29 janeiro 2008

O que se faz em Loja

Talvez a pergunta que mais vezes não maçons fazem a maçons seja: "afinal o que é que os maçons fazem nas reuniões?". Subjacente a esta pergunta está, muitas vezes, o pressuposto de que os maçons certamente levam a cabo secretas, mirabolantes e tortuosas actividades. Como todos os pressupostos infundamentados, que assim mais não são do que preconceitos, este não se aproxima, sequer minimamente, da realidade, que é muito mais simples e prosaica.

Há duas partes das reuniões de uma Loja Maçónica que são sempre fixas e iguais: a abertura e o encerramento, que se processam executando os respectivos rituais. São sempre as mesmas palavras, gestos e actos, que se repetem, reunião a reunião.

Com o ritual de abertura, efectua-se a transição entre a vida exterior, os afazeres pessoais e profissionais de cada um, e o labor de um grupo restrito, focado e fraternal. Assim se processa a concentração de todos e de cada um no trabalho que se vai realizar. Assim se cria a atmosfera de concentração, confiança e harmonia que deve envolver os trabalhos que se vão efectuar na reunião.

Com o ritual de encerramento, efectua-se a transição entre os trabalhos realizados e o prosseguimento da vida em sociedade. Assim se efectua o processo de retorno à vida do dia a dia. Assim se relembra que se vai sair de um círculo restrito, onde impera a confiança e a harmonia, rumo ao cadinho social onde todos nos inserimos, com todos os seus desafios, conflitos e necessidade de se estar com as defesas em guarda.

Entre os dois rituais, de abertura e encerramento, processa-se a verdadeira reunião, que pode, basicamente, ter como objecto trabalho ritual (iniciação de profano, passagem ou elevação de maçons a graus mais adiantados), trabalho de formação (apresentação e discussão de pranchas), trabalho administrativo (organização interna da Loja, arquivos, quotas, etc.) ou trabalho organizativo (de projectos ou actividades em curso ou a levar a cabo).

O trabalho ritual efectua-se executando, em palavras, gestos e actos, o ritual da cerimónia que se realiza. Cada um dos Oficiais de Loja tem uma função determinada, que executa. Quem não tem intervenção na execução do ritual, seja em que qualidade for, assiste.

O trabalho de formação consiste na apresentação e discussão dos variados trabalhos que os maçons efectuam. Em regra, textos, mas podendo ser trabalhos de outra natureza: música, pintura ou escultura, construção de artefactos, trabalhos fotográficos ou audiovisuais, enfim, tudo o que um maçon se tenha sentido com capacidade para criar e que possa contribuir para o seu aperfeiçoamento e o de seus Irmãos. Com este tipo de trabalho, busca-se atingir o objectivo primeiro dos maçons: melhorar, aperfeiçoar-se, crescer intelectual, moral e espiritualmente.

O trabalho administrativo é o mal necessário, a execução das tarefas que bem gostaríamos de não precisar fazer, mas que têm que ser feitas: determinar e debater todos os aspectos organizativos da Loja; tomar conhecimento da correspondência e providenciar quanto a ela; tomar conhecimento de comunicações de outras Lojas e da Grande Loja e determinar as providências a tomar; providenciar quanto ao arquivo, ao quadro de obreiros, à vida financeira e económica da Loja. Embora haja Oficiais cuja função é assegurar a execução diária das tarefas desta natureza (o Secretário, o Tesoureiro, o Arquivista), vai havendo necessidade de algumas decisões serem tomadas pela Loja ou de a Loja ser informada das decisões tomadas pelos Oficiais e dos procedimentos e escolhas por estes efectuados.

