06 fevereiro 2017

O sentido da vida


Todo o ser humano, mais tarde ou mais cedo, mais ou menos frequentemente, se interroga sobre o sentido da vida. As religiões resultam, em última análise, dessa primordial interrogação, procurando cada uma delas dar resposta à mesma. 

Confrontado com a crença religiosa que a sua cultura lhe disponibiliza, o indivíduo tem, basicamente, uma de três reações. Ou aceita essa doutrina, ou a rejeita ou aceita elementos, ainda que modificando-os, dessa tradição, mas busca ir mais além e mais fundo.

Se o indivíduo aceita a doutrina da crença religiosa que a sua cultura lhe disponibiliza, o seu problema está resolvido: o sentido da sua vida contém-se nos princípios dessa doutrina, cumpre, ou procura cumprir, os preceitos dessa religião e busca a Salvação ou a Evolução que a doutrina da sua religião preconiza. Sabe qual é o seu lugar e a sua função no mundo e na vida. Não precisa de se questionar mais.

Se o indivíduo rejeita a crença religiosa que a sua cultura lhe disponibiliza, das duas, uma: ou fá-lo porque se identifica com outra doutrina religiosa, a que se converte, ou, pura e simplesmente não crê. Na primeira hipótese, o seu problema de responder à interrogação primordial sobre o sentido da vida fica resolvido, em termos semelhantes à situação anterior. 

Se a rejeição da crença religiosa ocorre porque, pura e simplesmente, não crê, o seu problema fica também resolvido, mas com outra resposta: não existe qualquer sentido na vida, a vida, como o Universo, resulta de uma combinação de fatores físicos e químicos, tudo se resume ao mundo material, onde se nasce, vive-se o melhor que se pode e um belo dia morre-se e nada de nada resta, para além do que se enterra ou é cremado, para dar lugar a outros que, sucessivamente, nascerão, viverão e morrerão, sem que deles nada reste também, para além do que se enterra ou é cremado, até que um dia uma qualquer combinação de fatores físicos e químicos a tudo ponha fim - do começo ao final nada faz sentido, tudo sucede, sucedeu e sucederá por acaso, por mecânica combinação de uma miríade de fatores físicos e químicos.

Se o indivíduo, confrontado com a crença religiosa da sua cultura, aceita, ainda que modificando-os, elementos dessa tradição, mas busca ir mais além e mais fundo, esse é o que mais longa e persistentemente se debate com a interrogação sobre o sentido da vida. A resposta institucional não o satisfaz, a opção no ateísmo materialista também não. Esse rejeita que tudo sucedeu por acaso, por mera consequência de fatores físicos e químicos e que a vida não tenha sentido. Esse considera que existe, sim, um sentido na vida, ainda que ele o desconheça, mas entende que existe um Propósito, um Objetivo, na existência do Universo e, principalmente, da Vida. O que materialmente vê e sente é apenas uma parte do quadro da Vida. Acredita que outros planos de existência ocorrem, que a passagem por este plano material tem um propósito, simplesmente não se satisfaz plenamente com as respostas dadas pela religião da sua cultura - nem com as respostas dadas pelas demais religiões.

Esse, ou se conforma com o desconhecimento e vive segundo os preceitos da sociedade em que se insere, ainda que porventura os não aceitando plenamente, ou busca, por si, com a sua Razão, resposta ou caminhos para resposta suscetível de o satisfazer. É crente, mas não se identifica com nenhuma religião em concreto. É crente porque a sua Razão o conduz a que o seja, mas, por isso mesmo, procura as respostas por si mesmo. É o que se denomina de deísta.

Há ainda os que - talvez a maioria - vão evoluindo ao longo da sua vida, em resultado do seu crescimento, das suas experiências, dos seus encontros e desencontros com pessoas, ideias e ideais. O mesmo indivíduo pode, ao longo da sua vida, passar por mais do que um - no limite, até por todos - dos estádios acima referidos.

