26 julho 2010

Tudo se aprende, nada se ensina


O mundo só se nos mostra pelos nossos sentido, e a complexidade e a variabilidade da realidade ultrapassam a nossa capacidade de absorver a individualidade de cada ocorrência. Para lidar com essa complexidade generalizamos, sintetizamos e normalizamos, considerando, de acordo com a nossa vivência, serem idênticas coisas que, na verdade, são ligeiramente diferentes. Este mecanismo faculta-nos mais informação, que por sua vez nos permite entender, antecipar e reagir melhor àquilo que sucede em nosso redor. No entanto, não há duas vidas iguais; não há duas experiências do mundo iguais; não há duas realidades iguais. Por isso é que o mundo, tal como o apercebemos, é, mesmo que impercetivelmente, distinto do mundo tal como é apercebido por qualquer outra pessoa. Assim, porque cada um é fruto da visão que tem do mundo, é natural que seja única e irrepetível a matriz que estabelece a própria conceção identitária de cada um de nós.

Assim, podemos dizer que a nossa identidade passa pelas convicções que decorrem da nossa experiência ao longo da nossa passagem pelo mundo. Ora, essas nossas convicções - especialmente a política e a religiosa - são um pouco como a nudez física. Assim, há quem, (à semelhança dos nudistas - e, até, dos exibicionistas) esteja disposto a desnudar a sua intimidade do ser, do crer e do pensar, expô-la e questioná-la; e, no outro extremo, quem (à semelhança de quem nem ao médico revela a nudez) sinta como agressão o mero questionamento das suas convicções, sentindo que tal abalaria a delicada construção interna da sua relação consigo mesmo, com o mundo e com os outros.

Uma Loja Maçónica pode ser vista como um ecossistema de poucas dezenas de pessoas que se reencontram vezes e vezes a fio e que sabem que podem "baixar as defesas" e, sem receio, expor o seu ser, o seu saber e a sua experiência para benefício dos demais. Cada um apresenta, na medida que entende fazê-lo, e mediante o seu grau de conforto em revelar-se, a sua visão do mundo e a súmula que dela fez - a sua pessoal e única experiência - com o intuito de que cada um dos demais possa ver o mundo por outros olhos e retire daí os ensinamentos que entenda.

Atacar essa matriz assim exposta seria atacar a pessoa no que tem de mais íntimo, de mais pessoal, de mais sagrado. Por isto, uma das primeiras coisas que se aprende na Maçonaria é a respeitar a diferença e a diversidade, sejam estas de pontos de vista, de crenças ou de convicções. Cada um dá um pouco de si; quem quer, colhe daí o que lhe aprouver. Ninguém é obrigado a aderir a conclusões conjuntas, a versões definitivas, a consensos alargados; estes procuram-se apenas até onde é possível fazê-lo sem atropelar a convicção e a vontade de cada um.

É esta uma das formas através das quais a Maçonaria toma homens bons e os torna melhores. É assim que, em Maçonaria, tudo se aprende e nada se ensina. E é assim, e por isso, que, em Maçonaria, se aprende a calar tudo quanto possa perturbar este equilíbrio.

Paulo M.

11 comentários:

candido disse...

Viva Paulo
Estou de acordo que a vida se vive vivendo e a participação de cada um para a sua melhoria e compeenção é um acto solitário que será partilhado com quem o aceite, e estimule e lhe dê a confiança que é pessoa que demorou 2 anos a apredender a falar e que luta a vida toda para aprender a estar calado.Abraço a todos

Diogo disse...

Caro Paulo M.,

A política e a religião não me parecem ser assuntos do foro íntimo, como é uma relação amorosa, uma (boa ou má) relação pais-filhos, ou uma mania qualquer que só temos coragem de contar ao psiquiatra ou ao psicanalista.

Sobretudo em relação à política (ainda por cima em democracia), que tem a ver com a administração da comunidade, não há motivo para qualquer timidez. Não há qualquer nudez na expressão pública da minha opinião política, e nem deve haver. A opinião política individual é “supostamente” a base de todas as democracias.

Porquê, então, esta frase mil vezes repetida: «em Maçonaria, aprende-se a calar»?

Abraço

Paulo M. disse...

@candido: seja bem vindo ao a-partir-pedra.

@Diogo: Estava convencido que o texto sobre a Guerra Civil Inglesa o tinha elucidado quanto a esta questão... Mas aqui vai de novo, sob outra forma para ver se enterramos esta questão de vez.

A política e a religião são questões fraturantes, e essa fratura é contrária aos objetivos da maçonaria, que privilegia a harmonia, a paz e a concórdia especialmente entre pessoas que, noutras circunstâncias, não se encontrariam nem estariam tão próximas.

Quanto ao seu "Não há qualquer nudez na expressão pública da minha opinião, e nem deve haver."... Não deve?! Diz quem?! Ora, então só faltava, um mundo cheio de Diogos!!!

O Diogo, por outro lado, nunca deve ter ouvido da sua mãe a frase que ouvi da minha centos de vezes: "se não tens nada de agradável para dizer, cala-te.". Mordaça? Censura? Não: mera regra de urbanidade, cortesia e coexistência. A partir de certo ponto - em que se aprende que a nossa verdade não é a única que é verdadeira - passa a ser, tão-só, respeito pela diversidade de entendimentos. E, se a outra pessoa não nos solicitou nada - especialmente se não nos pediu que corrigíssemos alguma coisa em que nós achássemos que ela estivesse errada - com que direito a vamos questionar? E com que autoridade? A da nossa opinião?!

