04 maio 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o DOIS

No texto anterior, deixei a interrogação: O Um é Único e Singular. Sendo assim, e uma vez que Um é o princípio que tudo origina, como é que Um se torna muitos?

Segundo a Filosofia Pitagórica, o UM transforma-se em DOIS refletindo-se a si próprio e separando-se, original e reflexo, através do movimento ilustrado pela imagem acima. Note-se que, com esse movimento, o centro do círculo define uma linha reta. Atente-se na ligação, que os pitagóricos faziam, da essência dos números à Geometria. Através da essência do UM apreendemos o ponto. Com a essência do DOIS deparamos com a linha reta.

À figura acima reproduzida, e que, para os pitagóricos, correspondia à representação gráfica do DOIS, chamavam estes a díade e esta representava o princípio da dualidade ou da diversidade. Essencial à díade era a polaridade, que ocorre em toda a parte e que está na origem da nossa noção de separação um do outro, da natureza e da nossa própria divindade.

A díade ilustra a divisão, logo, a separação da unidade, mas os seus polos opostos (os centros de cada um dos círculos) atraem-se um ao outro, numa tentativa de se fundirem e regressarem à unidade. A díade simultaneamente divide e une, repele e atrai. A díade é o meio de passagem entre o UM e muitos. Se o UM é o Princípio Criador estático, o DOIS ilustra a dinâmica da criação. Se nada existia, como criar a partir do nada? Utilizando o único "material" disponível: o próprio Criador, que se divide e separa, Dele próprio criando o Tudo. A Criação é o reflexo do Criador. O DOIS representa a ação do Criador a ponte, a ligação entre este e o que foi criado. O DOIS é assim a representação da dualidade que em tudo no Universo existe, a dupla natureza do criado que provém do Criador, Dele separado, mas para Ele sempre irremediavelmente atraído.

O UM é o Princípio Criador e simboliza o Masculino, a força ativa que gera a Criação. O DOIS simboliza o Feminino, a força passiva resultante do ato de criação e simultaneamente condição indispensável a esta e à vida. Note-se que, na imagem gerada pela sobreposição dos dois círculos, o espaço comum destes tem a forma de uma vulva. O DOIS é assim também associado à fertilidade e ao Feminino Divino.

O UM é a Força Criadora em potência; o DOIS é o ato concretizador dessa potência. O UM é imóvel; o DOIS é movimento. O UM é absoluto, o DOIS é relativo. O UM é o Tudo sincrético; o DOIS é o Tudo analítico, dotado de diversidade. É através do DOIS que o UM gera os demais números. Assim, para os pitagóricos, o UM e o DOIS eram considerados os pais de todos os outros números.

A imagem que simboliza o DOIS pitagórico não é exclusiva destes. Esta forma de dois círculos que se sobrepõem aparece desde tempos imemoriais. É também designada por vesica piscis (bexiga de peixe, em latim). Na Índia chamam-lhe mandorla (amêndoa). Esta imagem aparece em várias civilizações antigas da Mesopotâmia, África e Ásia, sempre associada ao processo da Criação.

A Maçonaria, mais especificamente o Rito Escocês Antigo e Aceite, ensina, relativamente ao número DOIS, que a razão humana divide e confina artificialmente o que é UM e não tem limites. Assim, a unidade é repartida entre dois extremos, aos quais só as palavras prestam uma certa aparência de realidade.

O conceito abstrato de DOIS dos pitagóricos, enquanto manifestação atual (em ato) do Princípio Criador, dualidade fecunda que da potência do UM gera o Tudo, que, assim, se reveste das características da dualidade e da polaridade (dia/noite; bem/mal; masculino/feminino; luz/escuridão; branco/negro; repouso/movimento) evolui, na conceção maçónica, no meu entender, e tal como sucedeu com o UM para uma corruptela mais concreta: a perceção humana da Criação; a separação artificial, imprescindível à compreensão pelo Homem do Incompreensível Mistério da Criação, em contraposição ao ilimitado e total UM; a dualidade como degradação, separação, divisão artificial do que é real, mas incompreensivelmente, único e uno.