Cada um é como cada qual. A pergunta - qual o sentido da vida? - é a mesma, impõe-se a todos, mas cada um dá-lhe a resposta que entende ou que pode dar e, se muda os termos dessa resposta, uma ou várias vezes, é porque a sua natureza o impele a assim fazer.

Muitos, a maioria, interrogam-se sobre o sentido da vida na solidão do diálogo consigo próprio ou podem apenas obter as respostas institucionalizadas da sua tradição religiosa. Outros confrontam a sua interrogação com as similares interrogações de outrem, e daí resultam apostasias, conversões, mas também lutas, por vezes ferozes, ou indiferenças perante as diferenças.

Há uns quantos, porém, que têm a possibilidade de colocar essa interrogação em conjunto com outros, sem confrontos, com aceitação das respostas de cada um, com partilha de pontos de vista e de experiências, pondo todos em comum o que cada um tem, de forma a que cada um retire do todo posto em comum o que necessite para ir mais além e mais fundo, na sua busca pessoal de resposta à interrogação primordial que o venha a satisfazer.

Esses são os maçons!

Rui Bandeira 

30 janeiro 2017

"Arte Royal"...


Na publicação de hoje, trago para Vossa leitura algo um pouco diferente do que é habitualmente publicado por cá, ou seja, hoje "verá aqui a Luz" um pequeno poema de minha autoria.
"Arte Royal"

Era de noite...
e debaixo de uma acácia que me era conhecida
eu repousava.
Reparei que na abóbada celestial flamejava uma estrela,
e que por ser tão bela, certamente que, seria obra de um sapiente geómetra. 
Que com a força do seu punho a cinzelou e no céu a estabeleceu...

É nestes momentos, de rara nostalgia, e vislumbrando a natureza que me rodeia,
que sinto que quase não sei ler nem escrever,
e que dificilmente conseguirei soletrar o quer que seja...
Ou não fossem as palavras que ficam, por vezes, por dizer, 
serem tantas como as espigas dos nossos campos;
e que por isso, por vezes, me parece que a carne se me desprega dos ossos...

Depois, acordei e vi que a luz me inundava o quarto
e que tudo tinha sido um mero sonho.
Um sonho bom...


23 janeiro 2017

Carlos Antero Ferreira (24/2/1932-14/1/2017), maçom simples


A imprensa divulgou a notícia do falecimento do professor Carlos Antero Ferreira, arquiteto, professor da Faculdade de Arquitetura de Lisboa, historiador, ensaísta, poeta, que foi Presidente do Centro Cultural de Belém, Presidente do Conselho de Administração e do Conselho Diretivo da Fundação das Descobertas, depois de ter sido Presidente do Instituto Português do Património Cultural, mais tarde Instituto Português do Património Arquitetónico e Arqueológico.

A imprensa informou também que Carlos Antero Ferreira foi responsável pela transformação do Departamento de Arquitetura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, hoje integrada na Universidade de Lisboa, e que recebeu vários galardões e distinções e escreveu mais de duzentos títulos, entre livros de divulgação, ensaios e poesia.

Carlos Antero Ferreira foi, reconhecidamente, um homem que fez coisas importantes e, a nível académico, da gestão do património e da cultura foi, indubitavelmente, importante.

Para nós, na Loja Mestre Affonso Domigues, porém, foi apenas o Carlos Antero, um homem afável, culto mas, sobretudo, com uma postura e um comportamento sempre  extremamente simples. Entre nós nunca tivemos o insigne professor. Tivemos um irmão que ouvia, sorria e calmamente também contribuia com a sua opinião e os seus conhecimentos. Nunca tivemos o responsável pelo CCB. Tivemos um irmão que semple elegeu a simplicidade como forma de relacionamento com os demais elementos da Loja. 

