12 julho 2011

O Tempo, a Idade e a Maçonaria - I




São condições mais ou menos universais (mas cada Obediência segue regras ligeiramente distintas) de admissão na maçonaria a maioridade e a independência económica; um menor não pode ser maçon, bem como o não pode ser alguém que não tenha meios de sustento. Na GLLP a idade mínima de admissão é de 21 anos, podendo admitir-se candidatos mais novos desde que maiores de 18 anos e apenas em casos excecionais que carecem sempre de autorização especial. Não há, todavia, uma idade superior limite; basta que, como se disse, se seja economicamente independente - pois pertencer à maçonaria acarreta alguns custos fixos - e que se esteja em posse das faculdades mentais.

O limite inferior de idade é compreensível. Mesmo os 21 anos são uma idade muito tenra para se ingressar... Mais do que a idade, é imprescindível a capacidade de ouvir (pois só ouvindo se aprende), a abertura para se admitir estar errado (pois só se aprende se se admitir ou o erro ou a ignorância...) e a capacidade de aceitar que o outro possa ter ideias contrárias às nossas (pois a maçonaria cultiva a tolerância face à diversidade). Quando se é muito novo é difícil ouvir-se os outros, pois um jovem sabe sempre tudo. Admitir-se o erro, então, é coisa ainda mais difícil. Já a infinita curiosidade dos mais novos torna mais fácil o diálogo entre fações opostas, ideias contraditórias, crenças antagónicas.

É à medida que se amadurece que vai surgindo a capacidade de se ver o silêncio não como um açaimo doloroso que se removeria se se pudesse, mas antes como um refúgio, um reduto, um pequeno Éden dentro de nós que podemos defender com um simples sorriso. As amarguras da vida vão-nos mostrando que somos, afinal, pequenos, imperfeitos e efémeros; o ímpeto da invencibilidade da juventude dá lugar a um estado de espírito mais sereno e de maior aceitação das próprias limitações. Todavia, a experiência acumulada acaba por estabelecer o preconceito, dificultando o diálogo.

Como em tantas outras coisas, in medio virtus. Se se for muito novo quando se ingresse a maçonaria, corre-se o risco de não ter ainda atingido a maturidade necessária a que esta possa ser proveitosa e, quando esse momento acabe por chegar, perdeu-se já a novidade, e a oportunidade de fazer a diferença. Sem por outro lado, se pretender ingressar a maçonaria já numa idade avançada, há que acautelar se, de facto, há ainda capacidade - e, acima de tudo, vontade - de aprender coisas novas, de mudar comportamentos, de apurar ideias. É que, quando se entra na maçonaria, entra-se para aprender, e não para ensinar.

A este respeito aprendi na Loja Mestre Affonso Domingues três lições complementares. A primeira passou-se comigo mesmo. Quando entrei, notei uma certa frieza - a roçar a hostilidade - da parte de alguns irmãos da loja. Eu queria aprender, avançar, saber mais, engolir inteiro - e obrigavam-me a estar quieto, a esperar, a mastigar aos bocadinhos e de novo o que já tinha comido antes. Explicaram-me depois que tinha havido algumas más experiências com algumas admissões - os chamados "erros de casting" - de que, mais tarde, a loja se veio a arrepender, e que eu fazia lembrar um ou dois desses. Daí o facto de alguns membros me estarem a dar um "tratamento de choque" para separar logo o trigo do joio desde o princípio. Se tivesse unhas, tocaria guitarra, mesmo com os dedos pisados; se não as tivesse, que seguisse o meu caminho, mas quanto mais cedo isso ficasse claro para todos, melhor.

A segunda deu-se quando assisti à leitura de pranchas de aprendiz. Apesar de ir avisado, foi confrangedor ouvir, dos mestres presentes, as críticas implacáveis, demolidoras e quase a roçar o cruel. É certo que as pranchas não estariam um primor - afinal de contas, eram o primeiro trabalho apresentado à Loja de cada um dos que as elaborara - mas tamanha crítica pareceu-me exagerada. Porém, como disse, tinham-me avisado de que "era da praxe", e assim o tomei. Quando vim a apresentar a minha primeira prancha estava já à espera do que sucederia, e não o estranhei. Não deixou, contudo, de ser algo doloroso ouvir as farpas certeiras que expunham perante todos os mais ínfimos erros do trabalho que tantas noites me levara a elaborar. Aprendi, nessa altura, a confiar; a confiar no juízo dos que me criticavam, pois que o faziam com seriedade e precisão; a confiar que não tomariam as minhas falhas por vulnerabilidades por onde me atacassem; mas, acima de tudo, a confiar na intenção puramente fraterna de quem aponta um erro a um irmão e fica com o coração a transbordar de alegria quando o vê corrigir-se. 

