Em comentário ao texto
A Prancha de Aprendiz, JPM/David escreveu:
Incrível como você consegue tanto escrever em trabalhos e pranchas, sem nunca nos revelar no que é que consiste no sentido prático a realização desse material. Nem uma mínima vez.
Não leve a mal estas palavras mas isto sendo um blog publico, se bem que de preferência para iniciados, esperava obter mais "luz" por assim dizer sobre o trabalho que se efectua enquanto maçon.
Confesso que isto é um nevoeiro total para mim, até porque o estado das coisas é propositadamente deixado oculto, claro.
Só um ignorante de primeira classe é que se pode indignar com o carácter discreto da maçonaria.
Mas para um profano como eu que tenta conceptualizar ou pelos menos reconhecer materialmente um mínimo o papel desempenhado pela maçonaria, e que ouve constantemente falar em ritos, iniciações, graus, trabalhos e progresso social ou intelectual com as suas prováveis influencias, vindo de gente como vocês maçons, é difícil, muito difícil, não concluir que maçonaria pode ser tudo e nada ao mesmo tempo.
Espero não me tornar em ridículo ou ter ofendido o senhor mas cada vez mais sinto uma curiosidade não pelo lado místico da maçonaria mas sim pelo lado puramente Pragmático da vossa ordem (desculpem o termo possivelmente errado).
PS: Que tal uma secção do tipo "Discutindo com o profano" (discutindo, não conversando).
Prometi-lhe uma resposta em cinco textos. Com este e mais outro, acabam por ser seis, dos quais já publiquei anteriormente quatro:
Os meus Irmãos reconhecem-me como tal,
O que se faz em Loja,
Como se faz em Loja e
Porque se vai à Loja.
Com o primeiro, penso ter esclarecido a dúvida de JPM/David sobre o que é uma prancha maçónica. Aquele texto foi uma prancha apresentada por mim em Loja. Com a exemplificação, certamente a dúvida ficou esclarecida.
Com os outros três, procurei esclarecer sobre o trabalho que se efectua enquanto maçon, o quê, como e porquê, ou seja, e utilizando a expressão de JPM/David, o lado "pragmático" da Maçonaria.
Neste texto, proponho-me responder directamente ao comentário de JPM/David, designadamente sobre o seu lamento, melhor dizendo, a sua constatação, de que um profano, apesar do (muito) que neste blogue se divulga, explica, mostra, acerca da Maçonaria, permanece dentro de um "nevoeiro" (expressão de JPM/David) em relação ao que realmente fazem os maçons, considerando mesmo que "o estado das coisas é propositadamente deixado oculto".
Já várias vezes deixei bem explícito que aquilo que a Maçonaria reserva exclusivamente para os seus membros é muito pouco, muito menos do que por aí se pensa: a identidade dos maçons que não divulgaram publicamente a sua condição, as formas de reconhecimento, as cerimónias de iniciação, passagem e elevação (e, a outro nível, as cerimónias de concessão dos Altos Graus) e o teor concreto de uma determinada reunião. E, se pensarmos bem, esta (pouca) matéria reservada justifica-se que assim seja.
A reserva de identidade de maços que não divulgaram publicamente essa condição justifica-se em face dos preconceitos que ainda impendem sobre a Maçonaria.
As formas de reconhecimento, por razões evidentes. Se fossem divulgadas eram inúteis como meio de verificação se um determinado elemento, que pessoalmente nos é desconhecido, é ou não maçon. São, no fundo, a forma, arcaica mas que o tempo provou ser eficaz, de "bilhete de identidade" do maçon. Claro que, tal como os bilhetes de identidade são falsificáveis, também há profanos que conhecem algumas das formas de identificação dos maçons. Tal como uma boa falsificação de um bilhete de identidade pode enganar alguns durante algum tempo, também o profano que conheça algumas das formas de identificação dos maçons se pode fazer passar por maçon, enganando alguns durante algum tempo. Mas, mais tarde ou mais cedo, a falsidade da sua condição acabará por ser revelada, seja porque muito dificilmente conhece
todas as formas de reconhecimento que deve utilizar em
todas as ocasiões e em
diversas circunstâncias, seja sobretudo porque, tendo obtido ilegitimamente algumas formas de reconhecimento, com toda a probabilidade também obteve - e usará... - formas de reconhecimento que são
erradas, realmente inexistentes, que nada significam e que permitem verificar que quem as usa não sabe o que está a usar... Este método funciona um pouco como o método que as empresas que elaboram e publicam mapas utilizam para defender os seus direitos de autor e poderem provar a apropriação abusiva do seu trabalho por outros: no meio dos mapas, colocam propositadamente meia dúzia de insignificantes, quase imperceptíveis e irrelevantes erros. Se alguém copiar esses mapas, copiará também esses erros e... está apanhado!