Para nós, o Carlos Antero foi um obreiro muito importante da Loja, precisamente porque, sendo importante na sua vida profissional, nunca quis tentar transferir essa importância para o interior da Loja ou para o seu relacionamento para os demais de nós. Para nós, o Carlos Antero foi sempre o irmão solidário, o amigo simples e sincero, com quem partilhávamos conversas e projetos e dúvidas e certezas. Estar numa roda a conversar com ele era como estar numa agradável tertúlia.

Claro que o Carlos Antero foi um profissional de mão-cheia. Claro que foi um homem extremamente culto e sabedor. Mas (talvez por isso mesmo) nunca alardeou a sua superioridade em vários campos do saber. Pelo contrário, sempre se integrou naturalmente no meio de nós e, com isso, provavelmente foi um muito mais eficaz transmissor de conhecimentos do que se arvorasse a postura do Professor que era.    

A sociedade portuguesa tomou conhecimento através da imprensa do falecimento do Professor Carlos Antero Ferreira. Nós soubemos que o Carlos Antero passou ao Oriente Eterno. E passamos nós a recordá-lo como um Irmão e amigo que fez da simplicidade a ferramenta para, trabalhando no seu próprio progresso, ajudar os demais da Loja a progredir ética e espiritualmente.

Carlos Antero: tivemos muita honrta em te ter como um de nós. Fica-nos a recordação da tua figura e da tua postura simples e serena. Afinal, nós recordamos sempre o que é mais importante...

Rui Bandeira 

16 janeiro 2017

"Eu, Pedra Bruta que sou..."


Já no texto que publiquei anteriormente e que abordava este conceito de "Pedra Bruta" tive a oportunidade de abordar um pouco o que ela é e representa para a Maçonaria; ou seja, é nela que reside a essência de um maçom (e) no que respeita ao desenvolvimento do seu trabalho pessoal na construção de si mesmo, nomeadamente no que é o seu auto-aperfeiçoamento como ser humano.

Assim, hoje volto novamente a abordar esta temática, que me é muito cara também, com uma reflexão que efectuei há uns anos atrás e que para mim ainda é muito presente no meu "pensamento" e que pode ser consultada no seu original aqui.

"Eu, Pedra Bruta que sou..."

Um dos vários motivos que me levaram a “bater à porta” do Templo e entrar na Maçonaria, e o mais importante (disso tenho a certeza!) foi o de precisamente puder “desbastar a minha pedra bruta”.

Pedra Bruta essa que não é uma capa ou camada rochosa que sirva de sustentação para a minha pele ou corpo; mas antes sim, uma capa que envolve a minha Alma.

Essa Pedra Bruta a ser (e que quer ser!!!) lapidada sou EU!!!

Não que eu tenha imperfeições ou quaisquer defeito no meu corpo. Nada disso!!!
Tenho antes, algumas imperfeições na Alma. Imperfeições essas que me impedem de ser um Homem Bom e Perfeito.

São vícios, são vontades e paixões a combater, muitos “Eus” e poucos “Outros”, que me impedem de ser alguém melhor do que aquilo que sou na realidade.
E são estas arestas defeituosas que eu quero desbastar, partir, extirpar de Mim.

A Pedra Bruta em si, simboliza a Imperfeição do Homem comum, com os seus vários defeitos. E é o seu trabalho, o seu desbastar, o seu polir, que importa reflectir.
Quais as ações a tomar, quais as ferramentas a ser usadas. Essas sim, são as tarefas de quem quer polir a sua pedra bruta.

Quando na cerimónia da minha Iniciação segurei as ferramentas de Aprendiz e dei as  pancadas rituais na Pedra Bruta, senti naquele momento que algo em mim estava a mudar, senti que algo mudava para melhor. Senti que naquele momento aquela pedra era eu, e reparei que ainda tinha muito trabalho pela frente. Pois aquela pedra bruta, com as faces “mal amanhadas” como se usa dizer, em nada se parecia com a Pedra Cúbica e Perfeita que tanto almejo em me tornar.
E sei que só cultivando a prática do Bem, da Solidariedade bem como da Caridade, do cultivo da Fraternidade, Tolerância e Respeito pelo próximo, com uma enorme disciplina e vontade de aprender; somente dessa forma me poderei tornar numa Pedra Polida, e deixar de ser esta pedra tosca e feia que hoje sou.