A terceira lição foi mais triste. Pouco tempo depois de iniciado, um aprendiz - por sinal, apadrinhado por um dos mais históricos membros da loja - viria a revelar-se de difícil integração. A sua idade - mais de sessenta anos - não o facilitou, como não o facilitou o facto de ter já bastante conhecimento prévio da maçonaria por via de familiares próximos. Talvez por ser um homem assertivo, de convicções fortes, ideias arrumadas e palavras duras e incisivas, a loja não conseguiu "abalar-lhe os alicerces" da forma pretendida: dando-lhe a oportunidade de se ver a si mesmo e ao mundo de outra forma, mas sem o fazer sentir-se ameaçado nem pessoalmente atacado. Fiquei triste por vê-lo deixar de aparecer, mas acima de tudo doeu-me vê-lo afastar-se magoado. E tudo porque haviam sido criadas expetativas de parte a parte que se viam, no fim, goradas.

De cada aprendiz espera-se que dê o máximo de si mesmo; a loja lá estará para lhe atravessar tantos obstáculos quantos os que ache que ele consegue - e quer - ultrapassar. Uns terão mais capacidade do que outros; uns poderão não ter ainda a pujança que lhes permita correr com os maiores, sem o desconto de serem um "junior"; outros poderão não ter já a força para correr o suficiente que lhes permita atingir os "mínimos olímpicos". A vida é cheia de surpresas, e as portas não se fecham por excesso de décadas de vida; há sempre quem ludibrie as estatísticas. No entanto, sabemos que há uma idade ideal para tudo. É que, como o atletismo, assim é a maçonaria; do mesmo modo que há corridas para seniores, também temos maçons com mais de 80 anos; contudo, esses raramente terão começado a correr tarde; são, antes, atletas que começaram a correr na idade certa, e que ainda não pararam...

Paulo M.

06 julho 2011

Oração de um Mestre a outros Mestres


Novos Mestres:

Foi longo o tempo que mediou entre a vossa iniciação e este dia. É assim que deve ser, porque o Tempo também é construtor e as mudanças perenes não se fazem de um dia para o outro. No dia da vossa Iniciação, simbolicamente terminaram a vossa vida profana e iniciaram a vossa vida maçónica. Hoje, renascem Mestres, em perpétua continuidade do trabalho dos que vos antecederam e em esperançosa construção do futuro que porão à disposição dos que vos sucederem.

Tiveram um longo tempo de aprendizagem, estudo e preparação. A partir de hoje, têm a vossa “carta de condução” de Mestres maçons, que vos possibilita ensinar os que trilham o caminho por vós já percorrido, mas sobretudo testemunha a vossa capacidade para estudar, meditar, trabalhar, melhorar, por vós próprios, segundo as vossas escolhas, os vossos critérios, os vossos métodos. A Sabedoria da Maçonaria, a sua Força, igualmente a sua Beleza, consistem também nesta absoluta, pujante e entusiasmante Igualdade: a todos os que se juntam nesta Instituição é-lhes mostrado um método, apontado um objetivo, proporcionado um meio; quando se dá por terminada a formação de cada um, é-lhe reconhecido, sem reservas, o direito de trilhar o seu caminho em busca do seu objetivo, pelos seus meios e com os métodos que entenda mais adequados. Porque não há respostas unívocas, caminhos certos, percursos exclusivos. Vós sois agora Mestres maçons, é-vos por todos nós reconhecida a vossa plena capacidade de prosseguirem a vossa via sem tutelas, sem reservas, sem limites. Apenas vos dizemos, nós, os Mestres mais antigos: estamos aqui para que, se assim o quiseres, continues a aprender connosco e também para aprendermos contigo, naquilo em que o teu contributo nos seja útil. Simples, afinal!

