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09 julho 2014

Dar e receber


Ingressar na maçonaria, juntar-se a uma Loja maçónica não é um ato destinado à obtenção de quaisquer vantagens materiais ou sociais. O ingresso na Maçonaria, a permanência numa Loja maçónica traz benefícios de ordem espiritual, moral, de aperfeiçoamento pessoal, de preenchimento do sentido da vida e plenitude na vivência do tempo que a cada um cabe neste plano da existência.

Dito de outro modo: o ingresso na maçonaria não se destina à obtenção de vantagens materiais ou sociais, prossegue o objetivo de nos ajudar a ser melhores e mais felizes

A vivência numa Loja maçónica é um contínuo e inesgotável ciclo de troca, de dar e receber. Cada um dá à Loja o que tem de útil para lhe dar e dela recebe aquilo de que ela dispõe, o que recebeu de todos, para fruição e aperfeiçoamento de cada um.

É dando a nossa quota-parte que criamos as condições para recebermos o nosso quinhão. Desengane-se quem porventura julga que o que interessa é "entrar" e depois basta aguardar que aquilo que esperamos e o que nos é inesperado nos caia nos braços! A Maçonaria tem uma curiosa caraterística: tudo proporciona, mas nada dá. 

Trocando por miúdos: a Maçonaria proporciona um meio, um ambiente, um método, uma cultura, um grupo, tudo disponível para que cada um de nós utilize em prol do seu aperfeiçoamento, do seu crescimento, da sua evolução. Mas faz só isso - e muito é! Cabe a cada um fazer pela sua vida e mergulhar no meio, viver o ambiente, utilizar o método, apreender a cultura, inserir-se no grupo, e com isso lograr melhorar, desenvolver-se, crescer, viver melhor, em suma, ser melhor.

O trabalho, o esforço, a vontade, são sempre individuais. O auxílio, a orientação, a envolvência, esses sim, advêm da Instituição, da Loja, do grupo.

Assim, a entrada na Maçonaria, a iniciação numa Loja, não é mais do que um prelúdio, um momento - marcante, sem dúvida! -, uma condição necessária, mas não suficiente para que o objetivo do desejado aperfeiçoamento seja obtido. Esse ato marca apenas o começo do trabalho, o início da caminhada, o plano de partida. O maçom, a partir dessa base, primeiro amparado pelos seus Irmãos, que decidiram acolhê-lo no seu grupo, depois guiado e orientado por eles, finalmente por si só, fará depois o trabalho que entender, seguirá o caminho que escolher, chegará ao plano a que conseguir chegar. Nada, a não ser condições e conselho, lhe é dado. Tudo o que cada um obtém resulta do seu esforço, do seu trabalho.

A maçonaria e a vivência em Loja têm ainda uma outra interessante caraterística: é dando que se recebe e quanto mais se dá, mais se obtém.

Porque sempre que o maçom dá um pouco do seu esforço, efetua uma investigação, organiza algo, executa uma tarefa, ajuda um Irmão, está a aprender algo, a aprimorar-se nalgum aspeto. Finda qualquer tarefa, ultimado qualquer projeto, não é só o que se fez que ficou feito; quem o fez também ficou melhor, seja porque aprendeu, seja porque exercitou, seja pelo que relacionou ou relacionará e lhe permitirá ir mais adiante, ou aprofundar algo mais, em si, no que sabe ou no que investiga ou busca.

O resultado do trabalho de um maçom é por ele disponibilizado ao grupo, à Loja, e todos com isso beneficiam, ao menos conhecimento ou uma nova visão ou conceção do que já conhecem. Mas o maior beneficiário é quem fez o trabalho, que no final dele será sempre, um pouquinho que seja, melhor, mais ilustrado, mais conhecedor, mais preparado, mais capaz, do que estava antes de iniciar a tarefa.

Quem frequente uma Loja apenas para ver o que acontece, o que lá se passa, o que é dito e apresentado, muito pouco rendimento tira do seu tempo. Quem participa, colabora, auxilia, sugere, pensa, toma a iniciativa de propor ou de fazer, esse, sim, ao fim de cada ano sente que é diferente, melhor, mais capaz, do que era no ano anterior. E entende que, prosseguindo nessa linha, certamente é, no momento, pior do que será no ano seguinte.

O maçom ativo aprende que dar, trabalhar, fazer, tomar a iniciativa, ajudar, cooperar, são tudo atos do mais inteligente dos egoísmos, pois tudo, bem vistas as coisas, redunda no seu próprio benefício.

Claro que isto não é compreendido por quem vive (ou sobrevive) apenas para o dinheiro, os bens materiais, a passageira consideração social. Por isso a Maçonaria não é para todos. Mas isso não é nenhum segredo...

Rui Bandeira 

20 maio 2014

É hora de escrever …

Como escrever algo quando a inspiração a isso pouco ou nada ajuda?

Escolher um tema, daqueles que julgamos saber, estudá-lo um pouco mais, ou na realidade, estudá-lo pela primeira vez, desenvolvê-lo, interpretá-lo e escrever sobre ele?

Escrever sobre tudo e nada, sobre nada em particular, sobre tudo em geral?

“Bater” toda esta mistura de ingredientes e como sempre vontade de a saborear e escrever … e levado ao “forno” sair algo sobre maçonaria.

Seja assim então! É hora de escrever.

O que não falta a um maçon é inspiração para escrever, essa é uma capacidade que nos é reconhecida pelos demais, embora particularmente encontre que muitas das vezes a simpatia e a amizade fazem com que as críticas e os reparos sejam amenos.

Quais os temas, daqueles que julgamos saber e dominar de lés a lés, quando na realidade nada sabemos sobre eles? Não insinuo sobre aqueles que sabemos mais ou menos, muito menos sobre os outros em que sabemos uma ou outra coisa, pronúncio sim aqueles em que temos a profunda noção que nada sabemos, mas insistimos em dizer que sim e, na generalidade dos casos a nós próprios, sendo esse um erro que é, como muito bem sabemos e até reconhecemos, fatal (metaforicamente falando).

Esta parte de estudar, de pesquisar, de ouvir e de aprender é, a partir de determinada altura, na vida de um maçon, uma enorme e valente chatice, podendo até ser considerada como uma afronta e ou uma falta de respeito. A partir de determinada altura, tudo se sabe, tudo se domina, tudo se encara de maneira diferente, tudo tem e emana luz e, na realidade, não passa de uma ilusão individual.

Escrever é tão só, algo que considero individual e ao mesmo tempo coletivo. Quem escreve, fá-lo porque assim o entende, escreve porque tem gosto nisso. E se ao escrever for possível aprender? E evoluir?

Cá vou aprendendo as minhas “coisas”, os temas que considero importantes estudar, desenvolver e interpretar, dando-lhes depois o meu cunho, mas esses não os partilho, pois esses fazem parte do meu caminho, da minha discrição, do meu templo interior. Não tenho necessidade e nem os quero partilhar, não sendo isto defeito, mas sim feitio. 

É hora de escrever que há uns tempos que a inspiração me falta, que há (muitos) temas que não domino e que os tento aperfeiçoar um pouco mais a cada nova aurora.

Não sou, nem ambiciono ser nem mais nem menos, sou apenas aquilo que sou e sempre aquilo que quero ser.

E por fim, mas nunca por último, que tem tudo isto a ver com Maçonaria?

É aquela simples parte de escrever sobre tudo e sobre nada. Individual em prol do coletivo, estando à ordem!

Daniel Martins


23 outubro 2013

O maçom, a vida e a morte



Só pode ser admitido maçom regular quem seja crente num Criador, qualquer que seja a sua conceção Dele, e creia na vida para além desta vida. Só assim faz sentido o processo iniciático maçónico, só assim é profícuo o labor de análise, interpretação e aprofundamento da simbologia maçónica, alguma dela diretamente baseada em elementos extraídos de textos de natureza religiosa.

No seu processo de construção de si mesmo segundo o método maçónico, o estudo, a meditação, a associação livre, a descoberta de significados dos significantes que são, afinal, os símbolos, o maçom, se bem fizer o seu trabalho, inevitavelmente que nalgum momento se confrontará com a busca do significado da Vida, do seu lugar no Mundo e na Vida, com a Vida ela mesma e com a morte do seu corpo físico.