Não sei se algum dia terei as minhas faces tão polidas e serei tão perfeito como a pedra polida que se encontra no interior do Templo; mas uma coisa tenho eu bem por certa, é que não me cansarei de usar o malho e o cinzel, por mais que as "mãos me doam" ou que os "calos me incomodem", até que a minha forma se assemelhe a ela. 
E quando chegar esse dia, poderei pousar e guardar finalmente as minhas ferramentas e então, poderei partir contente e satisfeito, pois pouco terei mais a fazer...

09 janeiro 2017

Comunicação do Grão-Mestre da GLLP/GLRP por ocasião do solstício de inverno


Enlaço todos os irmãos num enorme abraço em cadeia fraterna. Dizer-vos mais uma e outra vez obrigado: pela vossa comparência e por todos os momentos de fraternidade feliz que me ofereceis. Desassistido da mão amiga e fraterna dos demais irmãos obreiros sou infeliz e não consigo efectuar, sozinho, grandes desígnios e empreendimentos. 

Tal como ouvi na minha iniciação «No entanto, reflicta que nem os adultos isolados e plenamente desenvolvidos podem efectuar sozinhos qualquer grande empreendimento. Pôde fazer sem dificuldade a sua viagem com o passo firme de um homem maduro mas foi-lhe certamente bem útil a companhia de um homem experiente que se comportou como um Irmão»

Cumprido que está um primeiro mandato como Grão-Mestre, dizer-vos que unidos já fizemos muito: somos mais reconhecidos, somos mais respeitados, crescemos, fortalecemo-nos, temos melhores infra-estruturas, comunicamos melhor. Neste segundo mandato que agora iniciei, quero adensar a nossa caminhada interior, estar mais perto dos irmãos, quero fortalecer todos os Ritos com maior rigor ritual e administrativo. 

Nesse sentido os Grandes Inspectores estão a preparar programas de maior proximidade com as Lojas para que possam aconselhar mais e melhor e assim podermos ter Rito a Rito uma maior proficiência ritual, de acordo com as melhores práticas, e ainda práticas administrativas uniformes e comuns a todas as Lojas, quero continuar o desenvolvimento sólido e sustentável da nossa Grande Loja, quero estar plenamente confiante na nossa caminhada para um futuro melhor. 

Quero privilegiar a comunicação com os Irmãos e nesse sentido está a ser desenvolvido um trabalho complexo para transformar por completo o nosso sítio internet, criando-lhe mais valências e com aspecto mais atractivo. 

Em breve novas formas de comunicação com todos os Irmãos serão postas em prática. 

O prestígio da nossa Grande Loja, em termos internacionais, está em crescimento e somos cada vez mais reconhecidos pelas nossas ideias e pela forma que temos de ver o Mundo. 

Neste ano que se inicia, anuncio-vos que a nossa Grande Loja vai organizar a reunião da VI Zona da CMI, e também a Reunião dos Grandes Secretários Europeus. São eventos que nos vão colocar à prova, mas que trarão até nós mais de 50 potências maçónicas.

E por tudo isto vos agradeço mais uma vez. 

Mais uma vez me reporto à minha iniciação e a uma frase que nela ouvi. 

«Mas este trabalho é penoso e exige muitos sacrifícios, os quais terá que praticar se quiser ficar junto de nós. É necessário que tome, desde já, a firme resolução de se entregar a este trabalho, se persistir no desejo que manifestou de ser recebido Maçon»

O trabalho a fazer é muito, exige muito de todos nós e peço-vos que se entreguem ao trabalho nas vossas Lojas e que vos faça persistir no desejo de sermos Homens Melhores. 

