07 novembro 2008

O pacote de biscoitos

Mais uma historieta para reflexão que recebi por correio eletrónico, de autor que desconheço e que, como habitualmente, adaptei ao meu estilo

Uma jovem estava a espera de seu voo, na sala de embarque de um grande aeroporto. Como deveria esperar várias horas, resolveu comprar um livro para passar o tempo. Comprou também um pacote de biscoitos. Sentou-se numa poltrona, na sala VIP do aeroporto, para poder descansar e ler em paz. Ao lado da poltrona estava uma mesa. do outro lado da mesa, havia outra poltrona, onde se sentou um homem, que abriu uma revista e começou a ler. Na mesa entre as duas poltronas, aberto, estava o saco de biscoitos.

Quando ela pegou no primeiro biscoito, o homem também tirou um. Sentiu-se indignada mas não disse nada. Apenas pensou:

“Mas que atrevido! Se eu estivesse com disposição dava-lhe uma desanda, para que ele nunca mais se esquecesse deste atrevimento!”

A cada biscoito que ela pegava, o homem também tirava um. Aquilo foi-a deixando cada vez mais indignada, mas não conseguia reagir.

Quando restava apenas um biscoito, ela pensou:

“Ah... o que vai esse abusador fazer agora?”

Então, o homem dividiu o último biscoito ao meio, deixando a outra metade para ela. Ah! Aquilo era demais! Ela bufava de raiva!

Então, pegou no livro e no resto das suas coisas e dirigiu-se para a porta de embarque.

Quando se sentou confortavelmente numa cadeira, já no interior do avião, olhou para dentro da bolsa para tirar os óculos. Para sua grande surpresa, viu intacto o pacote de biscoitos que tinha comprado!

Sentiu imensa vergonha! Percebeu que quem estava errada era ela... Tinha-se esquecido que tinha guardado os biscoitos na sua bolsa. O homem tinha dividido os biscoitos dele com ela, sem se sentir indignado, nervoso ou revoltado. Entretanto ela tinha ficado muito transtornada, pensando estar a dividir os biscoitos dela com ele. E já não havia ocasião para se explicar... nem pedir desculpa!


Esta historieta ilustra-nos dois erros que devemos evitar. O primeiro, pensar o pior do próximo, sem suficientes elementos para tal. Tirar conclusões precipitadas e, portanto, ser injusto. O segundo, não esclarecer as questões, não pôr os pontos nos iis quando necessário.

Se a jovem da história não tivesse esquecido onde pusera o saco de biscoitos que adquirira, se não tivesse tirado a precipitada conclusão de que era o parceiro do lado que comia do saco dela, em vez de ser ela a retirar biscoitos do saco dele, não teria motivos para, mais tarde, se sentir envergonhada.

Mas também se tivesse, calmamente, sem necessidade de cenas ou incómodos, pedido explicações ao estranho sobre o que se estava a passar, rapidamente teria ficado esclarecida sobre o seu engano e a situação poderia ter sido ultrapassada, sem motivos para se sentir, posteriormente, envergonhada.

Há ainda, afinal, uma terceira lição. Por muitos erros que cometamos na vida, por vezes também temos a sorte de encontrar pessoas desinteressadas, complacentes e pacientes perante os nossos erros. E, apesar de errados, o nosso erro é tolerado. Reconheçamos isso! Apreciemos essa circunstância! Retribuamos esse facto e sejamos, por nosso lado, também desinteressados, complacentes, pacientes e tolerantes.

É de pequenos gestos, de simples princípios e hábitos que cada um de nós constrói a sua própria felicidade e viabiliza o máximo de felicidade à sua volta.

Rui Bandeira

06 novembro 2008

Da Maçonaria teísta à Maçonaria deísta (II)

A Maçonaria começou por ser como toda a vivência religiosa era na Europa Medieval: teísta. Com o advento da Maçonaria Especulativa e o progressivo controlo das Lojas pelos maçons aceites, não operativos, sob as influências do Iluminismo e do Racionalismo, tal como na sociedade em geral também na Maçonaria aparece o deísmo. Só que em Maçonaria é muito importante a postura do Homem perante o Divino. É essencial. É constituinte do ideário maçónico. O deísmo não se limita a aparecer na Maçonaria. Irrompe. Jorra. Molda-a.

A Maçonaria original, operativa, era essencialmente cristã. Na Europa esse era o pensamento religioso largamente dominante. Para além deste, existia apenas o judaísmo, minoritário e simplesmente tolerado. As vezes, pouco. Nalguns locais (na Península Ibérica, por exemplo), nada.

Todos os textos primitivos maçónicos espelham a doutrina cristã. Mesmo as Constituições de Anderson o mostram. Na redação original dos Landmarks, os princípios enformadores da Maçonaria, não se faz referência a Volume da Lei Sagrada, menciona-se, clara e diretamente, a Holy Bible, a Bíblia Sagrada.

Com o advento do pensamento deísta e a sua inegável influência na Maçonaria, a conceção desta como tributária da religião cristã é substituída por uma muito mais abrangente conceção como tributária da "Religião com a qual todos os homens concordam" (expressão, aliás, já constante nas Constituições de Anderson). Este mais abrangente entendimento inelutavelmente que levou a uma certa descristianização da Maçonaria. Se esta era o ponto de confluência de todos os crentes de todas as religiões, a plataforma mínima de entendimento de todos, a "religião com a qual todos concordam", então não se podia impor aos não-cristãos as preces cristãs, por exemplo.

A Primeira Grande Loja de Londres, instituída em 1717, estabeleceu o princípio deísta na Maçonaria.

Outros maçons, respeitadores da sua tradição, vinda da Maçonaria Operativa, discordaram dessa evolução e constituíram a Grande Loja dos Ancients (Antigos), apelidando os da Grande Loja de Londres de serem, erradamente, no seu ponto de vista, Moderns (Modernos).

Foi da tensão entre estas duas conceções da Maçonaria, uma declaradamente teísta, na esteira operativa, e outra assumidamente deísta, foi dos debates entre uma e outra, que se forjou a Maçonaria Moderna.

A Grande Loja dos Antigos, decisivamente influenciada por Lawrence Dermott, autor da compilação que constituía o conjunto de textos essenciais dos Antigos, o Ahiman Rezon, incluía nos seus rituais uma oração para ser dita pelos cristãos, onde se pedia a Deus, designadamente:
Dote-os (os novos Maçons), com a competência da sua Divina Sabedoria para que eles possam, com os Segredos da Maçonaria ser capazes de entender os Mistérios da Santidade do Cristianismo.

Os Antigos verberavam os Modernos por estes descristianizarem o ritual; os Modernos defendiam a inclusividade da Maçonaria a todos os crentes, qualquer que fosse a sua religião pessoal, qualquer que fosse a sua conceção do Criador.

Com a união das duas Grandes Lojas rivais, em 1813, na Grande Loja Unida de Inglaterra, venceu a conceção deísta da Maçonaria.

Portanto, hoje pode com correção afirmar-se que a Maçonaria é deísta. Deísta, porque, ao abrigo do princípio da assunção do Divino através da Razão, admite no seu seio todos os crentes, não apenas os que originalmente nela eram admitidos (cristãos). Deísta, porque ponto de encontro, denominador comum de todos os crentes, respeitando a crença individual de cada um. Neste sentido, deísta, porque não apenas cristã.

O primeiro judeu iniciado foi-o numa Loja de Londres, em 1732: Edward Rose. Só mais tarde vieram a ser iniciados Muçulmanos e depois seguidores de outras religiões.

Maçonaria deísta é, pois, a Maçonaria hoje correntemente aplicada, que aceita no seu seio crentes de todas as religiões. Não quer isto dizer que renegue a sua origem cristã. Não o faz. Designadamente, mantém, em especial em alguns dos Altos Graus, graus especificamente cristãos. Mas, mesmo esses, um não cristão que a eles queira aceder e não se sinta desconfortável com o ideário cristão neles expresso, pode recebê-los.

Uma última nota: quando se diz que a Maçonaria é deísta, não se pretende dizer, nem se aceita, que se destina exclusivamente a deístas. Porque apenas se exige crença num Criador, sendo despicienda qual é E COMO A ELA SE CHEGOU, na Maçonaria convivem fácil e proveitosamente deístas e teístas. Seja qual for a sua religião.

Também em Maçonaria a evolução se fez do teísmo para o deísmo, numa perspetiva de inclusão, nunca de exclusão. Por isso, a Maçonaria Moderna é deísta, sem prejuízo de ter no seu seio - e muito confortavelmente - muitos teístas. Porque ser, individualmente, teísta, deísta, católico, luterano, anglicano, calvinista, evangélico, judeu, muçulmano, hindu, etc., etc., etc. e ainda etc., desde que crente, é absolutamente indiferente!

Rui Bandeira

05 novembro 2008

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 - Base XVIII


BASE XVIII

DO APÓSTROFO

1º) São os seguintes os casos de emprego do apóstrofo:

a) Faz-se uso do apóstrofo para cindir graficamente uma contração ou aglutinação vocabular, quando um elemento ou fração respetiva pertence propriamente a um conjunto vocabular distinto: d’Os Lusíadas, d’Os Sertões; n ‘Os Lusíadas, n ‘Os Sertões; pel’ Os Lusíadas, pel’ Os Sertões. Nada obsta, contudo, a que estas escritas sejam substituídas por empregos de preposições íntegras, se o exigir razão especial de clareza, expressividade ou ênfase: de Os Lusíadas, em Os Lusíadas, por Os Lusíadas, etc.