A Maçonaria pretende congregar - e congrega de facto - pessoas com diferentes passados, convicções diversas e ideologias opostas. Essas pessoas conseguem, dentro dessa diversidade, encontrar pontos de união. Conseguem-no evitando suscitar aquelas questões que sabem ser desagradáveis para outros. O fórum para discutir essas questões fraturantes poderá ser outro, mas não é a Maçonaria de certeza absoluta.

O que é que não entende nisto? Ou acha que, para que duas pessoas aprendam alguma coisa uma com a outra que lhes permita serem pessoas melhores têm forçosamente que falar de religião e de política?!

Um abraço,
Paulo M.

jpa disse...

Carissimos;

Quero sómente fazer uma questão ao Diogo.

O Diogo acredita e confia mais nestas pessoas aqui do "A Partir Pedra" que praticam este "silêncio". Ou por sua vez confia e acredita mais naqueles que ao contrario, frequentemente emanam politica e/ou relegião para a praça publica?

Cumprimentos
JPA

Nuno Raimundo disse...

BoAS...

De facto a Religião é algo que é pessoal ( é o caminho que cada um quer seguir na sua vida espiritual) enquanto a Politica é algo que diz respeito à generalidade das pessoas, pela relevãncia que ela mesma tem para todos.

Mas o facto de alguém poder suscitar desavenças nos restantes membros apenas por ter uma opinião pessoal e repito pessoal(!) em relação a determinada corrente politica ou partido; se isso no seio de um grupo que se quer unido e coeso, for causa de atrito; então eu pessoalmente concordo que não se trate desses assuntos numa Loja que se quer unida e coesa, sob prejuízo da quebra dessa união que se quer manter.

E se tantos espaços há para se debater politica, porque interessará no interior de uma R.Loja falar de politica, quando existem outros assuntos mais perenes e importantes para tratar?!

abr...prof...

candido disse...

Viva Diogo
Antes de mais quero agradecer-lhe a sua truculencia, que tambem faz muita falta.Quero no entanto aclarar-lhe que que não é justo "obrigar" minorias a justificar atitudes e abrir portas a toda gente, isto não deverá fazer confusão a ninguem.Todas as sociedades genuinas têm regras aceites de participação e partilhadas entre iguais. Numa discussão em familia nã é justo que seja partilhada entre os vizinhos, mesmo que isso lhe pareça mt democratico.Não estou a fazer a apologia do seguidismo mas sim da humildade de partilhar valores com alguem e com alguem. Acho fantastico quem consegue humildemente ter estas vivencias. Abraço a Todos

Diogo disse...

Paulo M. - Muito tenho lido sobre maçonaria. Também sobre o papel político que muitas lojas tiveram em revoluções nos mais diversos países. Esse apoliticismo que apregoam não estará um pouco exagerado?


JPA – Eu não acredito em políticos nem na maior parte dos religiosos. Mas há muita coisa na Maçonaria que não me convence. Todo esse secretismo, todo esse «aprende a calar», suscitam-me suspeições.


Nuno Raimundo – Mas porquê tanto segredo sobre os assuntos mais perenes e importantes para tratar?!


Candido - «Todas as sociedades genuínas têm regras aceites de participação e partilhadas entre iguais.»

Mas só as sociedades que pretendem «obter vantagem sobre outras» escondem o jogo. Eu compreendo que a direcção de uma empresa não divulgue as suas estratégias comerciais. Eu compreendo que um estado-maior guarde segredo das suas tácticas militares. Mas a Maçonaria, porquê?

Paulo M. disse...

@Diogo: Pergunta se o apoliticismo não é exagerado. Remeto-o para um texto elaborado pelo Rui Bandeira no ano passado precisamente em resposta a esta sua questão:
http://a-partir-pedra.blogspot.com/2009/11/maconaria-e-politica.html
Em suma: a Maçonaria Regular - corrente que engloba a maior parte das Obediências a nível mundial e em que a Loja Mestre Affonso Domingues se integra - mantém-se arredada da política. A Maçonaria Liberal, não.

Um abraço,
Paulo M.

Nuno Raimundo disse...

Boas Diogo...

Isso é lá c eles, a mim não me cauda estranheza nenhuma. :)

E quando digo assuntos mais perenes, são assuntos onde a "formação humana" serão mais interessantes do que apenas discutir política. Porque na Vida existem coisas e temas mais profundos que a politica e que nos ajudam a crescer como pessoas.
Mas se "eles" os guardam só para eles, também não são tão dificeis de descobrir ou de imaginar de que se tratem.

O que pode acontecer é que se tenha de se perder ou ganhar tempo ( cada um vê o que acha o que quiser), e algum trabalho ( que tb faz parte desse percurso) para se descobrir.
Agora cada um saberá o que quer, se com facilitismo ou com algum esforço pessoal.
:)

abr...prof...

candido disse...

Viva a todos
Obrigado aos autores pelos trabalhos que publicam e que atraem comentarios que os tornam mais ricos.Dou tb o meu contributo enquanto me for permitido, pois tornar este blog num circuito fechado(so para alguns)perde a graça.Este blog não é a Loja na net.Mas vamos lá:

Diogo disse: Eu compreendo que um estado-maior guarde segredo das suas tácticas militares. Mas a Maçonaria, porquê?
Diogo, embora o silencio seja a alma do negocio, no caso das comunidades (sociedades) minoritárias, se não tiverem regras de segurança apertada não conseguem sobreviver.Brincando- já imaginou a quantidade de diogos a jupar nos maçons? Abraço a todos

candido disse...

Ps: Brincando- já imaginou a quantidade de diogos a zupar nos maçons? Abraço a todos