E estamos à porta de mais um solstício, meus irmãos, as estações sucedem-se, o natal deve acontecer e o tempo das colheitas deve cumprir-se: Na mie tierra, i an todo Pertual, ye tiempo d'azeituonas i d’azeite i todo isso ten que ber cun maçonarie!

Tal a maçonaria, a oliveira é árvore milenar produtora de fluido sagrado. Prenhe do seu azeite, a oliveira é sina do perdão divino, é rasto de paz. A Terra Prometida era país de oliveiras onde o azeite iluminava os templos. Quando, dentro da Arca, Noé já não aguentava a consumição dos animais que afiançariam a continuidade das especes, o sinal da vida anunciou-se através de um raminho de oliveira, que a pomba, já sem fel, trouxe pendurado no bico.

Num hino à vida, os deuses e heróis que cantam a Odisseia, cobriam o corpo de azeite perfumado. No Jardim das Oliveiras, só essas árvores milenares velaram a agonia de Cristo. Nos templos, sabe-se lá desde quando, da lamparina de azeite nascia a chama que assinalava o sítio más sagrado. Com o cristianismo o azeite torna-se a base dos óleos que materializam os sacramentos.

Depois de mil tormentos, antes em candeia, mezinha ou molho dourado, e agora feito dieta mediterrânica, o sol que aqueceu a seiva que circula no xisto fundo do chão português, como que por magia, transforma-se todos os anos em colheitas de azeite, fluido sagrado que roubou a cor ao ouro, mas é um ouro que escorre e se deixa gostar, que é fonte de vida e não mero adorno rígido e intemporal.

Com aquele sossego consciente que deixe cair a última gota, com a paciência que nos ensinaram os sinais do tempo e como tudo o que participa do halo dos deuses, incumbe-nos mais que nunca a obrigação de ser como a oliveira, ser como o azeite, aquele que vem sempre ao de cimo: seremos verdadeiros sacerdotes embaixadores da alma boa dos homens, dos verdadeiros valores maçónicos, da paz, da justiça, da liberdade.

Tal como o camponês precisa passar a vida a podar as suas oliveiras: arejando-as, afeiçoando-as, retirando-lhe os ramos maus, rejuvenescendo-as eternamente, também os maçons precisam passar a vida a podar os comportamentos dos homens, para que prevaleçam e proliferem apenas os bons, para que se encaminhem apenas para a harmonia, para a paz, para a justiça, para a liberdade, para que possa ser tempo de Natal todos os dias, todos os anos, por todos os séculos dos séculos.

Boas festas, um feliz Natal e um Ano Novo cheio de saúde para todos os irmãos e família.

E era esta a mensagem simples que neste solstício vos queria declarar, e dela imbuídos, continuaremos o nosso caminho, humildemente, harmoniosamente, assumindo a plenitude universal da Maçonaria, para continuar a consolidação e edificação da nossa Augusta Ordem, a bem da Humanidade, à Glória do Grande Arquitecto do Universo.

Julio Meirinhos
Grão-Mestre

Nota: O Muito Respeitável Grão-Mestre da GLLP/GLRP, Irmão Júlio Meirinhos, escreve segundo as normas de ortografia pré-Acordo Ortográfico de 1990. 

Também escreve e fala fluentemente naquela que é a outra língua oficial da República Portuguesa, o mirandês, que orgulhosamente  por vezes também inclui nos seus escritos. Foi, aliás, proponente da Lei que consagrou o mirandês como língua oficial da República Portuguesa.

A publicação desta comunicação neste blogue é efetuada com sua autorização.

Rui Bandeira

02 janeiro 2017

Pedra Bruta...


Esta minha primeira publicação de 2017/6017 é uma republicação de um texto de minha autoria e que foi publicado previamente, à cerca de 6 anos noutro local e que agora considero que deve ser acedido também pelos habituais leitores deste espaço.

