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18 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XII

A Grande Loja consiste, e é formada, por Mestres e Vigilantes de todas as lojas registadas, com o Grão-Mestre presidindo, o seu Vice-Grão-Mestre à sua esquerda, e os Grandes Vigilantes nos seus respetivos lugares e deverá fazer uma Reunião Trimestral pela Festa de São Miguel, Natal e Dia de Nossa Senhora, em lugar escolhido pelo Grão-Mestre; onde nenhum Irmão, que não seja nesse momento membro dessa Loja, deverá estar presente, exceto se tiver autorização; e, neste caso, se estiver presente não lhe será permitido votar, nem emitir opinião, exceto se pedir permissão e esta lhe for concedida pela Grande Loja, ou que esta lhe seja pedida pela (Grande) Loja. Todas as decisões, da Grande Loja, deverão ser tomadas pela maioria dos votos, cada membro tendo um voto, e o Grão-Mestre dois votos. Exceto se a (Grande) Loja delegar no Grão-Mestre determinada matéria em particular, por uma questão de eficiência.

Esta regra determina os requisitos e forma de organização das sessões de Grande Loja. Com evidentemente necessárias alterações (na época, a Grande Loja dos Modernos agrupava vinte Lojas; hoje, a GLLP/GLRP, uma pequena Obediência de um pequeno país agrupa mais de noventa e a Grande Loja Unida de Inglaterra conta nos seus registos com vários milhares de Lojas), estipula os princípios que ainda hoje são seguidos nas Grandes Lojas maçónicas de todo o Mundo, enquadrando as variantes que os costumes locais foram propiciando.

A Grande Loja é assim uma assembleia de representantes das Lojas, como que o Parlamento da Obediência, com o poder decisório, designadamente legislativo (regulamentar) e eletivo, soberano na respetiva organização maçónica. A forma e número de representantes das Lojas variam, hoje em dia, de Obediência para Obediência. No caso da GLLP/GLRP, as Lojas que tenham nos seus quadros até quinze Mestres efetivos em situação regular (as Lojas mais pequenas ou em fase de lançamento) têm direito a um representante na Assembleia de Grande Loja, em regra o seu Venerável Mestre; as Lojas com mais de quinze e até vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a dois representantes, habitualmente os seus Venerável Mestre e Primeiro Vigilante; as Lojas com mais de vinte e cinco Mestres em situação regular têm direito a três representantes, normalmente os seus Venerável Mestre e os dois Vigilantes.

Sempre que haja impedimento de um dos normais representantes da Loja, pode qualquer dos seus representantes normais ser substituído por qualquer dos Mestres da Loja em situação regular, mediante delegação do seu Venerável Mestre, ouvida a Loja, comunicada à Grande Secretaria por escrito com, pelo menos, vinte e quatro horas de antecedência, em relação ao início da Assembleia de Grande Loja.

As reuniões, ou sessões, da Assembleia de Grande Loja têm lugar trimestralmente, em março, junho, setembro e dezembro, normalmente no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício que ocorre em cada um desses meses. Na Regra original mencionam-se as três reuniões trimestrais, por volta da Festa de S. Miguel (equinócio de outono, no hemisfério norte), Natal (solstício de inverno no dito hemisfério) e, na Inglaterra da época, dia de Nossa Senhora (equinócio da primavera, na metade norte do globo terrestre). No trimestre restante, por volta do dia de S. João Batista (solstício de verão na parte norte do planeta), decorre a mais importante ou festiva Assembleia, originalmente a Assembleia Anual.

As assembleias de Grande Loja destinam-se aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais com assento nelas. No rigor regulamentar, só excecionalmente podem assistir outros obreiros. Mas a exceção é, na prática, a regra: na GLLP/GLRP, todos os obreiros da Obediência (Mestres, Companheiros e Aprendizes) que queiram e possam podem tomar parte nos trabalhos e é fomentado que assim suceda. O cerimonial do Ritual de Grande Loja, a reunião e convivência de obreiros de todo o País são fatores de entrosamento dos mais novos e de agradável reencontro dos mais antigos, que amplamente compensam os custos adicionais de se ter de providenciar salas de reuniões aptas a acomodarem várias centenas de obreiros! Evidentemente que o direito de uso da palavra é restrito aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais e o direito de voto exercido apenas pelos representantes das Lojas...

Naturalmente que as deliberações são formadas em função da maioria dos votos expressos em relação a cada assunto sujeito a deliberação - algo que hoje temos por natural, vulgar e intuitivo, mas que não era tanto assim no século XVIII...

A Assembleia de Grande Loja, para além de órgão decisor soberano de uma Obediência maçónica, é assim um periódico pretexto para o convívio dos maçons de todo o país da respetiva Obediência, fator de coesão importante entre os maçons. No rever periódico de Irmãos que muitas vezes só nessas ocasiões se encontram se forjam os laços de amizade e solidariedade que são caraterísticos dos maçons - e que os profanos tanto criticam, sem outra razão plausível que não a inveja pela sua incapacidade de lograrem tão amplamente a geração de tão fortes laços. Assim se consegue que um maçom nunca esteja só em qualquer parte do mundo onde haja outro maçom: sobrevindo necessidade ou simplesmente em honra da cortesia, hospitalidade ou simples convívio, onde quer que esteja tem o apoio, a palavra amiga, se necessário o auxílio, de outro Irmão - por vezes ambos não se conhecendo ou apenas se conhecendo de vista... de alguma Assembleia de Grande Loja!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.


Rui Bandeira

11 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XI

Todas as Lojas devem observar procedimentos iguais, tanto quanto for possível; para tal e para criar um bom entendimento entre os Maçons, devem ser mandatados membros das Lojas para visitar outras Lojas, tão frequentemente quanto as Lojas acharem conveniente.

Esta Regra institui e constitui a origem de uma prática que é inerente à Maçonaria e à condição de maçom: a visita a outras Lojas.

Todo o maçom tem o dever de assiduidade, isto é, de comparência às sessões da sua Loja.  E, teoricamente, pode viver toda a sua vida maçónica, com aproveitamento, apenas frequentando a sua Loja, o seu grupo, com que partilha trabalhos e estudos, que influencia e de que recebe influência.

Mas indubitavelmente que a sua vida maçónica, a sua visão da realidade da Maçonaria, se alarga, aumenta em acuidade, se visitar outras Lojas além da sua. Com essa diligência, o maçom adquire a noção de como a prática das diferentes Lojas é, ao mesmo tempo, semelhante, uniforme, mas diferente. Ou seja, como a base de funcionamento das Lojas maçónicas é semelhante, segue um padrão comum (mesmo quando as Lojas trabalham em diferentes ritos), mas como essa uniformização não prejudica, antes permite e, quiçá, potencia diferentes práticas, diversas prioridades, subtis variantes de organização e atuação, que permitem verificar como é possível criar a diferença dentro da semelhança.

Ao visitar outras Lojas, o maçom adquire assim a noção de que não existe uma forma única de pensar e de trabalhar, que, mesmo seguindo um padrão comum, é uma riqueza incalculável da natureza humana a sua capacidade de variar, de fazer o mesmo diferentemente, de seguir as mesmas regras para atingir diferentes objetivos, prosseguir prioridades diversas. Em suma, que, dentro do plano geral de uma organização tendencialmente universal, há espaço - e pretende-se isso mesmo, que assim suceda! - para tantos projetos quantas as Lojas, que não há uma maneira "certa" de fazer as coisas, mas antes que cada Loja tem a forma de trabalhar que, para si, é a conveniente, que as diferenças entre as Lojas não tornam umas melhores ou piores do que as outras, simplesmente cada uma é a adequada para quem lá está se aperfeiçoar, se desenvolver, progredir ética e espiritualmente.

Visitar outras Lojas pode começar por ser uma simples - e muito humana - questão de curiosidade (vamos lá ver como eles fazem), mas acaba por reforçar aquela que é a caraterística distintiva do maçom que se preze de o ser: a Tolerância, a aceitação da diferença e, mais do que apenas isso, a consciência da riqueza da diferença, da diversidade, das variantes.

 Originalmente, a regra previa que as visitas fossem efetuadas por representantes formalmente mandatados pelas Lojas. A evolução fez com que, nos nossos dias - e já desde há muito - qualquer Mestre Maçom possa visitar e, frequentemente, visite outras Lojas por sua iniciativa e a título individual. Quanto aos Companheiros e Aprendizes, a regra é de que as suas visitas ocorram acompanhados por um Mestre da sua Loja (mas esta regra, designadamente em relação aos Companheiros, não é universal: por exemplo, na Alemanha, quando o maçom é passado a Companheiro, recebe um passaporte, um documento identificativo da sua sua condição e da Loja a que pertence, com uma mensagem do Venerável Mestre da sua Loja, pedindo às outras Lojas que recebam em visita esse Companheiro; é uma das condições necessárias para que possa ser elevado a Mestre que efetue, pelo menos, duas visitas a duas Lojas diferentes, que devem ser certificadas nesse passaporte, como forma de garantir que todo o Mestre Maçom, quando o seja, conhece já que há diferentes formas de trabalhar, diversas práticas, distintas realidades).

Sendo livre a visita a outras Lojas, há, no entanto, que garantir que quem visita uma Loja, quem pretende participar nos seus trabalhos, é efetivamente maçom, no pleno gozo dos seus direitos dessa condição, e maçom do grau que declara ser. Por isso, quando se visita uma Loja, a não ser que se seja já pessoalmente conhecido e reconhecido por um obreiro dessa Loja, que se responsabiliza pela condição de maçom e pelo grau do visitante,  deve o visitante ir munido de um "certificado de good standing", isto é, uma declaração emitida pelo Secretário da sua Loja, certificando que o portador é obreiro dessa Loja, qual o seu grau e que se encontra no pleno gozo dos seus direitos maçónicos. Se a visita for realizada a uma Loja de outra Obediência, deve ainda o visitante ser portador do seu passaporte maçónico, emitido pela Grande Secretaria da sua Obediência, documento pelo qual comprova que integra uma Obediência que mantém relações maçónicas com a Obediência da Loja visitada.