Finalmente, o trabalho organizativo é aquele cujos resultados podem ser apreendidos exteriormente à Loja. Por vezes, apenas nas famílias e amigos dos obreiros da loja, por vezes em círculos mais amplos ou na sociedade em geral. Ao longo do ano, as Lojas organizam diversos eventos, desde reuniões, passeios ou visitas, a organização de colóquios, conferências ou debates, desde efectivação de campanhas de recolha de fundos para solidariedade a campanhas de efectivação directa de actos de solidariedade. No caso da Loja Mestre Affonso Domingues, esta tem efectuado, com regularidade, acções de doação de sangue, por vezes isoladamente, por vezes em colaboração com um grupo de escoteiros, organiza anualmente um leilão para recolha de fundos, procede à entrega de bens, adquiridos com os fundos obtidos, que a associação ou associações de solidariedade em cada momento apoiadas(s) indiquem como sendo os que maior utilidade no momento lhe(s) trazem, efectua contactos e visitas a outras Lojas e organiza a recepção a outras Lojas (particularmente em relação às duas Lojas com que está geminada, a Fraternidade Atlântica, da GLNF, e a Rigor, da GLLP/GLRP, organiza e efectua viagens e visitas a monumentos, museus e outros locais de interesse histórico, monumental, artístico ou cultural (nos últimos anos, e a título de exemplo, o Mosteiro da Batalha, o Convento de Cristo, a Zona Histórica de Santarém, Castelo Rodrigo, a Sinagoga de Lisboa), entre outras actividades e iniciativas, muitas vezes com início no voluntarismo de algum Irmão, que os demais acompanham, auxiliam ou em que colaboram.

Como se vê, o que se faz em Loja é muito mais prosaico do que concebe a imaginação, por vezes demasiado fértil, de quem está de fora. No fundo, em Loja faz-se o que se faz em qualquer outra agremiação: trata-se da organização interna, da prossecução dos objectivos próprios e cuida-se dos eventos que se leva a cabo.

O principal objectivo da Maçonaria é o aperfeiçoamento individual dos seus membros, fazer de homens bons homens melhores e, pelo reflexo desses aperfeiçoamentos individuais, contribuir para a melhoria da Sociedade. Cada reunião é mais um passo nessa caminhada, uma gota de suor nesse esforço, um tijolo nessa construção.

Desapontadoramente simples e normal, talvez. Talvez dessa simplicidade e normalidade decorra a dúvida de que efectivamente seja SÓ assim. Percebo e compreendo o cepticismo que, afinal, radica num tácito elogio à Maçonaria. Esse cepticismo decorre da perplexidade: "Mas afinal se é só isso que se faz nas reuniões de Loja, o que torna a Maçonaria tão especial, qual o cimento que liga os seus membros, o que os faz retirar tempo às suas famílias, aos seus negócios, aos seus afazeres e ócios, para irem fazer só isso?"

A resposta não está tanto no que se faz , mas em COMO se faz e PORQUE se faz. Mas essas são já matérias para os próximos dois textos...

Rui Bandeira

28 janeiro 2008

As pedras do vau


O Muito Respeitável e Respeitado Grão-Mestre da GLLP/GLRP, o nosso querido Irmão Mário Martin Guia, vai publicar mais um livro de poesia.

O seu título, já o leram acima, é As pedras do vau e o seu lançamento vai ocorrer na próxima quarta-feira, dia 30 de Janeiro, pelas 18 horas e 30 minutos, na Sala de Âmbito Cultural, situada no piso 7 do espaço comercial El Corte Inglés, em Lisboa.

O Muito Respeitável Grão-Mestre da GLLP/GLRP é um poeta, um maçon e, em ambas as qualidades, um homem do século XXI. O seu livro, para além dos habituais textos impressos, contém também dois CD's com todos os poemas.

Uma boa decisão: a poesia de Mário Martin Guia pode assim ser apreciada, quer calmamente sentados no sofá e folheando o livro, quer em frente ao monitor do computador, clicando com o "rato". O Mário realmente não quer que nos falte nada!

Se nenhum impedimento de última hora não sobrevier, quarta-feira lá estarei e, como eu, certamente muitos outros. O Mário vai ficar com a mão cansada de tantos autógrafos que vai ter de dar...

Apareçam. Estão todos convidados!

Rui Bandeira

25 janeiro 2008

Arroz e flores


Mais uma história para reflectir. Mais uma pequena história que recebi por correio electrónico. O texto é pequeno. Mas os textos são como os homens: não se medem aos palmos! Não é preciso mais para nos dar que meditar.


Um homem estava a colocar flores na campa de um parente quando, ao seu lado, na campa vizinha, um chinês colocou um prato de arroz.


Voltando-se para ele o homem perguntou:


- Você acredita que o defunto comerá o arroz?


- Sim! – respondeu o chinês…- Quando o seu familiar defunto vier cheirar as suas flores...