Mas, se um último conselho me admitis, Mestres, aqui deixo à vossa consideração o seguinte: o tempo decorrido até aqui é muito menor do que o tempo que decorrerá daqui até à vossa meia-noite. Em cada momento deveis fixar novos objetivos, escolher novas tarefas, fixar novas metas. Tendes à vossa frente umas dezenas de anos em que, pese embora percursos que porventura façam complementarmente, não obstante ofícios que vireis a desempenhar, serão fundamentalmente aquilo que hoje sois: Mestres maçons. Nem mais, nem menos, nem diferente.

Porventura dias vivereis em que vos interrogareis sobre a continuidade do vosso interesse na Arte Real. É normal, natural e talvez até inevitável. Todos temos momentos de dúvida, de fraqueza, de necessidade de nos repensarmos. É para esses momentos, para esses dias, que deveis estar prevenidos com esta essencial mensagem: o que importa acima de tudo é o que buscais. E o que buscais não está na Loja, está no local mais importante do Mundo: dentro de vós próprios. O que buscais é aquela inefável partícula do Arquétipo Primordial da Perfeição, cuja busca é quiçá o verdadeiro sentido da Vida. A Maçonaria, a Loja, a Mestria, tudo o que aqui fizerdes ou construirdes, são simples meios dessa vossa busca.

Lembrai-vos: por mais importante, indispensável, precioso, que seja o trabalho que desempenhardes em Loja, é sempre menos importante do que o trabalho que deveis desempenhar fora da Loja – e não estou, obviamente, a falar das vossas profissões. Falo-vos do trabalho de construção do Templo, do vosso Templo de que hoje fostes reconhecidos como Arquitetos. Sois vós que dirigis esses trabalhos. Sois vós que o executais. Todos os dias. Aqui e fora daqui. Sobretudo fora daqui. Especialmente dentro de vós.

E quando tiverem momentos de dúvida, de desalento, quando vos perguntardes porque vir à Loja, lembrai-vos: os espaços de tempo em que estamos em Loja não são os momentos em que trabalhamos. São os nossos momentos de lazer, o prémio que nos atribuímos pelo nosso esforço diário, o momento em que convivemos, em que mostramos aos demais o resultado, naquele preciso momento, do nosso trabalho, da nossa evolução, em que detetamos e apreciamos a evolução dos demais, em que, em conjunto, executamos sempre e sempre os mesmos gestos, dizemos as mesmas palavras, temos as mesmas posturas, no que é afinal uma pausa, um recarregar de baterias em união de espíritos e de vontades, para seguidamente voltarmos a executar o interminável e solitário trabalho da construção do nosso Templo.

Mestres, assumi com o orgulho que, na justa medida, também é qualidade: sois agora Mestres maçons, mas, mais do que aqui, sois Mestres maçons lá fora e, sobretudo, dentro de vós. Aqui sois apenas – e basta, e é muito! – reconhecidos como tal!

Rui Bandeira

04 julho 2011

Bem comum e liberdades individuais



Li hoje uma notícia sobre um "motoqueiro" de 55 anos que, de cima da sua Harley, protestava contra a lei que passava a obrigar ao uso do capacete. Enquanto o fazia teve que fazer uma travagem brusca, foi lançado sobre o guiador, caiu de cabeça e, como não usava capacete... morreu.

Uma vez mais se me colocou esta questão: até onde pode, ou deve, a sociedade regular as liberdades individuais? Dever-se-á deixar ao juízo (ou falta dele...) de cada um o uso de capacete? E se o motoqueiro for um pai de família, que depende dele para o seu sustento? E se for uma pessoa com um cancro em fase terminal? E se do acidente decorrerem custos de tratamento enormes, pagos por todos os contribuintes - muitos dos quais até teriam votado a obrigatoriedade do uso do capacete?

O consumo de drogas deve ser liberalizado? E a condução sob a influência de drogas? E conduzir zangado? Se uma Testemunha de Jeová (religião que proíbe as transfusões de sangue) se apresentar inconsciente num hospital em consequência de um acidente, deverá o médico de serviço deixá-la morrer por falta de uma transfusão, ou salvar-lhe a vida recorrendo a algo que a sua religião proíbe, quando não haja tratamento alternativo? E se a pessoa estiver consciente e recusar a transfusão? E se for o filho pequenino dessa pessoa que esteja doente, e ela peça aos médicos que antes deixem o filho morrer do que lhe dêem uma transfusão?