As cisões indicadas são análogas às dissoluções gráficas que se fazem, embora sem emprego do apóstrofo, em combinações da preposição a com palavras pertencentes a conjuntos vocabulares imediatos: a A Relíquia, a Os Lusíadas (exemplos: importância atribuída a A Relíquia; recorro a Os Lusíadas). Em tais casos, como é óbvio, entende-se que a dissolução gráfica nunca impede na leitura a combinação fonética: a A = à, a Os = aos, etc.

b) Pode cindir-se por meio do apóstrofo uma contração ou aglutinação vocabular, quando um elemento ou fração respetiva é forma pronominal e se lhe quer dar realce com o uso de maiúscula: d’Ele, n’Ele, d’Aquele, n’Aquele, d’O, n’O, pel’O, m’O, t’O, lh’O, casos em que a segunda parte, forma masculina, é aplicável a Deus, a Jesus, etc.; d’Ela, n’Ela, d’Aquela, n’Aquela, d’A, n’A, pel’A, tu‘A, t’A, lh’A, casos em que a segunda parte, forma feminina, é aplicável à mãe de Jesus, à Providência, etc. Exemplos frásicos: confiamos n’O que nos salvou; esse milagre revelou-m’O; está n’Ela a nossa esperança; pugnemos pel’A que é nossa padroeira.

À semelhança das cisões indicadas, pode dissolver-se graficamente, posto que sem uso do apóstrofo, uma combinação da preposição a com uma forma pronominal realçada pela maiúscula: a O, a Aquele, a Aquela (entendendo-se que a dissolução gráfica nunca impede na leitura a combinação fonética: a O = ao, a Aquela = àquela, etc.). Exemplos frásicos: a O que tudo pode: a Aquela que nos protege.

c) Emprega-se o apóstrofo nas ligações das formas santo e santa a nomes do hagiológio, quando importa representar a elisão das vogais finais o e a: Sant'Ana, Sant’Iago, etc. É, pois, correto escrever: Calçada de Sant’Ana. Rua de Sant’Ana; culto de Sant’Iago, Ordem de Sant’Iago. Mas, se as ligações deste género, como é o caso destas mesmas Sant’Ana e Sant’Iago, se tornam perfeitas unidades mórficas, aglutinam-se os dois elementos: Fulano de Santana, ilhéu de Santana, Santana de Parnaíba; Fulano de Santiago, ilha de Santiago, Santiago do Cacém. Em paralelo com a grafia Sant’Ana e congéneres, emprega-se também o apóstrofo nas ligações de duas formas antroponímicas, quando é necessário indicar que na primeira se elide um o final: Nun’Álvares, Pedr’Eanes.

Note-se que nos casos referidos as escritas com apóstrofo, indicativas de elisão, não impedem, de modo algum, as escritas sem apóstrofo: Santa Ana, Nuno Álvares, Pedro Álvares, etc.

d) Emprega-se o apóstrofo para assinalar, no interior de certos compostos, a elisão do e da preposição de, em combinação com substantivos: borda-d’água. cobra-d’água, copo-d’água, estrela-d’alva, galinha-d’água, màe-d’água, pau-d’água, pau-d’alho, pau-d’arco, pau-d’óleo.

2º) São os seguintes os casos em que não se usa o apóstrofo:

Não é admissível o uso do apóstrofo nas combinações das preposições de e em com as formas do artigo definido, com formas pronominais diversas e com formas adverbiais (excetuado o que se estabelece nas alíneas 1º) a) e 1º) b) ). Tais combinações são representadas:

a) Por uma só forma vocabular, se constituem, de modo fixo, uniões perfeitas:

i) do, da, dos, das; dele, dela, deles, delas; deste, desta, destes, destas, disto; desse, dessa, desses, dessas, disso; daquele, daquela, daqueles, daquelas, daquilo; destoutro, destoutra, destoutros, destoutras; dessoutro, dessoutra, dessoutros, dessoutras; daqueloutro, daqueloutra, daqueloutros, daqueloutras; daqui; daí; dali; dacolá; donde; dantes (= antigamente);

ii) no, na, nos, nas; nele, nela, neles, nelas; neste, nesta, nestes, nestas, nisto; nesse, nessa, nesses, nessas, nisso; naquele, naquela, naqueles, naquelas, naquilo; nestoutro, nestoutra, nestoutros, nestoutras; nessoutro, nessoutra, nessoutros, nessoutras; naqueloutro, naqueloutra, naqueloutros, naqueloutras; num, numa, nuns, numas; noutro, noutra, noutros, noutras, noutrem; nalgum, nalguma, nalguns, nalgumas, nalguém.

b) Por uma ou duas formas vocabulares, se não constituem, de modo fixo, uniões perfeitas (apesar de serem correntes com esta feição em algumas pronúncias): de um, de uma, de uns, de umas, ou dum, duma, duns, dumas; de algum, de alguma, de alguns, de algumas, de alguém, de algo, de algures, de alhures, ou dalgum, dalguma, dalguns, dalgumas, dalguém, dalgo, dalgures, dalhures; de outro, de outra, de outros, de outras, de outrem, de outrora, ou doutro, doutra, doutros, doutras, doutrem, doutrora; de aquém ou daquém; de além ou dalém; de entre ou dentre.

De acordo com os exemplos deste último tipo, tanto se admite o uso da locução adverbial de ora avante como do advérbio que representa a contração dos seus três elementos: doravante.

Obs.: Quando a preposição de se combina com as formas articulares ou pronominais o, a, os, as, ou com quaisquer pronomes ou advérbios começados por vogal, mas acontece estarem essas palavras integradas em construções de infinitivo, não se emprega o apóstrofo, nem se funde a preposição com a forma imediata, escrevendo-se estas duas separadamente: afim de ele compreender; apesar de o não ter visto; em virtude de os nossos pais serem bondosos; o facto de o conhecer; por causa de aqui estares.


Quem diria que o modesto e semi-esquecido apóstrofo tinha direito a uma tão detalhada Base no Acordo Ortográfico?

Tanto quanto me apercebo, esta Base mantém a prática já anteriormente estabelecida.

De tudo o que ela contém, chamou-me a atenção o composto copo-d'água (habituei-me a escrever a expressão "copo de água").

Também noto com curiosidade o composto estrela-d'alva. Existe, subordinada ao GOL, uma Loja Estrela d'Alva. Mas, tanto quanto me apercebi, esta denominação é ali utilizada sem hífen.

Rui Bandeira

04 novembro 2008

Da Maçonaria teísta à Maçonaria deísta (I)

Definido o que se deve entender por deísmo e por teísmo, estamos então em condições de indagar se existe uma Maçonaria teísta e uma Maçonaria deísta, quais os significados destas expressões e as diferenças entre elas.

Na época da Maçonaria Operativa, não havia discussões na Europa. Era-se cristão ou judeu e ponto final. A religião entrava na vida de cada indivíduo, não através de uma busca racional, mas como uma caraterística essencial. E a religião era o que os responsáveis da Igreja diziam que era. Analisar questões teológicas era encargo de muito poucos de entre os pouquíssimos que sabiam ler e escrever. A grande massa dos Povos tinha a religião do Estado onde se encontrava ou do senhor a quem servia. Não era, sequer, uma questão de escolha. Era de sobrevivência. Literalmente falando. Não se punha, pois, a questão de se ser deísta ou teísta. O conceito de deísmo nem sequer existia. Todos eram teístas, porque todos eram crentes. E quem não fosse, calava e fingia sê-lo, se queria continuar integrado na sociedade, vivo e de boa saúde...

Na Europa de então, opções religiosas havia duas: o cristianismo (primeiro apenas sob a batuta do papa de Roma; depois, com a Reforma, com dois grandes campos de escolha: o catolicismo ou, com diversas variantes, o que se convencionou chamar de protestantismo) e o judaísmo, aquele amplamente maioritário.

Todos os maçons eram, por definição, crentes. E cristãos. A Maçonaria Operativa, como instituição eminentemente profissional, não destoava do resto das instituições existentes. E todos eram teístas. Nem se concebia que pudesse ser diferente!

O tempo e a evolução social, porém, vieram a alterar esta situação.

A partir de finais do século XVI, inícios do século XVII, gradualmente as Lojas maçónicas operativas começaram a admitir elementos não integrantes da profissão de construtores em pedra. Foram senhores que mandavam construir igrejas e contratavam e pagavam, para esse efeito, os oficiais construtores, exercendo sobre estes manifesta influência económica, que demonstravam interesse em compartilhar dos segredos da Arte Real da construção, foram influentes cavalheiros ou nobres que assumiam o papel de protetores das corporações de maçons, enfim, a pouco e pouco foram sendo Aceites não construtores nas Lojas. E as Lojas passaram a ser locais de congregação de maçons livres e aceites. Maçons livres, os oficiais construtores que não dependiam de senhores, que eram livres de trabalhar e exercer o seu ofício onde quisessem e pudessem. Maçons aceites, aqueles que, não sendo oficiais construtores, tinham sido aceites no seio das Lojas.

Os maçons aceites eram mais letrados do que os maçons livres. Uma vez inteirados dos segredos da arte de construir - particularmente as técnicas ancestrais aplicando princípios geométricos -, tinham a vantagem competitiva da sua maior instrução, do seu mais profundo e alargado conhecimento, da sua maior influência social. A pouco e pouco, os maçons aceites foram-se sobrepondo aos maçons livres, quer em número, quer na condução dos destinos das Lojas, quer na escolha dos trabalhos de Loja, dos ensinamentos a transmitir em Loja. E, ao longo de pouco mais de um século, a Maçonaria transformou-se de Operativa em Especulativa, de simples agremiação de construtores em instituição de discussão livre, de especulação filosófica, de aperfeiçoamento moral e não já de mera aprendizagem profissional.

Paralelamente, vivem-se os tempos do Iluminismo, da emergência do racionalismo, da popularização das ideias de Kant, de Locke, de muitos outros. A Royal Society, sociedade dedicada ao avanço e divulgação das ciências é constituída e muitos dos seus fundadores e elementos impulsionadores são maçons aceites.