Estes documentos são indispensáveis, mas não necessariamente suficientes. Os obreiros da Loja visitada têm o direito (ou, quiçá, mesmo o dever) de se assegurar, pela forma tradicional, que quem se apresenta como visitante é quem diz ser, e tem o grau maçónico que afirma possuir. Pode (deve) assim o visitante ser telhado, isto é, interrogado (em regra pelo Guarda Interno ou pelo Guarda Externo, nos ritos que utilizam este ofício, mas também podendo tal diligência ser efetuada diretamente pelo Venerável Mestre da Loja ou ser por este delegada em qualquer outro obreiro da Loja), devendo, pela forma tradicional, mostrar saber fazer-se reconhecer como maçom e como maçom do grau que afirma ter. As Lojas inglesas são conhecidas pelo rigor que põem nesta diligência...

Não é obrigatório, mas é da praxe que, sempre que lhe seja possível, previamente informe a Loja a que pertence de uma visita que projete realizar (ou, se tal não for possível, pelo menos previamente informe o Venerável Mestre da Loja), para que, designadamente, o Venerável Mestre da Loja o possa encarregar de transmitir as fraternais saudações da Loja e do seu Venerável Mestre aos Irmãos e Venerável Mestre da Loja visitada. Similarmente, após a visita, é também da praxe que o maçom informe a sua Loja da efetiva realização da mesma e, sendo caso disso, como quase invariavelmente é, transmita à Loja as saudações da Loja visitada e os cumprimentos do seu Venerável Mestre ao Venerável Mestre da sua Loja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

04 julho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - X

A maioria de uma dada Loja, quando reunida, poderá dar diretivas ao seu Mestre e Vigilantes antes da Sessão do Grande Capitulo, ou Loja, para as três Reuniões Trimestrais, ou para a Reunião Anual da Grande Loja; porque seu Mestre e Vigilantes são seus representantes, e devem expressar as opiniões da Loja.

Esta regra consagra o princípio da soberania da Loja. A Loja é soberana em relação ás demais Lojas e à Grande Loja. O poder decisório reside na Loja, não no seu Venerável, nos Vigilantes ou nos demais Oficiais do Quadro.

O Venerável Mestre, eleito, tal como Tesoureiro, e os restantes Oficiais do quadro, designados pelo Venerável Mestre, são Oficiais porque exercem ofícios, isto é, são-lhes confiadas funções, tarefas, que devem exercer o melhor que podem e sabem ao longo do mandato que lhes é conferido. Ao eleger o Venerável Mestre e o Tesoureiro, e ao confiar àquele o poder de designar os demais Oficiais do Quadro, a Loja não está a abdicar da sua soberania nele ou neles, está simplesmente a delegar-lhes funções.

Obviamente que as funções do Venerável Mestre são importantes e extensas: dirigir administrativamente a Loja, coordenar o Quadro de Oficiais, estabelecer as ordens de trabalhos das reuniões e dirigi-las, exercer a competência disciplinar, exceto quanto à aplicação da sanção de expulsão.

Mas o Venerável Mestre deve ter sempre presente que, mesmo quando a Loja lhe confia o amplo poder de decidir em variadas questões - e confia-lho, com amplitude e com confiança -, o poder originário permanece na Loja, no coletivo de obreiros. 

Desde logo, tenha-se presente que a atividade maçónica é inteiramente voluntária. O maçom assume o compromisso de não violar as deliberações da Loja e as decisões do seu Venerável Mestre, desde que regular e regulamentarmente tomadas. Mas não tem obrigação de executar ou colaborar na execução de deliberações com que não concorde. Nesse caso, não viola, não cria obstáculos, mas também não tem de fazer. Tem o direito de nada fazer.

Logo, muito pouco assisado seria o Venerável Mestre que tomasse decisões à revelia do sentimento geral e global da Loja: seria um general sem soldados...

Não se confunda, portanto, delegação de poderes com transferência dos mesmos. A todo o momento, a Loja pode deliberar em contrário de decisão tomada por qualquer dos Oficiais do Quadro, Venerável Mestre incluído.

É assim de boa prática - diria mesmo que indispensável prática - que, antes de qualquer Assembleia de Grande Loja que inclua na sua ordem de Trabalhos  a tomada de deliberações, a Loja debata as questões sujeitas a deliberação e dê ao seu Venerável Mestre e aos seus Vigilantes as instruções que entender. Porque, quando se vota em Assembleia de Grande Loja, não é o Venerável X que vota, nem os Vigilantes Y ou Z, são os representantes da Loja número tal que expressam o voto ou os votos desta.

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

27 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IX

Se algum Irmão se comportar indevidamente e causar embaraços à sua Loja, deverá ser devidamente admoestado duas vezes, pelo Mestre ou Vigilante em Loja; e se este não refrear a sua imprudência, e não se submeter obedientemente à decisão dos Irmãos, ou não se emendar, deverá ser tratado de acordo com o regimento interno da Loja, ou, então, de acordo com o que em Reunião Trimestral se achar mais apropriado, para o que se tomará depois uma decisão fundamentada.

Esta regra respeita à disciplina em Loja. O maçom deve respeitar regras estritas de comportamento (ver os seis textos sobre a conduta dos maçons em "As Obrigações dos Maçons", também indexados no marcador Constituição de Anderson de 1723). Fraternidade não implica licenciosidade nem aceitação de condutas impróprias.

Como em quase todas as reuniões humanas, as sessões maçónicas têm períodos de maior concentração e seriedade e momentos de alguma descontração. Mas, como em tudo na vida, é essencial o equilíbrio. Há assim que respeitar as regras instituídas e que chamar a atenção sempre que ocorram transgressões.

Mas, precisamente porque se está numa fraternidade, busca-se que não haja transgressões, ou ocorrendo alguma, que esta cesse o mais rapidamente possível, e, se possível, sem outras consequências ou sequelas. Assim, ocorrendo situação de infração às regras de conduta, o Venerável Mestre, em relação a todos os obreiros da Loja, o 1.º Vigilante, em relação aos Companheiros ou o 2.º Vigilante, em relação aos Aprendizes, deve fazer sentir isso mesmo ao infrator, instando-o a que cesse a conduta imprópria ou embaraçosa, em suma, a infração.

Pode, porventura, o infrator não entender bem a censura feita, até porque essa primeira intervenção deve ser feita de modo cordato. Pode porventura não levar a sério a interpelação. Pode estar de tal forma alterado, distraído ou concentrado que uma cordata intervenção não seja por ele notada ou considerada. Se tal suceder, deve proceder-se a uma segunda admoestação, esta já em tom mais firme, de forma a que se não duvide da seriedade da interpelação.

Se a esta segunda firme e séria interpelação não corresponder o visado com a cessação da sua conduta infracional, então não restarão dúvidas de que está consciente e voluntariamente a infringir. Haverá então lugar a procedimento disciplinar.

O procedimento disciplinar é regulado pelo Regulamento Interno de cada Loja - o qual, porém, deverá respeitar os princípios gerais, sobretudo de defesa do arguido, previstos no Regulamento Geral da Obediência.

A competência disciplinar incumbe ao Venerável Mestre, que designa o Mestre Maçom que deverá exercer as funções de instrutor do processo. Tradicionalmente, o instrutor do processo disciplinar é, em regra, o Orador - sem prejuízo de poder ser designado outro Mestre da Loja para executar essa tarefa (designadamente tendo em atenção a preparação especializada do designado, procurando-se, sempre que possível, que o instrutor de um processo disciplinar tenha preparação jurídica). O instrutor do processo disciplinar exerce a sua tarefa com total independência. O processo disciplinar finda com uma proposta do instrutor (que pode, obviamente, ser de arquivamento ou de aplicação de sanção), que deve ser decidida pelo Venerável Mestre (se a proposta for de arquivamento ou de aplicação de sanção que não seja a expulsão) ou pela Loja (se for proposta a sanção de expulsão ou se o visado no processo disciplinar for o Venerável Mestre).

Em vinte e dois anos de existência, exceção feita a algumas exclusões do Quadro de Obreiros por abandono de atividade ou falta de pagamento de quotas, autênticas atuações administrativas só seguindo a forma disciplinar por respeito aos direitos de defesa dos visados, a Loja Mestre Affonso Domingues não teve nunca que aplicar qualquer sanção disciplinar. 

O mesmo sucede, por regra, nas Lojas maçónicas que funcionam bem: o correto funcionamento de uma Loja maçónica gera laços fortes entre os seus obreiros, tecidos de companheirismo e de respeito mútuo, que permitem que qualquer conflito seja resolvido sem que se chegue a instâncias disciplinares, que qualquer conduta menos própria cesse mediante as chamadas de atenção efetuadas.

Nos termos do Regulamento Geral da GLLP/GLRP, existe nesta um Tribunal de Apelação, ao qual assiste competência para apreciar os recursos das decisões disciplinares do Venerável Mestre ou da Loja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

20 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VIII

Nenhum grupo ou fação de Irmãos se retirará ou se separará da Loja em que foram iniciados, ou admitidos como membros, a não ser que a Loja se torne demasiado grande, e, mesmo assim, só com autorização do Grão-Mestre ou seu Vice-Grão-Mestre; e quando tais Irmãos se separem, devem imediatamente filiar-se noutra Loja, que mais lhes aprouver, com o consentimento unânime dessa mesma Loja à qual se ligarão (como regulamentado acima), ou então devem obter permissão do Grão-Mestre para a formação de uma nova Loja. Se algum grupo ou fação de Maçons se decidir a formar uma Loja sem a permissão do Grão-Mestre, as Lojas já formadas não deverão apoiá-los nem reconhecê-los como legítimos Irmãos ou considerar a Loja como devidamente formada, nem aprovar os seus atos ou conduta, mas tratá-los como rebeldes até que se submetam, na forma que o Grão-Mestre, em sua grande prudência, decida; e até que os aprove, concedendo-lhes patente, a qual deve ser comunicada às outras Lojas, como é de costume quando uma nova Loja é registada na Lista de Lojas.