Afigura-se-me, pois, que, tal como sucedeu em relação ao UM, a interpretação maçónica do DOIS é uma corruptela, uma simplificação, uma visão parcial e limitada, do ensinamento pitagórico, decorrente das alterações, perdas, usuras do tempo, decorridas desde o tempo dos pitagóricos e o século XVIII. Mas o princípio de base está lá: os pitagóricos viam o UM e o DOIS como os pais de todos os números; os maçons vêem-nos como geradores do número que se lhes segue.

Fontes:

Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de Aprendiz, GLLP/GLRP, junho de 6007
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

01 maio 2011

O café: motor do Iluminismo



"Forte é o rei que tudo destrói, mais forte a mulher que tudo obtém, e ainda mais forte o vinho que afoga a razão."
Humberto Eco, em "A Ilha do Dia Anterior"


Desde há séculos que o Homem consome bebidas alcoólicas. A análise química de recipientes de cerâmica encontrados em povoações do Neolítico na China indicam que o consumo de bebidas fermentadas (neste caso, uma bebida à base de arroz, mel e fruta) já é velho de pelo menos 9000 anos. Há receitas de bebidas alcoólicas em placas de barro, e a arte Mesopotâmica mostra-nos indivíduos a beber de grandes potes por palhinhas.

Textos sumérios e egípcios de há quatro mil anos descrevem as propriedades medicinais do álcool, e os textos Hindus ayurvédicos descrevem quer os benefícios das bebidas alcoólicas quer as consequências do seu abuso. Na Grécia Clássica consumia-se vinho ao pequeno-almoço, e este fazia parte da dieta da maioria dos cidadãos de Roma no século I antes da nossa era.

Na Europa medieval toda a família bebia cerveja - os homens uma cerveja mais forte, as crianças uma mais fraca, e as mulheres uma de graduação intermédia. Também se consumia cidra e vinho de bagaço, sendo o vinho de uva reservado às classes mais altas. Em suma: a humanidade alcoolizava-se havia milénios, e a Europa da Idade Média acordava ébria e deitava-se embriagada. O torpor do álcool, transversal a toda a sociedade, obnubilava mesmo as mentes mais brilhantes.

Mas do Islão veio o grande redentor, quando os Turcos, após o falhado cerco a Viena de 1529, deixaram para trás alguns sacos de café. Rapidamente as sua propriedades foram conhecidas: "seca os humores frios, dispersa os gases, fortalece o fígado, é o remédio soberano para hidropsia e sarna, restaura o coração, alivia dor de barriga. O seu vapor é, de facto, recomendado para fluxões dos olhos, zumbido nos ouvidos, catarro, reumatismo, ou nariz pesado."

Foi assim que o café substituiu, em certa medida, a cerveja e o vinho, nos hábitos alimentares europeus. O dia passou a começar com um estimulante de baixas calorias, em vez de um entorpecedor calórico, o que produziu um novo paradigma de Homem: os corpos rotundos e maciços que podemos ver nas pinturas do século XVII - consequência do consumo excessivo de bebidas fermentadas - tornaram-se mais esbeltos e ágeis; as pessoas tornaram-se sóbrias e sérias; e o pensamento, a inteligência e razão - por fim libertos do seu etílico véu  - passaram a ser valorizados.


O consumo do café rapidamente se tornou num hábito cada vez mais vulgarizado e, com o vício da cafeína, começou a procura frenética de fontes desta maravilhosa droga, o que originou o aparecimento de comércio externo em larga escala, com todas as inerentes consequências para o desenvolvimento social.


O café, por outro lado, mantinha as pessoas suficientemente sóbrias para darem asas à criatividade e inventarem toda uma gama de pequenos melhoramentos do seu bem-estar diário, concedendo ao cidadão comum uma comodidade como nunca antes tinha experimentado.