O texto tem como tema central a "Pedra Bruta", cuja simbólica é muito importante para os Maçons, mas principalmente para o Aprendiz Maçom. 
Num primeiro plano,  porque este é o Grau de acesso na Maçonaria e depois porque, e também, ser esta "pedra" a primeira "coisa" com que Aprendiz terá contato na sua vida maçónica...

Espero que com esta pequena introdução ao tema, tenha despertado ou aguçado a curiosidade para o texto em si... 
Aqui fica:

" Pedra Bruta"

A Pedra Bruta à primeira vista, é apenas um pedaço de pedra tosca e imperfeita, um bocado de rocha com arestas vincadas e ásperas, sem forma definida. Tal se assemelha ao Aprendiz Maçom quando entra em Loja pela primeira vez. 
-Ele próprio é essa pedra grosseira-. 
Ela representa o seu estado e o longo caminho que ele tem ainda a percorrer…

O trabalho do Aprendiz consiste no desbastar dessa pedra bruta; no seu aprimoramento pessoal e moral.

O Aprendiz com o auxílio do malho e do cinzel, com sua vontade própria e o desejo de melhorar, deve desbastar essa pedra bruta (ele) e dar-lhe forma, torna-la perfeita, com as suas faces bem polidas e transformar essa pedra, numa pedra cúbica.
E essa transformação, passa por numa fase primária, burilar as pontas, as arestas que a pedra tem. Tentar ele próprio, vencer os seus medos e receios, “acalmar” as suas ansiedades, adquirir a concentração e disciplina necessárias à tarefa a que se propõe. 

Só dominando os seus pensamentos poderá ele então dominar as suas atitudes. Pensando com a clareza e discernimento necessário para que nada diga ou nada faça que não tenha a certeza de o fazer.  E só depois desse “pequeno/grande trabalho”, no qual, também expôs o interior da pedra à vista de todos, o seu Interior (Alma), é que poderá então tornar a pedra mais harmoniosa, alisando e polindo a sua face, através da sua persistência em se tornar melhor pessoa, sendo mais solidário, mais tolerante e mais fraterno com o seu próximo.

Só assim, a pedra começará a ganhar a forma desejada, e se poderá concluir então, se o trabalho efetuado, se encontra no caminho certo.

E só pesando os prós e os contras, o antes e o depois, se conseguirá analisar o que se tem conquistado com este labutar. Que será sempre mais do que o que se perdeu ou gastou em tempo e energia para se poder dedicar a essa árdua tarefa.

Certamente durante esse processo aumentou o seu conhecimento sobre várias matérias, mas acima de tudo, melhorou o seu auto-conhecimento (o mais importante deste processo). Como proporcionalmente, se perderam vícios e comodismos que nada trazem de melhor à sua vida, e que só o “atrasam” na percepção do mundo em que vive.

E é nesse mundo profano, em que o Aprendiz vive, que deve ele usar os seus conhecimentos e a experiência adquirida no polir a sua pedra, que ele deverá exercer a sua influência. Sendo um exemplo de boa conduta para os demais, sempre cumpridor dos deveres e regras tal como qualquer outro cidadão seja obrigado a cumprir e a respeitar. Nunca estando acima da Lei, mas ao seu nível.