Esta regra prevê a proibição do que em termos maçónicos é designado por Lojas Selvagens, isto é, a constituição de Lojas à revelia da Grande Loja. 

Destina-se a prevenir a resolução de possíveis conflitos ou divergências numa Loja mediante a cisão. E, por essa via, a desmotivar a criação de fações, grupos, que se digladiem ou levem a cabo lutas por vão "poder".

Essencial para o funcionamento de uma Loja maçónica e o correto desenvolvimento do seu múnus é a tolerância, a aceitação das diferenças, a acomodação das divergências. Não se tem de estar de acordo com tudo nem com todos. Pode-se e deve-se, sempre que se entender que tal se justifica, expor opiniões diferentes, proclamar desacordos, apontar caminhos diversos. É no confronto de ideias, no pesar de escolhas, no aferir de sensibilidades, que cada um afia e afina o seu pensamento, esclarece as suas dúvidas, determina o que e como deve investigar seguidamente. Uma Loja em que todos estivessem sempre de acordo, monótono coral de "yes men", seria um local de bocejante aborrecimento, condenado ao rápido desinteresse...

Mas precisamente porque uma Loja maçónica deve ser um local de debate livre, de fecundo confronto de ideias, é imperioso que tudo esteja organizado para que o debate, o confronto, não ultrapassem a fronteira da saudável controvérsia para o território da luta ideológica. Desde logo, todos e cada um interiorizando que os debates em Loja não se destinam a convencer o Outro ou ou outros ou um grupo dos demais, mas apenas e tão só a que cada um teste as suas próprias ideias, determine a valia dos seus argumentos, a força dos seus convencimentos, enfim, se convença a si próprio, quantas vezes pensando no fim do debate algo de subtilmente diferente daquilo que o convencia no seu início.

Mas o homem não é perfeito - e os maçons sabem que o não são: por isso buscam aperfeiçoar-se... Uma coisa são os princípios, outra, por vezes, a dura realidade, as paixões, os entusiasmos, a incapacidade de determinação do denominador comum às divergências, que as aplaine, suavize e permita a sua convivência harmoniosa. Por vezes, verifica-se que se cristalizam formas de pensar inconciliáveis, projetos de atuação incompatíveis. Nem sequer se trata de uma questão de maiorias ou minorias, pois uma minoria pode criar uma escola de pensamento, preferir um projeto, um e outro tão dignos como o pensamento e o projeto da maioria, só que diferentes entre si e não se podendo ambos em conjunto levar a cabo ao mesmo tempo.

Nestas situações - sempre possíveis de suceder - não é desejável e, portanto, não é admitido, que haja cisão, saída desordenada e conflituosa, antes que haja separação consensual, de forma a que o novo projeto se inicie sem desnecessários conflitos. Por isso severamente se ostraciza a "loja selvagem", para que ninguém se tente a constitui-la, antes todos e cada um tenham presente que os conflitos, as divergências, a emergência de novos projetos, se gerem em harmonia, em diálogo e - sempre! - com o respeito das posições divergentes. Mais do que projetos conflituantes em competição entre si, interessa que haja projetos fecundos, pistas exploratórias de caminhos novos, coletiva e consensualmente assumidos e prosseguidos em espírito de cooperação. Assim, os êxitos serão saboreados por todos e os fracassos mais facilmente integrados e ultrapassados.

A GLLP/GLRP tem uma política de favorecimento de criação consensual de Lojas. Para isso, criou a figura de "Loja-mãe", a Loja que apadrinha a criação de uma outra - em regra, a Loja de onde é oriunda a maioria dos obreiros que se propôs avançar com um novo projeto.

A Loja Mestre Affonso Domingues tem uma cultura, que remonta ao seu início, de favorecer novos projetos. Por isso, nunca chega a ser uma Loja com um quadro de obreiros muito numeroso. Quando esse quadro comporta a criação de um novo projeto, sem detrimento do prosseguimento do da Mestre Affonso Domingues, normalmente esse novo projeto nasce, a inquietação saudável de uns quantos para trilhar uma nova vereda do caminho comum torna-se evidente - e, calma, ordenada e tranquilamente, a Loja apadrinha a criação de uma nova Loja e vê com orgulho e satisfação uns quantos dos seus, que ali se fizeram maçons e aprenderam a sê-lo, abalançarem-se à criação do seu ninho próprio. E a angústia da separação cede à satisfação de mais um dever cumprido, de mais uma emancipação, de um novo projeto, saído da nossa "escola de formação". A Loja Mestre Affonso Domingues tem prosseguido vários projetos ao longo da sua existência, uns com mais êxito, outros menos bem conseguidos, uns mais visíveis, outros mais modestos. Mas seguramente o projeto de maior consistência ao longo dos seus ainda poucos vinte e dois anos é o de ser formadora de maçons, incubadora de novas Lojas, favorecedora de ousadias, ninho  que periodicamente encoraja os seus residentes a voarem dele para fora.

Assim, a Loja Mestre Affonso Domingues tem várias Lojas Irmãs (não filhas, apesar de delas ter sido Loja-mãe...) por todo o País e obreiros por si formados na maior parte dos projetos da Maçonaria Regular portuguesa, em profícua sementeira que vai dando excelentes frutos...

Por isso, a Loja Mestre Affonso Domingues tem um lema muito próprio, que gostosamente aplica a todos os que partem, vão para onde forem, façam ou não o que fizerem: uma vez da Mestre Affonso Domingues, sempre da Mestre Affonso Domingues! E rara é a sessão em que não recebe a visita de um ou mais dos que, tendo anteriormente integrado as suas colunas, agora prosseguem o seu trabalho noutros projetos!  Nem sequer são filhos pródigos: são apenas - e sempre - mais uns dos nossos!

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 137-138.

Rui Bandeira

13 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VII

É uma boa prática que todo novo Irmão, aquando da sua Iniciação, presenteie a Loja, isto é, todos os Irmãos presentes, e faça uma oferenda para socorro dos indigentes e Irmãos em desgraça, de acordo com o que o novo Irmão ache apropriado, mas superior e acima do mínimo que esteja estabelecido pelo Regulamento interno da Loja; tal oferenda deve ser entregue ao Mestre, Vigilante, ou Tesoureiro, para ser entregue a uma instituição, se os membros acharem apropriado escolher alguma. O candidato deve jurar solenemente que se submeterá à Constituição, Deveres e Regulamentos e todos os costumes que lhe forem comunicados, em hora e lugar convenientes.

Conforme logo no início do texto desta sétima regra se acentua, a contribuição nela referida não é obrigatória - apenas considerada uma "boa prática".

Na Maçonaria Regular dos tempos atuais, o novel maçom não é estimulado ou aconselhado a fazer uma doação particular, muito menos em valor superior ao valor mínimo constante de Regulamento, desde logo porque inexiste fixação de qualquer valor mínimo para "oferendas" - nem tal faz sentido: o que constitui obrigação não pode logicamente ser considerado oferta; e concomitantemente, o que voluntariamente se dá não constitui obrigação...

O recém-iniciado é informado que, tal como os demais, quando circular na reunião aquilo a que os maçons chamam o Tronco da Viúva, deverá no respetivo recipiente (em regra, um saco) depositar, discretamente, aquilo que entender e de que possa dispor, sem colocar em risco o cumprimento das suas obrigações civis e familiares, nem, obviamente, a satisfação das suas necessidades e as dos seus. Aliás, se necessitar retirar, em vez de colocar, tal é-lhe lícito e essa decisão, tal como a referente ao montante que em cada dia resolva colocar, depende exclusivamente do seu critério, sem ter de prestar contas ou pedir autorização a ninguém. Felizmente, o que seria certamente uma dolorosa decisão é extremamente rara... Menos rara - embora pouco frequente - é a situação em que um dos obreiros presentes numa sessão maçónica declara reclamar o produto recolhido pelo Tronco da Viúva, normalmente indicando para que auxílio concreto destina esse produto. Quando tal sucede, embora ritualmente a reclamação se faça só após a circulação do Tronco da Viúva, é habitual que seja anunciada essa intenção antes dessa circulação, para que os presentes saibam que o produto da recolha que se vai efetuar se destina a auxiliar alguém ou algo em concreto e possam, se assim o entenderem, adequar o montante do seu donativo em conformidade.

O Tronco da Viúva é administrado pelo Hospitaleiro da Loja, segundo as orientações desta e do seu Venerável Mestre.

O candidato à Iniciação, imediatamente antes do início desta deve, por outro lado, satisfazer o pagamento de uma joia de iniciação (na Loja Mestre Affonso Domingues, montante referido aqui), para custeio das despesas administrativas e com o material que lhe será entregue. O montante da joia - tal como o da quota, mensal ou anual, varia de Loja para Loja e de Obediência para Obediência. Cada Loja é soberana.

Quanto à frase final da regra, referente ao juramento solene que o candidato deve efetuar, importa esclarecer que - e disso é informado o candidato antes da sua realização - a Constituição, os Deveres, Regulamentos e costumes cuja observância se jura cumprir em nada contendem com as leis em vigor nem com os costumes e moral sociais. Os maçons integram-se na sociedade e, pela sua melhoria e pelo seu exemplo, procuram contribuir para a melhoria desta, mas atuam sempre no respeito da Legalidade vigente, pois para um maçom regular ser livre e de bons costumes implica ser um bom cidadão, cumpridor dos seus deveres e das normas em vigor.

