05 outubro 2015

5 de Outubro, revolução e maçonaria (republicação)

O texto que hoje  republico para Vossa leitura celebra hoje 5 anos e foi escrito pelo Paulo M. e pode ser consultado no seu original aqui;  sendo que  na data da sua publicação teve um agradável debate de ideias na sua "caixa de comentários".

Assim, aqui fica o respetivo texto:

"5 de Outubro, revolução e maçonaria

Não pode deixar-se passar a data de 5 de Outubro - aniversário da implantação da República em Portugal - sem se falar na Maçonaria. É público e conhecido o papel que a maçonaria teve neste evento. De facto, a revolução não só terá sido promovida, arquitetada e executada - pelo menos em parte - por maçons, como a maçonaria terá na mesma participado ativamente de forma institucional.

O que poucos saberão é que tal modo de atuação é daqueles que distingue a Maçonaria Regular da Maçonaria Liberal. Não se questiona o mérito da causa, mas a forma e os meios utilizados. De facto, as razões invocadas para a revolução - o despotismo político-religioso, a ausência de liberdade de culto e da liberdade de consciência que se viviam no regime de então - são válidas e meritórias, e pode mesmo dizer-se que pertencem ao ideário maçónico. Todavia, algumas questões de fundo separam inexoravelmente as duas correntes da Maçonaria - Regular e Liberal - e podem ser apreciadas neste contexto.

Por um lado, tomemos a questão da discussão de política e religião em loja. Pelo que se sabe, esta revolução - como outras - foi preparada durante sessões de loja. Forçosamente se discutiu o mérito desta política sobre aquela e - sabendo-se que havia maçons quer na fação republicana quer na monárquica - certamente houve vozes minoritárias que viram os seus Irmãos, a sua Loja, e mesmo a sua Obediência, agirem como um corpo na prossecução de objetivos e de ideias contrários aos seus. Por fazer prevalecer, na escala dos valores, a harmonia fraterna, é que a maçonaria regular proíbe essas discussões, para que não se estabeleçam partidos opostos dentro das lojas, para que estas não escolham lados, e para que as grandes lojas não manifestem preferências que poriam, em qualquer dos casos, uns "de dentro" e outros "de fora".

Por outro lado, atente-se a que a maçonaria regular exige dos seus membros que sejam cidadãos cumpridores das leis do país. Ora, esta questão tem duas consequências. Por um lado, de forma mais imediata, implica que caso um maçon seja condenado pelo sistema judicial civil por um crime que tenha cometido, sofrerá quase que por certo uma sanção disciplinar no seio da sua Obediência, sanção essa que poderá mesmo constituir a sua expulsão (mas, evidentemente, ninguém é expulso por algo como uma multa de estacionamento). Por outro lado, esta exigência reflete-se nas Obediências, não sendo reconhecidas a nível internacional aquelas que, para existirem, impliquem que os seus membros cometam alguma ilegalidade; por exemplo, se as leis do país passarem a proibir a Maçonaria, e mesmo assim uma Grande Loja continue a existir - cometendo uma ilegalidade - ser-lhe-á retirado o reconhecimento internacional por parte das outras Grandes Lojas regulares. 

Tais condicionantes - a proibição de discussão política e religiosa, e a obrigação de cumprimento da lei do Estado - não se verificam na Maçonaria Liberal. Cada maçon que pertença a uma Obediência da Maçonaria Regular é livre de agir como a sua consciência lhe dite e continuar a ser maçon - desde que não cometa nenhum crime. Participar de  - e, especialmente, promover - uma revolução, atentando contra os órgãos do Estado, é um crime contra o mesmo Estado, e não é considerado pela Maçonaria Regular uma forma aceitável de se agir. Entendimento diametralmente oposto tem a Maçonaria Liberal, que argumenta que uma lei injusta não tem legitimidade, que crime seria observá-la, e que promove o seu derrube.