Se bem faz o seu trabalho, o confronto com a morte física, à luz da sua crença na vida para além da vida e dos elementos colhidos nos seus estudos simbólicos, algo de muito positivo lhe traz: a perda do medo da morte! Pausada, calma e profundamente analisada a questão, quase que intuitiva é a conclusão de que a morte é simplesmente parte da vida, do percurso que efetua a centelha primordial que nos anima e que é o melhor de nós, que é, afinal o essencial de nós, a Vida em nós, que permanece para além da deterioração, desativação e destruição do invólucro meramente físico a que chamamos corpo. Porventura adquirirá mesmo a noção de que essa morte física é indispensável ao processo vital, à essência da vida, que é feita de energia e transformação e mudança.

A perda do medo da morte é uma imensa benesse conferida àquele que dela beneficia, por isso que o liberta para apreciar plenamente a Vida, vivê-la em pleno, colocando nos seus justos limites tudo o que de bom e tudo o que de mau se lhe depara.

A perda do medo da morte propicia enfim a Sabedoria para apreciar a Vida da melhor forma que se tem para tal: vivendo-a, sem constrangimentos, sem medos, sem dúvidas, sem interrogações sobre quanto durará o bem de que se desfruta, quanto se terá de suportar até superar o mal que se atravessa. É a perda do medo da morte que nos ilumina para o essencial significado da Vida: ela existe para ser vivida, para ser utilizada e modificada (na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma, disse-o, há muito, Lavoisier...), força perene essencial que existe e prossegue existindo através da sua contínua transformação.

A perda do medo da morte assegura-nos a Força para continuamente persistirmos na nossa melhoria, na nossa purificação, não porque interesse ao nosso corpo físico, mas porque disso beneficia a nossa centelha vital, que melhor evoluirá quanto mais beneficiar do que aprendemos, do que acrescentarmos eticamente a nós próprios e portanto a ela. A nossa melhoria, o nosso aperfeiçoamento ético liberta a nossa consciência para alturas que as grilhetas do egoísmo, da materialidade, dos vícios e paixões impedem que atinja. É a nossa Força nesse combate que constitui o cais de partida da nossa identidade para a viagem possibilitada pela purificação da nossa essência, que terá lugar após a libertação do peso do nosso corpo físico (será isto o Paraíso, a Salvação?). Pelo contrário, a insuficiente libertação da nossa essência do peso do vício e das paixões, do Mal enfim, inibirá essa nossa essência de subir tão alto e ir tão longe como poderia ir se liberta, quiçá limitando o valor futuro da nossa vida que permanece, quiçá impondo a continuação de esforços de purificação e transformação (será isso o Inferno, a Perdição?)

A perda do medo da Morte permite-nos enfim desfrutar plenamente da Beleza da Vida - sem constrangimentos, sem temores, sem interrogações. Como diz a canção, o amor poderá não ser eterno, mas que seja imenso enquanto dure. Apreciar a Beleza da Vida sem temer ou lamentar a mudança, que algum dia inevitavelmente ocorrerá, permite a suprema satisfação de sentir realmente toda a beleza que existe na Beleza, toda a vida que há na Vida. Verdadeiramente. Um segundo que seja que se consiga ter deste clímax vale por toda uma vida...

Encarar a morte à luz da Vida e, portanto, deixar de a temer, liberta o nosso Ser para além dos constrangimentos da materialidade, reduz o Ter à sua real insignificância, dá-nos finalmente condições para, se tivermos atenção no momento preciso e irrepetível que antecipadamente desconhecemos quando surgirá, podermos entrever a Luz - a Luz da compreensão do significado da Vida e da Criação, da sua existência e da direção e objetivo do seu Caminho. Poucos, muito poucos, ainda que tendo trabalhado bem, ainda que persistentemente tendo polido sua Pedra, têm a atenção focada na direção certa quando esse inefável e intemporal momento passa. Esses são os afortunados que de tudo se despojaram e afinal tudo ganham ainda neste plano da existência. Esses passam verdadeiramente pelo buraco da agulha, porque o peso das suas paixões é inferior ao de uma pena e nada os distraiu. Esses aproveitam a Vida tão plenamente que o comum de nós nem sequer suspeita da possibilidade de existência desse aproveitamento. Esses, sim, são templos vivos onde se acolhe o mais essencial do essencial: tão só e simplesmente, a essência da Vida (será isto afinal o elo ao divino?).

O maçom que faz bem o seu trabalho perde o medo da morte e pode viver plenamente a Vida. Mais não lhe é exigível. O resto que porventura venha, se vier, vem por acréscimo...         

Rui Bandeira

16 outubro 2013

Os construtores da Utopia



Desde que, no século XVI, Thomas More inventou a palavra e dela fez título de uma das suas obras que se designa por Utopia a sociedade ideal, perfeita.

Em termos sociais, os maçons procuram contribuir para a construção dessa Utopia. Fazem-no desde logo procurando melhorar a qualidade dos materiais de que se fazem todas as sociedades: os homens, suas ideias e suas ações.

Nenhuma sociedade organizada, qualificada e funcionando com um exigível nível mínimo de organização, qualidade, liberdade e eficiência pode assentar em pessoas desqualificadas, seja em termos de conhecimentos e preparação, seja do ponto de vista da Moral e dos Valores inerentes a uma sã, agradável e produtiva vida em comum.

Não há Valores sociais que se fundem perenemente em homens de baixo caráter e inferiores qualificações pessoais e relacionais. Homens apenas primários, sem capacidade para ver e agir para além dos seus interesses pessoais egoísticos e imediatos não geram nem acalentam valores essenciais a qualquer sociedade eticamente relevante. 

As sociedades são compostas por pessoas. Quanto melhores forem estas, melhores podem ser as Sociedades, os seus valores, os seus níveis de organização e cooperação. Por isso, ao construir-se a si próprio, ao melhorar-se a si mesmo, cada maçom está também a contribuir para a melhoria da sociedade em que se insere, a favorecer um pequeno, quiçá quase insensível, mas sempre significante, avanço da sociedade em que se insere na construção da Utopia.

Mas a Utopia não se constrói apenas com os materiais, as pessoas. Essa construção necessita também de ferramentas, os valores. Neste campo, muito se avançou, na parte mais desenvolvida do Mundo: a Liberdade é reconhecida como indispensável à existência de uma Sociedade digna dos seus cidadãos; a Igualdade é uma aspiração que se busca concretizar mais e mais; a Fraternidade emerge como uma condição indispensável à coesão social; a Tolerância emerge cada vez mais como uma necessidade; a Justiça consolida-se como uma essencialidade; a Solidariedade aparece como um elemento indispensável à reação comum ao infortúnio, ao cataclismo ou simplesmente à adversidade. Paulatinamente, estes e outros essenciais valores adquirem o estatuto da naturalidade e ascendem ao patamar da indispensabilidade. Mas muito ainda há e haverá ainda a fazer, para que esses valores sejam efetivamente para todos tão naturais como o ato de respirar.

Porém, a construção social não se basta apenas com bons materiais e sólidas ferramentas. Há que limpar o espaço, que afastar tudo o que prejudique a edificação que se busca. Há, assim, que lutar com, afastar, remover, os preconceitos que tolhem o avanço comum - mas sem os substituir por novos preconceitos, quiçá de sinal contrário. Também neste campo muito se avançou. Também aqui muito mais há ainda a fazer. O racismo perdeu o estatuto de naturalidade que ainda há cerca de meio século (tão pouco tempo ainda; não mais de duas gerações...) detinha em sociedades tão importantes como, por exemplo, alguns Estados dos Estados Unidos. Mas subsiste teimosamente em muitas mentes e manifesta-se ainda insidiosamente em demasiadas situações e abertamente numas quantas delas! A igualdade entre sexos evoluiu notavelmente no último maio século, mas ainda é, manifestamente, um valor ainda frágil, que muitos afastam sem rebuço à menor dificuldade social (basta ver as diferentes taxas de desemprego e os não coincidentes níveis de remuneração entre os dois sexos). A Igualdade afirmou-se quase universalmente como princípio absoluto na teoria, mas é muito insuficientemente ainda na realidade concretizada na prática, continuando - infelizmente! - ainda a ser válida a frase de O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, de que "Todos são iguais... mas há alguns mais iguais do que os outros". Os fundamentalismos existem, estão à vista de todos e não são extirpáveis por decreto.