Por outro lado, viveram-se e ainda estão bem inseridos na memória coletiva britânica tempos de profundos e dolorosos conflitos políticos e religiosos. Stuarts contra Oranges e depois Hanovers, católicos contra anglicanos, jacobinos contra realistas. Viveram-se na Grã-Bretanha tempos revolucionários, lutas ferozes e sangrentas, prisões e decapitações, que em nada ficaram a dever à mais famosa das Revoluções, a Revolução Francesa. De tudo isto, acabou por resultar o fim do Estado Confessional, a aceitação, primeiro tímida, depois crescentemente consensual, da Liberdade de Religião. O Homem podia já pensar sobre os fundamentos da sua crença. E fê-lo.

A postura de cada um em face do Divino já não dependia exclusivamente da aceitação da Revelação das Escrituras e dos ensinamentos dos profetas e ministros religiosos. Kant indicou o caminho, os acontecimentos romperam o dique e muitos foram progressivamente percorrendo a vereda da descoberta do divino através da Razão. Já não havia apenas o caminho exclusivo da Fé para a Crença. Outro também se abriu, o caminho da Razão. Já não havia só teísmo, também apareceu e autonomizou-se o deísmo.

Através do seu desassossego intelectual, os maçons aceites não se limitaram a "colonizar" a Maçonaria Operativa e a transformá-la em Maçonaria Especulativa. Também na Maçonaria introduziram os princípios e o conceito do deísmo. Sobre uma pré-existente Maçonaria teísta construíram uma Maçonaria deísta. Num dos próximos textos, espero conseguir explicar como.

Rui Bandeira

03 novembro 2008

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 - Base XVII



BASE XVII

DO HÍFEN NA ÊNCLISE, NA TMESE E COM O VERBO HAVER

1º) Emprega-se o hífen na ênclise e na tmese: amá-lo, dá-se, deixa-o, partir-lhe; amá-lo-ei, enviar-lhe-emos.

2º) Não se emprega o hífen nas ligações da preposição de às formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, hão de, etc.

Obs.:1. Embora estejam consagradas pelo uso as formas verbais quer e requer, dos verbos querer e requerer, em vez de quere e requere, estas últimas formas conservam-se, no entanto, nos casos de ênclise: quere-o(s), requere-o(s). Nestes contextos, as formas (legítimas, aliás) qué-lo e requé-lo são pouco usadas.

2. Usa-se também o hífen nas ligações de formas pronominais enclíticas ao advérbio eis (eis-me, ei-lo) e ainda nas combinações de formas pronominais do tipo no-lo, vo-las, quando em próclise (por ex.: esperamos que no-lo comprem).

Antes de mais, impõe-se "traduzir" para "linguagem de gente" alguns termos técnicos.

Ênclise - é a colocação dos pronomes oblíquos átonos depois do verbo (pronomes oblíquos átonos: me, te, se, o, a, lhe, nos, vos, os, as, lhes). Exemplos: dá-me, veste-te, foi-se, ama-o, tira-a, atira-lhe, diz-nos, trago-vos, limpa-as, faz-lhes.

Tmese - Figura que divide o verbo para lhe intercalar o pronome como em dir-te-ei, dar-lho-ia, etc. Separação de dois elementos de uma palavra, pela intercalação de uma ou várias outras palavras. (Lello Prático Ilustrado).

Próclise - colocação dos pronomes oblíquos átonos antes do verbo. Exemplo: Queres a verdade? Aqui a tens!

Esta Base introduz uma relevante alteração em relação à prática de escrita anterior: deixa de se se usar hífen entre as formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver (hei, hás, há, hão) e a preposição de subsequente. Desaparece assim o hei-de, hás-de, há-de, hão-de e passa-se a escrever: Amanhã hei de ir fazer um piquenique com os teus pais. Hás de ir connosco. Há de ser um dia agradável. Os teus pais hão de apreciar.

No mais, mantém-se o que já se praticava.

Rui Bandeira

31 outubro 2008

Pontuação

Hoje trago-vos duas variantes do tema "diferentes pontos de vista". O primeiro reconheço-o como ajustado. Sendo advogado, há muitos anos que estou habituado a que, nos pleitos judiciais existam, pelo menos, três verdades - e, infelizmente mais vezes do que seria desejável, quatro. O segundo é um trocadilho com alguma piada e que serve para bem ilustrar a moral tirada. Obtive ambos através de uma mensagem de correio eletrónico recebida do Brasil.

Um professor de Direito dizia o seguinte:

Todos os processos têm quatro verdades.

1 - A verdade do seu cliente, que você irá defender.

2 - A verdade da outra parte, que o outro advogado irá defender.

3 - A verdade do juiz, que a terá com base no que os advogados conseguiram convencê-lo, e perpetuará (sentença).

4 - A verdade verdadeira, o que realmente aconteceu de facto !!!!!!!

Resultado:

A verdade está em acreditar naquilo que julgamos ser verdade, e cada indivíduo tem a sua, com base no seu caráter, educação e meio no qual vive. Pontue a sua vida!

E agora a segunda historieta:

Um homem rico estava muito mal, agonizando. Pediu papel e caneta. Escreveu assim:

'Deixo os meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta do padeiro nada dou aos pobres.'

Morreu antes de fazer a pontuação. A quem deixou a fortuna?

Eram quatro concorrentes.

1) O sobrinho fez a seguinte pontuação:

Deixo os meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

2) A irmã chegou em seguida. Pontuou assim o escrito:

Deixo os meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

3) O padeiro pediu cópia do original. Puxou a brasa para a sardinha dele:

Deixo os meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro. Nada dou aos pobres.

4) Aí, chegaram os descamisados da cidade. Um deles, sabido, fez esta interpretação:

Deixo os meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do padeiro? Nada! Dou aos pobres.

Moral da história:

Assim é a vida. Pode ser interpretada e vivida de diversas maneiras. Nós é que colocamos os pontos. E isso faz toda a diferença. Pontue
corretamente sua vida, para não dar margem a erros de interpretação.


Quantos mal-entendidos proporcionamos por termos descurado pontuar devidamente as nossas ideias? E, no entanto, somos nós que somos responsáveis por deixar claro o que pensamos! Se os outros interpretarem mal o que dissemos, o erro foi nosso, não deles. Cabe-nos a nós garantir que as nossas intenções são bem percebidas.

Quando chegamos a um novo local, quando nos integramos num novo grupo, devemos ter em consideração a forma como esse grupo comunica entre si, o significado que atribui a expressões e comportamentos. Nem sempre é o mesmo a que estamos habituados. Nem sempre é fácil discernir. E somos nós que temos de nos adaptar ao ambiente, não é este que se adapta a nós...

Por isso, assisada é a postura da Maçonaria quando exige que os novos que entram na Loja e na Obediência sigam um período alargado de silêncio. Para que observem, além do mais, a forma e os códigos de comunicação praticados pelo grupo. para que tenham tempo de os identificar e saibam utilizá-los. Para que, quando falarem, não haja erros (ou haja o mínimo possível de erros) na interpretação do que se quis dizer e do que se pensa e é.

É certo que só em reunião formal vigora esta regra do silêncio. Mas avisado andará o neófito se também fora de reunião se resguardar, se ouvir mais do que falar, se corresponder mais do que sugerir. Terá tempo de se adaptar e não correrá o risco de ser mal interpretado, de a sua postura ou as suas ações serem tidas pelo que não são. A ânsia de se mostrar útil é compreensível, mas pode ser mal interpretada, como desejo de se destacar, de reconhecimento. E isso pode conduzir a mal-entendidos que dificultem o pretendido: uma boa integração. Afinal de contas, dar tempo ao tempo é essencial para que o recém-chegado conheça o grupo, mas também para que o grupo conheça o recém-chegado. E atrás de tempo, tempo vem...

Por outro lado, quando já estamos num grupo e acolhemos um novo elemento, devemos redobrar a nossa tolerância e evitar primeiros juízos, baseados em impressões que podem ser enganadoras. Os códigos de conduta a que estamos habituados ainda não foram apreendidos pelo recém-chegado. A vontade deste de se integrar bem e depressa pode dar-nos falsa impressão de gosto por protagonismo, afinal inexistente. Somos nós , os que acolhemos, quem tem de evitar juízos precipitados. e, no fundo, os responsáveis pela harmoniosa integração do recém-chegado. Se essa falhar, não foi ele quem falhou, fomos nós!

Portanto, pontuemos sempre a nossa vida, as nossas ações e as nossas palavras para não sermos mal interpretados. E tenhamos cautela na apreciação das palavras e ações dos outros, particularmente daqueles que ainda não conhecemos bem, para evitar interpretá-las mal e cometer injustiças.

Rui Bandeira

30 outubro 2008

Deísmo, teísmo, ateísmo

Em peças anteriores, procurei chegar às definições de deísmo e teísmo, resultando, por contraste, também a de ateísmo. Hoje, pretendo relacionar estes conceitos.

Recordemos primeiro as definições que se utilizarão, para que se saiba sempre do que se está a falar:

Deísmo - posição filosófica que pretende enfrentar a questão da existência de Deus, através da razão, em lugar dos elementos comuns das religiões teístas tais como a "revelação divina", os dogmas e a tradição.

Teísmo - posição que resulta da crença na existência de Deus através da fé, designadamente por via da crença na Revelação em textos sagrados e ou nas profecias de portadores de mensagens tidas como oriundas da Divindade.

Ateísmo - posição que postula a inexistência de Deus.

Em termos de oposição polarizada, ateísmo opõe-se a teísmo e deísmo. Quem postula a inexistência de Deus insanavelmente se opõe a quem postula a sua existência, seja pela fé, seja pela razão.

Entre teísmo e deísmo não existe uma relação de género - espécie, segundo o qual aquele contém este e este é uma das modalidades daquele.

Partilhando um elemento fundamental - a crença em Deus - teísmo e deísmo não são opostos entre si. Também não se relacionam em termos de um conter o outro. São, no entanto, conceitos manifestamente diferentes. Como se relacionam então entre si? E algumas destas posições partilha algo com o ateísmo? O quê?