Moral da História:


Respeitar as opções do outro, é uma das maiores virtudes que um ser humano pode ter. As pessoas são diferentes, actuam e pensam de modo diverso.


Não julgue! ............ Simplesmente COMPREENDA.


Rui Bandeira

24 janeiro 2008

Eduardo Gonçalves, maçon exemplar


Foi um Mestre discreto. Ocupava sossegadamente o seu lugar numa das colunas. Raramente intervinha. Quando o fazia, as suas palavras eram parcas, as suas ideias ponderadas, o seu tom tranquilo. Que me lembre, nunca foi designado Oficial da Loja. Mas algumas vezes exerceu ofícios, em substituição de titular impedido de comparecer. Sempre com naturalidade e acerto. Sem nunca se procurar evidenciar, mas sem nunca deixar de dar a sua colaboração, de forma correcta e eficiente.

Foi dos Maçons que mais me marcou. Pela dedicação. Pela postura. Pela serenidade.

Eduardo Gonçalves era médico. Em Moura. Aí chegara a exercer as funções de Delegado de Saúde. Raramente deixava de comparecer a uma sessão. De Moura a Lisboa eram e são mais de 200 Km. De Lisboa a Moura a distância não diminuía e não diminui. Mas o Eduardo raramente deixava de fazer esses mais de 400 Km, ida e volta, para vir participar nas reuniões da Loja Mestre Affonso Domingues. Aos sábados ainda era como o outro, a reunião era ao fim da tarde, depois havia e há o ágape e, findo este, lá o Eduardo regressava a Moura, já noite dentro. Às quartas-feiras era certamente pior. A reunião era e é à noite, depois ainda havia e há o ágape e era já madrugada quando o Eduardo iniciava o regresso à sua Moura encantada. Mas raramente faltava! Vinha e estava connosco, arrostando incómodos bem mais duros, efectuando viagens bem mais longas do que muitos outros, que justificavam ausências com bem mais reduzidas distâncias. Incluindo eu próprio...

Muitas vezes passava as reuniões inteiras sem abrir a boca, apenas ouvindo, por vezes sorrindo levemente, sempre concentrado no que se passava. E eu no segredo dos meus pensamentos admirava aquele maçon discreto que tantas vezes fazia mais de 400 Km de viagens só para estar com seus Irmãos, calado, sossegado, discreto, sereno. E, no meu íntimo, perguntava-me o que levava o Eduardo a assim proceder. Passaram-se anos até que eu entendesse. Aliás, já há algum tempo que o Eduardo deixara de estar entre nós quando o consegui entender. Foi um outro Irmão, o José A. R., um Mestre que as circunstâncias da sua vida só raramente permitem que compareça às reuniões da Loja, que um dia, repentinamente, me fez compreender. Disse-me ele, certa vez, em jeito de desabafo, que era capaz, sem qualquer esforço, de passar as reuniões inteiras da Loja sem nada dizer, sem intervir, apenas ouvindo, apenas gozando a Paz que emanava de uma reunião maçónica, apenas fruindo a ligação com o Transcendente que sentia durante as reuniões, apenas desfrutando da calma e serenidade que uma reunião da Loja lhe transmitia. Mais me disse ainda o José A. R. que, por ele, ficaria muito satisfeito com uma reunião em que apenas se executasse os rituais de abertura e de encerramento e que, entre eles, apenas houvesse um período de calmo silêncio ou, quando muito, um período sem palavras ouvindo-se apenas a música proporcionada pelo Mestre Organista. Foi então, anos depois da sua morte, que verdadeiramente compreendi o Eduardo Gonçalves. Era isto mesmo que ele buscava nas reuniões da Loja: a calma, a serenidade, o carregar da bateria emocional, que lhe proporcionavam as reuniões da Loja.

A partir de certa altura, porém, o Eduardo começou a ser menos assíduo. A sua saúde deteriorava-se. O Eduardo fumava. Muito. Apesar de ser médico. Neste aspecto, era o exemplo do dito Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz... Este seu vício minou-lhe a saúde e o cancro do pulmão acabou por o afastar de nós. Pergunto-me durante quanto tempo ele, médico, sabendo a doença que o consumia e que o haveria de vitimar, como vitimou, esteve placidamente sentado entre nós, calado, por vezes sorrindo levemente, apenas gozando a serenidade de uma reunião de Irmãos. Só quando a doença o começou a vergar viemos a saber o mal que o apoquentava. Nunca da sua boca saiu uma queixa, dos seus lábios se ouviu um lamento, da sua garganta saiu um som de revolta. O Eduardo viveu a sua doença com a serenidade que o caracterizou.