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

06 junho 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VI

Nenhum homem pode ser considerado Irmão de qualquer Loja, ou admitido membro desta, sem o consentimento unânime de todos os membros da Loja presentes quando o candidato é apresentado; e estes devem expressar seu consentimento ou dissensão de sua própria e prudente vontade, virtual ou ritualmente, mas unanimemente; este procedimento não pode ser objecto de exceção, porque os membros de uma Loja são os melhores juízes; pois se lhe fosse imposta a admissão de um candidato de mau comportamento, isto poderia minar a sua harmonia, ou obstruir a sua liberdade, ou mesmo dividir ou dispersar a Loja; o que deve ser evitado por todos os bons e verdadeiros Irmãos.

A regra da unanimidade na admissão de um candidato é uma regra essencial da Maçonaria, que perdura desde tempos imemoriais. A própria transcrição da regra contém a sua justificação.

Esta regra da unanimidade constitui um poderoso cimento agregador dos obreiros de uma Loja. Quem nela entra, entra porque todos os que já lá estavam assim o permitiram. Todos são responsáveis pelo novo elemento. Ele não, foi, assim, apenas admitido. Foi verdadeiramente cooptado.  Se a integração do novo elemento do grupo falhar, não há necessidade de determinar culpas, de as lançar sobre o novo elemento ou sobre quem o propôs ou o inquiriu. Todo o grupo assume a responsabilidade do fracasso, como todo o grupo se regozija com os êxitos das boas integrações.

Convém ter presente que também na Maçonaria o voto relativo a pessoas é sempre prestado de forma secreta. No caso, mediante o sistema maçónico de bola branca e bola preta, pelo qual a cada votante é entregue uma bola de cada uma dessas cores. O voto favorável de cada um é expresso através da introdução da bola branca na urna de voto principal (chamada de "urna branca") e, como contraprova, da bola preta na urna secundária ou de contraprova (chamada de "urna preta").

Depositados todos os votos, a verificação, sempre que exigida a regra da unanimidade, é fácil: se a urna branca apresentar todas as bolas dessa cor, o resultado é favorável; se apresentar uma ou mais bolas negras, o resultado é desfavorável. Logicamente, a urna de contraprova deverá apresentar as bolas todas negras, se a votação foi unânime, ou o número de bolas brancas correspondente ao de bolas pretas introduzidas na urna principal. 

A votação de aprovação é designada por uma votação pura e sem mácula, por apresentar todas as bolas da mesma cor.

A regra da unanimidade, porém, sendo geradora de grande coesão, não é isenta de efeitos perniciosos. Basta ter presente que, ainda hoje, em meia dúzia de Grandes Lojas do sul dos Estados Unidos, pura e simplesmente não são admitidos candidatos cuja cor da pele seja negra. Neste caso concreto, a regra da unanimidade acaba por potenciar o racismo e os sentimentos racistas que imperaram naquela região do globo e que a evolução social das últimas décadas não logrou ultrapassar totalmente.

Este sistema de aprovação unânime permite que basta que exista na Loja um elemento racista que, anonimamente, deposite sempre o seu voto contrário, para bloquear a admissão de candidatos negros. Foi isto que sucedeu nos Estados do sul dos Estados Unidos e que, numa meia dúzia deles, ainda hoje sucede.

Mesmo não tendo em conta esta perversão do sistema, o certo é que o sistema de aprovação unânime, favorecendo enormemente a coesão do grupo, é tendencialmente um sistema altamente conservador, tendente a bloquear a entrada de diferentes, o que é obviamente muito perigoso para a instituição, por dificultar a sua evolução e o acompanhamento das mudanças sociais.

A meu ver, este sistema de voto unânime quanto à admissão, tendo as óbvias vantagens que tem, é também um importante causador de declínio da Maçonaria, sempre que as sociedades evoluem com mais rapidez. Por outro lado, obriga as Lojas a estarem atentas às evoluções sociais e os elementos que as constituem a não se deixarem enquistar em conceções retrógadas, sob pena de inelutável definhamento.

Reconhecendo o benefício para a coesão do sistema de voto unânime, mas procurando ultrapassar os seus malefícios, várias Obediências têm procurado adotar estratégias que, temperando a regra da unanimidade, permitam ultrapassar bloqueios perniciosos. Um dos meios utilizados é, na prática, acabar com a regra da unanimidade, exigindo uma maioria reforçadíssima, por exemplo, considerando votação favorável aquela que tenha apenas um ou dois votos contra. Compreendendo-se o propósito, o certo é que não há meios termos: ou se segue a regra da unanimidade ou não se segue. A exigência de apenas uma quase-unanimidade, se é certo que ultrapassa bloqueios, também liquida a responsabilidade global da Loja e permite que ocorra o que a Regra procura impedir, que surja uma situação passível de minar a sua harmonia, ou obstruir a sua liberdade, ou mesmo dividir ou dispersar a Loja; o que deve ser evitado por todos os bons e verdadeiros Irmãos.

 A Loja Mestre Affonso Domingues utiliza um sistema que concilia os dois propósitos, defender a coesão e evitar bloqueios indesejáveis: um sistema que denomino de unanimidade justificável. Consiste esse sistema na manutenção da exigência da unanimidade, mas impondo, em certas condições, a justificação de votos negativos. Assim: efetuada votação, se esta for pura e sem mácula, o candidato está aprovado; se houver três ou mais bolas negras, o candidato está rejeitado, independentemente do número de votantes e mesmo que esses votos negativos sejam uma muito pequena minoria; se se verificar a existência de uma ou duas bolas negras, o Venerável Mestre anuncia que, até à sessão seguinte, fica suspenso o apuramento do resultado e que, até lá, aquele ou aqueles que votaram negativamente, devem, em privado, comunicar-lhe as razões da sua oposição.

Se quem votou negativamente não se apresentar a comunicar as suas razões, conclui-se que o voto contrário foi fruto de mero lapso e, assim, é desconsiderado. Comunicando (sempre em privado e guardando o Venerável Mestre sigilo da sua identidade) o ou os opositores as razões da sua oposição, se estas forem fúteis ou irrazoáveis, o voto negativo é desconsiderado; se as razões apresentadas forem, ainda que meramente do ponto de vista individual de quem votou contra, consistentes e razoáveis, o Venerável Mestre, mesmo que delas discorde, tem de considerar o voto negativo válido - porque não decorrente de um mero lapso ou de motivo fútil ou irrazoável - e, portanto, o candidato não é admitido.

Assim se consegue manter a regra da unanimidade, mas evitar a sua perversão por mero lapso, futilidade ou irrazoabilidade. A Loja Mestre Affonso Domingues tem-se dado muito bem com este sistema, mantendo-se aberta à inovação e à diferença e preservando a sua coesão. Também é verdade que raramente um candidato tem bola negra na sua votação, mas isso deve-se a outra razão: é que o processo de seleção de candidatos da Loja Mestre Affonso Domingues é tão cuidadosamente seguido (e também muito morosamente seguido; mas isso acaba talvez por ser inevitável, se se quer ter cuidado com o que se faz), em etapas eliminatórias atentamente observadas, que raramente um candidato sobre o qual se coloquem dúvidas pertinentes chega à fase da votação; normalmente, nessa situação, perante essas dúvidas, o processo termina sem sequer se atingir essa fase...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

30 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - V

Nenhum homem pode ser Iniciado ou admitido como membro de uma Loja sem prévia comunicação, à mesma, com antecedência de um mês, para que se faça uma investigação sobre a reputação e capacidade do candidato, a não ser com autorização como a do número anterior.

Esta quinta regra determina dois princípios que ainda hoje continuam a ser escrupulosamente seguidos e que, sem dúvida, constituem pontos essenciais no processo de admissão de qualquer novo elemento: a Inquirição e a Exposição nos Passos Perdidos.

A Inquirição é o processo de tomada de conhecimento pela Loja de quem é aquele que se lhe quer juntar, quais os seus propósitos. Ou seja, de averiguação e certificação de que se trata efetivamente de alguém livre e de bons costumes, que de boa fé procura aceder e prosseguir no caminho do autoaperfeiçoamento, segundo o método maçónico. Ou ainda dito de outro modo, que se está perante um homem bom passível de se tornar um homem melhor.

Mas outros elementos são verificados no processo de inquirição, designadamente o enquadramento social e familiar do candidato e sua compatibilização com a atividade maçónica e as caraterísticas do candidato e sua capacidade de harmoniosa integração no grupo pré-constituído. Com efeito, muito difícil será que, por muito desejoso disso que esteja o candidato, proficuamente se trilhe um caminho maçónico com a oposição do cônjuge ou dos familiares próximos. A Maçonaria pressupõe sempre a prioridade que cada um dos seus elementos deve dar à família e, consequentemente, procura evitar conflitualidade entre a Família e a Maçonaria que, mais tarde ou mais cedo, obrigue à opção por uma ou por outra. A regra é a da harmonização entre as obrigações familiares (e também sociais e profissionais) e as obrigações maçónicas, não a do conflito entre ambas. Busca-se a coexistência e que cada vertente contribua para a melhoria do homem, assim mais bem integrado em cada uma das realidades. Sem a presença das necessárias condições de coexistência, o percurso maçónico, o propósito de melhoria, tornam-se impossíveis de concretizar. Por outro lado, a busca maçónica pressupõe que aquele que a deseja possua ideias próprias, assertividade e autoconfiança, mas implica também a necessária flexibilidade para se adaptar a um grupo que já existe e, oportunamente, poder contribuir para o seu fortalecimento, coesão e melhoria, não para ser fonte de conflitos, dispersões, enfraquecimento global.