Na minha opinião, existe uma relação de derivação, de acrescento, de evolução. A questão coloca-se entre crença (fé) e razão. Entre acreditar para além de ou sem evidência e acreditar em resultado de evidência. Entre instinto e raciocínio.

Quer em termos de Humanidade, quer em termos individuais, o instinto é um elemento básico de sobrevivência. Há muitas coisas que fazemos porque estamos geneticamente programados para o fazer. Não se pensa nisso.

Desde os primórdios dos tempos que a Humanidade se confrontou com o mistério da existência do Universo e da Vida. E não o consegue decifrar. Se hoje a Ciência nos esclarece sobre a forma como a Vida evoluiu e evolui, se nos fornece uma teoria sobre como evoluiu o Universo, desde o que se costuma designar por Big Bang, ainda não nos consegue elucidar sobre a Força que causou esse Big Bang e, portanto, esclarecer-nos como de nada se fez tudo. Relativamente à origem do Universo, hoje a ciência pode dizer-nos, com razoável acerto, o que e o quando, mas não consegue (ainda?) elucidar-nos sobre o como e muito menos sequer arranhar o porquê nem o para quê...

No entanto, este mistério primordial sempre preocupou e estimulou a curiosidade da Humanidade. Que, não podendo saber, inventou e acreditou, mas também especulou, analisou e racionalmente concluiu. Uns que não existia Divindade, porque nenhuma prova da sua existência descortinam. Outros concluindo que o próprio problema é a prova da existência de algo superior, de uma Força Criadora, em suma, de Deus.

Deísmo e ateísmo partilham entre si a Razão. Só que, pela Razão, chegam a conclusões opostas...

Deísmo e teísmo partilham entre si a Crença. Só que o teísmo prescinde da Razão para obter a Crença e aquele obtém esta em resultado daquela.

Deístas e ateus utilizam o mesmo meio de se transportarem, mas chegam a destinos diferentes.

Deístas e teístas usam diferentes meios para viajarem, mas chegam ao mesmo destino.

O teísta crê e, porque crê, racionaliza essa crença.

O deísta usa a razão e chega à crença.

Historicamente, ouso dizê-lo, primeiro a Humanidade, as sociedades, os indivíduos foram teístas. Depois, alguns dos indivíduos, partes das sociedades e da Humanidade, evoluíram para o deísmo, não se conformando em acreditar, procurando e obtendo fundamento racional para a crença.

Embora em termos lógicos, para o deísta a razão preceda a fé, em termos cronológicos, a fé precedeu a razão.

Daí a minha afirmação de que o deísmo é uma evolução do teísmo. Daí que, na minha maneira de ver, não exista uma oposição entre teísmo e deísmo, mas uma evolução de teísmo para deísmo.

No teísmo existe fé. No deísmo existe fé e razão. Aquela criando a necessidade da intervenção desta. Esta fundamentando a existência daquela.

É com base nestas considerações que, finalmente, poderei chegar onde, desde o princípio queria chegar: procurar definir e relacionar entre si Maçonaria Deísta e Maçonaria Teísta, sem esquecer que existem também aqueles que se reclamam de integrarem uma Maçonaria que não será nem deísta, nem teísta, nem ateia, antes a reclamam de ser universal (ou liberal). Mas isso ficará para um próximo escrito.

Rui Bandeira

29 outubro 2008

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 - Base XVI


BASE XVI

DO HÍFEN NAS FORMAÇÕES POR PREFIXAÇÃO, RECOMPOSIÇÃO E SUFIXAÇÃO

1º) Nas formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-, super-, supra-, ultra-, etc.) e em formações por recomposição, isto é, com elementos não autónomos ou falsos prefixos, de origem grega e latina (tais como: aero-, agro-, arqui-, auto-, hio-, eletro-, geo-, hidro-, inter-, macro-, maxi-, micro-, mini-, multi-, neo-, pan-, pluri-, proto-, pseudo-, retro-, semi-, tele-, etc.), só se emprega o hífen nos seguintes casos:

a) Nas formações em que o segundo elemento começa por h: anti-higiénico/anti-higiênico, circum-hospitalar, co-herdeiro, contra-harmónico/contra-harmônico, extra-humano, pré-história, sub-hepático, super-homem, ultra-hiperbólico; arqui-hipérbole, eletro-higrómetro, geo-história, neo-helénico/neo-helênico, pan-helenismo, semi-hospitalar.

Obs.: Não se usa, no entanto, o hífen em formações que contêm em geral os prefixos des- e in- e nas quais o segundo elemento perdeu o h inicial: desumano, desumidificar, inábil, inumano, etc.

b) Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina na mesma vogal com que se inicia o segundo elemento: anti-ibérico, contra-almirante, infra-axilar, supra-auricular; arqui-irmandade, auto-observação, eletro-ótica, micro-onda, semi-interno. Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.

c) Nas formações com os prefixos circum- e pan-, quando o segundo elemento começa por vogal, m ou n (além de h, caso já considerado atrás na alínea a): circum-escolar, circum-murado, circum-navegação; pan-africano, pan-mágico, pan-negritude.

d) Nas formações com os prefixos hiper-, inter- e super-, quando combinados com elementos iniciados por r: hiper-requintado, inter-resistente, super-revista.

e) Nas formações com os prefixos ex- (com o sentido de estado anterior ou cessamento), sota-, soto-, vice- e vizo-: ex-almirante, ex-diretor, ex-hospedeira, ex-presidente, ex-primeiro-ministro, ex-rei; sota-piloto, soto-mestre, vice-presidente, vice-reitor, vizo-rei.

f) Nas formações com os prefixos tónicos/tônicos acentuados graficamente pós-, pré- e pró-, quando o segundo elemento tem vida à parte (ao contrário do que acontece com as correspondentes formas átonas que se aglutinam com o elemento seguinte): pós-graduação, pós-tónico/pós-tônicos (mas pospor); pré-escolar, pré-natal (mas prever); pró-africano, pró-europeu (mas promover).

2º) Não se emprega, pois, o hífen:

a) Nas formações em que o prefixo ou falso prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, devendo estas consoantes duplicar-se, prática aliás já generalizada em palavras deste tipo pertencentes aos domínios científico e técnico. Assim: antirreligioso, antissemita, contrarregra, contrassenha, cosseno, extrarregular, infrassom, minissaia, tal como hiorritmo, hiossatélite. eletrossiderurgia, microssistema, microrradiografia.

b) Nas formações em que o prefixo ou pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente, prática esta em geral já adotada também para os termos técnicos e científicos. Assim: antiaéreo, coeducaçao. extraescolar, aeroespacial, autoestrada, autoaprendizagem, agroindustrial, hidroelétrico, plurianual.

3º) Nas formações por sufixação apenas se emprega o hífen nos vocábulos terminados por sufixos de origem tupi-guarani que representam formas adjetivas, como açu, guaçu e mirim, quando o primeiro elemento acaba em vogal acentuada graficamente ou quando a pronúncia exige a distinção gráfica dos dois elementos: amoré-guaçu, anajá-mirim, andá-açu, capim-açu, Ceará-Mirim.


Como se verifica pela leitura desta Base e da anterior, o uso do hífen na escrita do português é bem mais complexo do que parece. E ainda falta uma terceira Base para esgotar o assunto...

A melhor forma de diminuir o número de erros é procurar memorizar as exceções do artigo 1.º (atenção, por exemplo, a que se escreve micro-ondas e não microondas, como por aí tenho visto...) e aplicar a regra do artigo 2.º, que constitui a grande alteração.

Façamos, pois um esforço de autoaprendizagem e habituemo-nos à minissaia (bem mais agradável, normalmente, do que a maxissaia...), indignemo-nos com o antissemita e passemos a circular pela autoestrada.

Rui Bandeira

28 outubro 2008

A decisão


Duas dezenas de homens numa sala fechada. Ambiente de concentração. Decisões a tomar. O projeto, já anteriormente decidido, já estava em andamento. Mas havia que acertar as regras do seu funcionamento. Era altura de decidir sobre essas regras. O que tinha sido proposto já todos sabiam. Noventa por cento concordava com tudo ou, pelo menos, não tinha objeções essenciais em relação ao projeto que se ia discutir. Dez por cento concordava com noventa por cento do projeto. Mas esses dez por cento tinha discordâncias quanto aos restantes dez por cento da proposta...

Parecia que não seria difícil resolver. A esmagadora maioria concordava e mesmo os que tinham discordâncias era em relação a uma ínfima parte do que se discutia.

Mas aqueles homens eram todos homens que pensavam pela sua cabeça. Privilegiavam a razão. Sabiam que nem sempre ser o maior número implica ter-se razão. Apreciavam o debate, a discussão, o sopesar de argumentos.

O debate começou. Os argumentos foram apresentados. Depois reforçados. Seguidamente esgrimidos. Um que outro, aqui e ali, mostrava entusiasmo na defesa do seu pensamento. Entusiasmo para um lado, entusiasmo para o outro, aquecia o debate entre 90 % e 10 % em relação a 10 % de discordância no meio de 90 % de concordância. Como se afinal metade pensasse branco e a outra metade apontasse negro.

Quando tão poucos discordam de tantos em relação a tão pouco, a discordância pode confundir-se com teimosia, quiçá obstinação. Quando tantos veem tão poucos a discordar em tão pouco, pode surgir a tentação de usar a força do número, a imposição da maioria. Afinal, democracia também é isso, o seguir da opção da maioria...

Mas um dos discordantes fundamentava que a sua discordância era de princípio, que até concordava com a solução, não admitia era que fosse estipulado que era obrigatória. Se assim fosse, sentiria violada a sua liberdade. Os noventa por cento consideravam que era um preciosismo, um excesso de sensibilidade. Mas pensaram de novo. Se havia quem sentisse que algo intoleravelmente feria a sua liberdade, resolver o problema era o mínimo que tinham a fazer. E, conversa daqui, puxa dacolá, tesourada à esquerda, ponto e linha à direita, lá se achou maneira de deixar claro que a regra era fazer assim, mas quem em cada momento em concreto se opusesse podia exigir assado. Ficou a regra e ficou salvaguardada a liberdade de cada um.