Nos ágapes, o Eduardo era sempre boa companhia. Não que falasse muito. Mas sabia ouvir e, quando falava, falava sempre acertado. E mostrava um sentido de humor, pontuado por uma discreta ironia, que sempre me fizeram apreciar muito a sua companhia.

Eduardo Gonçalves foi um médico ao jeito de João Semana, que deixou saudades na sua Moura. Foi um maçon discreto e assíduo, que fez aquilo que um maçon deve fazer: aproveitar o grupo para o seu benefício espiritual e dar o seu contributo, discreto mas sempre valioso, a esse mesmo grupo, em benefício dos demais.

Tenho saudades do Eduardo. Ainda hoje, quando me sento no meu lugar numa das colunas da Loja e relanceio o olhar pela sala, imagino ver, placidamente sentado do outro lado, sereno e com um leve sorriso nos lábios, o Eduardo. E, pensando bem, talvez ele continue a lá estar. Eu é que não o vejo... E, do alto das minhas já ultrapassadas cinco décadas de vida, dou por mim, por vezes, a pensar que quando eu for grande, quero ser como o Eduardo...

E hoje aqui lembrar o Eduardo faz-me sentir muito bem. Os que o conheceram, sentem-se mais ricos por o terem conhecido. Essa é uma das características de quem aproveitou bem o seu tempo de passagem por este mundo. E sem dúvida que esse foi o caso do Eduardo Gonçalves, um maçon exemplar que a Loja Mestre Affonso Domingues teve a fortuna de ter tido no seu seio, que eu tive a felicidade de conhecer e que tenho orgulho em aqui evocar.

Rui Bandeira

23 janeiro 2008

Os meus Irmãos reconhecem-me como tal

- Meu Irmão, de onde vens?

– De uma loja de S. João, Venerável Mestre.

– Que se faz lá?

– Exalta-se a virtude e combate-se o vício.

– Que vens aqui fazer?

– Vencer as minhas paixões, submeter a minha vontade e realizar novos progressos na Maçonaria.

– Devo então presumir que és maçon?

- OS MEUS IRMÃOS RECONHECEM-ME COMO TAL!

Logo na cerimónia de Iniciação o nóvel Maçon é instruído sobre a forma de reconhecer e de ser reconhecido Maçon.

Aprende assim um determinado SINAL, um específico TOQUE, que representa o pedido da PALAVRA SAGRADA, como responder a esse pedido e que palavra é essa.

Uma razoável memória permitirá que, a partir daí, saiba como proceder para que os seus Irmãos Maçons o reconheçam como tal.

Mas esta é a mais básica das básicas noções que o nóvel Maçon recebe então quanto a esta matéria. Com efeito, mui fraco Maçon seria aquele que se limitasse a confiar em tais actos externos para que o reconhecessem como tal. Atrevo-me mesmo a dizer que só quem se tivesse limitado a passar pela cerimónia de iniciação, e mesmo assim de forma desatenta, poderia admiti-lo.

Na verdade, todos sabemos que em Maçonaria tudo é simbolicamente transmitido, o que vale por dizer que através de um translúcido véu, para que quem o receba, entrevendo, medite e, meditando, conclua e, concluindo, aprenda.

Todos sabemos que, em bom rigor, em Maçonaria nada se ensina, apenas se coloca os ensinamentos à disposição, para que quem quer saber, observe, pense e aprenda. É por isso que costumo dizer, em iconoclasta simplificação, que a Maçonaria se aprende por osmose...

Assim, aquele que quer ser reconhecido como Maçon pelos Maçons não deve limitar-se ao que explicitamente lhe foi ensinado na instrução incluída na sua iniciação.

Melhor será que não esqueça que, recém-iniciado, ainda está aprendendo a aprender e só por isso lhe deram clara e directamente o que pomposamente quem desconhece a essência da Maçonaria considera “profundos segredos”.