Dentro de um padrão global, que se poderá considerar universal, cada Loja estabelece as suas práticas, métodos e prioridades no processo de Inquirição dos seus candidatos. A diversidade da natureza humana e dos grupos humanos é quase inesgotável. Não admira assim que um candidato que se acha adequado para se integrar numa Loja fosse, porventura pernicioso se incluído numa outra, tal como a integração numa Loja pode potenciar muito mais a evolução de um específico candidato do que se essa integração ocorresse numa outra Loja.

A exposição da candidatura nos Passos Perdidos, ou seja, a afixação do pedido de admissão à Iniciação do candidato em local próprio das instalações da Obediência para tal efeito, visa permitir que, no decorrer do processo de Inquirição, o máximo de elementos, quer da Loja, quer de outras Lojas da Obediência, tomem conhecimento do propósito existente e possa, assim, se for caso disso, expor qualquer objeção que tenha por pertinente. Procura-se assim evitar surpresas na avaliação do candidato, contraponto indispensável à plena e incondicional confiança que, uma vez admitido e iniciado, o grupo lhe devotará.

Uma referência à expressão "Passos Perdidos", que julgo exclusiva da Maçonaria Portuguesa. Em Portugal, os "Passos Perdidos" são o espaço, o hall exterior à sala das sessões da Assembleia da República. Nesta Casa da Democracia, muitos entendimentos são negociados, muitas estratégias políticas discutidas, muito do que é decidido na Sala das Sessões toma efetivamente forma nos Passos Perdidos. Por analogia, nas edificações maçónicas em Portugal designa-se por "Passos Perdidos" os corredores ou o hall exterior ao Templo onde se realiza a sessão maçónica. Por norma, é num desses espaços (por regra, não utilizáveis nem utilizados para atividades administrativas ou rituais) que se afixam as propostas de candidatura, para que fiquem disponíveis para apreciação de todos os obreiros. Daí que, em Portugal se designe essa afixação por exposição nos Passos Perdidos.

Uma única exceção existe para estas cautelas e este rigoroso processo de avaliação: a faculdade que assiste ao Grão-Mestre (ou Vice-Grão-Mestre em substituição do Grão-Mestre) de "fazer maçom à vista", isto é, iniciar alguém maçom, independentemente de prazos, inquirições ou exposições nos Passos Perdidos. Numa das existentes coletâneas de Landmarks, a de Mackey (popular, designadamente, no continente americano), integra mesmo o oitavo dos Landmarks elaborados. Na Regra dos Doze Pontos, documento fundamental da Maçonaria Regular europeia, não se faz expressamente referência a esta possibilidade de o Grão-Mestre "fazer maçons à vista". Mas a segunda Regra expressamente remete para a obediência aos Antigos Deveres, ou seja, às Regras Gerais dos Maçons fixadas por Anderson na Constituição de 1723. Esta é uma dessas Regras Gerais. Por esta via também a Maçonaria Regular europeia declara a prevalência do poder conferido ao Grão-Mestre de "fazer maçons à vista".´Este poder não se resume à Iniciação, estendendo-se à Passagem (ao 2.º grau, de Companheiro) e à Elevação (ao 3.º grau, de Mestre Maçom). Constitui uma das "válvulas de segurança" do sistema de regras maçónico para possibilitar a atuação excecional perante situações excecionais. É uma  regra de aplicação muito parcimoniosa, verdadeiramente excecional, hoje em dia francamente rara... mas existe e é aplicável, sempre que necessário o seja.       

Fonte:
 
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

23 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IV

Nenhuma Loja deve iniciar mais de cinco Irmãos ao mesmo tempo. nem nenhum homem com idade inferior a vinte e cinco anos pode ser Mestre, a não ser que tal seja autorizado pelo Grão Mestre ou seu Vice-Grão-Mestre.

A quarta Regra Geral dos Maçons constante da Constituição de Anderson de 1723 refere-se a uma condição limitativa relativa à iniciação.

A Iniciação é a cerimónia pela qual um profano que se candidatou a integrar a Maçonaria adquire a condição de maçom, no grau de Aprendiz. É uma cerimónia que, com pequenas variantes, é executada da mesma forma desde há cerca de trezentos anos pelas Lojas de todo o mundo, qualquer que seja o rito que pratiquem. O essencial da cerimónia é o mesmo, independentemente de ritos, localização geográfica, língua, costumes, épocas. É uma cerimónia destinada a marcar o espírito daquele que a ela é submetido. Para que esse objetivo possa ser atingido, é essencial que o candidato desconheça o que se vai passar. É por essa razão - e unicamente por ela! - que os maçons se comprometem formalmente a não revelar o seu teor a qualquer profano. Sem embargo desse compromisso, a que, naturalmente, estou também vinculado, já neste blogue dediquei dois textos (A Iniciação - I e A Iniciação - II) ao tema. Foram dois textos que me deram satisfação em escrever, precisamente porque, cumprindo o meu compromisso de não revelar o que não deve ser revelado, permitem ao leitor ter a noção do que é esta cerimónia. Os profanos ficam com a noção do que estruturalmente é e de qual o seu propósito. Os maçons reconhecem no seu teor o que se passou. 

A IV Regra Geral interdita que se processe, em simultâneo, mais de cinco iniciações. Este limite é, hoje em dia, na generalidade das Obediências maçónicas, muito mais severamente restringido. Por exemplo, no Regulamento Interno da Loja Mestre Affonso Domingues expressamente se interdita a iniciação em simultâneo de mais do que dois candidatos. E mesmo esta possibilidade de dupla iniciação em simultâneo deve ser entendida como exceção. A regra é de que se deve procurar iniciar apenas um candidato de cada vez. 

Estipula esta regra IV que nenhum homem de idade inferior a vinte e cinco anos deve ascender ao grau de Mestre. É uma regra que, hoje em dia, não está expressamente prevista. Mas, na prática, só muito excecionalmente poderá um maçom ser exaltado Mestre com menos de vinte e cinco anos. É requisito de admissão na Maçonaria a maioridade, pelo que só após a mesma se dá início a qualquer processo de candidatura (e deve ter-se em conta que raramente homens tão jovens se candidatam e vêm a sua candidatura viabilizada, seja por falta do amadurecimento indispensável ao real interesse e propósito de autoaperfeiçoamento, seja por falta de estabilidade económica, profissional ou social que permita que o homem se dedique a algo que ultrapassa a satisfação das necessidades básicas e essenciais, do próprio e da sua família). O processo de candidatura é moroso, não sendo inédito - muito pelo contrário - que decorra por mais de um, dois, ou mesmo três anos. O tempo de permanência no grau de Aprendiz só muito dificilmente é inferior a um ano e é corrente que dure dois anos - e já vi atingir os três e mais anos. Igual tempo, ou quase, passa o maçom no grau de Companheiro. Muito dificilmente se é exaltado Mestre Maçom com menos de vinte e cinco anos. Pelo contrário, raros são os maçons que atingem esse grau com menos de três décadas de vida - e isto numa Obediência que se carateriza por ter muita gente jovem, como é a portuguesa GLLP/GLRP! Por isso refiro frequentemente que uma das virtudes necessariamente cultivadas pelos maçons e pelos que o desejem ser é a Paciência!

A última indicação que esta IV Regra nos dá é que as condições limitativas nela expressas podem ser derrogadas pelo Grão-Mestre ou pelo Vice-Grão-Mestre. Em Maçonaria Regular, há regras estritas que nem o Grão-Mestre pode derrogar (os Landmarks) e regras que a autoridade do Grão-Mestre pode derrogar - obviamente, com caráter de excecionalidade. São poucas e cuidadosamente previstas, sempre de forma expressa. Constituem estas exceções como que válvulas de segurança para que sejam atendidas situações excecionais, que só com medidas excecionais adequadamente podem ser atendidas. E só àquele Mestre investido nas funções de Grão-Mestre (ou o seu substituto, o Vice-Grão-Mestre) é conferido o poder de, mediante o seu discernimento, e mediado pela sua prudência, determinar quando deve haver lugar a uma atuação excecional. Na prática, raramente sucede - e assim deve ser!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

09 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - III

O Mestre de cada Loja, ou um de seus Vigilantes, ou algum outro Irmão, por sua ordem, deve manter um livro contendo o regimento interno, os nomes de seus membros, uma lista de todas as Lojas da cidade, a hora e local das suas Sessões, e tudo o que for necessário e deva ser registado.

Esta terceira Regra, este terceiro Antigo Uso e Costume, define o que é uma das caraterísticas essenciais da organização de uma Loja maçónica: o registo escrito do essencial da vida da Loja.

A existência de registos escritos referentes a Lojas operativas remonta aos finais do século XIV (o mais antigo documento conhecido é o manuscrito Regius, também por vezes referido como manuscrito Halliwell). Efetuada a transição para a Maçonaria Especulativa, é rotina assente a elaboração de atas, a manutenção do registo de obreiros, a existência de regulamento interno escrito, etc..

Hoje em dia todas as Lojas têm um responsável específico para assegurar a elaboração e manutenção dos registos da sua atividade, bem como a correspondência da Loja, o Secretário. O Secretário da Loja é, como a maior parte dos oficiais do Quadro (oficiais por exercerem ofícios, tarefas, específicos; não no sentido de detentores de postos de comando), por regra designado pelo Venerável Mestre, pelo período do mandato deste, do seu veneralato, salvo necessidade de substituição.

Não deixa de ser curioso e significativo que uma instituição que é tão acusada pelos seus detratores de secretismo tenha tanto cuidado no registo escrito, e respetiva manutenção, da sua atividade. Claro que os indefetíveis detratores da Maçonaria clamam que esses registos não são públicos, são ciosamente guardados pelos maçons, pelo que isso em nada afeta a real existência do nefando secretismo. Assim não é: os registos da atividade maçónica têm o mesmo estatuto legal que os registos da atividade de uma qualquer banal sociedade filarmónica ou clube recreativo. Estão abertos à consulta dos membros da organização e daqueles que tenham motivo justificado para tal. Só não estão disponíveis para inconsequentes impulsos voyeuristas ...  E, no estrito cumprimento da legalidade vigente, estão disponíveis para consulta, leitura, verificação, análise, perícias, tudo o que necessário e legal for, das autoridades competentes - dentro da lei e desde que a lei seja cumprida.