Depois, outro dos discordantes mostrava o seu desconforto em relação a outro ponto, à forma como se apresentava algo. Parecia a muitos um excesso de zelo, um receio demasiado, uma prudência excessiva. Mas, bem vistas as coisas, para quê arrastar um para algo que lhe parecia uma imprudência? A quase todos parecia que era prudência excessiva. Mas para quê impor ao prudente o desconforto do que ele considerava imprudência? De novo, todos pensaram melhor. E concluíram que, se o prudente não devia travar todos os demais, também todos os demais deviam atender ao temor deste. Ficou assim decidido que se avançaria de determinada maneira, mas que, especificamente em relação a quem achasse melhor que se fizesse de mais cautelosa forma, assim se procederia. E assim nem ninguém era travado, nem ninguém seguia a velocidade que considerava louca...

Já só faltava um detalhe, quase que só uma palavra. Mas aí uns achavam que sim e outros que não. Aos que achavam que sim, parecia-lhes que avançar sem algo não valia a pena. Os que achavam que não, esses entendiam que o algo era mesmo para não avançar. Aqui parecia não haver consenso possível, saída airosa, exceção exequível. Era sim ou não. Noventa por cento discordava de dez por cento quanto a meio por cento. Mas esse meio por cento constituía uma discordância insanável.

O consenso busca-se, mas não é um princípio sagrado. Sempre que é possível, deve obter-se consenso, mas, quando não é, decide a maioria. Esta a ideia que bailava na cabeça de todos. A votação estava iminente. A discussão já cansava. Eis então que voz respeitada, até então silenciosa, lembra que as mudanças não são aceites por todos ao mesmo tempo, que os novos hábitos são seguidos com maior dificuldade por uns do que por outros. E sugere que se dê tempo ao tempo. Para que quem receia tenha tempo e possibilidade de se habituar. E quiçá dissipar os seus receios. E de novo todos pensam melhor. E concluem que não há mal nenhum em só tomar a definitiva decisão, em relação ao último ponto em que não havia consenso, tempos mais tarde. Que entretanto se praticaria uma versão limitada e experimental do que muitos queriam e alguns rejeitavam, para se ver os resultados. E depois, mais tarde, se veria se as objeções permaneciam.

E assim se decidiu. E todos os homens saíram da sala fechada. E foram recuperar do esforço de tanto debater e discutir tomando em conjunto uma refeição. E, assim fazendo, de mil coisas conversaram. Menos do que tinham debatido. Isso já não era preciso. E já não havia noventa por cento nem dez por cento nem meio por cento. Eram todos. Como sempre foram. Como há muito tinham aprendido a ser, em mútuo e inabalável respeito mútuo. Porque um é tão importante como todos e todos têm a importância que cada um ao conjunto dá.

Chamam a estes homens maçons. Os que estão de fora temem a sua união. Eles constroem-na, acarinham-na, fabricam-na, dia a dia, momento a momento. Também quando discordam. Sobretudo quando discordam!

Rui Bandeira

27 outubro 2008

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 - Base XV


BASE XV

DO HÍFEN EM COMPOSTOS, LOCUÇÕES E ENCADEAMENTOS VOCABULARES

1º) Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido: ano-luz, arcebispo-bispo, arco-íris, decreto-lei, és-sueste, médico-cirurgião, rainha-cláudia, tenente-coronel, tio-avô, turma-piloto; alcaide-mor, amor-perfeito, guarda-noturno, mato-grossense, norte-americano, porto-alegrense, sul-africano; afro-asiático, afro-luso-brasileiro, azul-escuro, luso-brasileiro, primeiro-ministro, primeiro-sargento, primo-infeção, segunda-feira; conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva.

Obs.: Certos compostos, em relação aos quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, grafam-se aglutinadamente: girassol, madressilva, mandachuva, pontapé, paraquedas, paraquedista, etc.

2º) Emprega-se o hífen nos topónimos/topônimos compostos, iniciados pelos adjetivos grã, grão ou por forma verbal ou cujos elementos estejam ligados por artigo: Grã-Bretanha, Grão-Pará; Abre-Campo; Passa-Quatro, Quebra-Costas, Quebra-Dentes, Traga-Mouros, Trinca-Fortes; Albergaria-a-Velha, Baía de Todos-os-Santos, Entre-os-Rios, Montemor-o-Novo, Trás-os-Montes.

Obs.: Os outros topónimos/topônimos compostos escrevem-se com os elementos separados, sem hífen: América do Sul, Belo Horizonte, Cabo Verde, Castelo Branco, Freixo de Espada à Cinta, etc. O topónimo/topônimo Guiné-Bissau é, contudo, uma exceção consagrada pelo uso.

3º) Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: abóbora-menina, couve-flor, erva-doce, feijão-verde; benção-de-deus, erva-do-chá, ervilha-de-cheiro, fava-de-santo-inâcio, bem-me-quer (nome de planta que também se dá à margarida e ao malmequer); andorinha-grande, cobra-capelo, formiga-branca; andorinha-do-mar, cobra-d’água, lesma-de-conchinha; bem-te-vi (nome de um pássaro).

4º) Emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações: bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado; mal-afortunado, mal-estar, mal-humorado; bem-criado (cf. malcriado), bem-ditoso (cf. malditoso), bem-falante (cf malfalante), bem-mandado (cf. malmandado). bem-nascido (cf. malnascido) , bem-soante (cf. malsoante), bem-visto (cf. malvisto).

Obs.: Em muitos compostos, o advérbio bem aparece aglutinado com o segundo elemento, quer este tenha ou não vida à parte: benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença, etc.

5º) Emprega-se o hífen nos compostos com os elementos além, aquém, recém e sem: além-Atlântico, além-mar, além-fronteiras; aquém-fiar, aquém-Pireneus; recém-casado, recém-nascido; sem-cerimônia, sem-número, sem-vergonha.

6º) Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa). Sirvam, pois, de exemplo de emprego sem hífen as seguintes locuções:

a) Substantivas: cão de guarda, fim de semana, sala de jantar;

b) Adjetivas: cor de açafrão, cor de café com leite, cor de vinho;

c) Pronominais: cada um, ele próprio, nós mesmos, quem quer que seja;

d) Adverbiais: à parte (note-se o substantivo aparte), à vontade, de mais (locução que se contrapõe a de menos; note-se demais, advérbio, conjunção, etc.), depois de amanhã, em cima, por isso;

e) Prepositivas: abaixo de, acerca de, acima de, a fim de, a par de, à parte de, apesar de, aquando de, debaixo de, enquanto a, por baixo de, por cima de, quanto a;

f) Conjuncionais: afim de que, ao passo que, contanto que, logo que, por conseguinte, visto que.

7º) Emprega-se o hífen para ligar duas ou mais palavras que ocasionalmente se combinam, formando, não propriamente vocábulos, mas encadeamentos vocabulares (tipo: a divisa Liberdade-Igualdade-Fraternidade, a ponte Rio-Niterói, o percurso Lisboa-Coimbra-Porto, a ligação Angola-Moçambique, e bem assim nas combinações históricas ou ocasionais de topónimos/topônimos (tipo: Áustria-Hungria, Alsácia-Lorena, Angola-Brasil, Tóquio-Rio de Janeiro, etc.).


O uso do hífen é matéria tão complexa que ocupa três Bases do Acordo Ortográfico - estas e as duas seguintes. As regras agora fixadas, sendo complexas, constituem, no entanto, uma razoável simplificação em relação ao antecedente. Francisco Álvaro Gomes, na sua obra O Acordo Ortográfico, Edições Flumen, Porto Editora, 2008, elucida que a Base XXIX do Acordo Ortográfico de 1945 fixou, nada mais, nada menos, do que 99 critérios para o uso do hífen! Leram bem: 99!

Esta Base não prevê mudanças em relação ao antecedente. Iremos ver que não é assim nas Bases seguintes.

Rui Bandeira

24 outubro 2008

As nove respostas do sábio

Recebi há tempos uma mensagem de correio eletrónico com uma apresentação dedicada ao filósofo grego Tales de Mileto e à sua sabedoria. Não sei se a situação descrita existiu ou se se trata de uma situação imaginada e que a sabedoria atribuída a Tales de Mileto é afinal devida a desconhecido autor da história... Seja como for, seja real ou putativa a sabedoria atribuída a Tales, não deixa de ser sabedoria. E bem avisado anda aquele que lhe der atenção! Como de costume, o texto abaixo publicado foi editado por mim, tendo-lhe sido introduzidas alterações que tive por adequadas.

Tales de Mileto foi um filósofo grego, fundador da Escola Jónica, considerado como um dos 7 sábios da Grécia Antiga.

Matemático, astrónomo e um grande pensador, Tales de Mileto viajou para o Egito, onde realizou estudos e entrou em contato com os mistérios da religião egípcia. Ali realizou uma façanha incrível, para a época: o seu talento matemático era tão pouco comum, que conseguiu estabelecer com precisão a altura das pirâmides, apenas medindo a sombra que projetavam. Terá sido o primeiro a dar una explicação lógica,para a ocorrência dos eclipses. Aliás, é-lhe atribuída a previsão de um eclipse do Sol, no ano de 585 A.C.. Foi o primeiro a sustentar que a Lua brilhava pelo reflexo do Sol e determinou o número exato de dias de um ano. Destacou-se principalmente pelos seus trabalhos em filosofia e matemática. Nesta última ciência, são-lhe atribuídas as primeiras demonstrações de teoremas geométricos, mediante o raciocínio lógico. Foi por estes trabalhos que foi considerado o pai da Geometria.

Para provar que o seu conhecimento tinha utilidade prática, afirmou que num determinado ano, a colheita de azeitonas seria excecional e arrendou a maioria das refinarias de azeite de Mileto. Com esta manobra ganhou uma boa quantia, somente com o propósito de fazer calar os que diziam que a filosofia era um capricho dos ociosos.