Pode, por tudo isto, dizer-se que a paixão da civilização ocidental pelo café foi um dos verdadeiros motores do Iluminismo - e bem sabemos que só este criou as condições para o surgimento da Maçonaria Especulativa. Foi graças ao café que, finalmente de olhos bem abertos, do meio-dia à meia-noite, o Homem pôde iniciar o trabalho para o seu melhoramento, em busca de mais Luz e Sabedoria.


Paulo M.


Fontes: 
http://www.stephenhicks.org/2010/01/18/coffee-and-the-enlightenment/
http://solohq.solopassion.com/Articles/Cresswell/Making_the_Genius_Quicker_A_Complete_Hiftory_of_Man_According_to_Hif_Divers_Delightf_%28Part_Two%29.shtml
http://en.wikipedia.org/wiki/Alcoholic_beverage

27 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - o UM

A imagem acima era chamada pelos gregos de mónade, palavra que deriva de monas, singularidade. Em geometria, o círculo é a origem de todas as formas subsequentes. É, pois, o princípio. Os filósofos matemáticos da Antiguidade grega referiam-se à mónade, ao círculo, como O Primeiro, a Semente, a Essência, a Unidade.

Para os pitagóricos, a Unidade, o Um, era representado pela mónade, pelo círculo. Para eles, nada existia sem um centro, em torno do qual gira, sendo o centro a fonte, a origem, que está para lá de todo o entendimento, que é incompreensível. Em bom rigor, o ponto não existe, não é visível, é uma abstração, mesmo geométrica: o "ponto" que vemos no centro da imagem é um conjunto de muitos verdadeiros pontos, reunidos de forma a criar uma imagem que pode ser apreendida pela nossa visão, um "maxi-ponto", que tomamos por símbolo do vero ponto representado.

Mas, tal como uma semente, o centro, o ponto central, expande-se e realiza-se como um círculo.

A mónade, a singularidade, representa assim o UM, a origem de tudo, o ponto de onde tudo nasce e que, expandindo-se em círculo, é a origem de todas as formas subsequentes - ou seja, o Princípio dos princípios, o que tudo cria: o Criador!

Qualquer número multiplicado ou dividido por um, fica igual a si próprio. A mónade, o Um, a Origem, preserva a identidade de todos e de tudo (para os pitagóricos, os números são a expressão e essência de tudo o que existe).

Por sua vez, um multiplicado por um dá sempre um. O Um é Único e Singular. Sendo assim, e uma vez que Um é o princípio que tudo origina, como é que Um se torna muitos? Veremos isso no próximo texto... Por agora, retenhamos então a noção de que o Um é o princípio criador, a Origem e é representado por um ponto que se expande num círculo.

Este um resumo da filosofia pitagórica em relação ao Um. Vejamos agora o que ensina a Tradição maçónica quanto ao Um.

No Rito Escocês Antigo e Aceite, cedo o maçom aprende que os mistérios dos três primeiros números são as analogias que decorrem das propriedades metafísicas dos números (Pitágoras ou um qualquer seu discípulo não diria, talvez, diferentemente...). O número UM é uno, porque foi criado pelo Deus único. O número UM não tem limites.

Nos ritos de Emulação e de York, o símbolo do "ponto no círculo" (point within a circle) é diferente, sendo o círculo enquadrado por duas retas paralelas.

A interpretação externa ou exotérica deste símbolo decompõe-o nos seus elementos: o ponto representa o indivíduo maçom, o círculo simboliza a linha delimitadora do seu dever perante Deus e o Homem, para lá da qual não deve permitir que as suas paixões, preconceitos e interesses o arrastem e as tangentes paralelas referem-se aos dois S. João patronos da Maçonaria: S. João Batista e S. João Evangelista, no interior de cujos ensinamentos o círculo delimitador da conduta do maçom se deve manter. Esta interpretação é claramente tributária da religião cristã e do teísmo presente, quase em exclusivo, nos primórdios da Maçonaria Especulativa.