Até que ponto podemos ou devemos sacrificar o indivíduo ao bem comum? Ou o bem comum ao indivíduo? Há séculos que estas questões se discutem. E há séculos que ficam sem resposta - ou pelo menos sem uma resposta categórica, uma vez que recebem respostas diferentes, cada uma fundamentada sobre distintas premissas. Não é, porém, por se saber a priori que não há uma resposta universal que deve deixar de se discutir estas questões. É importante que cada um tenha as suas próprias respostas, mesmo que estas sejam diferentes das daqueles que o rodeiam. E se não é essencial que todos afinem pelo mesmo diapasão, é desejável que todos tenham consciência da diversidade de respostas, e de que há pelo menos alguma legitimidade nessa diversidade.

Assim sucede - ou deve suceder - numa loja maçónica. Não é importante que todos pensem igual; pelo contrário, é bom que pensem diferente, para que todos tenham a oportunidade de aprender, desde cedo, o  respeito pelas ideias com que não se identificam.

Paulo M.

29 junho 2011

Lição de um Mestre aos seus Companheiros - II


Nota - A primeira lição de um Mestre aos seus Companheiros foi publicada neste blogue por Jean-Pierre Grassi, em 13 de abril de 2009

Meus muito prezados Irmãos:

O vosso aumento de salário é, na realidade, um aumento de responsabilidades. Ao vos conferir o 2.º grau, vos declarar prontos a trabalhar sem a proteção da abeta do vosso avental, que passa, assim, a partir de agora, a repousar estendida sobre o corpo principal do vosso vestuário de trabalho, ao vos atribuir a designação de Companheiros, esta Oficina reconhece o vosso bom trabalho até aqui, as vossas qualidades intrínsecas, a mudança para melhor operada em vós, o vosso imenso potencial. Por tudo isso, cabe-me a mim – e com muito gosto e regozijo o faço! – dar-vos os parabéns.

Mas também me incumbe alertar-vos de que a vossa celebração, embora merecida, deve ser breve. Sois agora Companheiros, mas não deixastes de ser Aprendizes. Sois agora Aprendizes também já Companheiros, adicionalmente. Por isso comecei por vos dizer que o vosso aumento de salário é afinal um aumento de responsabilidades. Não deveis deixar de estudar e analisar e investigar os símbolos e utilizar esse estudo para vosso aperfeiçoamento moral e espiritual. Aliás, hoje mesmo vos apresentámos dois novos símbolos, para vosso estudo e meditação. Mas o sentido do que hoje vivestes é que, ao trabalho que até agora fizestes deveis acrescentar o estudo do Homem, das Ciências e das Artes. Na antiguidade, o estudo da do Homem, da Vida e da Natureza e suas regras chamava-se, simplesmente, Filosofia. Com a autonomização dos vários campos do Saber Humano, do sincretismo da Filosofia foram-se emancipando as várias Ciências e Artes. O que hoje vivestes procura alertar-vos para a necessidade e conveniência de, ao estudo dos símbolos e da espiritualidade, acrescentardes sempre o estudo e o progresso no conhecimento das coisas práticas do saber humano – afinal, as Ciências e Artes.

Inerente à conceção maçónica do que deve ser o Homem está a noção de equilíbrio. O que está em cima é como o que está em baixo. Tão importante é a Busca Espiritual como o Conhecimento e a Prática. Desenvolvimento Espiritual sem Conhecimento Científico é vão misticismo, estéril contemplação. Primazia absoluta do Conhecimento sem adequado Crescimento espiritual é perigoso Materialismo, vereda maldita para o abismo da Amoralidade.

A Maçonaria pretende estimular e propiciar a evolução dos seus membros para a plenitude do Homem Completo – e esse tem duas faces, tão inseparáveis como as de uma moeda: o Espírito e a Razão, a Espiritualidade e o Conhecimento Prático, o que é de Deus e o que a César pertence.

Trabalhai, pois, meus Irmãos, nestes dois indispensáveis e complementares campos. Só assim sereis verdadeiros Homens Completos e Equilibrados.