Eis então a história.

Um sofista aproximou-se de Tales de Mileto e tentou confundi-lo com as perguntas mais difíceis de que foi capaz. Mas o sábio de Mileto estava a altura da prova, porque respondeu a todas as perguntas sem a menor vacilação, e com a maior exatidão.

1 – O que é mais antigo?

R.– DEUS, porque sempre existiu.

2 – O que é mais belo?

R.– O UNIVERSO, porque é a obra de Deus.

3 – Qual é a maior de todas as coisas?

R.– O ESPAÇO, porque contém tudo do Criador.

4 – O que é mais constante?

R.– A ESPERANÇA, porque permanece no homem, mesmo depois de ter perdido tudo.

5 – Qual é a melhor de todas as coisas?

R.– A VIRTUDE, porque sem ela não existiria nada de bom.

6 – Qual é a coisa mais rápida de todas?

R.– O PENSAMENTO, porque em menos de um minuto, nos permite voar até aos confins do Universo.

7 – Qual é a mais forte de todas as coisas?

R.– A NECESSIDADE, porque é com ela que o homem enfrenta todos os perigos da vida.

8 – O que é o mais fácil de tudo?

R.– Dar CONSELHOS.

Quando chegou a nona pergunta, este sábio deu uma resposta quiçá não entendida por seu mundano interlocutor. A pergunta foi esta:

9 – O que é o mais difícil ?

E o Sábio de Mileto replicou:

Conhecer-se a si mesmo.

Qualquer destas resposta é tão válida e tão sábia hoje como no tempo de Tales de Mileto. E, mesmo sendo a tarefa mais difícil, bem avisado anda aquele que procura, antes e acima de tudo, conhecer-se a si mesmo...

Rui Bandeira

23 outubro 2008

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 - Base XIV


BASE XIV

DO TREMA


O trema, sinal de diérese, é inteiramente suprimido em palavras portuguesas ou aportuguesadas. Nem sequer se emprega na poesia, mesmo que haja separação de duas vogais que normalmente formam ditongo: saudade, e não saüdade, ainda que tetrassílabo; saudar, e não saüdar, ainda que trissílabo; etc. Em virtude desta supressão, abstrai-se de sinal especial, quer para distinguir, em sílaba átona, um i ou um u de uma vogal da sílaba anterior, quer para distinguir, também em sílaba átona, um i ou um u de um ditongo precedente, quer para distinguir, em sílaba tónica/tônica ou átona, o u de gu ou de qu de um e ou i seguintes: arruinar, constituiria, depoimento, esmiuçar, faiscar, faulhar, oleicultura, paraibano, reunião; abaiucado, auiqui, caiuá, cauixi, piauiense; aguentar, anguiforme, arguir, bilíngue (ou bilingue), lingueta, linguista, linguístico; cinquenta, equestre, frequentar, tranquilo, ubiquidade.

Obs.: Conserva-se, no entanto, o trema, de acordo com a Base I, 3º, em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros: hübneriano, de Hübner, mülleriano, de Müller, etc.

Em Portugal, já há muitos anos que o trema tinha sido suprimido. Só agora, com o Acordo Ortográfico recentemente entrado em vigor, idêntica supressão ocorre no Brasil.

Tal como alguns intelectuais em Portugal se pronunciaram contra o Acordo Ortográfico, defendendo a manutenção da prioridade à etimologia sobre a fonética, também no Brasil alguns ilustres manifestaram discordância. Um dos polos desta, no Brasil foi precisamente a supressão do trema. João Ubaldo Ribeiro, grande escritor, apreciado em ambos os lados do Atlântico, chegou a clamar: Devolvam-me os meus tremas!

Em Portugal, os opositores do Acordo, sobretudo referindo a supressão das consoantes não pronunciadas, clamaram que este era uma cedência à norma de escrita brasileira. Porventura no Brasil alguns entenderão que a supressão do trema é uma cedência brasileira à norma de escrita lusa. Nem sequer discuto se, em qualquer caso, há ou não cedências. Mesmo que haja, não vejo qual o problema. Um Acordo é isso mesmo: cedências mútuas em relação às posições iniciais de forma a que se atinja uma posição conjunta.

Tal como em Portugal rapidamente se perceberá que as consoantes não pronunciadas não fazem falta nenhuma, também no Brasil não demorará muito a perder-se a nostalgia do trema, que um dia será lembrado como um exotismo semelhante ao ph que em tempos estava na pharmácia... E o trema vai passar a ser apenas coisa de alemão!

Rui Bandeira

22 outubro 2008

Hoje a música é...


Ele passa dias e dias que parece que não aparece.

Mas - como ele diz! - nunca anda longe.

Só escreve quando lhe apetece e está livre de bloqueios criativos.

Agora iniciou um novo projeto profissional e anda (ainda) mais ocupado.

Ultimamente deu-lhe para nos dar música - na Loja Mestre Affonso Domingues e aqui no blogue.

Ele é o José Ruah.

E hoje, 22 de Outubro, é o seu aniversário!

Portanto, hoje a música é outra!

Vá lá, cantem comigo: "Parabéns a você...".

Rui Bandeira

21 outubro 2008

A Festa dos Herois



Disse o Zé Ruah há 2 posts atrás que uma imagem vale mais do que mil palavras.

Sábias palavras de alguém, que ele lembrou e eu aproveito agora como balanço para Vos trazer alguns dos nossos herois, como dizia o outro, dos verdadeiros, dos bons...

Na 6ª feira passada o Presidente da República veio (escrevo veio naturalmente porque estou cá!) a Odivelas prestar homenagem à seleção nacional de parolímpicos que representou Portugal em Pequim, brilhantemente, sem terem sono pela manhã, nem complexos, nem nervosinho miudo.

E trouxeram 7 medalhas, sete (bonito número) !


Não são as medalhas que são importantes ?
Claro que são.
É ver o orgulho transbordante com que as mostram e as acariciam.
Não há palavras...

Mas é um grupo fabuloso ! A alegria é contagiante. Ninguém consegue ficar indiferente. Alguns já não se encontravam há algum tempo e a alegria natural juntou-se à emoção do reencontro.

Foi uma tarde linda, das que vale mesmo a pena viver e ver.

Tenho um filme feito que Vos trarei para aqui logo que esteja editado. Por agora ficam algumas fotos do encontro.














































Até breve com o filme !
JPSetúbal

20 outubro 2008

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 - Base XIII


BASE XIII

DA SUPRESSÃO DOS ACENTOS EM PALAVRAS DERIVADAS

1º) Nos advérbios em -mente, derivados de adjetivos com acento agudo ou circunflexo, estes são suprimidos: avidamente (de ávido), debilmente (de débil), facilmente (de fácil), habilmente (de hábil), ingenuamente (de ingênuo), lucidamente (de lúcido), mamente (de má), somente (de só), unicamente (de único), etc.; candidamente (de cândido), cortesmente (de cortês), dinamicamente (de dinâmico), espontaneamente (de espontâneo), portuguesmente (de português), romanticamente (de romântico).

2º) Nas palavras derivadas que contêm sufixos iniciados por z e cujas formas de base apresentam vogal tónica/tônica com acento agudo ou circunflexo, estes são suprimidos: aneizinhos (de anéis), avozinha (de avó), bebezito (de bebé), cafezada (de café), chepeuzinho (de chapéu), chazeiro (de chá), heroizito (de herói), ilheuzito (de ilhéu), mazinha (de má), orfãozinho (de órfão), vintenzito (de vintém), etc.; avozinho (de avô), bençãozinha (de bênção), lampadazita (de lâmpada), pessegozito (de pêssego).

As regras decorrentes desta Base já se encontram em vigor em Portugal desde 1973 e no Brasil desde 1971. Aqueles que já escreviam na altura recordar-se-ão, certamente, como muitos diziam que nunca se haveriam de habituar à alteração de regras, que iam continuar a escrever como se tinham habituado a escrever e não se iam preocupar com essas "modernices", etc.. Pouco mais de trinta anos depois, ninguém já acentua as palavras em causa nesta Base... Nem os recalcitrantes dessa época! Talvez seja um indicador do que vai suceder com o Acordo Ortográfico de 1990...

As pessoas habituam-se a determinadas regras e temem, rejeitam, desagrada-lhes, mudanças. Escrever palavras diferentemente do que sempre se escreveu obriga a uma atenção, a um esforço, que muitos bem dispensariam. Ler palavras escritas diferentemente do que estávamos habituados a ler também nos causa inicialmente um desconforto, uma sensação de que algo não está bem. Mas, como escreveu Fernando Pessoa, quando criou uma frase publicitária para a Coca-Cola, primeiro estranha-se, depois entranha-se.

Tal como em Portugal com a transição do Escudo para o Euro e no Brasil com a transição entre as várias moedas ali sucessivamente usadas (Cruzeiro, Cruzado, Real), daqui a algum tempo não se estranhará as mudanças do Acordo Ortográfico de 1990, que recentemente entrou em vigor. Teremos o nosso período de estranheza e... depois as mudanças entranhar-se-ão!

Rui Bandeira

17 outubro 2008

A ajuda

Dizem que uma imagem vale por mil palavras.

E um encadeado de imagens e de sons num filme, por quantas palavras vale?

Hoje não vos trago um texto como base de reflexão. Hoje trago-vos um filme.

A situação é a seguinte:

Uma menina de 13 anos ganhou um prémio e foi cantar o hino nacional dos Estados Unidos nu jogo da NBA, liga de basquetebol profissional daquele país. Vinte mil pessoas no pavilhão, ela afinadinha. Então o braço tremeu, ela engasga-se e esquece-se da letra...Una branca !!!