A interpretação esotérica do símbolo declara provir ele da mais remota Antiguidade. Mackey, após uma longa introdução sobre a essência do culto da divindade em várias regiões do Mundo Antigo, conclui que o símbolo respeita à característica hermafrodita, isto é, contendo em si o masculino e o feminino, da Divindade, representando o ponto o Sol (força masculina) e o círculo o Universo (força feminina), fertilizado pelos raios do Astro-Rei. As linhas paralelas são os solstícios, que delimitam o percurso aparente do Sol ao longo do ano.

A interpretação maçónica do Um e do respetivo símbolo gráfico representativo constitui, a meu ver, uma corruptela do ensinamento pitagórico. A filosofia pitagórica, transmitida oralmente e em círculos fechados e restritos ao longo de milhares de anos, atravessando os tempos da pujança das divindades romanas, do declínio do Império Romano, do subsequente barbarismo, das trevas da Idade Média, acolhida por rudes construtores, desembocou no século XVIII com significativas alterações. Mas o princípio básico está lá: o UM é, ou representa, ou simboliza (consoante as conceções) o Criador, o Princípio Criador do Universo, a Origem, a Essência de tudo.

Fontes:

http://www.masonic-lodge-of-education.com/point-within-a-circle.html
Rito Escocês Antigo e Aceite, Ritual de Aprendiz, GLLP/GLRP, junho de 6007
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira

20 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Pitágoras


Julga-se que Pitágoras nasceu em 570 a. C., em Samos, uma ilha grega no mar Egeu e morreu em Metaponto, uma cidade do sueste de Itália colonizada por gregos, em 497 ou 496 a.C.. Pouco se sabe da sua vida. Relatos que devemos ter por lendários, por historicamente inverificados, referem que, instigado por Tales de Mileto, viajou até ao Egito, tendo sido admitido no templo de Disópolis, aí tendo tomado contacto com os Mistérios egípcios, e à Pérsia, onde teria estudado com Zoroastro. Regressado a Samos, aí fundou uma comunidade religiosa, os mathematikoi, que constituiram uma Escola Filosófica que hoje denominamos por Escola Pitagórica.

Tenha-se presente que, na Antiguidade, a filosofia foi a precursora de todas as ciências. As escolas filosóficas eram as universidades da época, onde se estudava e investigava e refletia e especulava sobre todos os fenómenos da vida e do Universo, procurando dar-lhes explicação.

Para os pitagóricos, a verdadeira essência, o princípio fundamental de tudo são os números, não enquanto símbolos, mas sim enquanto valores de grandeza (a essência do número, não a sua forma ou representação). Ou seja, os números a que se referiam não eram os símbolos utilizados para os representar (e muito menos os algarismos - 1, 2, 3, etc. - que apenas foram inventados pelos árabes, séculos mais tarde...), mas os valores que eles exprimem. Uma coisa manifesta-se externamente por uma estrutura numérica, sendo o que é por causa desse valor. O cosmo é regido por relações matemáticas.

Aristóteles escreveu, na sua Metafísica, a propósito de Pitágoras:

Os chamados pitagóricos, que foram os primeiros a estudar matemática, não só desenvolveram o seu estudo, como também, tendo sido educados segundo o espírito dela, acreditavam que os seus princípios eram os princípios de todas as coisas. Uma vez que destes princípios os números são por natureza o primeiro, e nos números eles parecem ver muitas semelhanças com as coisas que existem e que surgem - mais do que no fogo e na terra e na água (de modo que uma modificação de números é a justiça, outra é a alma e a razão, outra a oportunidade - e de igual modo quase todas as outras coisas podem ser expressas numericamente); e, mais uma vez, acham que as modificações e as razões das escalas musicais podem ser expressas em números; e uma vez que todas as outras coisas parecem na sua natureza ser modeladas sobre números, e os números parecem ser as primeiras coisas de toda a natureza, eles supõem que os elementos dos números são os elementos de todas as coisas e que todo o céu é uma escala musical e um número.