Assim ficará, por breves momentos o nóvel Maçon convencido que ficou sabendo “excelso segredo” mas, aprendendo a aprender, em breve aprenderá que, como já há pouco exclamei, tal “excelso segredo” não passa de uma muito básica de entre as básicas noções que deverá apreender e que irá apreendendo.

Ao invés, o que deve um Maçon fazer para que seja reconhecido como tal pelos seus Irmãos, foi-lhe transmitido, sim, na sua iniciação, mas como tudo o resto que merece ser retido em Maçonaria, de forma encoberta, indirecta, para que, em devido tempo, medite e aprenda por si, bem melhor do que se lhe fosse directamente ensinado, pois dessa forma mais trabalhosa e difícil de aprender sempre resulta que não apenas se sabe ou memoriza, antes se interioriza e compreende e só aquilo que é adequadamente interiorizado e compreendido é digno de ser tido como vero Conhecimento.

Então, que aprendi eu sobre a forma de ser reconhecido Maçon pelos meus Irmãos?

Aprendi que, para me ser dado acesso ao Templo onde meus Irmãos estavam reunidos, necessário foi que alguém em quem todos confiavam, o Irmão Experto, a todos garantisse que eu era “livre e de bons costumes”.

Livre sou e livres somos sem grande mérito nosso, com muito mérito daqueles que nos antecederam , pois de há muito que a escravatura foi abolida em nossas terras.

Mas “de bons costumes” tive de ser para merecer entrada no Templo e consequentemente de bons costumes tenho de continuar sendo, se nele quero permanecer.

Primeira conclusão pude então tirar: para ser reconhecido como Maçon pelos meus Irmãos necessário é que permaneça de bons costumes, isto é, íntegro, honesto e de modo geral cumpridor das minhas obrigações perante Deus, eu próprio, a minha família e a sociedade.

Mas se tal é condição necessária para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos, não é, porém, condição suficiente – mesmo conhecendo eu o SINAL, o TOQUE e a PALAVRA SAGRADA...

Importa assim continuar buscando este pequeno Graal, pomposa forma de referir a busca do Conhecimento que vale a pena conhecer!

E recordo então que, a dado passo, ouvi mesmo alguém dizer-me que o que estava diante de meus olhos era o símbolo da cegueira em que se acha o homem dominado pelas paixões e mergulhado na ignorância.

Meditando, pude então a segunda conclusão chegar. Para além de ser livre e de bons costumes, para ser reconhecido como maçon pelos meus Irmãos haverei que dominar minhas paixões, e não por elas ser dominado, e procurar sair da profana ignorância, isto é, utilizar os instrumentos que a Maçonaria, a Loja, o Venerável Mestre, cada um dos meus Irmãos, me vão proporcionando, para ir aprendendo, conhecendo e, sobretudo, CONHECENDO-ME, nas minhas forças, sempre poucas, e fraquezas, sempre demais.

Mais um passo avancei, mas ainda não tenho a tarefa terminada, mais caminho tenho para caminhar!

Mais adiante, ouvi ser-me dito que o homem justo era corajoso e, tendo-me sido perguntado em quem depositava eu minha confiança me ter sido sussurrada a resposta de que essa era depositada em Deus.

Pensando, conclui então minha terceira conclusão: para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos haverei que ser livre, de bons costumes, dominador de minhas paixões, justo, corajoso, conhecedor, sobretudo de mim mesmo, e crente.

Mas, atenção!, ser justo não é ser justiceiro, ser corajoso não é ser temerário, ser crente não é ser beato. É necessário, como mais adiante ouvi ser-me dito, “o justo equilíbrio de força e sensibilidade que constitui a sabedoria, isto é, a ciência da própria vida”.

Finalmente, já reconhecido como maçon, foi-me chamada a atenção para os deveres de beneficência de um maçon, mais uma vez temperados pelo justo equilíbrio, pois “a caridade deixa de ser uma virtude quando é praticada em prejuízo dos deveres mais sagrados e mais prementes: uma família a sustentar, filhos para educar, pais velhos a manter, compromissos civis a preencher”.

Meditando sobre estas noções de fraternidade e solidariedade, pude assim chegar à quarta conclusão, que tive por final: para ser reconhecido maçon pelos meus Irmãos haverei que ser livre, de bons costumes, dominador de minhas paixões, justo, corajoso, conhecedor, sobretudo de mim mesmo, crente, fraternal e solidário.