 Muito se andou, mas muito caminho está ainda por percorrer, se se quiser ficar perto de ver ao longe uma Sociedade que possa aspirar a comparar-se levemente com a Utopia... E esse caminho tem de ser percorrido passo a passo, incansavelmente, inabalavelmente, persistentemente, por cada um que aspira à Utopia.

Ao dedicarem-se ao seu aperfeiçoamento, os maçons fazem esse caminho, dão o seu contributo à Sociedade para a evolução desta. O que cada um dá é ínfimo, quase imensurável, no contexto da imensidão do que é necessário. Mas o conjunto do que todos proporcionam possibilita o avanço, ajuda a que a evolução se torne visível.

Os maçons são, por natureza, construtores da Utopia. Não se afirmam, nem pretendem ser os únicos. Todos não são demais, que a tarefa é enorme e prolongada!

Rui Bandeira 

09 outubro 2013

Reflexão



No século XVIII, quando se expandiu a Maçonaria Especulativa, esta seguia e divulgava os princípios do Iluminismo. A Maçonaria foi então um farol que apontou o caminho da evolução social, da conceção laica, livre, igual, fraterna e tolerante do mundo, da sociedade e do lugar nela do Homem. 

O pensamento escolástico é substituído pela Ciência Experimental; racionalismo e empirismo substituem o pensamento arcaico apenas fundado nas interpretações teológicas dominantes; Locke teoriza a Tolerância como valor social; emerge o reconhecimento e proteção dos direitos humanos; o absolutismo é substituído pela submissão à Lei; a soberania por direito divino é substituída pelo conceito de que a soberania pertence ao Povo e deve ser exercida em nome do Povo, para o Povo e pelos representantes designados pelo Povo; emerge e triunfa a noção de que as sociedades devem prezar e preservar a Liberdade, assegurar a Igualdade, possibilitar a vivência em Fraternidade; o princípio da separação de poderes triunfa. Em toda esta evolução os maçons deram o seu contributo.

Trezentos anos depois, o mundo e a sociedade são radicalmente diferentes em relação ao que eram no início do século XVIII. Os valores que a Maçonaria adotou implantaram-se progressivamente em toda a sociedade e - felizmente! - hoje são essencialmente valores da sociedade, não de qualquer estrutura social, Maçonaria incluída.

Trezentos anos depois, verificando-se que o essencial do ideário maçónico venceu e está institucionalizado no mundo desenvolvido, inevitavelmente que surge a interrogação: continua, nos dias de hoje, a Maçonaria a fazer sentido? Não será hoje uma instituição ultrapassada pelo sucesso do seu ideário, transitada da modernidade no passado para o arcaísmo no presente? 

Em termos sociais, só o que mantém utilidade e sentido permanece. Tudo o que não preenche já o requisito da necessidade, do interesse, inevitavelmente estiola, fenece, cai em desuso, desaparece. Ou então transforma-se, assegurando a sua existência e pujança pela assunção de valores e interesses socialmente úteis e necessários no momento presente. Qual a função da Maçonaria hoje? Apenas a defesa dos valores que o tempo e a evolução social consagrou? Apenas uma instituição "anti-reviralho"? Ou será que a matriz genética da Maçonaria lhe permite vislumbrar, aprofundar, consensualizar novos caminhos ainda por explorar ou desenvolver, valores a implementar? Se assim é, quais os caminhos a que dar atenção, como consensualizar a direção a tomar?

Os tempos de hoje são radicalmente diferentes dos de há trezentos anos, de há duzentos anos, de há cem anos, mesmo de há cinquenta anos. As sociedades complexizaram-se visivelmente. A comunicação e os meios de a efetuar evoluíram, modernizaram-se, democratizaram-se, vulgarizaram-se. Onde antes havia poucos meios apenas ao alcance de uns poucos privilegiados, hoje tudo está praticamente à disposição de todos. A informação hoje é tudo menos escassa. Pelo contrário, começamos a ter dificuldade em selecionar, em determinar de entre a abundante cascata que incessantemente jorra sobre nós o que verdadeiramente interessa e o que é dispensável, o que é fundamentado e o que é apenas boato, palpite ou mesmo patranha. A segmentação de interesses e a extrema variedade de temas para os múltiplos interesses pessoais instalou-se. A informação hoje é multipolar e mundividente, cabendo ao indivíduo - a cada indivíduo - selecionar o que lhe agrada, o que lhe interessa, o que pretende. Neste circunstancialismo, qual o papel da maçonaria? Como pode e deve comunicar? Com que meios? Seguindo que estratégias? Procurando assegurar que objetivos?

Trezentos anos depois, estamos no fim do caminho, chegámos a uma encruzilhada ou simplesmente somos nós que temos de desbravar o caminho para que a Humanidade chegue aonde ainda não imaginou sequer poder chegar? O nosso - dos maçons, da Maçonaria, mas também da Humanidade - caminho chega até ao horizonte ou vai para além dele?

Tudo isto são interrogações que hoje se abrem à reflexão dos maçons e que é bom que os maçons se coloquem, em reflexão individual ou em análise coletiva, mas sempre plural.  

Por mim, penso que há ainda muito a fazer, que os sonhos e anseios do ideário maçónico estão ainda por completar. Quanta intolerância ainda campeia! Como são ainda vulneráveis muitos dos valores que, muitas vezes ligeiramente, consideramos solidamente implantados! E continua a haver - sempre continuará, acho - espaço e meio para cada um de nós poder melhorar e contribuir para a melhoria da sociedade. 

Mas também penso que as interrogações que atrás coloquei devem ser postas e que é tempo de lhes darmos atenção, de estudarmos os seus contornos e de buscarmos as respostas mais adequadas para cada uma delas. Nesse aspeto, a Maçonaria tem em si mesma uma caraterística organizacional que constitui uma poderosa ferramenta: a sua estrutura nuclear, com plena autonomia de cada Loja e, dentro destas, com plena aceitação dos caminhos e reflexões individuais de cada um. Isto permite que todas as interrogações acima colocadas - e muitas outras - sejam tratadas de formas diferentes, por gente diferente, em tempos diferentes, com diversas perspetivas. Cada Loja escolhe ou naturalmente dedica-se a um pequeno aspeto de um problema. Cada maçom interroga-se sobre o que lhe chama a atenção. Umas e outros buscam caminhos, propõem soluções. Cada Loja por si. Cada maçom em si. Em aparente desorganização e descoordenação. Mas é precisamente essa desorganização que se revela, afinal, muito bem organizada, na medida em que permite e gera o máximo de liberdade na reflexão dos grupos e dos indivíduos. Desse cadinho, a seu tempo emerge uma ideia que se espalha. Das ideias que se espalham, algumas fortalecem-se. Das que se fortalecem, algumas atingirão o patamar do consenso. E assim as ideias e os valores que o tempo presente reclama emergem e fazem o seu caminho, em sociedades modernas cada vez mais complexas.

Daqui a outros trezentos anos, quem então viver e se interessar fará o balanço sobre o êxito dos trabalhos, pistas, soluções e caminhos que agora efetuamos, buscamos, encontramos e prosseguimos.

Rui Bandeira

28 agosto 2013

Mitos (republicação)




(Este texto foi originariamente publicado no blogue A Partir Pedra em 22 de janeiro de 2009)

Se a lenda parte da realidade para a superar, o mito cria-se e perdura independentemente da realidade. A única ligação que existe entre a realidade e o mito é que aquela é o pretexto para o surgimento deste, muitas vezes como forma de explicação do que nela se não entende. Quando o homem não consegue explicar uma realidade, cria um mito que lhe dá a ilusão do conhecimento que lhe falta.

Muitos mitos originam religiões. A mitologia grega do Olimpo e dos seus deuses era a base da crença religiosa dos gregos da Antiguidade. Da mitologia grega deriva a mitologia romana e os seus deuses. Mito e lenda casaram-se e tiveram como fruto da sua união clássicos da Literatura, o maior exemplo dos quais é a Ilíada, o poema épico em que se narra a guerra e a queda de Tróia, quer no plano (lendário) das lutas entre os homens, Aquiles e Heitor acima de todos, quer no plano (mítico) da confrontação entre os deuses, uns defendendo Tróia, outros ao lado dos gregos.

O mito é produto da imaginação. É grandioso. Épico. Maravilhoso.

Mitifica-se o que se desconhece e nos parece importante.