Os primeiros dez números eram vistos pelos pitagóricos como padrões para todos os princípios do cosmo.

Que tem isto a ver com a Maçonaria?

Qualquer iniciado maçom sabe que algo do que aprende em Loja se relaciona precisamente com os números e com esta conceção de que os números (ou, pelo menos, alguns números), mais do que meros símbolos de quantidade, refletem essências, qualidades.

Parte do estudo dos símbolos a que os maçons se dedicam tem como objeto precisamente o estudo do que simbolizam os (ou determinados) números. A meu ver, a influência da filosofia pitagórica neste particular aspeto da filosofia maçónica é evidente.

Irei, nos próximos textos, procurar expor o significado que os pitagóricos atribuíam a cada número e, quando os maçons também a esse número atribuírem algum significado, comparar ambas as conceções, em ordem a fazer ressaltar as semelhanças e dissemelhanças porventura existentes.

Como já acima referi, quando, a este respeito se fala de números, não nos estamos referir a algarismos (que inexistiam na Antiguidade Clássica), mas do respetivo conceito essencial. Referir-me-ei, portanto a Um - e não a 1 -, a Dois - que não a 2 -, a Três - não 3 - e assim sucessivamente. Assim sendo, como representavam os pitagóricos os conceitos de Um, Dois, Três, etc.? Denominavam-nos na respetiva língua e certamente notavam-nos, nem que fosse abreviadamente, pelos símbolos escritos em uso na sua época e lugar. Mas, quando se referiam a um conceito numérico, representavam-no... geometricamente! A sua Matemática emergia - afinal como a que hoje conhecemos... - da Geometria. E iremos ver que algumas das caraterísticas que os pitagóricos atribuíam a cada número tinham uma relação estreita com a sua conceção de representação geométrica desse número.

Terei, julgo, oportunidade de assinalar que idêntica conceção geométrica dos valores numéricos informa os conceitos que os maçons extraem dos números que para eles têm particular significado.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pit%C3%A1goras
O Código Secreto, Priya Hemenway, ed. Evergreen, 2010.

Rui Bandeira




18 abril 2011

Sem inspiração


No princípio as ideias fluíam como uma torrente, e davam para dois textos por semana. Depois o rendimento baixou para apenas um. A certa altura, as datas começaram a passar com o texto por escrever, até que me eis aqui, hoje, sem uma única ideia de jeito que vos apresente. A badalada conjuntura não ajuda, é verdade; com a mente ocupada com outros afazeres fica difícil arranjar disponibilidade - nem que seja só mental - para escrever umas linhas coerentes

Poderia escrever um texto sobre o confortável que é ser aprendiz ou companheiro, sem obrigação de dizer nada - mas isso só dava para escrever uma vez. De facto, começo a perceber o que tantas vezes ouvi: "Olha que a maçonaria não é uma corrida dos 100 metros... é uma ultra-maratona de longo curso..." Pois é - mas eis-me sem fôlego ao fim de meia centena de textos.

Será, talvez, a altura de fazer uma breve paragem, retemperar as forças e ouvir depois de tanto falar. Deixo, assim, este repto, especialmente a quem não costuma comentar: dizei do que é que, de entre o que escrevo, tendes gostado mais e do que tendes gostado menos, do que gostaríeis que falasse que não tenha falado, e colocai as questões que vos vão na alma. Tornai mais vosso este blogue que é escrito para vós. Tentarei ir ao encontro do que sugerirdes.

Posso contar convosco?

Paulo M.