Tal como a documentação privada de qualquer cidadão, conservada na sua casa, não pode ser objeto de devassa sem a emissão por juiz competente do devido mandado de busca, também os maçons não autorizam que os seus documentos sejam vistos ou devassados fora do legal condicionalismo que determine essa consulta. Mas qualquer pessoa que de boa fé esteja percebe que isto nada tem a ver com secretismo, antes respeita à simples e corriqueira tutela da privacidade dos cidadãos que os maçons são. 

Os detratores da Maçonaria clamam contra o falado secretismo dela, mas guardam ciosamente para si (e fazem muito bem e têm todo o direito de guardar e é normal que o façam) os seus números de contribuinte, números e extratos das suas contas bancárias, as palavras-passe de acesso à sua banca eletrónica e aos seus clientes de e-mail e a sua correspondência particular... Dois pesos e duas medidas...

Pois bem: que todos fiquem, de uma vez por todas, a saber que, em matéria de registos das suas atividades e dos seus membros, a Maçonaria não é diferente de qualquer sociedade recreativa!

Há cerca de trezentos anos que, rotineiramente, nas Lojas maçónicas de todo o mundo, se elaboram e guardam atas das reuniões, se elaboram e conservam trabalhos apresentados, lidos e discutidos em Loja. Não admira que todo esse enorme acervo documental constitua espólio que é objeto de estudo de historiadores, maçons e profanos, historiadores da História da Maçonaria ou historiadores tout court. Assim é possível conhecer pérolas como a ata da sessão em que ocorreu a iniciação de Wolfgang Amadeus Mozart, mas também quando e para que sessões foram escritas algumas emblemáticas obras do genial compositor.

Tal como é possível afirmar, sem sombra de dúvida - porque tal está registado em uma ou mais atas -, que personagens famosos, artistas relevantes, cientistas insignes, foram maçons. Apenas com uma ressalva: os maçons acham que essa divulgação deve ser como a toponímia - não se deve utilizar em relação a quem ainda está vivo... 


Fonte:
Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

02 maio 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - II

O Mestre de uma Loja tem o direito e o poder de convocar os membros da sua Loja para uma sessão quando lhe aprouver, em caso eventual ou de emergência, bem como o de definir hora e local das suas Sessões. 
Em caso de doença, morte, ou inadiável ausência do Mestre, o Primeiro Vigilante deve atuar como Mestre pro tempore, exceto se estiver presente algum Irmão que tenha sido Mestre desta Loja, anteriormente; neste caso os poderes do Mestre ausente revertem para o último Mestre presente: embora este não possa atuar sem que o dito Primeiro Vigilante tenha convocado a Loja, ou, em sua ausência, o Segundo Vigilante. 

O Mestre referido nesta regra é o que presentemente se denomina de Venerável Mestre. Esta regra permanece como fonte da prática das Lojas da Maçonaria, na ausência de regulamentação própria e específica de cada Loja ou Grande Loja. Mesmo existindo regulamentação, muitas vezes a mesma é fixada de harmonia com este Antigo Uso e Costume.

Por exemplo, a regra de substituição provisória do Venerável Mestre pelos seus Vigilantes, Primeiro e Segundo, por esta ordem, em caso de doença, morte ou impedimento transitório do Venerável Mestre do Regulamento Geral da GLLP/GLRP foi fixada em moldes muito semelhantes ao constante da Regra Geral II da Constituição de Anderson. Pode mesmo, com propriedade, dizer-se que a regra fixada é a mesma, havendo pequenos acrescentos ou previsões adicionais - inevitáveis após o decurso de trezentos anos...

Assim, o Regulamento Geral da GLLP/GLRP prevê expressamente que, em caso de morte, doença ou impedimento transitório do Venerável Mestre de uma das Lojas que integram a Obediência, a sessão de Loja é convocada pelo Primeiro Vigilante ou, na ausência deste, pelo Segundo Vigilante, exatamente como na Regra Geral II de 1723, acrescentando-se apenas, para a já remota hipótese de também o Segundo Vigilante estar impedido, a possibilidade de ser, então, a Loja convocada por um Antigo Venerável. 

A exemplo da Regra Geral II de 1723, porém, a reunião de Loja, na ausência do Venerável Mestre, só pode ser presidida por um Antigo Venerável que aceite fazê-lo, dando-se, se necessário, preferência aos mais recentes. De novo em relação ao Antigo Uso e Costume, só se prevê a possibilidade de, se assim o Grão-Mestre o determinar, ser a reunião presidida por um Grande Oficial por si designado.

Quanto ao poder de definição de hora e local das reuniões correntes, por regra os Regulamentos de Loja modernos prevêem essa matéria. Por exemplo, no caso da Loja Mestre Affonso Domingues, estão indicados os dias das sessões ordinárias (segundas e quartas quartas-feiras de cada mês) e é fixada uma janela horária de hora e meia dentro da qual o Venerável Mestre pode determinar a hora do início previsto para a sessão.

Quanto à possibilidade de convocatória de uma sessão de urgência, também o Regulamento Geral da GLLP/GLRP assim o prevê, em moldes idênticos ao desta Regra Geral II, acrescentando apenas a possibilidade de, ocorrendo impedimento do Venerável Mestre (e pode até ser esta a razão da urgência...), poder então a sessão de urgência ser convocada pelo Primeiro Vigilante e, na ausência deste, pelo Segundo Vigilante.

Como se vê, trezentos anos depois, a Maçonaria mantém no essencial as suas regras!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.

Rui Bandeira

25 abril 2012

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - I

O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder e o direito de estar presente em qualquer Loja legítima, assim como o de a presidir, com o Mestre da Loja à sua esquerda, e a ordenar que seus Grandes Vigilantes o assessorem; mas estes não podem agir como Vigilantes nas Lojas, excepto naquelas em que estiver presente o Grão Mestre, e sob seu comando, porque o Grão Mestre pode nomear os Vigilantes da Loja, ou quaisquer outros Irmãos que lhe aprouver, para que o assessorem e atuem como seus Vigilantes pro tempore.

Vimos já, no texto introdutório ao conjunto de "Regras Gerais" que aqui se publicam e comentam, que estas foram inicialmente compiladas por George Payne, em 1720, e posteriormente comparadas por Anderson com os "antigos Arquivos e Usos Imemoriais" e por ele ordenadas. Logo a primeira Regra é demonstrativa de que o conjunto de regras fixado, embora baseado nos Antigos Usos e Costumes herdados da Maçonaria Operativa, foi adaptado à nova realidade organizativa do que se convencionou chamar Maçonaria Especulativa.

Com efeito, a Maçonaria Operativa organizava-se em Lojas independentes, que se reuniam periodicamente em Assembleias, em que se acordavam as regras comuns a serem seguidas, mas não possuía uma direção centralizada, um Grão-Mestre com poderes interventivos nas várias Lojas.

A figura do Grão-Mestre, e sobretudo a definição dos seus poderes, não apenas como um executor das deliberações da Assembleia de Maçons ou Grande Loja, nem sequer apenas como coordenador da atividade autónoma das Lojas, mas como um verdadeiro dirigente da super-estrutura, com poderes interventivos e ordenadores no interior das próprias células-base da mesma, as Lojas, é introduzida com a criação da Grande Loja dos Modernos, em 1717.

Com essa criação, claramente mitigou-se a independência das Lojas. A Grande Loja dos Modernos (e subsequentemente todas as Grandes Lojas da Maçonaria Especulativa que a partir do seu modelo se criaram) não foi uma mera estrutura federadora das Lojas, e muito menos confederadora. Rapidamente se assumiu como vera estrutura dirigente, definidora de regras, certificadora das boas práticas da Maçonaria, da sua estrutura (maxime Grão-Mestre e Assembleia de Grande Loja) emanando as regras, as determinações, que deveriam ser seguidas pelas Lojas, cuja autoridade passou a ser, no essencial, delegada pela Grande Loja, embora se incluísse e inclua nessa delegação uma ampla autonomia e poder decisório de cada Loja, em relação às suas relações e opções internas.

Esta assunção do Poder estrutural pela Grande Loja implicou, necessariamente, o respetivo poder fiscalizador do cumprimento das regras emanadas (e por isso as Grandes Lojas possuem Grandes Inspetores, cuja função é precisamente fiscalizar a conformidade da atuação das Lojas com as regras e rituais definidos) e o poder disciplinar, isto é,  poder de coercivamente impor o cumprimento das regras e sancionar o seu incumprimento, seja em termos individuais ou de grupo.

Símbolo desta assunção do Poder Maçónico pela Grande Loja e pelo seu representante executivo máximo, o Grão-Mestre, é precisamente esta primeira regra: O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder de estar presente em qualquer reunião de qualquer Loja (ainda que contra a vontade desta, conclui-se). 