Rui Bandeira

27 junho 2011

Perceção, verdade e tolerância - V (conclusão)



A Maçonaria não pretende, ao contrário da Religião, tratar da relação entre o Homem e o seu Criador; apenas trata da relação entre o Homem e o Homem. Nascida em tempos conturbados de guerras fratricidas de origem  religiosa, a Maçonaria tinha - e tem ainda hoje - o propósito de estabelecer entre homens bons uma ligação mais forte do que as forças que os afastam em virtude das diferentes fações - religiosas, partidárias, ideológicas ou outras - a que os mesmos pertençam.

A Maçonaria procura, nesse sentido, estabelecer um meio-termo, um máximo denominador comum, um common ground com que todos se identifiquem, que a todos inclua e a ninguém deixe de fora. Quando James Anderson foi incumbido de compilar e redigir as regras e regulamentos da Maçonaria, escreveu:

"Um maçom é obrigado, pela sua condição, a obedecer à lei moral, e se compreender corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu, nem um libertino irreligioso. Mas, embora em tempos antigos os maçons devessem, em cada país, ser da religião desse país ou nação, qualquer que fosse, entende-se agora ser mais acertado somente obrigá-los à religião com a qual todos os homens concordam, deixando suas opiniões particulares para si mesmos; isto é, ser homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e honestidade, quaisquer que sejam as denominações que os distingam."

Esta noção de que os maçons poderiam ser de qualquer fé ou religião, e apenas deveriam aderir à "religião com a qual todos os homens concordam", é uma ideia claramente oriunda do conceito de "Religião Natural", conceito muito em voga no Iluminismo, e a propósito do qual podemos ler na Wikipédia:

"As ideias, para serem válidas, devem ser baseadas na razão inata do Homem. No caso da religião, isto significa que deve haver uma religião natural, isto é, deve haver um conjunto de ideias religiosas que emanam da natureza humana - ideias que são inatas da mesma forma que as ideias lógicas, matemáticas e científicas. Eles teriam, portanto, validade geral no sentido de que todas as pessoas em todos os momentos, independentemente de sua situação cultural, as devessem possuir."

A ideia de uma "religião natural" não é, propriamente, uma ideia da Maçonaria, mas uma ideia sua contemporânea que a influenciou, no sentido de que especula ser possível encontrar-se, de entre todas as religiões, um certo conjunto de regras comuns; estas seriam aquelas que a Maçonaria tomaria para os seus seguidores, de modo a lograr o seu propósito: ser um elo de união entre os homens. E nesse sentido, em vez de se cingir aos caminhos da Moral, abraçou os da Razão, muito menos controversos e muito mais passíveis de estabelecer princípios incontroversos.

Contudo, ao procurar encontrar um conjunto de regras morais retiradas do seu contexto religioso, a Maçonaria foi tomada, pela maioria das religiões organizadas, por um concorrente, por um antagonista, e como tal condenada, e rotulada como relativista ou sincretista ou mero "travesti" religioso. O que parece escapar aos seus detratores é que a Maçonaria não procura de modo algum substituir ou minimizar a religião de cada um, antes incentivando cada um a que viva a sua fé da melhor forma possível.

Os fins últimos da Maçonaria são a harmonia, a fraternidade e a paz entre os Homens, pelo que dá preponderância a estes princípios, mesmo que sob pena de relegar as convicções religiosas de cada um à esfera privada. Na verdade, a Maçonaria não quer saber em que é que cada um acredita, desde que acredite em alguma coisa, e guarde essa convicção afastada de controvérsias, contendas e cizânias. E esta postura - condenada por muitos que pretendem propagar verdades absolutas mesmo que à espadeirada  - é uma das  que caraterizam, distinguem e orgulham os maçons.

Paulo M.

22 junho 2011

Lição de um Mestre ao seu Aprendiz - V



Meu Irmão, finalmente estás onde deves estar, estás entre nós! Sempre que um novo elemento se junta a nós, toda a Loja se alegra. Mais um homem bom quer tornar-se melhor e, fazendo-o, nos ajudará, a todos e cada um de nós, a sermos um pouco melhores também! Sê, pois, muito bem-vindo, Irmão. Todos esperamos que, sempre, gostes tantos de estar connosco como – não o duvides! – todos e cada um de nós gostaremos sempre de estar contigo.