Dois pontos de vista.
Duas formas de agir.
Duas Maçonarias."

Paulo M.

28 setembro 2015

Comunicação do Grão-Mestre da GLLP/GLRP à Assembleia de Grande Loja no Equinócio de Outono


Da Regularidade:

Enquanto Grão Mestre da Grande Loja Regular de Portugal, encerro nesta Grande Loja de hoje, um ciclo completo: dois solstícios: dois equinócios: um ano solar, fecho com o compasso maçónico um círculo justo e perfeito.

Antes de mais, agradecer a todos: as horas felizes, os sorrisos, a força, as ajudas, a lealdade, a harmonia, o companheirismo fiel e fraterno.

Dizer ainda que crescemos em Obreiros e em Lojas, que nos fortalecemos, que nos consolidamos, que aumentamos a nossa estruturação e eficácia, o nosso rigor, e através de uma sede de Grande Loja renovada e mais fina e ritualmente adornada, damos corpo a uma melhor imagem de nós, mais bela, espaço repositório da história e memória da nossa Obediência, mais condizente, mais justa e perfeita.

Sendo a nossa sede local onde trabalham 21 Lojas nos dois templos ali consagrados, é no entanto o espaço de todos os Mações e de todas as Lojas da GLLP/GLRP, visitável por Irmãos, Famílias e profanos em horários pré-determinados.

Mantivemos e reforçamos os nossos relacionamentos internacionais credibilizando ainda mais a nossa Grande Loja e demos corpo ao reforço estratégico dos laços da lusofonia.

E por fim conversar convosco sobre Regularidade. E falar-vos deste tema, porque somos uma grande Obediência Maçónica que se filia com total plenitude na Regularidade Maçónica, a maior família maçónica do planeta, que conta já com muitos séculos de tradição.

Por vezes somos levados a não valorizar suficientemente a real importância da nossa Regularidade, porque nos esquecemos que funcionamos tal uma orquestra sinfónica, totalmente afinada: embora o maestro seja fundamental para marcar o tempo, cada músico tem que cuidar do seu instrumento, da sua partitura, da sua melodia, manter-se a si próprio aprumado e ensaiado, estar atento e seguir escrupulosamente o tempo que a batuta do maestro dita, para se poder atingir a coesão e a coerência, para se poder realizar uma execução com unidade interpretativa, em plena harmonia.

E embora o maestro conte imenso, cada um dos restantes elementos conta igualmente imenso. Obrigado a todos por mantermos esta contínua harmonia, obrigado a cada um pelo papel fundamental que tem sido capaz de interpretar e desempenhar.

A regularidade maçónica é filiação que se conquista arduamente, é realidade que se merece depois de conseguida a harmonia, mas é também realidade que se mede ininterruptamente, e que por isso se pode perder a cada nova sinfonia que a nossa orquestra queira interpretar, porque a maléfica tentação da cacofonia espreita insistentemente, o individualismo desintegrador ameaça todos os dias, mas eu garanto-vos que serei sempre um devorador de desunião, um comedor de egocentrismos, um maestro da união e da harmonia.

Não queiramos apenas acreditar nas nuvens de algodão que descobrimos pelas janelas dos aviões, porque elas já foram beber a todas as gotas de orvalho, a todos os rios, a todos os lagos, a todos os mares, a todos os oceanos! Também assim se forma a regularidade maçónica universal, tal uma cadeia que se irmana através de elos que são cada Irmão, cada Loja, cada Grande Loja, cada confederação de Grandes Lojas, continuamente escrutinadas pela Grande Loja Unida de Inglaterra: tal uma romã, a tal meligrana que em várias ocasiões já vos falei.

Sem complexos, servilismos ou perda de soberania da nossa Obediência, a Grande Loja Unida de Inglaterra é uma autoridade indisputável no que a questões de Regularidade dizem respeito, não só porque é a Grande Loja fundadora da Maçonaria tal como a conhecemos mas porque ao longo dos anos emitiu e produziu doutrina sobre a Regularidade constituindo-se assim um referencial incontornável.