E apesar do trabalho de se desbastar a pedra bruta, ser um trabalho e caminho (evolução) pessoal, ele não se faz solitariamente. Existe sempre alguém pronto para o ajudar nesse percurso, nunca o facilitando, mas servindo apenas de apoio e guia. E esse acompanhamento, esse “guia”, ele pode encontrar na sua Respeitável Loja, refletido nos seus Irmãos.
E na sua Respeitável Loja, através da partilha mútua de conhecimentos e experiências em Loja com os seus Irmãos, fazendo uso do seu tempo disponível (às vezes sacrificando inclusive a sua família), se envolvendo mais nas atividades da Loja, estudando o catecismo, tomando atenção ao que lhe dizem e cumprindo de forma laboriosa o ritual, que o aprendizado do Aprendiz se faz (o próprio desbastar a pedra bruta, é um processo de aprendizagem e ensino). E ele aprende porque usufrui da informação e experiências que os seus Irmãos lhe podem oferecer, mas também deve ele ensinar os seu Irmãos, partilhando o que sabe e auxiliá-los no que eles mais precisem.
Porque um dos seus próprios deveres, é também auxiliar os seus Irmão no desbastar das suas pedras… Pois também ele os “transforma”, com a sua forma de estar, exemplo de conduta e conhecimento.

Somente partilhando o que se tem, é que se pode obter mais, nunca num sentido material, mas antes, num sentido espiritual. 
Só doando parte dele próprio, poderá conquistar mais Conhecimento, ser Respeitado e ter a Amizade dos seus Irmãos.

Às vezes pensa-se que partir pedra e polir a mesma, é um trabalho fácil.
Mas desengane-se quem assim pensa. Se fosse assim tão fácil, eu não seria Maçom!


26 dezembro 2016

Os Valores vencerão os medos e o terror


Quis o calendário deste ano que este texto se publique a 26 de dezembro, logo após o feriado do Natal. Espero que todos os que o leem tenham tido umas Boas Festas, em paz, sossego e junto de sua família, se assim foi o seu desejo.

Quer o calendário e a programação deste blogue que o próximo texto que convosco partilhe seja publicado já no início da segunda semana de janeiro de 2017, quando os festejos da Passagem de Ano já mais não forem do que recordação.

Esta é altura de balanço do ano que está prestes a findar e de expectativa em relação ao ano que aí vem. Abalanço-me ao balanço e à expectativa.

Vivemos tempos complicados e que nos impõem a necessidade de serenidade nas análises que fazemos.

O ano que finda não foi, seguramente, dos melhores anos da nossa vida coletiva. Em termos económicos, em Portugal começou-se a ver um ainda muito leve, e esperemos que não tão frágil como alguns o pintam, desanuviamento. Mas no Brasil a coisa parece estar feia e a instabilidade política e a desconfiança que se adensa sobre muitos dos atores políticos não vai ajudar nada. Receio que no País-Continente a situação vá piorar antes de melhorar... Desejo que piore pouco e por pouco tempo e que melhore muito e consistentemente. Nos demais países lusófonos, alguns vivem tempos de dificuldade, outros procuram diminuir as dificuldades que vêm de trás. Que paulatinamente todo o espaço que compartilha a nossa língua consiga evoluir, melhorar e, sobretudo, manter-se em Paz!

A nível global, o ano prestes a findar foi um tempo de crescimento da insegurança, da prática de atrocidades, de crescimento de nacionalismos e paroquialismos, de retrocesso da racionalidade e de cedência ao medo irracional, à fúria destemperada, à recusa do outro que é diferente, que só pode preocupar quem acredita que o Homem é mais do que bicho e instintos. Atentados, xenofobia. regresso de nacionalismos retrógados e, sobretudo, muito perigosos, populismos aproveitando-se dos medos de gentes desorientadas, senhores do mundo e de guerra em braços-de-ferro cujas consequências não recaem (nunca recaem...) sobre eles, mas sobre uma amálgama de pobre, desprezada e indefesa gente que, no mínimo, passa à condição de refugiada, no máximo perde a vida e no meio sofre um horroroso cortejo de violências, fome, estropiações e barbaridades, a tudo isso assistimos durante este ano e, pior, não temos razões para ser otimistas e antecipar que deixaremos de assistir no próximo ano.

Vivemos tempos difíceis, de medo, de insegurança, de misérias, mas também de egoísmos, demagogias e fundamentalismos.

A luta pelas armas e pelas medidas policiais e judiciais contra os fundamentalismos e suas expressões de terror é necessária, mas é insuficiente. 