Treze anos. Sozinha, ali no meio... O público, estupefacto, ameaça uma vaia. De repente, Mo Cheeks, técnico dos Portland Trail Blazers, aparece ao seu lado e começa a cantar, incentivando-a a ela e ao público. E a menina recupera e reganha confiança e acaba de cantar o hino, com força e vigor. E o público, que esteve a ponto de vaiar, acompanhou e aplaudiu. Bonita cena! Mas só porque alguém soube intervir acertadamente na hora adequada! Só porque alguém foi solidário e agiu, em vez de ficar apenas a ver!


Note-se: só o técnico é que tomou a iniciativa de ajudar, enquanto os demais só observavam estupefactos...

Ele demonstrou o que é ser verdadeiramente líder. Mostrou como uma atitude de liderança e solidariedade, no momento exato, pode fazer a diferença para ajudar um ser humano e mudar a história do jogo da vida.

E, assim, para mim mostrou que também sabe intervir quando necessário para ajudar os seus jogadores a mudar o rumo de um jogo. Se eu fosse dirigente de um clube de basquetebol, este era o técnico que eu procuraria contratar para a minha equipa. Não basta saber de técnicas e de táticas. Saber ser líder, saber ser solidário, saber atuar na hora certa, no momento exato, são as qualidades que muitas vezes fazem a diferença.

Espero que os Portland Trail Blazers tenham ganho este jogo! Ganharam, pelo menos, mais um adepto!

E nós? Estamos no mundo para ajudar ou para vaiar? Para assistir passiva e placidamente à queda dos outros, ou para intervir e ajudar quem precisa de ajuda, no momento em que ela é necessária?

Pensem nisso enquanto veem o filme!



Rui Bandeira

16 outubro 2008

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 - Base XII


BASE XII

DO EMPREGO DO ACENTO GRAVE

1º) Emprega-se o acento grave:

a) Na contração da preposição a com as formas femininas do artigo ou pronome demonstrativo o: à (de a+a), às (de a+as);

b) Na contração da preposição a com os demonstrativos aquele, aquela, aqueles, aquelas e aquilo ou ainda da mesma preposição com os compostos aqueloutro e suas flexões: àquele(s), àquela(s), àquilo; àqueloutro(s), àqueloutra(s).

Esta Base, simples, curta e de fácil compreensão, consagra o uso do acento grave como se vem fazendo desde há já algum tempo, em ambos os lados do Atlântico.

Uma das dificuldades de quem está a aprender a escrita do português ou tem apenas conhecimentos básicos sobre a língua é, por vezes, distinguir, na escrita, à de (terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo haver). Sendo a pronúncia de ambas as palavras idêntica, por vezes algumas pessoas hesitam quanto à forma de exprimir graficamente uma delas. Eis um método simples e rápido de desfazer a dúvida: substituir mentalmente na frase a palavra que se tem dúvida se é à ou por existe. Se a frase continuar a fazer sentido, então está-se perante a flexão verbal do verbo haver e deve escrever-se ; se a frase não fizer sentido, então está-se usando a contração da preposição com o artigo ou pronome e deve escrever-se à.

Não tem propriamente a ver com o Acordo Ortográfico, mas recordar este pequeno truque pode ajudar-nos a superar uma dúvida repentina...

Rui Bandeira

15 outubro 2008

Teísmo


Em textos anteriores, mostrei como as versões em inglês, francês e português da Wikipedia apresentavam definições aparentemente diversas e, até, opostas, do conceito de deísmo e como, afinal, vendo-se com mais atenção todas acabavam por confluir na noção de que o deísmo "pretende enfrentar a questão da existência de Deus, através da razão, em lugar dos elementos comuns das religiões teístas tais como a "revelação divina", os dogmas e a tradição".
Esta noção de deísmo parece conter em si, como contraponto, uma noção de teísmo, ou seja, que este enfrenta a questão da existência de Deus através de elementos constantes nas religiões estabelecidas, tais como a Revelação divina, o dogma ou a tradição.
Proponho que não nos fiquemos por aqui e testemos a validade da afirmação utilizando o mesmo método com que atingimos a noção de deísmo.
Na versão em inglês da Wikipedia, define-se teísmo como (tradução livre minha) sendo, no significado mais abrangente, a crença em, pelo menos, uma divindade. Um significado mais restrito exige que a divindade em que se crê seja uma entidade distinta e identificável, assim excluindo do conceito o panteísmo. Outro significado igualmente mais restrito especifica que a divindade ou divindades deve ou devem constituir uma força imanente e ativa no Universo, assim excluindo alguns entendimentos de deísmo (já nos dois artigos sobre a matéria por mim refutados) . O teísmo pode ser dividido em diferentes categorias, como, por exemplo, monoteísmo e politeísmo.
Já na versão em francês da enciclopédia virtual, podemos ler que (ainda tradução livre minha) o teísmo (do grego theos, Deus) é uma crença ou doutrina que afirma a existência de de um Deus ou de deuses e a sua influência no Universo, tanto na sua criação como no seu funcionamento. Segundo o teísmo religioso, a relação do homem com Deus ocorre através de intermediários (a religião). Segundo o teísmo filosófico, Deus rege o Universo diretamente. O teísmo opõe-se ao ateísmo. Entre as formas de teísmo, pode-se referir o panteísmo, o monoteísmo e o politeísmo.
Por fim, atentemos no que vem escrito na versão em português da Wikipedia: Teísmo (do grego Theós, "Deus") é um conceito surgido, no século XVII (por R. Cudworth, 1678), que sustenta a crença em Deus, opondo-se ao ateísmo. Podemos dividir o Teísmo em Monoteísmo (crença em um só Deus), Politeísmo (crença em vários deuses) e Henoteísmo (composta de veneração de um Deus Supremo, mas não nega a existência de outros).
Como vemos, a confusão entre as diferentes versões da Wikipedia permanece. Neste caso, porém, nem a versão em português se salva, pois remete para uma definição de um autor do século XVII, que se revela - como iremos ver - viciada.
Quanto ao que afirma a versão em inglês, começo por fazer notar que a definição de um conceito é a enunciação das suas caraterísticas intrínsecas e distintivas das demais realidades. Não faz, pois, sentido considerar como definição do conceito, o significado geral e os particulares, ou um destes. Há que optar! A versão em inglês da Wikipedia limita-se a dar conta de diversas posições, sem optar em termos de mérito ou acerto. O que faz é despejar várias noções, incompatíveis entre si e, quem quiser, que raciocine, que escolha, que opte, que critique. Ou seja, não fornece propriamente uma definição do conceito, já que não pode constituir definição o que pode ou não pode incluir o panteísmo, o que pode ou não pode incluir o deísmo. As versões "restritas" destinam-se. manifestamente, a excluir algo com que os seus cultores não concordam que integre o conceito.
Para uns panteísmo não é teísmo. O que, se partirmos do princípio que teísmo se opõe a ateísmo, classifica os panteístas como ateus. É uma discussão antiga, mas não é peditório para que aqui se deva dar... Aqui e agora trata-se de verificar o que é teísmo, não de "decretar" se um panteísta é crente ou ateu. Esta singela constatação basta para demonstrar como a conceção "restrita" de teísmo que exclui do conceito o panteísmo está viciada de inversão: foi criada primacialmente para excluir, para considerar ateu o panteísta, não para procurar entender o conceito de teísmo. Não é uma definição - é um preconceito!
Mais grave ainda, em termos lógicos, parece ser a conceção restrita de teísmo que exclui do âmbito do conceito o deísmo (e já em textos anteriores vimos que a distinção teísmo /deísmo através da crença intervenção divina ativa no funcionamento do Universo está incorreta e é uma falácia). É que, se teísmo se opõe a deísmo, qual deles se opõe a ateísmo? Ou opõem-se ambos e então temos dois conceitos opostos mas três conceitos opostos entre si, numa espécie de oposição triangular: teísmo opõe-se a ateísmo; teísmo opõe-se a deísmo; deísmo opõe-se a ateísmo)?. Tanto basta para se verificar um salto lógico (já anteriormente denunciado) no critério "crença num Deus interventivo/ crença num Deus passivo" para definir teísmo e deísmo...
Os conceitos "restritos" oferecidos pela enciclopédia virtual em inglês não são, pois, satisfatórios. Mas também não satisfaz o conceito "abrangente2, que postula ser teísmo a crença em, pelo menos, uma divindade. É que esta definição, bem vistas as coisas, não define completamente. Esclarece-nos que teísmo é diferente de ateísmo, por isso que este pressupõe que este não crê na existência de divindade. Mas, declarando apenas o que declara, inclui no conceito o deísta. Com efeito, o deísta crê em, pelo menos, um Deus... De onde a definição não distingue o conceito de todos os outros. É incompleta. Algo mais há que lhe acrescentar. Sabemos que deísmo e teísmo partilham a crença no Divino. Falta saber em que se diferenciam.
A versão em português da Wikipedia navega nas mesmas águas, não distinguindo teísmo de deísmo.
A versão em francês desta enciclopédia também não ajuda muito! A primeira definição que fornece é exatamente a mesma que forneceu quanto a deísmo. Ou seja, para esta versão, teísmo e deísmo têm exatamente a mesma definição - apesar de serem conceitos diferentes... O disparate prossegue com a distinção entre "teísmo religioso" e "teísmo filosófico", sendo que, aparentemente, aquele considera que Deus intervém através de capatazes e este que Deus, se quer o trabalho feito, tem de o fazer ele próprio... Obviamente que não são distinções destas que nos esclarecem....
Qual então, a meu ver, a definição de teísmo que devemos considerar? Simplesmente a que decorre da sua contraposição (não oposição, note-se...) ao deísmo: Teísmo resulta da crença na existência de Deus através da fé, designadamente resultante da crença na Revelação em textos sagrados e ou nas profecias de portadores de mensagens tidas como oriundas da Divindade.
Neste sentido, as Religiões do Livro (judaísmo, cristianismo e islamismo) pretendem todas que os seus seguidores sejam teístas, isto é, sejam crentes nas Revelações das Escrituras e dos Profetas.
Esta noção é importante para analisarmos a relação entre deísmo e teísmo. Será esse o objeto de um próximo texto.
Rui Bandeira

14 outubro 2008

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 - Base XI


BASE XI

DA ACENTUAÇÃO GRÁFICA DAS PALAVRAS PROPAROXÍTONAS

1º) Levam acento agudo:

a) As palavras proparoxítonas que apresentam na sílaba tónica/tônica as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i, u ou ditongo oral começado por vogal aberta: árabe, cáustico, Cleópatra, esquálido, exército, hidráulico, líquido, míope, músico, plástico, prosélito, público, rústico, tétrico, último;

b) As chamadas proparoxítonas aparentes, isto é, que apresentam na sílaba tónica/tônica as vogais abertas grafadas a, e, o e ainda i, u ou ditongo oral começado por vogal aberta, e que terminam por seqüências vocálicas pós-tónicas/pós-tônicas praticamente consideradas como ditongos crescentes (-ea, -eo, -ia, -ie, -io, -oa, -ua, -uo, etc.): álea, náusea; etéreo, níveo; enciclopédia, glória; barbárie, série; lírio, prélio; mágoa, nódoa; exígua, língua; exíguo, vácuo.