Também na Maçonaria o plano mítico teve e tem o seu lugar. Desconhecendo-se a origem da Maçonaria, e não se dispondo dos meios científicos que a modernidade colocou ao alcance do historiador, também em relação a essa origem nasceram e subsistem mitos. De alguns sabemos hoje a origem. Como surgiram outros, só podemos tentar adivinhar - mas esse é terreno perigoso, não vá a adivinhação originar mito sobre a origem do mito... 

Surgiram mitos de que a Maçonaria seria herdeira dos Mistérios de Elêusis, ou dos Mistérios Esotéricos Egípcios, ou do Culto Mitraico, ou ainda continuadora da Escola Filosófica Pitagórica. Sem esquecer várias vertentes da Tradição Oriental (afinal de contas, os maçons buscam a Luz no Oriente...). Enfim, à míngua de certezas, as mais variadas e mirabolantes hipóteses são afirmadas como se certezas fossem, esquecendo-se que a busca da Humanidade pela compreensão dos mistérios da Vida e da Criação vem dos primórdios da sua existência, de todas as civilizações, do norte, do sul, do oriente e do ocidente e que é inevitável que interrogações comuns originem tentativas de explicação essencialmente semelhantes, em várias épocas e lugares. Poder-se-á sempre descobrir pontos de contacto entre a Maçonaria e as mais diversas Tradições. Isto não implica que a Maçonaria descenda ou suceda a esta, àquela ou aqueloutra Tradição. Prova apenas que a Interrogação Fundamental é a mesma, em todos os tempos e todos os lugares.

Mas talvez o mais famoso e persistente mito sobre a origem da Maçonaria seja aquele que a declara herdeira dos Templários, através dos sobreviventes do massacre de Filipe, o Belo, que lograram fugir para a Escócia e aí reconverter a sua Ordem de cavalaria na Ordem Maçónica. Este mito é ainda hoje muito disseminado, havendo maçons que piamente creem nas raízes templárias da Maçonaria. Também o mundo profano á sensível a este mito, como abundantemente foi demonstrado com as sequelas da obra de ficção O Código da Vinci, do autor americano Dan Brown e das variantes associadas àRosslyn Chapel. Porém, este é um mito cuja origem é perfeitamente conhecida. Mais, sabe-se inclusivamente quem o criou e lançou e os motivos por que o fez.

O mito da origem templária da Maçonaria deve-se a Andrew Michael Ramsay, também conhecido por Chevalier Ramsay, um intelectual da pequena nobreza escocesa do século XVIII, que viveu grande parte da sua vida adulta em França. Ramsay foi maçon - é sabido. Menos conhecido é o facto de que foi também consagrado Cavaleiro da Ordem de S. Lázaro de Jerusalém, originalmente uma Ordem Militar das Cruzadas, criada para proteger os peregrinos cristãos a Jerusalém.

Em Inglaterra, a Maçonaria, originariamente oriunda de uma classe profissional, com a sua evolução para a moderna Maçonaria Especulativa, rapidamente ganhara o apreço da classe nobre. Se o primeiro Grão-Mestre da Premier Grand Lodge foi um desconhecido e vulgar Anthony Sayer, de quem muito pouco se sabe e, entre isso, que, após o seu mandato de Grão-Mestre, por duas vezes recebeu ajuda financeira, o que revela que não dispunha de meios de fortuna e passou, mesmo, por dificuldades, logo em 1721 assumiu o ofício de Grão-Mestre Lord Montagu, o primeiro de uma longa linhagem de nobres ingleses (e, a partir de certas altura, nobres da Casa Real) que, até aos dias de hoje, detêm o mais alto ofício da hoje Grande Loja Unida de Inglaterra.

A Maçonaria foi introduzida em França em 1725-1726. A sua expansão neste país dependia de uma similar adesão da classe nobre. Porém, os nobres franceses dificilmente se deixariam seduzir por uma organização resultante da associação de operários construtores... Um dos grandes divulgadores da Maçonaria em França, nesta época inicial foi precisamente Ramsay. Em 1737, Ramsay escreveu um discurso, destinado a ser proferido perante uma assistência de nobres, que veio a ficar célebre, no qual associava a Maçonaria às Cruzadas e proclamava residir a origem da Maçonaria nas Ordens de Cavalaria criadas para conquistar e defender a Terra Santa, designadamente os Templários. Estava criado o mito... e garantida a adesão da nobreza francesa a uma organização com tão ilustre pedigree...

Rui Bandeira

21 agosto 2013

Lenda (republicação)




(Este texto foi originariamente publicado no blogue A Partir Pedra em 21 de janeiro de 2009)

Lenda é uma história romanceada. Normalmente partindo de um facto historicamente ocorrido ou referindo-se a um personagem que efetivamente existiu, constroi-se uma história mais rica, mais pormenorizada, mais interessante, que embeleza e enriquece o facto em que se baseia ou que engrandece ou particularmente qualifica o personagem que refere.

Na lenda parte-se da realidade e vai-se para além desta. Parte-se do que foi e chega-se ao que se gostaria que tivesse sido. Vai-se do real para o surreal (mais do que o real; para além do real). A lenda é sempre mais interessante, mais bela, mais apelativa à nossa imaginação e à nossa afetividade do que a realidade. A lenda é melhor do que a realidade. Só assim se justifica. Só assim existe. Só assim persiste.

A lenda é a melhor homenagem que a mente humana pode prestar à realidade. Um personagem valoroso, fora do comum, que se destaca, pode tornar-se um personagem lendário. Um acontecimento, porventura banal, quiçá trivial, mas que impressiona o intelecto, emociona a mente, desperta a imaginação, pode, com o passar do tempo, assumir uma dimensão lendária.

Porque a lenda vai para além da realidade, e portanto é melhor do que a realidade, mais bela, mais apelativa, mais memorável, facilmente a lenda perdura mais do que o real. E representa melhor os mais nobres ideais do homem. Todas as organizações humanas da maior relevância, mais tarde ou mais cedo assumem uma dimensão lendária, umas vezes coexistindo com a realidade, outras vezes apropriando-se desta e substituindo-a. Também a Maçonaria tem a sua dimensão lendária, com especial relevância e particular importância no seu ideário.

A moderna Maçonaria Especulativa baseia o seu simbolismo fundamental na Lenda de Hiram. Não vou aqui revelá-la, embora ela esteja profusamente publicada. A Lenda de Hiram tem a sua origem no episódio da construção do Templo de Salomão, relatado na Bíblia, no Livro dos Reis e também referenciado nas Crónicas. Conforme se pode ler num interessante trabalho de Ethiel Omar Cartes González, maçon da Loja Guatimozín 66, da Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo (Brasil), publicado na reconhecidaPietre-Stones, Revue of Freemasonryna Bíblia é mencionado Hiram como Hirão de Tiro, (Reis 7, 13) ou Hurão Abiú sendo Hurão, meu pai, (Crônicas 2,13) filho de uma mulher viúva, filha de Dã e que, junto com ser um homem sábio de grande entendimento, sabia lavrar todos os materiais. Mas a Bíblia não credita a Hiram Abif o cargo de diretor dos trabalhos de construção do Templo e sim como um artífice encarregado de criar as obras de arte que iriam a causar admiração aos visitantes. (De passagem: é esta referência bíblica a origem da expressão filhos da viúvacom que os maçons se autodenominam.)

Lenda de Hiram, trave-mestra dos ensinamentos transmitidos num dos graus da Maçonaria Azul e pretexto de desenvolvimentos em vários dos Altos Graus, sejam do Rito de York, sejam do Rito Escocês Antigo e Aceite, é indubitavelmente uma peça central do ideário maçónico. Apesar de todos lhe reconhecerem a natureza de lenda, a mesma é pretexto e instrumento e ferramenta para extrair e trabalhar muitos símbolos fundamentais da maçonaria, muitos ensinamentos a obter e desenvolver. Um maçon, após lhe ser transmitida a Lenda de Hiram, pode - e deve! levar muitos anos a estudá-la, a analisá-la, a compreender os significados dos símbolos por ela mostrados ou sugeridos, e disso tirar grande proveito pessoal, moral e espiritual. A Maçonaria não é só - longe disso! - a Lenda de Hiram. Mas a Lenda de Hiram, e os ensinamentos que possibilita e proporciona, é muito, muitíssimo, na Maçonaria.