O Mundo vive hoje uma guerra que é diferente das que anteriormente houve. Agora já não se trata de embates de exércitos clássicos, nem sequer de guerrilhas em busca da erosão de poderes confiando no apoio de populações. Agora assiste-se à tentativa de estabelecimento, por qualquer meio, de uma conceção fundamentalista de vida, utilizando o terror para tentar quebrar quem é diferente, com o fito de o sujeitar ao modo de vida que julgam dever ser o único com direito a existir. 

Essa guerra tem, obviamente, de ser combatida pela força das armas e da imposição das normas de sã convivência social, mas só pode ser ganha com a vitória das ideias de Liberdade, de Democracia, de Respeito pelas Identidades de Todos sobre a estreita e mesquinha mentalidade de quem se acha o detentor da única verdade admissível.

Não é cedendo a medos e endossando populismos que vamos lá. Não é fechando fronteiras que obtemos segurança. Não é rejeitando os outros por serem diferentes de nós e parecidos com a matilha fundamentalista, mas também dela vítimas, e quantas vezes mais direta, grave e profundamente vítimas dos raivosos de pensamento único, que extirpamos o cancro que ataca o corpo da nossa sociedade global.

Temos de ter a sensatez e a força de compreender que religião não tem nada a ver com fundamentalismo terrorista, designadamente que muitos muçulmanos sofrem também ataques ferozes por parte de pretensos guardiães das pretensas purezas de uma fé que distorcem, enfim que distinguir a religião islâmica da caricatura nojenta que dela fazem os que usam o terror e o fundamentalismo para desvirtuar o que é uma crença tão respeitável como as demais.

Deus, Jeovah, Allah, são apenas designações diveras do mesmo e único Criador. É estúpido - sobretudo profundamnete estúpido! - que se trucidem pessoas apenas em função e em nome de uma alegada pureza e superioridade de que se arrogam uns quantos - afinal seres de vistas curtas e horizontes muitíssimo limitados! - que não só se arrogam detentores de pretensa verdade absoluta como buscam impô-la pela força e pelo terror a quem dessa pretensa verdade absoluta se desvie um milímetro que seja.

A longo prazo, a vitória sobre estes ignorantes e canhestros fundamentalistas obter-se-á, não pela rejeição ou medo do diferente, mas pela inclusão e diálogo aberto entre os diferentes, inclusão e diálogo que inevitavelmente mostrarão a todos que, afinal, os aparentemente diferentes são essencialmente iguais! Essa será a forma como isolaremos os tumores e os extirparemos do seio da Humanidade! 

Há umas centenas de anos, a Europa dilacerava-se em nome de diferentes conceções religiosas. Um espaço houve onde se podiam juntar todos os que tinham diferentes conceções, desde que de boa vontade, coração puro e espírito de fraternidade para o seu semelhante. Foram as Lojas maçónicas. Aí germinaram as sementes da Tolerância, da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade, do Respeito pelos Direitos Humanos, que conduzirama Humanidade a tempos de Paz e de Progresso.

Hoje, perante a ameaça de fundamentalismos, de extremismos, de populismos, a Maçonaria continua a ser um espaço de diálogo, de fraternidade, de debate entre iguais, ainda que aparentemente diferentes. Aqui se continuam a deitar as sementes, e a cuidar para que germinem e cresçam, da Tolerância, da Paz e da Concórdia.

À bruta força dos extremismos, a Maçonaria contrapõe a Sabedoria, a sã Força e a Beleza das ideias da Tolerância, da Liberdade, da Igualdade, da Fraternidade, do Respeito pelos Direitos Humanos. A Maçonaria, as suas Lojas, os seus debates serenos, a sua Fraternidade, estão na linha de combate ao obscurantismo. E, no final, serão os nossos Valores que vencerão. Porque são as ideias que vencem o terror!

Rui Bandeira