E tendo chegado a esta putativamente definitiva conclusão, preparei-me, para, satisfeito, descansar. Porém, ocorreu-me então que, tendo Deus descansado apenas ao sétimo dia, grande prosápia minha seria pretender poder fazê-lo após apenas quatro conclusões!

E então pensei mais, e espero que melhor, e cheguei a mais outra conclusão (que será assim a quinta...), a de que estava cometendo o pecado do orgulho ao pensar que destas meditações alguma pólvora de particular valor descobrira, pois, afinal, mais bem escrito do que eu escrevera, mais simples do que eu arrazoara, tudo está no texto por onde começámos e por onde, completando o círculo e o ciclo da busca, é asado concluir (e esta será portanto a sexta e última conclusão, a que finalmente me habilitará a descansar, sem remorso superior ao que deriva da minha reincidente prosápia de, pela segunda vez em apenas dois parágrafos, ousar comparar-me ao Criador...).

– Devo, então, presumir que é Maçon?

– Os meus Irmãos reconhecem-me como tal.

– O que é um Maçon?

– É um homem nascido livre e de bons costumes, igualmente amigo do rico e do pobre, desde que sejam pessoas de bem.

– Que significa nascer livre?

– O homem que nasceu livre é aquele que, tendo morrido para os preconceitos comuns, renasceu para a nova vida que a iniciação confere.

– Quais são os deveres de um Maçon?

- Evitar o vício e praticar a virtude.

– Como deve um Maçon praticar a virtude?

– Colocando acima de tudo a justiça e a verdade.

- Como poderei reconhecer que és Maçon?

– Pelos meus sinais, palavras e toques.

– Como interpretas essa resposta?

– Um Maçon é reconhecido pela sua forma de agir, sempre correcta e franca (sinais); pela sua linguagem leal e sincera (palavras); por fim, pela solicitude fraterna que manifesta para com todos a que se acha ligado pelos laços da solidariedade (toques).

Termino com a esperança de que os meus Irmãos não necessitem de se certificar que eu conheço os sinais, palavras e toques, para que me reconheçam como Maçon. Mas, se algum desejar interrogar-me sobre eles, que a minha memória me permita sempre responder satisfatoriamente. E, se porventura a memória me trair e eu falhar essa prova, que aquele Irmão que me interroga, em face do que conheça de mim ... apesar disso me reconheça como Maçon, pois que espero merecer sempre poder dizer que

OS MEUS IRMÃOS RECONHECEM-ME COMO TAL!

Rui Bandeira

22 janeiro 2008

A prancha de Aprendiz

Para o Aprendiz que se entrosou no grupo e que vem fazendo o seu trabalho, com assiduidade e diligência, chega sempre um momento em que um Mestre – por regra o 2.º Vigilante, mas pode ser qualquer Mestre -, no meio de uma descontraída conversa, a propósito ou aparentemente a despropósito, lança, como quem não quer a coisa, a pergunta: - Então, já escolheste o tema da tua Prancha?

Este é o primeiro sinal que é dado ao Aprendiz que os Mestres da Loja entendem que o seu trabalho está a ser frutífero e que se aproxima a hora de novo avanço. O tempo da integração e da adaptação decorreu e está próximo de terminar, o tempo de progredir está-se a aproximar. Não quer isto dizer que a progressão, o avanço esteja já aí ao virar da esquina. Não é incomum, pelo menos na Loja Mestre Affonso Domingues, que, entre o momento em que o Aprendiz é incentivado a começar a elaboração da sua prancha e aquele em que deixará de ser Aprendiz medeiem uns bons seis meses, ou mesmo mais. É que, entre o primeiro incentivo ao Aprendiz à elaboração por este de uma prancha e a conclusão por este da dita, vai seguramente decorrer algum tempo. E depois há que agendar a sua apresentação em Loja. E, decorrida esta, haverá que aguardar pela ocasião propícia para a Passagem do Aprendiz à fase seguinte do seu percurso maçónico. E já neste espaço deixei consignado (por várias vezes) que pressa e maçonaria não ligam bem...