Mas não só: estando presente, tem o poder de dirigir a reunião, relegando o Venerável Mestre da Loja para o lugar puramente simbólico de se sentar à sua esquerda. Embora o Venerável Mestre da Loja seja o obreiro que foi eleito pelos que a compõem para a dirigir, esta eleição, esta manifestação de vontade, cessa perante a vontade do Grão-Mestre. Este, embora também eleito, foi-o por toda a estrutura - porventura até com a oposição da particular Loja que visita e dos seus obreiros. É assim evidente a relação de hierarquia estabelecida, ficando evidente que a legitimidade geral do Grão-Mestre se sobrepões à específica legitimidade do Venerável Mestre eleito pela Loja, mesmo no estrito âmbito desta e do seu normal funcionamento. O que pressupõe claramente que a fonte primordial do Poder Maçónico é a Grande Loja, a estrutura que agrega todos os maçons de um determinado território, assumindo as estruturas base ou celulares apenas o poder que lhes é tácita ou expressamente delegado pela estrutura global. A organização maçónica é, assim, ao contrário do que muitos - mesmo no interior da Maçonaria - pensam, uma organização de tipo unitário, não federal. Mais explicitamente, talvez: a Grande Loja não é uma federação de Lojas, é uma vera estrutura de direção, criação e certificação de Lojas. Estas existem porque a sua existência é aceite, reconhecida, quiçá promovida, pela Grande Loja e têm o conjunto largo de poderes decisórios e organizativos que têm, não porque originariamente assim seja, mas porque nelas foram delegados esses poderes. 

A Maçonaria Especulativa não é uma estrutura basista, isto é, cujo poder fundamental se origina na base e flui até ao topo, mas, pelo contrário, uma estrutura unitária descentralizada. Mas é, simultaneamente, uma estrutura eminentemente democrática, pois o poder fundamental central assenta na Assembleia de Grande Loja, isto é, na assembleia dos representantes escolhidos pelas Lojas. E o Grão-Mestre tem o lato poder que tem, porque é eleito, ou por essa assembleia de delegados de Lojas, ou diretamente por voto universal dos Mestres de toda a estrutura. O Poder é unitário, descentralizado por via de delegação, mas funda-se, baseia-se, no universo global de elementos que compõem a estrutura.

O que se verifica é que a estrutura global, a Assembleia de Grande Loja, baseada nesse poder concedido pelo universo dos indivíduos associados, e consequentemente, aquele a quem são conferidos poderes executivos - e não só -, o Grão-Mestre, se sobrepõe às estruturas locais, as Lojas. O que suscita a conclusão de que o Poder individual originário de cada maçom é tanto mais forte quanto mais diluído num universo maior. Com efeito, o Mestre maçom associa-se aos demais Mestres maçons da sua Loja para eleger o Venerável Mestre dela. E associa-se a todos os Mestres maçons de todas as Lojas da Obediência para eleger o Grão-Mestre, cujos poderes sobrelevam os dos Veneráveis Mestres das várias Lojas. 

Esta verificação implica a conclusão de que o que, em termos de estrutura, significativamente mudou na transição da Maçonaria Operativa para a Especulativa foi a independência das Lojas, que se transfigurou em mera autonomia. Na Maçonaria Operativa existiam Lojas independentes que se associavam para definir regras comuns, sem prejuízo da respetiva independência. Na Maçonaria Especulativa, as Lojas associaram-se para criar uma estrutura comum, para a qual transferiram o essencial dos poderes organizativos e regulamentadores, abdicando da sua independência em favor da sua integração na estrutura superior, conservando apenas a autonomia que a própria regulamentação da Grande Loja consagra - e que não podia deixar de consagrar, sob pena de descaraterizar, quiçá irremediavelmente, o que se entende por Maçonaria, que assenta conceptualmente no brocardo "um homem livre numa Loja livre" (mas "livre" não sendo sinónimo de "independente", embora necessariamente implicando o conceito de "autónomo").

O que é de assinalar é que esta transformação - que, em termos estruturais, é muito similar à estrutura dos Estados unitários modernos - ocorre no século XVIII!

Uma última nota: a demonstração de que a Maçonaria Especulativa, embora alterando a conceção da sua estrutura, se organiza como estrutura eminentemente democrática está na referência aos Grandes Vigilantes, expressamente se consignando que assessoram o Grão-Mestre, ou Vice-Grão-Mestre. Mas só substituem os Vigilantes da Loja se o Grão-Mestre assim o ordenar. Por uma razão muito simples: os Grandes Vigilantes não são eleitos, antes são designados. Não possuem a legitimidade do Grão-Mestre. Este, que foi eleito por todos, é que tem o poder de, quando está presente numa Loja, assumir ou não assumir o malhete (pode, apesar de estar presente, deixar a condução dos trabalhos ao Venerável Mestre da Loja, se assim o entender - e normalmente assim sucede); assumindo a condução dos trabalhos, pode decidir ser assessorado pelos Grandes Vigilantes, pelos Vigilantes da Loja ou por outros elementos que nomeie ad hocpro tempore.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.


Rui Bandeira

18 abril 2012

Regras Gerais dos Maçons: Introdução


O quarto capítulo da Constituição de Anderson de 1723 é dedicado às Regras Gerais. Enuncia trinta e nove, após a seguinte Introdução:


Compiladas, inicialmente, por George Payne, no ano de 1720, quando era Grão-Mestre, e aprovadas pela Grande Loja no Dia de São João Batista, no ano 1721, no Stationer's Hall, Londres, quando o Grande e Nobre Príncipe John, Duque de Montagu, foi unanimemente escolhido nosso Grão Mestre para o ano seguinte; ele escolheu John Beal como seu Vice-Grão-Mestre, e Josiah Villeneau e Thomas Morris foram escolhidos, pela Loja, como Grandes Vigilantes.
E agora, sob o comando de nosso Mui Venerável Grão-Mestre Montagu, o autor deste livro comparou-as com os antigos Arquivos e Usos Imemoriais da Fraternidade, e ordenou-as segundo este novo método, com muitas explicações apropriadas, para o uso das Lojas dentro e fora de Londres e Westminster.


Estas Regras Gerais incluídas na primeira Constituição elaborada sob os auspícios da Premier Grande Loja, a Grande Loja de Londres e Westminster, também conhecida pela Grande Loja dos Modernos, geralmente considerada como o catalisador da evolução da antiga Maçonaria Operativa para a moderna Maçonaria Especulativa, não devem ser confundidas com os Landmarks. Estes, conforme já referi em Os Landmarks, são os princípios delimitadores da Maçonaria.

Ao contrário do que se possa concluir desta definição, não existe uma fixação universal de uma lista de Landmarks.

A GLLP/GLRP adota a tradução em português da "Regra em 12 pontos" fixada em 1938 pela sua Grande-Loja mãe, a Grande Loge Nationale Française que, na versão portuguesa, podem ser lida no sítio da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP.

A Grande Loja Unida de Inglaterra tem, no seu Livro das Constituições de 2009, o sumário dos Antigos Deveres e Normas, em 15 pontos, que deve ser lido pelo Secretário ao Venerável Mestre eleito imediatamente antes da sua Instalação, sumário este que pode ser lido numa das páginas do sítio da UGLE.

Muito generalizada na Maçonaria americana e sul-americana está a compilação de 25 Landmarks efetuada por Albert G. Mackey, cuja tradução em português pode ser consultada, por exemplo, no sítio da Augusta e Respeitável Loja Simbólica Fraternidade Serrana, n.º 57.

A Maçonaria Liberal ou Irregular, ou seja, a corrente que, na esteira do cisma maçónico protagonizado pelo Grand Orient de France, admite ateus e agnósticos, e que em Portugal é representada pelo Grande Oriente Lusitano, adotou como princípios definidores a Declaração das Potências Signatárias do CLIPSAS (Centro de Ligação e de Informação das Potências Maçónicas Signatárias do Apelo de Strasbourg), conforme se pode ler no sítio do Grémio Fénix.

As Regras Gerais compiladas na Constituição de Anderson de 1723, como se verifica pelo seu texto introdutório, foram escritas e ordenadas por James Anderson após um trabalho deste de "comparação com os antigos Arquivos e Usos Imemoriais da Fraternidade", ou seja, pretendeu ser a compilação dos Antigos Usos e Costumes da Maçonaria.

Muitas vezes hoje se afirma que determinado procedimento ou regra provém dos antigos usos e costumes da Maçonaria. Muitos crêem que esses antigos usos e costumes são hoje apenas conhecidos por via de tradição oral, porventura com variantes ou imprecisões - que, afinal, permitiriam invocar quase tudo como decorrente desses quase desconhecidos e imprecisos antigos usos e costumes.

Os Antigos Usos e Costumes da Maçonaria estão, afinal, compilados e reduzidos a escrito desde 1723!

São práticas e usos tipicamente de origem britânica. Derivam muitos, se não mesmo a quase totalidade, de práticas seguidas e consolidadas na Maçonaria Operativa. Mas não nos esqueçamos que a Premier Grand Lodge, a Grande Loja dos Modernos, sob cuja égide James Anderson elaborou a Constituição de 1723, foi a instituição que catalisou a evolução da Maçonaria Operativa na atual Maçonaria Especulativa. Não podemos excluir - porventura será mesmo ajustado admitir... - que parte do que Anderson fixou como Regras Gerais, invocando provir dos Antigos Usos e Costumes provenientes da Maçonaria Operativa, afinal sejam já adaptações, evoluções, modernizações, ajustadas à nova realidade nascente.

De qualquer forma, para quem pretenda saber o que á a Maçonaria e como evoluiu até aos dias de hoje, é indispensável conhecer estas Regras Gerais e conveniente ter a noção de que as mesmas são a fixação escrita em 1723 daquilo que se convencionou chamar "os antigos usos e costumes da Maçonaria".

Se nada o impedir, tenciono dedicar os próximos trinta e nove textos (ou seja, até ao início do próximo ano, mais semana, menos semana) a aqui divulgar e comentar, uma por uma, as 39 Regras Gerais fixadas na Constituição de Anderson de 1723.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.


