrada no local de reunião estão colocadas no Ocidente; o Venerável Mestre senta-se no Oriente; os obreiros sentam-se em filas longitudinais entre umas e outro, denominadas respetivamente de Coluna do Norte e Coluna do Sul.

Os trabalhos de um maçom são apresentados em Loja entre Colunas, isto é, no meio dos seus Irmãos, com a Loja em funcionamento e, assim, a coberto (apenas na presença de maçons). É um espaço de acolhimento, de segurança, onde o obreiro pode exprimir livremente as suas opiniões, colocar à consideração dos seus pares o resultado do seu trabalho, sabendo que este será apreciado em função do seu mérito e não de preconceitos, amizades ou inimizades. Sempre que o seu trabalho tiver encómios, elogios, é porque o mereceu, não por hipocrisia ou polidez social; todas as críticas que receber têm como escopo a melhoria, o aperfeiçoamento, não o rebaixamento ou apoucamento do trabalho ou do seu autor. As críticas apontando falhas ou sugerindo correções ou melhorias são feitas estritamente em conformidade com o pensamento honesto de quem as formula e podem e devem ser tomadas em conta pelo autor do trabalho, em ordem a lograr melhorá-lo; as críticas positivas, os elogios que porventura se receba, são a melhor garantia de que o trabalho pode ser apresentado sem receio perante qualquer plateia, qualquer que seja o seu grau de exigência - porque passou o crivo da plateia mais exigente do mundo: a constituída pelos seus Irmãos, em apreciação honesta e sempre com base em critérios de excelência. 

Assim, em bom rigor, os trabalhos devem ser apresentados entre Colunas, isto é, com o orador situando-se no eixo central longitudinal do espaço de reunião, frente ao Venerável Mestre, mas não necessariamente ao fundo da sala, junto ao Ocidente, não necessariamente entre as colunas evocativas das do Templo de Salomão. Tal pode e deve ser feito no local entre as colunas de obreiros do Norte e do Sul mais propício e adequado para mais bem se ser visto e ouvido. Tão simples como isso.

Para um maçom, estar entre Colunas é estar num dos sítios mais confortáveis do mundo: é estar entre os seus Irmãos, num espaço e tempo onde impera a confiança, a amizade, mas também a sinceridade e a justiça na avaliação. 

Rui Bandeira

19 fevereiro 2014

Aquela Loja


Aquela Loja tinha um problema para resolver. Não era um problema inesperado. Não era um problema que não se tivesse antecipado. Mas tinha de se resolver rapidamente e bem.

Aquela Loja tinha Mestres habituados a manifestar as suas opiniões com seriedade, a ouvir as opiniões dos demais com atenção e, sobretudo, a analisar com serenidade propostas diferentes, ou mesmo divergentes, cada um ciente de que a posição diferente da sua não é um obstáculo a abater ou a vencer, é um complemento a integrar, de forma a que o resultado final seja a melhor solução viável e possível.

Aquela Loja, nessa noite, preferia uma solução que não se revelava viável. Procurou então alternativas viáveis e perfilaram-se duas. Ambas possíveis. Ambas aptas a que se atingissem os objetivos pretendidos. Escolher-se-ia uma ou outra. Mas o problema era que não se tratava de escolher entre o bom e o mau, o certo e o errado, o forte e o fraco. Havia que escolher entre dois bons, procurando descortinar qual deles viria a ser melhor. 

Aquela Loja tinha uma escolha difícil a fazer. Porque entre duas boas hipóteses, não lhe agradava preterir uma. Sobretudo isso.

Aquela Loja fez então o que sempre soube fazer bem: cada um deu a sua opinião, expôs prós e contras, explorou hipóteses. Sem criticar as análises efetuadas ou hipóteses colocadas pelos que anteriormente tinham exposto os seus pontos de vista. Ninguém queria ganhar, ninguém queria impor a sua preferência. Todos e cada um procuravam a melhor solução.

Aquela Loja sabia que, se nada de novo surgisse, acabaria por ter de escolher entre as duas alternativas viáveis. Sem vencedores nem vencidos. sem azedumes. Simplesmente uma alternativa seria escolhida e a outra preterida porque assim teria de ser e o que tem de ser tem muita força.

Aquela Loja, quase na hora de ter que decidir viu de repente alguém apontar uma terceira solução. Uma solução que a desobrigava de escolher entre um bem e outro bem. Uma solução que também era boa. Uma solução que resolvia o problema a contento. Uma solução que estava, afinal, à vista de toda a gente, só era preciso olhar para ela...

Aquela Loja em menos tempo do que demoro a escrever esta frase decidiu o que tinha a fazer. Em menos de um ai o ar ficou mais leve, as posturas descontraídas. Alguém se encarregou de resumir o que resultara do debate e expor as várias soluções possíveis. A tomada de decisão foi uma mera formalidade: o consenso fora atingido. Com o contributo de todos. 

Aquela Loja resolveu em menos de uma hora um problema que era importante, porque todos cooperaram para que surgisse a solução.  Assim, o todo pôde ser melhor e mais eficaz do que a soma das partes. A vontade coletiva não resultou da vitória de uma vontade individual sobre outra. A vontade coletiva surgiu e facilmente se tornou consensual porque ninguém queria "ganhar" e todos procuravam resolver, em conjunto, um problema.

Aquela Loja debateu o problema em sessão aberta com a presença de Aprendizes e Companheiros. Não reservou para a Câmara do Meio o debate apenas entre os Mestres. Porque naquela Loja não se tem receio algum em que os que mais recentemente se lhe juntaram, os Aprendizes e Companheiros, vejam que os Mestres têm opiniões diferentes e que não há nada de especial nisso. Há apenas que conciliar diferenças quando se puderem conciliar, fazer escolhas quando for necessário, encontrar alternativas que superem divergências sempre que possível. E depois todo o grupo sente a satisfação de um trabalho bem feito, de uma missão bem cumprida.

Aquela Loja criou uma cultura. Uma cultura de debate sempre que o debate é preciso. De diálogo em todas as ocasiões. De cooperação na superação de divergências ou diferenças. Sempre abertamente, sempre frente a frente, sempre olhos nos olhos. E, decidido o que se tem de decidir, depois brinca-se, convive-se, come-se e bebe-se. E cada problema que é assim resolvido torna mais fácil a resolução do problema seguinte.

Aquela Loja procura integrar muito bem os novos elementos e portanto não lhes esconde nada. Os novos assistem à forma como os mais antigos e experientes debatem, escolhem, superam diferenças, cooperam, decidem, resolvem os problemas. E quando chega a hora de cada um dos mais novos assumir a responsabilidade de decidir, já sabe como ali se faz. Já viu, ao vivo e a cores, como cooperar é mais profícuo do que procurar "ganhar". Como cada um pode e deve exprimir a sua ideia, o seu sentir, em relação a todas as questões, porque todas as opiniões são importantes e todas contribuem para a formação da decisão do grupo. Como todos claramente ficam a saber em que circunstâncias cada decisão é tomada, que pressupostos a sustentam, que razões a fundamentam.

Aquela Loja funciona assim há mais de vinte anos. Não sabe funcionar de outra maneira. Não quer funcionar de outra maneira. Sente-se muito bem a ser como é.

Aquela Loja é a minha Mestre Affonso Domingues e é por ela ser como é que eu não quero nem perspetivo alguma vez ser obreiro de outra Loja que não ela.

Rui Bandeira