A elaboração pelo Aprendiz de uma Prancha é essencial para possibilitar o seu avanço de grau. A Prancha do Aprendiz é como que o relatório do seu trabalho, o registo da sua mudança, a exposição da sua evolução, patenteados perante a Loja. Não é um exame – o Aprendiz não tem que provar a sua proficiência em Simbolismo, Aperfeiçoamento e Artes e Ofícios Correlativos... Aliás, tudo o que o Aprendiz tem de provar, tem de o fazer a si próprio, apenas e tão só, e a mais ninguém. Se ele quiser lograr alguém, só ele será enganado, mais ninguém...

A Prancha do Aprendiz é, antes do mais e para além de tudo o mais, apenas mais um trabalho que este deverá executar. Com a diferença que este se destina, não apenas ao interior de si próprio, mas também a ser apresentado, escrutinado, apreciado em Loja.

O essencial interesse da Prancha de Aprendiz é a sua feitura. Mais uma vez, o que interessa é o percurso, não a meta. Também aqui o essencial é o trabalho que o Aprendiz realiza e não propriamente o seu resultado final. Há Pranchas de Aprendiz belas e vulgares. Enciclopédicas e triviais. Extensas e breves. Profundas e superficiais. Enfeitadas e toscas. Literatas e simples. Imaginativas e insossas. Há de tudo. Não importa. O que importa é o investimento pessoal que o Aprendiz fez na sua elaboração e, com ele, o que aprendeu, o que sistematizou, a aresta que limou.

Apresentada que esteja a prancha, ela é sempre, na Loja Mestre Affonso Domingues, objecto de apreciação e comentário dos Mestres presentes. Normalmente, todos os Mestres, ou quase, se pronunciam. E todos os que o fazem, qualquer que seja o nível da prancha, do mais esplendoroso e credor de admiração, ao mais simples, nos seus comentários lobrigam algo de positivo, algo de bom, e algo de negativo, algo susceptível de melhoria. Pode o trabalho ser objecto dos mais entusiásticos encómios – mas não deixará de ver apontado um, insignificante que seja, aspecto em que se declara que podia ser ainda melhor. Pode o trabalho sofrer as mais ferozes críticas – mas não deixará de se realçar, por minúsculo que seja, o aspecto merecedor de uma referência elogiosa. Porque todo o trabalho dedicadamente feito merece encómios e nenhum trabalho humano é perfeito. Porque foi feito e apresentado por um dos nossos. E os nossos têm de nós sempre o elogio misturado com a censura, para que nunca sucumbam à tentação de subir às alturas que causaram a queda de Ícaro; e os nossos merecem de nós sempre a crítica lúcida, verdadeira e leal, mas sempre temperada com o incentivo do nosso reconhecimento do que de bom é feito e da sua capacidade de fazer melhor.

Normalmente, as três últimas intervenções são, respectivamente, do 2.º Vigilante (o Mestre responsável pela Coluna dos Aprendizes) – que termina a sua intervenção declarando que entende que o Aprendiz está pronto para avançar para o grau seguinte -, do 1.º Vigilante (o Mestre responsável pela Coluna dos Companheiros) – que termina a sua intervenção manifestando a sua disponibilidade para receber o Aprendiz que apresentou a Prancha na sua Coluna – e do Venerável Mestre – que sintetiza tudo o que foi dito, anunciando que oportunamente se procederá ao aumento de salário (isto é, à passagem de grau) do autor da prancha.

Assim se declara o reconhecimento da Loja da evolução que o Aprendiz teve desde que foi iniciado. Assim funciona e trabalha a Loja Mestre Affonso Domingues. E não nos temos dado mal com o sistema...

Rui Bandeira

21 janeiro 2008

MAÇONARIA E AMBIENTE- Conclusão: Fazer diferença

Apelar às boas práticas de poupança e protecção do ambiente há muito quem faça. Ele é o grupo que trata das espécies ameaçadas, ele é a associação que denuncia as duzentas e cinquenta e sete mil e quinhentas maneiras de poluir a água, o ar, o solo e as mentalidades, ele é a organização que pugna pelos parques naturais...

Para chamar a atenção sobre a causa da protecção do ambiente existem muitas e variadas associações, organizações, comissões. Uns mais fundamentalistas, outros mais pragmáticos. Uns pugnando pelas energias renováveis, entre as quais a energia hídrica, outros lutando contra a construção de barragens produtoras de energia hídrica, em nome da preservação da Natureza mais natural, verde mais verde não há...