A razão da reserva sobre as cerimónias prende-se com a eficácia dos efeitos que se pretende tenham sobre aqueles que por essas cerimónias passam. Já tive oportunidade de desenvolver este assunto no texto
A Iniciação (I).
Quanto o teor concreto das reuniões, a razão da sua reserva é puramente pragmática e equivalente às razões porque as empresas não divulgam o teor concreto das reuniões dos seus quadros, as associações não publicam o teor concreto das reuniões dos seus corpos directivos, os partidos políticos reservam para os seus militantes as suas reuniões deliberativas e de preparação e acerto de estratégias, a Cúria Roma não divulga o teor concreto das reuniões entre o Papa e os Cardeais e todos nós reservamos para a intimidade da nossa casa e não divulgamos a terceiros muito do que falamos entre a nossa família. Em todos os casos, não por razões condenáveis, mas porque corresponde à reserva da vida privada de pessoas e instituições. Se é assim em relação à generalidade das pessoas e instituições, não há razão para assim também não ser em relação à Maçonaria...
Fora deste limitado quadro, tudo é divulgável, publicável, explicável. E nós, aqui no blogue
A Partir Pedra, consideramos que é bom, é saudável, é vantajoso para a Maçonaria e para a sociedade, que, fora do apontado e limitado quadro, se divulgue, publique e explique a Maçonaria, seus princípios, suas formas, seus objectivos, seus anseios, seus projectos, suas realizações, grandes ou pequenas, importantes ou modestas.
Como se explica, então, que como JPM/David referiu, persista o "nevoeiro" atrapalhando a visão do profano?
A resposta é simples, se JPM/Davis e restantes profanos que nos lêem e sentem a mesma frustração puserem a si próprios a seguinte pergunta:
Como se descreve a um cego de nascença a cor verde?
Há coisas que só são plenamente compreendidas por quem as vive! Não é por acaso que é frequente, quando descrevemos a alguém algo que reputamos de extraordinário, de incomum, de anormal, utilizarmos a expressão
Isto só visto!...
Por mais que se procure ser esclarecedor, a complexidade e a riqueza da vivência maçónica é tal que só pode ser plenamente apreendida por quem... a vive! E nem valeria a pena, sequer, por exemplo, descrever pormenorizadamente todos os gestos, actos, palavras, de, por exemplo, uma Cerimónia de Iniciação, qual guião. Seria um texto loooongo, maçador e que apenas serviria para retirar alguma surpresa e inviabilizar algum do significado da cerimónia, sem com isso permitir a apreensão da atmosfera, do ambiente, das emoções, dos efeitos que essa cerimónia, bem executada, provoca naquele que por ela passa.
No entanto, procurei, no texto
A Iniciação (II) enquadrar conceptualmente esta cerimónia e assim dar a quem está de fora a possibilidade de ter alguma noção do que se faz e porque se faz. Fi-lo o melhor que pude e soube. Mas nunca conseguiria, por tal ser inexequível, transmitir para quem não passou por essa cerimónia, o acervo de emoções, sensações, sentimentos, que ela provoca e se destina a provocar. Porque...
só visto!, ou melhor, só vivido, porque não é possível descrever uma cor a quem nunca viu e não tem pontos de referência que lhe permitam apreender o conceito de cor, muito menos a sua aplicação a uma cor determinada.
Isto faz com que muitos dos textos que aqui publico acabem por ter uma característica curiosa: são textos com dois níveis de entendimento. Um por quem está de fora, o outro por quem está dentro. Não imaginam a quantidade de vezes que um Irmão meu me comentou: tu, no texto tal, divulgaste tudo, ficou tudo dito... E, normalmente eu peço ao Irmão que faz esse comentário para reler o texto que apontou, não à luz do que sabe, do que viveu, do que apreendeu, mas como se ainda fosse o profano que um dia foi e verifique se com esse texto consegue chegar ao que sabe, viveu e apreendeu. E invariavelmente a resposta é que, afinal, quem não estiver por dentro do assunto, não consegue ter do texto o mesmo entendimento que aquele que o conhece.
Mas isto não é propositado. É simplesmente um facto da vida!
Para terminar, fique JPM/David descansado: não foi ridículo, não ofendeu - foi oportuno e deu pretexto para uma série de textos que espero tenham sido esclarecedores, tanto quanto possível.
E não é precisa uma secção
Discutindo com o profano. Todo este blogue se destina a essa interactividade. Por isso todos os comentários são apreciados e procuramos responder. Às vezes também em comentário. Às vezes em textos suscitados por comentários havidos.
Rui Bandeira