A propósito de lenda: também a Loja Mestre Affonso Domingues tem como trave-mestra da sua existência uma lenda: a lenda da Abóbada, incluída pelo grande Alexandre Herculano nas suas Lendas e Narrativas, na qual o escritor nos apresenta o personagem de Mestre Affonso Domingues (que historicamente é certo que foi um dos arquitetos do Mosteiro da Batalha), elevando-o à imortalidade lendária, com o episódio do fecho da abóbada da Batalha e a subsequente morte do velho Mestre, após três dias de isolamento sob esta, como prova de confiança de que a mesma não derrocaria e a emblemática tirada de que a abóbada não caiu; a abóbada não cairá. Também nós, esforçados maçons da Loja Mestre Affonso Domingues nos honramos muito do nosso patrono e da sua dimensão lendária e, confiantemente, declaramos que, em relação à nossa querida Loja, nem a abóbada cairá, nem as suas colunas abaterão, enquanto existirem, pelo menos, sete membros da Loja à face da Terra.

Rui Bandeira

14 agosto 2013

História (republicação)



(Este texto foi originariamente publicado no blogue A Partir Pedra em 20 de janeiro de 2009)

A Maçonaria dá uma crescente atenção à sua História. Pela mesma razão que cada sociedade o deve fazer: os sucessos passados são a base da situação presente e as lições para as atuações futuras. Conhecer a sua História é beneficiar de uma aprendizagem duramente feita, ao longo de séculos. E uma parte dessa aprendizagem foi a conveniência de distinguir entre o que é História da Maçonaria e o que são histórias à roda ou inspiradas na Maçonaria. Esta aprendizagem fez-se na Maçonaria como se fez na sociedade. Ainda no século XIX, a História (com H maiúsculo), em resultado da cultura baseada no Romantismo da época, pouco mais era do que a narração de episódios épicos envoltos em véus tecidos pela imaginação, que realçavam as qualidades dos que na época eram incensados. A evolução da Ciência Histórica gradualmente habituou-nos à necessidade de fixação de factos e ações em função das provas documentais ou de outra natureza existentes. Por vezes caindo-se porventura no extremo oposto da recusa de dar por assente determinado facto ou ação, porque se não encontrava prova considerada bastante para o ter como verificado, em exagero que dá um novo e particular e enviesado significado à expressão Tribunal da História...

Da época em que a pesquisa histórica se enleava com a imaginação romântica, sobram-nos alguns mitos, que, à falta de comprovação, pelo menos nos estimulam os egos e a imaginação. O rigor histórico dos dias de hoje permite estabelecer, com algum pormenor e o devido rigor, o crescimento e a evolução da Maçonaria, desde a fundação da Premier Grand Lodge de Londres, em 1717, até à contemporaneidade. Neste período, já significativo, a tarefa do investigador histórico está facilitada pelo profuso acervo documental que os maçons se habituaram a deixar para a posteridade. Só o facto de ser rotineira, desde há séculos, a elaboração e guarda de atas registando os sucessos ocorridos nas reuniões das Lojas facilita enormemente o trabalho do investigador. Em muitos casos, poder-se-á até dizer que o problema porventura será já o oposto: o excesso de documentação, que dificulta, quiçá torna impraticável, normalmente, a análise de toda a documentação e a extração das pérolas de interesse histórico do meio da imensidão de registos de reuniões banais de gente vulgar tomando decisões corriqueiras.

Já quando se busca conhecer as origens históricas da Maçonaria as dificuldades são maiores. Os documentos e registos não abundam e rareiam mais à medida que se recua no tempo. O manuscrito mais antigo relacionado com a Maçonaria que se conhece é o Poema Regius, de finais do século XIV, um poema sobre os deveres morais, divulgado nos tempos modernos por Halliwell-Phillips numa comunicação, intitulada Da Introdução da Maçonaria em Inglaterra, apresentada na sessão de 1838-1839 da Sociedade de Antiquários. O manuscrito do poema é, por esse facto, também por vezes referido como Manuscrito Halliwell (ver aqui alguns elementos sobre o poema Regius,incluindo a transcrição do seu teor, em inglês arcaico e a sua "tradução" para o inglês moderno).

Através deste documento, confirma-se que as Lojas das corporações de construtores em pedra, os maçons que hoje designamos por operativos, existiam organizadamente no século XIV e, mais importante, que já nessa época, não se preocupavam unicamente com a guarda, transmissão e aprendizagem das técnicas de construção (algumas avaramente guardadas, como, por exemplo, a forma prática de tirar ângulos retos, imprescindível para que os edifícios fossem construídos com os cantos efetivamente a 90 graus e não ficassem com as paredes tortas, em aplicação da chamada 47.º Proposição de Euclides, a formulação geométrica do - agora - bem conhecido Teorema de Pitágoras), mas evidenciavam também interesse pelas regras de comportamento moral. Ou seja, o mais antigo documento relacionado com a Maçonaria mostra-nos que os maçons operativos já começavam a ser também especulativos, muito antes da transformação das instituições da Maçonaria Operativa na moderna Maçonaria Especulativa.

Os documentos históricos disponíveis e analisados indicam que a moderna Maçonaria Especulativa tem o seu início nos séculos XVII-XVIII nas Ilhas Britânicas, mediante evolução das Lojas das corporações de construtores em pedra pré-existentes. Os construtores (que não tinham só preocupações profissionais, mostra-nos o Regius) foram paulatinamente aceitando entre si elementos não pertencentes à profissão (senhores que os protegiam e que lhes davam trabalho, depois intelectuais que consideravam e que, pelo seu prestígio local, valorizavam as suas Lojas), originando uma surpreendentemente rápida transição da Maçonaria Operativa para a moderna Maçonaria Especulativa. Simbolicamente, marca-se o início formal desta através da constituição da Premier Grand Lodge de Londres, em 1717. Mas, na época, e antes, havia outras Lojas, para além das quatro Lojas de Londres fundadoras dessa Grande Loja, designadamente, na Escócia, na Irlanda e na região de York. Da Maçonaria pré-estabelecida na região de York reclama-se herdeira - e mais antiga Grande Loja do Mundo - a relativamente pouco conhecida (e não reconhecida pela UGLE e pela Maçonaria Regular) The Grand Lodge of All England at York

Desde a fundação da Premier Grand Lodge, a evolução histórica da Maçonaria até aos dias de hoje é bem conhecida.

Rui Bandeira

07 agosto 2013

Maçonaria: história, lenda e mitos (republicação)


(Este texto foi originariamente publicado no blogue A Partir Pedra em 19 de janeiro de 2009)

Quer para os seus cultores, quer para os seus detratores, a Maçonaria significa mais do que o seu dia a dia apresenta aos que nela buscam ferramentas para o seu aperfeiçoamento pessoal. A Maçonaria, instituição com centenas de anos, influenciou tanta gente de valor, tanto progresso da humanidade, tanta evolução da sociedade, que progressivamente ganhou uma aura - de prestígio, de honra, de valor, para os seus cultores; de perigo, de conspiração, de influência malfazeja, para os seus detratores - que supera, creio, a realidade. E esta é já muito gratificante!

A Maçonaria ultrapassa hoje os maçons e o seu conjunto. Confere-se-lhe poder e influência superiores aos que realmente detém. O principal objetivo da Maçonaria - o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros - parece demasiado modesto, quer em relação aos feitos passados, quer à alegada capacidade presente, quer aos (ansiados ou temidos, consoante os casos) propósitos futuros. Não duvido que a Maçonaria, pela elevada craveira dos seus milhões de membros, possua potencialidades de influenciar grandes mudanças e progressos (ou, segundo os seus detratores, diabólicos planos e retrocessos...). Interrogo-me se deseja desenvolver e aplicar, enquanto organização, essa potencialidade (ao invés de, formados, melhorados, mudados os seus membros debons para melhores, ser cada um destes a contribuir, por si, para o progresso e a melhoria, material e espiritual, da sociedade em que se insere). Duvido, muito fortemente, que, se o desejasse, fosse uma opção sensata.

Mas, para o bem e para o mal, bem vistas a realidade e as ilusões, a Maçonaria é vista, por cultores e detratores, com uma dimensão e influência superiores às que efetivamente detém. Resulta, a meu ver, esta situação, do facto de a Maçonaria, pelas circunstâncias em que cresceu e se desenvolveu, ter constituído e constituir um ponto de convergência de três planos distintos: o plano histórico, ou real, o plano lendário, ou surreal, e o plano mítico, ou imaginário.