Hoje, encerrou-se um ciclo na tua vida e iniciaste um novo ciclo. Hoje, deixaste para trás a tua vida profana e iniciaste o teu percurso como maçom. E não duvides também que, a partir de hoje, em todos os aspetos da tua vida, em todos os momentos dela, em todos os locais onde te encontrares, com quem estiveres, não mais estará apenas o homem que há algumas horas entrou neste edifício – a partir de agora, sempre, em todos os lugares, com todas as pessoas, estará o maçom! Porque passaste por uma Iniciação que, a ti, como a milhões de outros antes de ti, subtilmente já te começou a mudar e que, se é esse o teu sincero propósito – e todos nesta sala acreditámos e acreditamos que sim! – te ajudará a melhorar, um pouco cada dia, mas sempre e sempre e mais e mais.

A partir de agora, tens muitos símbolos para estudar, para sobre eles meditares, tirares tuas conclusões e aplicares essas conclusões em ti, na tua vida, no teu comportamento. É esse, em síntese, o nosso método, o método maçónico que desde tempos imemoriais os maçons de todo o mundo usam. Basta olhares em teu redor e verás objetos, representações, mas também gestos, palavras, atos, condutas, que, tudo isso, tem significado simbólico que a ti te cabe descobrir, para que uses essas tuas descobertas em benefício de ti próprio, não do que hoje és, mas do que vais ser, do que vais ser em cada dia sendo um pouco diferente e melhor do que no dia anterior.

Muitos símbolos te rodeiam, mas agora quero apenas chamar-te particularmente a atenção para dois, que não escolhi ao acaso. Dois que, sei-o porque mo disseste, especialmente te tocam: o maço e o cinzel.

O maço e o cinzel são as ferramentas básicas com que deves, de imediato, começar a trabalhar. Simboliza o maço a força, o poder, a energia que transmite ao cinzel, a ferramenta subtil que, aproveitando a Força que lhe é transmitida pela energia da mão que empunha o maço, utilizando-a, distribuindo-a harmoniosamente com a sua ponta, mediante o seu sábio manuseio, em variados ângulos de colocação sobre a pedra, desbasta esta, retira as suas asperezas, transforma a rudeza do informe bloco em trabalhada e lisa pedra que, com sua devida esquadria, está apta a ser colocada no espaço que lhe está destinado na construção.

Assim também deves recordar-te em todos os momentos que sempre, mas sempre mesmo, deves diligenciar para que o maço da tua Força de Vontade seja aplicado com o cinzel da Sabedoria na pedra bruta que é o teu caráter, desbastando-lhe as asperezas, as irregularidades, retirando-lhe e reparando-lhe as imperfeições, moldando-o com a devida esquadria para que se integre harmoniosamente na sociedade e constitua uma forte e bela pedra essencial ao todo em que se integra.

As asperezas, as irregularidades, as imperfeições que hás de, dia a dia, um pouco de cada vez, mas persistentemente, ir retirando de ti próprio, tu, melhor do que ninguém, saberás, descobrirás, quais são. E tu próprio alterarás o que tiveres a alterar. Ninguém o fará por ti!

Para isso, precisas de, permanentemente te conheceres, cada vez mais e melhor, a ti próprio. Só assim saberás – tu e mais ninguém – o que aperfeiçoar, onde e como trabalhar, para que amanhã estejas um pouco melhor do que hoje.

Portanto, meu muito prezado Irmão, pega no teu maço, manuseia o teu cinzel e desbasta tua pedra. O resultado do teu trabalho será, mais cedo ou mais tarde, verificado por todos, mesmo os mais distraídos. Mas, antes e acima de tudo e de todos, será apreciado por ti próprio, que, em resultado do teu trabalho, desde que sério, desde que persistente e incessante, te sentirás cada dia mais forte, mais apto, melhor. Sobretudo contigo mesmo!

Rui Bandeira

16 junho 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Conclusão


Quando inicio uma série de textos, embora tenha uma ideia geral sobre a estrutura da mesma, não tenho fixado o sentido de cada texto. Elaboro cada texto separada e sucessivamente, alguns já depois de iniciada a publicação da série. Tenho um ponto de partida, uma direção projetada, espero um determinado ponto de chegada, mas só o evoluir dos textos e o estudo que faço na preparação de cada um acabam por determinar a evolução da série e só no final verifico se a conclusão que posso tirar é a que antecipava no momento em que decidi iniciar a série.