Rui Bandeira

04 abril 2012

As Obrigações dos Maçons: VI. 6 - Conduta em face de um Irmão estranho



Deverá cautelosamente examiná-lo, da forma que a prudência aconselhar, de modo a evitar ser iludido por um embusteiro, a quem deverá rejeitar com desprezo e escárnio, e a ter cuidado de modo a não lhe revelar nenhum sinal de reconhecimento.
Mas se descobrir que está perante um verdadeiro e genuíno Irmão, deverá respeitá-lo em conformidade, e se necessitar de ajuda, deverá ajudá-lo como puder, ou então dizer-lhe como poderá ser ajudado: deverá empregá-lo por um período de alguns dias, ou então recomendá-lo para um emprego. Não será obrigado a fazê-lo além de suas habilidades, mas deve dar-lhe preferência se for um Irmão pobre, um homem bom e verdadeiro, em relação a qualquer outra pessoa pobre nas mesmas circunstâncias. Finalmente, deverá respeitar todas estas Obrigações, e todas aquelas que forem comunicadas de outra maneira; e cultivar o Amor Fraternal, que é a Fundação e a Pedra Angular, o cimento e a glória desta Antiga Fraternidade; evitar toda a discussão e querela, toda difamação e calúnia não permitindo que outros caluniem qualquer Irmão honesto, defendendo o seu caráter e oferecer-lhe todos os préstimos, desde que de acordo com a própria Honra e Segurança, e não mais que isso. E se algum deles te prejudicar, deverás participar à tua ou à sua Loja; depois poderás recorrer para a Grande Loja aquando da Comunicação Trimestral, e daí para a reunião Anual da Grande Loja, como tem sido a antiga e louvável conduta de nossos ancestrais em todas as nações; nunca buscando o caminho da lei civil, exceto quando o caso não puder ser de outra maneira decidido, e somente depois de, pacientemente, ter ouvido o conselho honesto e amigo do Mestre e Companheiros, que tentarão evitar o recurso à lei civil contra estranhos, e te estimularão a pôr termo a todo e qualquer processo, para poderes dedicar-te à Maçonaria com mais alegria e sucesso; quanto aos Irmãos e Companheiros envolvidos em tais processos, o Mestre e os Irmãos deverão, cortesmente, oferecer a sua mediação, que deverá ser tida em conta pelos Irmãos contendores, e se for impossível a conciliação, estes deverão conduzir o processo sem ira ou rancor (o que não é o comportamento usual), sem dizer ou fazer algo que prejudique o Amor Fraternal, e que os bons ofícios sejam continuados e renovados para que todos vejam a boa influência da Maçonaria, como todos os Maçons têm feito desde o começo do mundo e o farão até ao fim dos tempos.


Esta última Obrigação respeita à Fraternidade. Conforme se acentua no seu texto, a Fraternidade é elemento essencial no ideário maçónico, verdadeira pedra angular do que é ser maçom.

A Fraternidade implica, ou pode implicar, o auxílio de um Irmão. Mas não qualquer auxílio. Auxílio para que este, segundo as suas capacidades, as suas habilidades, possa prover ele próprio ao seu sustento. Note-se: não significa isto que se providencie qualquer benefício ilegítimo ou privilégio a um Irmão. O trabalho para que o Irmão necessitado deve ser contratado ou recomendado deve, necessariamente, estar em conformidade com as suas capacidades e habilidades. Não se trata nunca de angariar sinecuras. Deve-se proporcionar oportunidade, mas sempre respeitando o mérito.

A Obrigação institui uma espécie de "direito de preferência": em igualdade de situações e de capacidades, deve-se dar preferência a um Irmão maçom, mas apenas desde que exista necessidade. Quer isto dizer que não se deve preterir ninguém mais capaz, mais apto, melhor classificado, em benefício de um maçom, nem sequer a pretexto da sua necessidade. E quer dizer também que a preferência, em igualdade de circunstâncias, apenas é acionada em favor de "um Irmão pobre, um homem bom e verdadeiro", isto é, em caso de necessidade.

Ou seja, apenas em caso de necessidade e de igualdade de habilitações e aptidões se deve dar a preferência a um Irmão maçom.

Esta a regra, este o limite!

Quem brande com um apregoado nepotismo maçónico ou é ignorante ou está de má fé. Afinal, os famosos "privilégios" que alegadamente os maçons concedem uns aos outros implicam que nunca se prejudique ou ultrapasse ninguém (só em caso de igualdade de condições se deve preferir um Irmão maçom) e só se concebem em caso de necessidade (para acorrer a um "Irmão pobre", isto é, necessitado, nunca para favorecer quem não esteja em situação de necessidade).

Oxalá que todos se comportassem, em matéria de privilégios, como os maçons! Afinal de contas, é apenas natural e óbvio que, em igualdade de circunstâncias, se prefira o próximo ao distante, o amigo ao desconhecido, o parente ao estranho, o vizinho ao forasteiro, aquele em que se confia ao que não merece a nossa confiança. Isto todos, todas as pessoas de bem, fazem, sem hesitação, sem dúvida, sem censura social.

A Fraternidade implica também a sua aplicação no relacionamento pessoal, que deve evidentemente implicar o amor fraternal, evitando-se "toda a discussão e querela, toda difamação e calúnia", não permitindo "que outros caluniem qualquer Irmão honesto, defendendo o seu caráter" e oferecendo os préstimos "desde que de acordo com a própria Honra e Segurança, e não mais que isso".

A fraternidade maçónica nunca pode violar as regras da Honra. Não admite, assim, por exemplo, falso testemunho em favor de Irmão - porque é um ato desonroso. Não admite, portanto, que, por exemplo, um juiz maçom beneficie, em qualquer pleito, um Irmão maçom - porque é gravemente desonroso para um juiz violar a imparcialidade que é atributo essencial e indispensável à função de julgar

Mais uma vez, oxalá que todos se comportassem como os maçons no respeito da Honra e das regras!

Finalmente, a fraternidade maçónica não deve implicar com a própria segurança. Do maçom e dos seus. É um limite de sobrevivência óbvio. Fraternidade implica disponibilidade para o auxílio - não para o sacrifício da segurança pessoal e familiar.

A convivência implica sempre a possibilidade de surgimento de conflito. Quando tal suceda, a fraternidade maçónica implica que, sempre que possível (quando não é possível, não é possível...), os litígios surgidos entre maçons sejam internamente regulados, preferentemente por mediação, se necessário, por decisão de órgãos internos a quem é atribuída competência para tal. A mediação é a forma preferencial de regulação de litígios, por razões evidentes: a mediação mais não é que, afinal, um meio de possibilitação de que os litigantes regulem eles próprios o seu litígio, o reduzam, o eliminem, resolvam o problema. Quando tal não for possível, o litígio interno deve ser internamente regulado pelos órgãos próprios para tal, aptos a fazê-lo segundo as regras e o ideário maçónicos. Só se, por sua própria natureza, o litígio não puder ser internamente resolvido se deve recorrer às leis e aos tribunais civis. Mas aí não se trata já de um desacordo entre maçons, a ser regulado pelas regras maçónicas. Trata-se de um conflito entre cidadãos, a ser dirimido pela estrutura de resolução de conflitos da Sociedade.

Uma última nota, em relação à matéria dos conflitos entre maçons: a Obrigação enfatiza que, mesmo que não seja possível a resolução do conflito por mediação, a sua regulação por decisão dos órgãos maçónicos próprios deve ser feita através de um processo conduzido "sem ira ou rancor", "sem dizer ou fazer algo que prejudique o Amor Fraternal, e que os bons ofícios sejam continuados e renovados".

Parecerá porventura utópica esta recomendação. Se existe litígio, existe desentendimento, interesses divergentes, porventura inconciliáveis. Inevitavelmente que o conflito implica exaltação, ira, que o conflito de interesses gera rancor, não pode deixar de ser prejudicado o amor fraternal...

Esta visão é errada e decorrente da ausência de vivência maçónica (quem está de fora, por muito que saiba, não vive - e portanto, não sente, não pratica). O maçom aprende a pautar a sua conduta, a praticar, a viver, a respirar, a Tolerância. Tolerância é a admissão dos erros alheios, tal como nós desejamos que os nossos erros sejam admitidos pelos outros.Tolerância é a aceitação natural das divergências, porque se admite que, havendo erro, tanto pode ser do outro, como pode ser nosso. A discussão e troca de pontos de vista, segundo o paradigma da Tolerância treina os maçons para viverem e regularem os conflitos que sobrevenham segundo o mesmo padrão. Se existe um conflito de interesses, obviamente que eu defendo os meus interesses. Mas também admito com naturalidade que o outro defenda os interesses dele. Tem exatamente o mesmo direito que eu. Portanto, não há razão para que nos zanguemos, para que nos exaltemos, para que esqueçamos que somos Irmãos. Conciliamos os nossos interesses, se isso for possível, com o auxílio, a mediação dos outros Irmãos. Se isso não for possível, confiamos a resolução do problema, a decisão de qual o interesse a ser preservado ou em que medida cada um dos interesses deve ser preservado e sacrificado a quem está encarregado de dirimir esses conflitos. E depois o o problema ficou resolvido, é passado, não tem que envenenar a minha relação fraternal no presente e no futuro com aquele com quem tive um conflito de interesses que foi regulado por quem devia regulá-lo. Afinal de contas, a Tolerância manda que se tenha sempre presente que posso estar eu certo e o outro errado, mas também que pode ser o outro quem está certo e eu errado! E, ao longo da vida, muitas vezes estamos certos e muitas vezes estamos errados! O conflito existe para ser resolvido, não para envenenar o relacionamento entre quem o tem...

Pela terceira vez: oxalá todos se comportassem assim!

Uma informação final: ao tempo da Cosntituição de Anderson de 1723, as estruturas de regulação de conflitos entre maçons eram, por ordem hierárquica ascendente, a Loja, a reunião trimestral da Grande Loja e a reunião anual da Grande Loja. A natural evolução dos tempos, dos procedimentos e organizações faz com que, hoje em dia, na maior parte das Obediências Maçónicas já não seja exatamente assim (afinal, discutir conflitos particulares em assembleias pode ser bastante problemático e complicado), tendo-se criado órgãos jurisdicionais internos especializados.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 135-136.

Rui Bandeira