Esta convergência destes três planos, que em princípio se teriam por contraditórios e inconciliáveis, é, por exemplo, claramente aparente, quando se busca informação sobre as origens da Maçonaria: no plano histórico, a Maçonaria tem as suas origens nas associações medievais e pós-medievais de construtores em pedra, em especial segundo a forma e prática que assumiram nas Ilhas Britânicas; no plano lendário, a origem da Maçonaria remonta à época da construção do Templo de Salomão; no plano mítico, surgem-nos as mais variadas e fantasiosas origens: desde os Templários, aos sacerdotes e mistérios egípcios, ao culto mitraico, encontramos origens míticas da Maçonaria, para todos os gostos e paladares.

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, esta mistura de planos inconciliáveis não constitui um mal, um defeito. Na minha opinião, é uma mais-valia. Porque permite que na Maçonaria confluam os planos da avaliação racional, do sonho e da imaginação. Tendemos a esquecer que a Razão, sendo obviamente importante, sendo essencial, não é tudo, que o Instinto, a Inteligência Emocional, a Imaginação, constituem também dimensões essenciais do todo que cada ser humano é e todos têm um papel na sua evolução, na sua melhoria, no seu aperfeiçoamento. Um ser exclusivamente racional tende a hipervalorizar a lógica e a ser frio, a esquecer o sentimento. A capacidade racional do homem deve ser complementada pelos outros planos e valências referidos, sob pena de a queda no hiperrealismo significar o enlear no imobilismo. Inerentes à evolução, ao progresso, pessoal e social, estão as capacidades de sonhar, de imaginar. Por cada mil sonhos loucos, um revelar-se-á, não só viável, como meritório; o produto da mais desbragada imaginação normalmente são castelos na areia, ou flutuando no ar, mas, de quando em vez, o jogo entre a mente humana e a sua imaginação faz com que surja uma situação em que o Mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança...

Portanto, uma das riquezas da Maçonaria, a razão por que esta é tida com mais capacidade do que a que detém, é esta confluência em si dos três planos: histórico ou real, lendário ou surreal e mítico ou imaginário.

Nos próximos textos, procurarei referir-me a cada um destes três planos, em relação à Maçonaria.


Rui Bandeira

17 julho 2013

Dos Operativos aos Especulativos: o catalisador


No penúltimo texto, procurei demonstrar como algo falta na versão normalmente aceite sobre a evolução da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa, como a simples aceitação de intelectuais que, progressivamente, passaram a controlar todas as Lojas operativas, ou quase, e, em quase perfeita sintonia temporal, modificaram a Maçonaria Operativa na realidade Especulativa que surgiu, em todo o seu esplendor, no início do século XVIII, me parece não muito provável, em termos lógicos.  Enunciei também a hipótese de que algo catalisou essa transformação. 

No último texto, efetuei uma deriva à época do Renascimento e chamei a atenção para os efeitos que a descoberta da obra De Architectura, de Vitrúvio, e dos princípios nela expostos, particularmente logo no seu primeiro Livro, tiveram em parte apreciável da intelectualidade europeia continental, especialmente nos profissionais ligados à construção, arquitetos, engenheiros e mestres construtores. Pontuei também que a documentação relativa às Lojas Operativas britânicas não indiciava idêntica influência. Concluí que, entre o mais do mesmo que se verificava na primeira metade do século XVII, no que toca às Lojas Operativas britânicas, que irreversivelmente conduziria à sua extinção ou completa irrelevância,  e a súbita florescência, em novos moldes, no início do século XVIII, teria certamente que decorrer um evento catalisador que justificasse essa improvável mudança. 

O que forçou então esta mudança? A meu ver, um segundo catalisador (considerando o primeiro, e longínquo, a influência, na Europa Continental, das teses vitruvianas) e a evolução dele decorrente. 

Refiro-me  ao Grande Incêndio que destruiu Londres em 1666. 

A destruição da cidade implicou a necessidade da sua reconstrução. Reconstruir toda uma grande cidade implicou a mobilização de grande número de construtores, não somente executores da construção, operários, mas também arquitetos e diretores de obras. A necessidade excedeu a capacidade de resposta dos profissionais existentes em Inglaterra e houve uma migração maciça de profissionais continentais, franceses, flamengos, alemães, italianos, etc.. Entre eles, muitos arquitetos, engenheiros e dirigentes de obra, que traziam na sua matriz genética profissional os princípios vitruvianos.

Naturalmente que este sangue novo – e abundante – de qualificados profissionais da construção, em época em que o que não faltava era trabalho, facilmente se misturou com os profissionais da construção existentes. Ou seja, naturalmente que este grande número de profissionais vindos da Europa Continental se integrou nas Lojas operativas. E revitalizou-as. E trouxe-lhes a evolução de ideias, de princípios, de abrangência cultural que faltava nos cultores do tradicionalismo operativo. E obviamente que foi muito mais fácil para os operativos já existentes, por muito tradicionalistas, por muito imobilistas que porventura fossem, aceitar as inovações trazidas pelos colegas de ofício que, em virtude das circunstâncias, se integraram nas Lojas Operativas, do que se lhes fossem impostas por maçons aceites, não integrantes do ofício.

E evidentemente que esta evolução rapidamente conduziu as Lojas Operativas para a grande transformação que, em apenas duas gerações, veio a ocorrer. 

Em 1717, a transformação ideológica, de atitudes e de práticas propiciada por estes dois aceleradores, os profissionais chegados da Europa Continental em abundância para suprir as necessidades decorrentes da reconstrução de Londres após o Grande Incêndio de 1666 e as ideias de que eram portadores, estava completa. A Maçonaria Operativa consumava o seu desaparecimento, por completa desnecessidade social da sua existência, mas não pela sua extinção, antes pela sua transformação em algo de novo, de pujante, com todas as condições para o crescimento explosivo que viria a ter nos dois séculos seguintes: a Maçonaria Especulativa.

E foi assim que, na minha tese, do velho se fez novo e diferente.

Bibliografia

São os franco-mações os herdeiros dos construtores de catedrais?, Jean-Michel Mathoniére,  in Os Franco-Mações, Pergaminho, , 2003, tradução do original  Les Francs-Maçons, Éditions Tallandier, Paris, 1998.

Rui Bandeira

10 julho 2013

Dos Operativos aos Especulativos: Vitrúvio


No texto anterior, expus o meu entendimento de que a tese clássica sobre a evolução da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa necessita de  ser completada, designadamente com a indicação do que terá ocorrido que tenha funcionado como propiciador e ou acelerador dessa transformação. A meu ver, houve, não um, mas dois fatores catalisadores. Um longínquo, temporal e geograficamente. Outro breve, dramático e gerador de brusca evolução.

Vejamos primeiro o fator longínquo. Para tal, deixemos os ingleses entretidos nas sua guerra civil, metaforicamente recuemos a 1414 e desloquemo-nos à neutral Suíça, mais precisamente à aprazível localidade de St. Gallen.  Nesse tempo e lugar, o humanista florentino Poggio Bracciolini, descobre, na abadia beneditina local, um antigo manuscrito reproduzindo uma obra originalmente escrita por volta do ano 15 antes de Cristo, intitulada De Architecture. O seu autor? Marcus Vitruvius Pollio ou, como é comummente referido, Vitrúvio (o Homem de Vitrúvio, de Leonardo da Vinci, lembram-se?). Vitrúvio foi um arquiteto e engenheiro romano que escapou ao anonimato por causa da referida obra, um tratado sobre a arte da construção em dez volumes, abordando diferentes aspetos específicos da arquitetura e construção: (1) Sobre os conhecimentos necessários à formação do arquiteto; (2) Sobre os materiais e a arte da construção; (3) e (4) Sobre os edifícios religiosos; (5) Sobre os edifícios públicos; (6) Sobre os edifícios privados; (7) Sobre os acabamentos; (8) Sobre hidráulica e distribuição da água; (9) Sobre gnomónica nas edificações; (10) Sobre mecânica e os princípios das máquinas.