13 abril 2011

Maçonaria e Filosofia Pitagórica - Introdução


Sobre a origem da Maçonaria, existem três tipos de teses (dentro de cada tipo, existem variações):


a) A tese histórica, que, em síntese, declara que a Maçonaria Especulativa que hoje conhecemos deriva da Maçonaria Operativa e esta era o conjunto de práticas, normas e ensinamentos próprios existentes nas associações de construtores em pedra, nas suas diferentes formas de organização (Lojas operativas, guildas, associações de companheiros, etc.);

b) A tese cavaleiresca, que proclama que a Maçonaria realmente descende das ordens cavaleirescas das Cruzadas, em especial dos Templários que, destruídos enquanto organização, os seus sobreviventes, dispersos pela conspiração de Filipe, o Belo e Clemente V, ter-se-iam acolhido designadamente na Escócia e aí utilizado as existentes Lojas dos construtores para se ocultarem e ocultarem os seus segredos;

c) A tese dos Antigos Mistérios, segundo a qual conhecimentos esotéricos e ocultos, acessíveis apenas a poucos escolhidos, de tal merecedores, eram transmitidos desde a Antiguidade, dos Egípcios, dos Sumérios, dos Gregos, enfim, de todas as Escolas Místicas da Antiguidade, em escolas ocultas de transmissão e conservação desses Mistérios, que desembocaram, primeiro, nas Lojas Operativas medievais e, depois, na Maçonaria Especulativa (com ramais de ligação ou variação vários: Rosacrucianismo, Martinismo, Iluminati, Escola Ocultista, Teosofia, etc., etc.).

Considero correta a tese histórica. É a que documentalmente se confirma. Não necessita de especulações fantasistas.

Julgo ter já neste espaço explicado que a tese cavaleiresca em geral nasce da imaginação do Chevalier Ramsay e a tese templária, em particular, de um erro de Mackey (ver Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay). Não discuto a possibilidade de alguns cavaleiros Templários se terem refugiado na Escócia. Mas não aceito facilmente que se lograssem "ocultar" - e aos seus "segredos" - no seio de rudes, incultos e analfabetos operários de construção, infiltrando-se tão profundamente que lograram entretecer nos ensinamentos das associações de construtores os ocultos ensinamentos templários, sem que ninguém, a começar pelos próprios construtores infiltrados, tivesse dado por isso e sem que resultasse registo digno de nota (quando dezenas de manuscritos dos operativos se descobriram). Ademais, pelo menos num País, o cantinho à beira-mar plantado, Portugal, os Templários permaneceram, e organizados, apenas com o fácil e lusitano expediente da mudança de nome para Ordem de Cristo, sem necessidade de infiltração ou ocultação - e sem que se tenha gerado uma particular escola iniciática ou um específico repositório de conhecimentos esotéricos, pese embora a muito nossa e sebastiânica tese de que tempo virá em que Portugal salvará o Mundo e gerará o famoso V Império, que tocou mentes e espíritos tão ilustres e admiráveis como os de Fernando Pessoa e Agostinho da Silva.

Avesso que sou a misticismos irrazoáveis (imediatamente a seguir a escrever isto interrogo-me, sem, para já, ter a certeza da resposta, se haverá misticismo razoável...), também rejeitei a tese dos Antigos e secretos Mistérios (secretos apesar de milenarmente transmitidos e de haver inevitáveis traições, possíveis cedências a torturas e mil outras comezinhas realidades que obrigam um espírito racional a concluir que um segredo só se mantém realmente secreto se for conhecido apenas de um - e se este não falar durante o sono...) .

Porém, o estudo que fiz a propósito da Lenda do Ofício alertou-me para algo que anteriormente não tinha pensado: há que ter cuidado com as designações, não tomar, de ânimo leve, uma designação pelo sentido que hoje lhe damos, enfim, devemos procurar buscar mais fundo e com espírito aberto. A Lenda do Ofício ilustra-nos que a designação de Maçonaria também correspondeu a Geometria, pura ou aplicada em Arquitetura, por si ou concretizada em Construção e que, atendendo a este conjunto de significados, tal Lenda ilustra uma verosímil (embora com evidentes erros de anacronismo) linhagem de transmissão dos conhecimentos de Geometria desde a Antiguidade (onde e quando seriam restritos a uns poucos escolhidos...) até às Lojas Operativas medievais.