Quanto ao tema que hoje termino, a tese defendida foi expressa logo no início: a referência maçónica aos números, a numerologia maçónica, deriva da filosofia pitagórica. Percorrido o ciclo de textos, continuo a perfilhar a tese, mas reconheço que a mesma não passa disso mesmo, de uma tese, de uma hipótese, que necessitará de confirmação fáctica e, na medida do possível, documental.

Ao longo destes textos, foi possível verificar que a relação da Maçonaria com os números é bem mais restrita e simplificada do que a original filosofia pitagórica. Desde logo, aos números pares, à exceção do DOIS, não dedica a maçonaria particular atenção. E a atenção maçónica, em diferentes graus de desenvolvimento, concentra-se em especial nos primeiros números primos: UM, DOIS, TRÊS, CINCO e SETE. Quanto ao significado maçónico, entendo que é herdeiro do significado pitagórico, embora notoriamente simplificado, quando não mesmo apenas um resíduo do conceito pitagórico original.

Nesse sentido, a conclusão final, no meu entender, confirma a expetativa inicial, sem contudo lhe ter acrescentado prova concludente. Portanto, hipótese era, mais do que hipótese não é, por agora.

Um outro aspeto não logrei dilucidar, ao longo do estudo para este conjunto de textos: no pressuposto de que a numerologia maçónica deriva da filosofia pitagórica, por que forma ocorreu essa derivação?

Uma das possibilidades é que os conceitos filosóficos pitagóricos tivessem sido oralmente - e reservadamente - transmitidos em conjunto com os conhecimentos de geometria, no âmbito do ofício de construtor em pedra, seguindo um percurso já neste blogue referenciado na série de textos dedicada à Lenda do Ofício. Consistente com essa possibilidade é a enorme simplificação, quase corruptela, dos conceitos maçónicos em relação aos originais pitagóricos, denotando uma progressiva deterioração e simplificação dos significados originais através do percurso numa longa cadeia de transmissão oral. Não pude, porém, confirmar se existem indícios dessa transmissão nos documentos operativos medievais que foram encontrados, sobretudo no Reino Unido.

Outra possibilidade é a de a introdução desses conceitos na Maçonaria ter sido efetuada por via "erudita", aquando da evolução da maçonaria operativa para a maçonaria especulativa e redação dos modernos rituais.. Se a extrema simplificação dos conceitos conduz, numa primeira análise, ao ceticismo em relação a esta hipótese (o erudito introdutor dos conceitos deveria conhecer os termos da filosofia pitagórica e seria natural que a introdução dos conceitos nos rituais fosse efetuada em termos mais consistentes com a filosofia original), mais cuidada reflexão alerta-nos para o facto de que, não existindo registos escritos das teses pitagóricas, o simples passar do tempo levou a que, mesmo os estudiosos, acabassem apenas por ficar com umas leves luzes (e porventura algumas apagadas...) sobre os conceitos originais, efetivamente perdidos no tempo. Repare-se que, mesmo em meios académicos, existem referências - não particularmente desenvolvidas e nem sempre inteiramente coincidentes - ao UM, DOIS, TRÊS e QUATRO, mais breves ao CINCO e ao DEZ e verifica-se uma omissão, ou quase, em relação ao significado pitagórico do SEIS, SETE, OITO e NOVE. Logo, o "erudito" que porventura tivesse introduzido os conceitos pitagóricos nos rituais ter-se-ia sentido a pisar terreno mais seguro ao concentrar-se nos três primeiros números, onde a própria representação geométrica dos mesmos é mais claramente elucidativa. O CINCO já tem manifestas referências a outros entendimentos, até da Renascença, e o SETE herda, na Maçonaria, o que será apenas um possível significado pitagórico do número, à falta de mais completa confirmação.

Resumindo: a tese exposta ao longo desta série de textos é isso mesmo, uma tese, uma teoria, uma hipótese, que será, ou não, objeto de confirmação documental ou, pelo menos, confortada com indícios históricos bastantes. Se o for, haverá ainda que procurar determinar se a evolução dos pitagóricos para a moderna maçonaria especulativa se fez por via "popular", através do ofício da construção em pedra e da maçonaria operativa ou se decorreu de uma introdução "erudita", aquando da elaboração dos rituais pós-transição para a maçonaria especulativa.

Rui Bandeira