A propósito do Livro 9: gnomónica é a ciência responsável por desenvolver teorias e reunir conhecimentos sobre a divisão do arco dia, ou trajectória do Sol acima do horizonte, através da utilização de projecções sobre superfícies específicas. Esta ciência é muito útil para a concepção e construção de relógios de sol, bem como cartografia (Projecção gnomónica) - definição retirada de http://tradutor.babylon.com/portugues/Gnom%C3%B3nica/. Era uma antiga ciência caldeia. O seu nome deriva de gnómon, que em grego significa "saber", "conhecer" e tratava sobre o universo, os planetas, as constelações, astrologia e a sua interpretação pelo homem. Vitrúvio escreveu no Livro I: "a partir da astrologia, o arquiteto conhece os pontos cardeais: oriente, ocidente, sul e norte; e também a estrutura do céu, dos equinócios, dos solstícios e dos movimentos orbitais dos astros. Se se ignora a Astrologia (termo que engloba a Astronomia), é absolutamente impossível que conheça a disposição e estrutura dos relógios" (de sol, obviamente). Na Mesopotâmia, o primeiro instrumento astronómico conhecido foi o mais simples, o gnómon, um pilar de pedra que terminava em ponta, com uma altura aproximada de 2,5 metros. A pedra espetada na terra recebia a luz do sol e gerava sombra, projetada no solo ou numa parede.

Em pleno Renascimento, muito rapidamente se difundem numerosas traduções da obra de Vitrúvio por toda a Europa Continental. Nela ressalta o retrato do que seria o “arquiteto ideal”, conhecedor de geometria, matemática, dos materiais, mas também de meteorologia, astronomia, música, medicina, ótica, filosofia, história, direito, mecânica, etc.. 

As traduções desta obra influenciaram grandemente os arquitetos, engenheiros e mestres construtores da Europa Continental, a partir do Renascimento, no sentido de adquirirem competências mais abrangentes e tão completas quanto possível. Este aspeto da universalidade e abrangência do conhecimento do Homem Completo encontramo-lo hoje em dia particularmente pontuado em determinada fase da evolução do maçom moderno e é, indubitavelmente, uma caraterística matricial da moderna Maçonaria. 

No entanto, a grande influência que, sobretudo sobre os arquitetos, construtores e outros intelectuais europeus continentais esta obra de Vitrúvio exerceu, aparentemente passou ao lado dos maçons operativos britânicos. É o que se pode concluir do facto de os manuscritos operativos até agora encontrados, do século XV ou posteriores, não mostrarem qualquer referência a esta obra ou introdução, ainda que indireta, dos princípios atrás aludidos, nem denotarem uma particular evolução cultural ou de abrangência de conhecimentos dos construtores associados nas Lojas britânicas.

Podemos, portanto, estabelecer, com razoável segurança, que, em meados do século XVII, a Maçonaria Operativa britânica denotava insensibilidade aos princípios do Homem completo, da aquisição de noções das mais variadas ciências e ramos do conhecimento humano. No entanto, cerca de meio século depois, o tempo de duas gerações, repito, verificamos que um dos pilares da ideologia da nascente Maçonaria Especulativa é precisamente esta noção da Universalidade e abrangência do Saber, como um dos objetivos do aperfeiçoamento do maçom.

Em cerca de meio século, algo mudou - e drasticamente. É aqui que entra o segundo catalisador que referi no início deste texto. Mas essa é matéria para o próximo texto...

Bibliografia

03 julho 2013

Dos Operativos aos Especulativos: um elo perdido


Das várias teses sobre as origens da Maçonaria, a mais consensualmente aceite é que esta, na sua forma atual, geralmente referida como Maçonaria Especulativa, deriva das associações profissionais de construtores criadas na Idade Média. A essas associações designamos hoje por Lojas Operativas e ao conjunto de todas elas e regulamentos da profissão então instituídos referimo-nos por Maçonaria Operativa..

A forma como a transição ocorreu é normalmente referida como tendo decorrido da progressiva aceitação nas Lojas Operativas de elementos alheios ao ofício de construtor (proprietários, intelectuais), os chamados Maçons Aceites, que progressivamente foram aumentando de número até dominarem as Lojas Operativas e as transformarem nos centros de debate, estudo, fraternidade e aperfeiçoamento que hoje associamos ao conceito de moderna Loja maçónica.

Não colocando em causa, genericamente, este entendimento, sempre mantive algumas perplexidades sobre a forma de evolução e, sobretudo, sobre a forma como a realidade antiga veio a gerar precisamente a nova realidade, tal como a conhecemos. Desde logo, esta hipótese da evolução dos factos, sendo possível para uma Loja, torna-se muito mais improvável para um conjunto de Lojas, geograficamente dispersas. Quais as probabilidades de o lento processo de integração de Maçons Aceites originar, mais ou menos ao mesmo tempo, o domínio por estes de todas as Lojas Operativas geograficamente dispersas? E de lhes ser conferidas, a todas, precisamente as mesmas caraterísticas evolutivas? Parece óbvio que a resposta deve ser um número muito próximo do zero... Algo falta. Falta, seguramente, um elo na cadeia factual, algo que veio a possibilitar e a favorecer a mudança. 

As associações profissionais medievais, após o fim da Idade Média, o advento da imprensa e  aumento da possibilidade de circulação e aquisição de conhecimentos, estavam em franco declínio. No início do século XVII, as Lojas Operativas estavam em processo de enfraquecimento, que, normalmente, levaria à sua extinção. As técnicas de construção e os conhecimentos geométricos a elas subjacentes não eram já  monopólio dos construtores associados. Muitos outros sabiam construir e construíam e competiam pela obtenção de contratos com os profissionais associados. Nesse clima, afigura-se-me que a aceitação de proprietários locais, de burgueses de outros ofícios ou intelectuais com prestígio local foi uma tentativa desesperada de procurar manter a máxima quota de mercado possível na órbita das Lojas Operativas.  Mas tal dificilmente travaria o declínio e o inexorável caminho para o baú que a História reserva para o que perdeu a sua razão de existir. Com ou sem Aceites, as Lojas Operativas estavam condenadas. 

Em toda a primeira metade do século XVII não há mudanças significativas da situação. Em cada região, a respetiva Loja Operativa lutava pela sobrevivência e procurava juntar a si elementos estranhos ao ofício. Era através da convivialidade, da integração social que os Operativos procuravam manter o seu mercado, sempre acossados por construtores não associados, capazes e competitivos, designadamente, em matéria de preço.

Até que, na segunda metade do século XVII, algo muda! O que declinava, passou a florescer. Não só as Lojas Operativas, agora essencialmente conviviais, não desapareceram, como surgiram outras novas e os seus objetivos mudaram: de meras organizações profissionais, passaram a, com a marca distintiva da união e da fraternidade, centros de debate, estudo e auxílio mútuo no aperfeiçoamento (desde logo cultural e, genericamente, em matéria de aquisição de conhecimentos e competências). Mais: florescem nas zonas urbanas mais desenvolvidas. As quatro Lojas de Londres que decidiram unir-se na Grande Loja de Londres em 24 de junho de 1717 não eram as únicas de Londres e Westminster. Em 1722, aquando da aprovação das Constituições de Anderson publicadas em 1723, a Grande Loja de Londres agregava já vinte Lojas. Era manifestamente impossível que quatro Lojas lograssem quintuplicar o seu número em escassos cinco anos. Logo, o que sucedeu foi a junção de outras Lojas, já existentes, ao projeto iniciado pelas quatro pioneiras. O que nos conduz à conclusão de que, seguramente, mais de uma dezena de Lojas existiam só na zona de Londres, no início do século XVIII.

Em meio século, em duas gerações, a vereda do declínio transforma-se na ampla estrada do crescimento. No entanto, o ambiente social era tudo menos propício! Entre 1640 e 1650, trava-se em Inglaterra uma dura guerra civil e religiosa, entre os católicos partidários dos Stuarts e os parlamentares, maioritariamente protestantes, liderados por Oliver Cromwell, no âmbito da qual Carlos I perde, literalmente, a cabeça e o seu filho, Carlos II, é obrigado a exilar-se, para que não sofra idêntica, e certamente inconveniente, perda. Em 1660, Carlos II logra retomar o poder para os Stuarts, o qual mantém até à sua morte, em 1685, mas sempre em confronto com os parlamentares. Em 1688-1689, dá-se a chamada Revolução Gloriosa, pela qual o sucessor de Carlos II, o católico Jaime II, é apeado do poder, em benefício de sua filha, Maria II e do seu genro, o holandês e protestante Guilherme, príncipe de Orange. São cinquenta anos de lutas, de tensão, de derramamento de sangue e de destruição, nada propícios a uma pausada e lenta transformação de estruturas vindas da idade Média!