A mesma abertura de espírito e similar olhar para além das aparências levam-me hoje a admitir que, continuando a ser historicamente correto dizer-se apenas que a Maçonaria especulativa se originou nas Lojas Operativas medievais, os ensinamentos que transmite aos seus Iniciados porventura derivarão, em parte, de uma específica escola de Antigos Mistérios: da Escola Filosófica Pitagórica.

Procurarei nos próximos textos justificar esta minha admissão.

Rui Bandeira

10 abril 2011

Liberdade de expressão



Já na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no seu art. 11º se reconhece que "A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem;  todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei". Mesmo os direitos fundamentais nem são absolutos nem são ilimitados.

Já o mesmo não se pode dizer do princípio da dignidade da pessoa humana, que é prévio ao estabelecimento dos seus direitos fundamentais. A pessoa humana constitui o valor último, o valor supremo da democracia, na medida em que esta reflete o princípio da prevalência dos direitos do indivíduo sobre os direitos coletivos.

A liberdade de expressão não se sobrepõe à reserva da vida privada, ao bom nome e à reputação, por exemplo. Ninguém pode devassar a intimidade de um terceiro, insultá-lo ou difamá-lo a pretexto de que tem o direito de se manifestar. Pelo contrário, tais condutas são previstas e punidas por lei. Também a segurança nacional e o segredo de estado estabelecem limites à liberdade de expressão. Esta liberdade é, assim, frágil, subalterna e subsidiária de outras que sobre a mesma prevalecem.

É clara e evidente esta proteção do indivíduo face ao abuso da liberdade de expressão de terceiros. Contudo, esta é mais difusa quando o insulto, a calúnia ou o ódio verbal se dirijam não a um indivíduo concreto mas a um grupo ou categoria de pessoas cujo fator unificador seja de caráter religioso, ideológico, rácico, étnico, cultural ou outro, uma vez que esses grupos são, frequentemente, desprovidos de personalidade jurídica.

É inegável que um insulto dirigido ao grupo como um todo acabará por ser sentido por cada um dos seus membros como, pelo menos em certa medida, sendo-lhe pessoalmente dirigido, acabando por o afetar de forma muito individualizada. A identidade da pessoa humana passa também por aqueles com quem se identifica, e qualquer ataque que vise os referenciais culturais, étnicos, religiosos ou outros de cada ser humano irá inevitavelmente repercutir-se sobre este.

Os discursos de incitamento ao ódio visam descriminar, minimizar e estigmatizar cada um dos indivíduos que integram o grupo ou categoria a quem esse ódio se dirige, pretendendo negar a esses indivíduos o estatuto de igualdade com aqueles que os atacam - o que põe em causa a dignidade da pessoa humana no que a estes diz respeito. Como tal, estão proibidos à luz do nosso ordenamento jurídico.

Contudo, quando o discurso não tenha o propósito único de ofender e incitar ao ódio contra certo grupo de pessoas, mas tão somente manifestar uma opinião, debater, informar, discutir ou criticar não deve ser este sujeito a restrições - mesmo quando manifeste posição contrária aos princípios democráticos, ocidentais e humanistas que regem a nossa sociedade - uma vez que a sua proibição nessas condições conformaria "delito de opinião", o que é vedado pela nossa Constituição.

Abre-se aqui uma exceção à exceção: quando o discurso de ódio seja passível de causar tumultos, desacatos ou perturbação da ordem pública, por se antever que do mesmo decorram situações em que se passe das palavras aos atos, ou quando do mesmo decorram irremediáveis prejuízos para a dignidade da pessoa humana, então deve o mesmo ser proibido e punido.

A liberdade de expressão deve servir de vetor de transformação pacífica da sociedade - por alternativa às revoluções - bem como servir, em certa medida, de válvula de escape como alternativa ao confronto físico. A este respeito recordemos Voltaire: "Não concordo com o que dizes, mas defenderei até à morte o teu direito de o dizeres".

Paulo M.