A conservação do ambiente está na moda! O aquecimento global parece que está aí e agora todos acordaram, despertados pelo toque do despertador da urgência do aqui-del-rei que o efeito de estufa vai estragar isto tudo, somos todos uns inconscientes que estamos a dar cabo dos futuros dos nossos netos e dos netos deles e o pior de tudo é que até mesmo o nosso futuro parece que não é brilhante...

A protecção do ambiente já está, mesmo, a servir de pretexto para grandes novos negócios, que a seu tempo irão substituir o declínio dos velhos negócios poluidores do ambiente. O ambiente, sua protecção e conservação é hoje pretexto para tudo e mais alguma coisa, disto e do seu contrário, daquilo e das perspectivas que aqueloutro abre. Reconhecê-lo não é minimizar o tema, é simplesmente ser realista.

No entanto, o certo é que, com ou sem fundamentalismos, com ou sem exageros, com ou sem negócios, com ou sem modas, é efectivamente necessário proteger o ambiente, propiciar a manutenção da maior diversidade biológica possível, procurando evitar a extinção de espécies, tentar não agravar e, se possível, diminuir o efeito de estufa, trabalhar para não agravar e, de preferência, diminuir a poluição aérea, aquática, dos solos e, sobretudo, das mentes. Não por causa do lince da serra da Malcata ou do tigre siberiano, mas por causa de um bicho muito mais problemático: o Homem! Não por causa da defesa da floresta pela floresta, mas pelo que ela representa para a manutenção possível do nosso modo de vida e da Civilização Humana. Não porque a Natureza é bonita e a Terra é um Planeta Azul, mas porque a Natureza é o nosso meio natural de sobrevivência e a Terra o nosso único porto de abrigo em todo o Universo - pelo menos por enquanto e por muito mais tempo, tanto quanto podemos prever.

A protecção e conservação do ambiente é, pois, mais do que a moda ou o negócio, uma necessidade.

Muitos - cada vez mais - vão disso estando conscientes e, por isso, muitas associações, fundações, comissões, organizações, grupos, comités, enfim, todo este mundo e mais um par de botas, tudo e todos, estão despertos e actuantes (ou, pelo menos, falantes...) sobre o tema.

Estando o tema na ordem do dia, havendo tantos e tão variados contributos sobre ele, que mais-valia neste campo pode afinal trazer a Maçonaria?

O que procurei demonstrar foi que, no meu entender, o contributo que a Maçonaria pode utilmente dar não é engrossar o caudal dos voluntarismos, das actuações avulsas ou organizadas, dos activismos. Esse caudal é já importante e importa, aliás, que não se transforme, por causa dos fundamentalismos militantes que aqui e ali nele flutuam, em torrente destruidora de tudo e de todos, em homenagem a um bacoco bucolismo.

O contributo que a Maçonaria pode dar é procurar identificar os grandes temas enformadores dos principais problemas ambientais, procurar para eles chamar a atenção, propiciar a investigação das soluções possíveis para a sua resolução.

Na minha muitíssimo modesta opinião, os três reais campos em que se impõe que a Humanidade trabalhe e encontre as soluções para a doença de que as alterações ambientais são apenas sintomas são a Demografia, a Energia e a Economia. Sem resolvermos o problema demográfico, sem resolvermos a dificuldade de suprir as necessidades energéticas da nossa civilização sem delapidarmos os recursos naturais, sem cumprirmos o verdadeiro objectivo da economia, que é o de suprir as necessidades de todos, podemos fazer todas as campanhas que quisermos, ter todos os voluntarismos de que formos capazes, mas não resolvemos o problema do Equilíbrio Ambiental.

Em meu entender, o papel da Maçonaria, neste como noutros planos, é o de deixar campo livre e aberto a quem olha, analisa, vê, cuida, protege e acarinha as árvores, dedicando-se antes a olhar para a floresta e a cuidar da sua preservação global.

Que os muitos outros que se preocupam com o ambiente cuidem dos detalhes, das minudências, das urgências, que também se impõe sejam cuidados. A Maçonaria deve congregar à identificação, estudo e resolução dos problemas que estão a montante da questão do ambiente e que, por isso, são a verdadeira causa da existência de um problema de Equilíbrio Ambiental

Assim se ganhará o Futuro. O Futuro que começa já amanhã!

Rui Bandeira