Qual foi então o catalisador, o fator que transformou mais do mesmo – o progressivo declínio das Lojas Operativas, afetadas do mal da irrelevância pelo progresso e evolução sociais – numa nova e pujante realidade, como se veio a revelar a Maçonaria, no meio de convulsão social, guerras e revoluções?


Rui Bandeira

29 maio 2013

A coberto e a descoberto


No texto "O Mestre Maçom perante a Sociedade" referi que o que importa é a contribuição que os maçons dão para a Sociedade, quer a sua condição de maçom seja publicamente revelada, quer por si se mantenha prudentemente reservada. Por outro lado, também já várias vezes pontuei que a vertente do segredo maçónico que obriga todos os maçons  a não revelarem a condição de maçons dos seus Irmãos que não se assumiram publicamente como tal, para além de evidentes e pertinentes razões de segurança, prementes em diversas épocas históricas, constitui um imprescindível ato de respeito pelo critério e pelas escolhas dos seus Irmãos.

Divulgar a sua condição de maçom ou manter a mesma preservada do público conhecimento é escolha, decisão, que só a cada um compete fazer e que os demais só têm de respeitar. Cada um sabe das razões da sua decisão. Isso é para mim uma evidência. No Brasil e, de uma forma geral no continente americano, como na Grã-Bretanha, é natural a divulgação da condição de maçom. Na Europa Continental, e particularmente nas culturas de predominância católica, onde pontificou a dita Santa Inquisição e  mais eco tiveram, historicamente, as bulas papais de condenação da Maçonaria, é mais corrente que os maçons preservem publicamente a sua condição, seja por temerem represálias sociais ou profissionais sobre si ou sobre a sua família, seja por puro reflexo de preservação da sua intimidade. Compreendo e aceito - só posso fazê-lo! - a opção de cada um. 

Confesso, porém, que cada vez mais a prudência (legítima, repito) dos meus irmãos que preservam publicamente a sua condição de maçons se me afigura digna de reponderação. Sou Mestre Maçom há mais de vinte anos e há mais de vinte anos que não escondo de ninguém a minha condição de maçom, que orgulhosamente afirmo  ter a satisfação e a honra de ser reconhecido como maçom pelos meus Irmãos - e nunca notei qualquer represália ou censura ou desconsideração por essa pública afirmação. Bem sei que a minha situação profissional - exercício, em escritório próprio, da profissão de advogado - me isenta de preocupações com superiores hierárquicos ou competições na hierarquia laboral. Mas vivo e trabalho em sociedade. Os meus rendimentos dependem de ter clientes que me procurem e me solicitem que lhes preste serviços da minha profissão. Também sou tão vulnerável a preconceitos ou represálias como qualquer outro, na medida em que posso perder trabalho por preconceito de quem me sabe maçom.  Mas, repito, nunca dei conta de que tal tivesse sucedido.

Acho que é tempo de os maçons reponderarem a questão de se manterem a coberto ou se afirmarem maçons. A Inquisição e os seus atropelos à dignidade humana são, felizmente, já apenas memória histórica. Mesmo a proibição salazarenta da Maçonaria foi abolida há já perto de quarenta anos. Não é, a meu ver, argumento válido o facto de ainda haver muito preconceito contra a Maçonaria, muitas disparatadas teorias de conspiração sobre "tenebrosos desígnios" e "subreptícias conspirações" dos maçons. Porque, se é certo haver esses preconceitos e essas disparatadas posturas, não é menos certo que o facto de muitos maçons esconderem a sua condição não só não ajuda nada à extinção ou diminuição desses preconceitos e disparates, como, em alguma medida, os alimenta, pois possibilita o raciocínio de que "se eles escondem o que são é porque não são coisa boa". E é forçoso reconhecer que este argumento pode ser filho do preconceito, mas não deixa de aparentar algum sentido...

A imagem que ainda existe de que a Maçonaria encobre algo de conspirativo, de que só existe para que os maçons manobrem na sombra em proveito próprio, é alimentada por alguns que, eles sim, se aproveitam da imagem distorcida que voluntariamente dão da instituição para ganharem uns cobres com umas "reportagens" e uns livros de "desvendamento" das "ocultas ligações", das "tenebrosas maquinações" que, insinuam, certamente serão a causa de todos os males deste país. Os tais tenebrosos sujeitos que na sombra movem todos os cordelinhos para se alimentarem das dificuldades de todo um país e todo um povo, são perigosíssimos, organizadíssimos, escondidíssimos, poderosíssimos, mas não conseguiram resistir ao cuidadoso escrutínio e à formidável inteligência dos escribas que, quais super-heróis sem capa, colocam à disposição dos olhares de todos "importantes"  informações - mas um bocadinho de cada vez, para dar para vários artigos, que a imprensa está em crise e assim sempre se vendem mais uns exemplares de várias edições... E, bem coordenadas as coisas, também sempre dá para lançar uma meia-duziazinha de livros que, bem publicitados pelo meio, sempre darão para conseguir mais uns patacos...

Quem publica e alimenta esta imagem negativa da Maçonaria e dos maçons tem o direito de o fazer (chama-se a isto Liberdade de Imprensa - e qualquer maçom que se preze preza-a também, mesmo que e sobretudo quando a mesma é utilizada contra a instituição em que se insere). Cumpre-nos a nós, maçons, reconhecer que quando não nos assumimos como tal, quando nos escondemos (é o termo), estamos a alimentar as suspeitas, as desconfianças, as teorias conspirativas, a deixar o campo aberto a todas as especulações, a todas as invencionices. A má imagem da Maçonaria que  a opinião publicada instila na opinião pública também, resulta, reconheçamo-lo, da nossa postura de reserva.      

A Maçonaria é um meio e uma cultura de aperfeiçoamento do Homem - e isso não envergonha ninguém, pelo contrário. Sou maçom porque procuro, em cada dia, ser um pouco melhor do que na véspera, em todos os aspetos e todas as vertentes da minha vida. Na minha vida pessoal, na minha vida familiar, na minha integração social, na minha atividade profissional. Não tenho, pois, qualquer receio de que os demais saibam que sou maçom. Não alimento preconceitos nem disparates. Proclamo, alto e bom som, que sou maçom - e com muita honra! Porque ter sido reconhecido pelos meus Irmãos como um homem livre e de bons costumes  me honra! Porque procurar ser melhor e ajudar os meus Irmãos a ser melhores é motivo de honra! 

Ao ter, já há mais de vinte anos, assumido publicamente que sou maçom, eu sabia que me colocava sob o escrutínio de todos aqueles que, sabendo-o, lidavam, ou podiam lidar, comigo. A primeira mensagem que tacitamente deixei a todos foi, pois, que não temia esse escrutínio. Que não temia que, sabendo-me maçom, me ajuizassem como homem, como marido, como pai, como profissional. Sabendo que, se o resultado do escrutínio me fosse desfavorável, haveria o risco de se dizer: "pois, é maçom...". Mas esperando que, merecendo bom escrutínio, uns quantos acabassem por concluir que, se ser maçom é ser o que eu sou, afinal os maçons não são tão maus como alguns os pintam... E fico feliz por poder dizer que, vinte anos passados, não perdi amigos, não perdi clientes, nunca fui desconsiderado por não esconder que sou maçom!

Se nós, maçons, queremos ser úteis à Sociedade também pelo nosso exemplo, então é preciso e conveniente que a Sociedade saiba que somos maçons...

Termino como comecei: respeito intransigente e completamente o juízo de cada maçom sobre a divulgação ou não da sua condição. Mas insto a que cada um daqueles que opta pela posição prudente periodicamente reexamine se a deve manter ou alterar. Porque quantos mais manifestarem o seu orgulho na condição de maçons, sem receio do escrutínio público das suas ações, melhor publicamente se compreenderá que os maçons não são o que alguns escribas procuram vender, pelo contrário são homens bons que procuram ser melhores, que reconhecem ter virtudes e defeitos e que procuram corrigir estes e aprimorar aquelas. E quantos mais forem exemplo, mais sementes se lançam para que a Sociedade seja também melhor. 

Rui Bandeira