2º) Levam acento circunflexo:

a) As palavras proparoxítonas que apresentam na sílaba tónica/tônica vogal fechada ou ditongo com a vogal básica fechada: anacreôntico, brêtema, cânfora, cômputo, devêramos (de dever), dinâmico, êmbolo, excêntrico, fôssemos (de ser e ir), Grândola, hermenêutica, lâmpada, lôstrego, lôbrego, nêspera, plêiade, sôfrego, sonâmbulo, trôpego;

b) As chamadas proparoxítonas aparentes, isto é, que apresentam vogais fechadas na sílaba tónica/tônica, e terminam por seqüências vocálicas pós-tónicas/pós-tônicas praticamente consideradas como ditongos crescentes: amêndoa, argênteo, côdea, Islândia, Mântua, serôdio.

3º) Levam acento agudo ou acento circunflexo as palavras proparoxítonas, reais ou aparentes, cujas vogais tónicas/tônicas grafadas e ou o estão em final de sílaba e são seguidas das consoantes nasais grafadas m ou n, conforme o seu timbre é, respetivamente, aberto ou fechado nas pronúncias cultas da língua: académico/acadêmico, anatómico/anatômico, cénico/cênico, cómodo/cômodo, fenómeno/ fenômeno, género/gênero, topónimo/topônimo; Amazónia/Amazônia, António/Antônio, blasfémia/blasfêmia, fémea/fêmea, gémeo/gêmeo, génio/gênio, ténue/tênue.


Esta Base em nada inova relativamente ao praticado, quer em Portugal, quer no Brasil, quer nos demais países lusófonos.

Mantém o critério, que é uma das traves-mestras do Acordo Ortográfico, de prever variantes de acentuação, consoante a pronúncia de vogal seja aberta ou fechada. Em regra, havendo discrepância de pronúncias, verifica-se que em Portugal se pronuncia a vogal tónica aberta, logo, devendo ser acentuada, utiliza-se o acento agudo e que no Brasil se pronuncia a vogal fechada que, se dever ser acentuada, o é com acento circunflexo.

Palavras proparoxítonas são as palavras cuja sílaba tónica é a antepenúltima, também designadas por palavras esdrúxulas.

Esta Base é um exemplo evidente de como o texto do Acordo Ortográfico, na preocupação de ser cientificamente correto e completo, se torna de leitura árida, difícil e complicada. Com efeito, todas as previsões desta Base se podem resumir numa única frase, certamente de mais fácil entendimento do que o indubitavelmente completo, mas complexo, texto nela utilizado:

A
vogal da sílaba tónica/tônica das palavras proparoxítonas (esdrúxulas) é sempre acentuada, com acento agudo ou acento circunflexo, consoante o seu timbre é, respetivamente, aberto ou fechado nas pronúncias cultas da língua.

Bastante mais simples, não é?

Rui Bandeira

13 outubro 2008

Excalibur


Excalibur é o nome da espada do Rei Artur, na saga dos Cavaleiros da Távola Redonda. Excalibur é também o nome da Loja n.º 46 do registo da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP.

Há dias, fiz algo que, por temperamento, opção e condições de vida, muito raramente faço: fui visitar uma outra Loja - precisamente a Excalibur. Normalmente, o meu estilo é mais bicho-do-mato, acantonado na sua toca de que, seguro e confortável, conhece todos os cantos, recantos e esconderijos. No meu caso, e no que respeita à Maçonaria, a minha toca é a Loja Mestre Affonso Domingues. Do seu espaço, por regra só saio em bando, isto é, em grupo com outros elementos, em visitas programadas, agendadas e meticulosamente preparadas. Vamos todos ou bastantes, vai a Loja e eu nela. Não vou sozinho. É assim uma espécie de vou, mas fico... Coisas de bicho-do-mato... Mas, uma vez não são vezes, estava para ali virado e, pronto, apenas acompanhado de mim mesmo resolvi aproveitar uma noite livre e ir visitar outra Loja. E lá fui à Excalibur!

Não foi tão por acaso quanto isso e quanto dou a entender no parágrafo anterior - confesso! Há uns meses tinha sido convidado para lá ir e entendi por bem declinar o convite. Pruridos meus... Na instalação do atual Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues, a Excalibur deu-nos o prazer de estar connosco e de se fazer representar pelo elemento que me tinha dirigido o declinado convite. Mal me viu, atirou à queima-roupa: "Estás-nos a dever uma visita!" E eu lá assobiei para o lado, fingindo que não era nada comigo, mas interiormente remoendo que o atirador da frase me atingira em cheio, que a mim isto de ser devedor é coisa que me deixa com um desconforto moinhento, que não mata nem dói, mas me vai paulatinamente moendo e moendo... Fraquezas... Foi assim que lá decidi tirar as minhas tamanquinhas e lá ir saldar a minha dívida!

Não é por acaso que um dos costumes maçónicos mais apreciados é precisamente o de visitar outras Lojas. Bem o sei, mas a minha bicheza-do-mato e outros condicionalismos vão-me puxando para a raridade de tais cometimentos. O que tem a inegável vantagem de me permitir apreciar superlativamente visita que, lá de muito longe em longe, faço. Afinal de contas, aprecia-se muito mais o que é raro do que o que é corriqueiro, não é? (Façam o favor de reparar na habilidade com que me auto-justifiquei da raridade das minhas visitas, assim a modos que a deixar cair que haverá quem seja um habitué de visitas, mas eu cá sou muito mais requintado, sou um visitante gourmet que faz questão de apreciar o que é raro...).

Chegados a este quinto parágrafo, quem (ainda) me está lendo já vai sendo titilado pelo pensamento de que "hoje este tipo / gajo / fulano (considerar a opção preferida) não ata nem desata e nunca mais avança: já se percebeu que é raro ele ir visitar outras Lojas. Pronto, uma frase chega, e está este ##### (introduzir insulto favorito) para aqui a engonhar para quê?".

Eu explico: a visita à Excalibur deixou-me realmente muito bem disposto e quando eu estou neste estado de boa disposição exaltada fico como vocências podem constatar, dá-me para escrever assim ligeirinho, borboleteando texto fora sem rumo definido, escrevendo apenas pelo prazer de escrever.

A visita à Excalibur foi gloriosa! Conheci gente 5 *****, vi a Loja Excalibur trabalhar umas vezes como a minha Loja, outras fazer diferente dela (esta é uma das riquezas das visitas de maçons a outras Lojas: apreciar as semelhanças e diferenças em relação à sua), estive numa reunião interessante, bem conduzida pelo Venerável Mestre e bem trabalhada pelos Oficiais em exercício, participei num convívio que só se pode adjetivar com justiça se se usar agradável no superlativo.

Sobretudo, tive o grande prazer de ver um grupo coeso, fraterno e dedicado. Não é um grupo muito grande. A Loja Excalibur não é uma Loja com uma grande dimensão. É relativamente recente, passou por uma grande crise, de que ainda está a recuperar. E fiquei muito feliz por ver,
ao vivo e a cores, que está a recuperar muito bem, que os mais antigos da Loja saíram fortalecidos da crise e hoje transpiram confiança e satisfação por o seu esforço começar a dar frutos, e que os mais novos são elementos de apreciável valor que, a seu tempo, pegarão no testemunho e saberão prosseguir a senda de crescimento e de inovação que visivelmente a Excalibur já trilha.

As Lojas são como as pessoas: não se medem aos palmos. E a Excalibur, atesto-o, certifico-o, assino por baixo, ponho lacre e selo em branco, é UMA GRAAAANDE LOJA!!!

Percebem agora porque estou contente como um cachorrinho e me deu para esparvoar em texto ligeirinho e errante. É que não há nada que me ponha melhor do que ver os meus Irmãos bem! E, sabendo como sabia que a Excalibur tinha tido que ultrapassar uma crise e superar dificuldades não negligenciáveis, vê-la pujante, esperançosa, inovadora, só podia deixar-me com esta boa disposição toda!

E, já agora, também ficaram a perceber a sorte que têm em eu ser bicho-do-mato e só muito raramente ir visitar outras Lojas. Já viram o que era se começasse a tornar-se um hábito a boa disposição dar-me para me pôr a usar o teclado em textos como este? Não havia nem ponta de paciência para me aturar! E vocês é que ainda acabavam A Partir Pedra - para ma atirarem à cabeça....

(Bom, hoje não dá; é melhor mesmo parar por aqui, antes que o nível de disparate atinja níveis intoxicantes...!)

AH! GAND'A EXCALIBUR! FIQUEI FÃ! (Até sou capaz de vos voltar a visitar... daqui a uns anos...)

(Raio do teclado! Nunca mais para! Como é que se tiram as pilhas desta coisa? Eu bem disse que a ideia de me darem com a Excalibur na cabeça ia dar mau resultado...)

Rui Bandeira