E se perdermos a regularidade o que seremos? Pura e total insignificância! Um grupo de homens livres que quer muito ser maçon, mas a quem mais ninguém no mundo lhe reconhece essa qualidade, porque deixamos de emanar luz, para ser apenas reflexo de passageiras venturas, olvidado que já foi o farol primordial que nos alicerça na nascente, que através da distância e do tempo se purificou, sem que qualquer ilusão ou miragem o venha reinventar, amortalhando assim a resplandecência da pureza inicial: e nada mais que grandes ilusões permanecerão, grandes vazios, grandes dissidências e desuniões, paraísos falsos totalmente perdidos.

Pode haver a tentação de deixarmos subir através de nós a vontade de noite, trazida por um ímpeto silêncio que acaricia a pele dos nossos egoísmos, enquanto se estende um imenso lençol de pesada sombra aniquiladora, tão serena que até dá tempo à concretização de todas as grandes destruições, que nos precipitarão em plena garganta de todos os precipícios.

Mas nós preferimos antes sonhar o rio da união como quieta lagoa que não tem que suportar o arrepio, nem tolerar saltos incertos e ousados de contrabandistas que navegam no fio da navalha dos abismos, porque a eternidade Regular, nunca acabará de passar, por isso seguiremos em justo e harmonioso silêncio, o silêncio justo da tradição e da universalidade, para não sermos esmagados pelas desilusões!

E vou continuar a falar-vos do tema da regularidade, mas agora de uma outra regularidade, a regularidade democrática em que o nosso País, o nosso querido Portugal, já se mantem há mais de quarenta anos. E falar desta regularidade democrática, porque se vão mais uma vez desenrolar eleições livres no próximo dia 4 de Outubro, o ato popular e universal que consubstancia a regularidade democrática de cada estado e que a Maçonaria tanto lutou. E não me atrevendo a opinar sobre os partidos políticos que a elas concorrem, creio constituir elemento relevante, o Grão Mestre alertar todos os maçons da sua Augusta Ordem, para que sejam cidadãos intervenientes mas inteiros, agentes plenos de cidadania, que nunca deixarão o seu país derivar para obscurantismos e outros regimes totalitários, por isso serão agentes valorizadores da democracia plena e portanto do ato popular mais sagrado das democracias modernas: as eleições livres.

Dizer ainda que durante estas últimas quatro décadas vividas em democracia, Portugal mudou radicalmente para melhor, tendo sido capaz de responder cabalmente a vários grandes desígnios e causas nacionais tal: a liberdade, a democracia, a descolonização, a infra-estruturação básica, a Europa, o desenvolvimento.

Mas ficam-nos ainda vários grandes desígnios nacionais por resolver, e dentro dos mais prementes, penso ser muito importante frisar três fundamentais: a coesão e justiça social, a coesão e justiça territorial, o respeito e defesa do ambiente.

Coesão e justiça Social para que sejamos realmente capazes de amenizar os sofrimentos dos mais desprotegidos e frágeis, não os deixando em sofrimento à beira da estrada.

Coesão e justiça territorial, de forma a esbatermos o fosso que se cavou entre o litoral mais povoado, mais rico e desenvolvido e o interior em contínuo e total abandono, caminhando a passos largos para o total despovoamento, muito mais pobre, profundamente deprimido e muito menos desenvolvido que a finíssima faixa litoral.

E por fim o respeito e defesa do ambiente, porque apenas temos este país e este planeta para viver, e temos o dever de os deixar aos nossos vindouros, pelo menos em tão bom estado de saúde, como aquele que recebemos dos nossos ascendentes.

É ainda importante frisar, que foi apenas no mês passado, que pela primeira vez um presidente em exercício nos EUA, o nosso Irmão Barack Obama, pisou o Ártico americano, para enfatizar a necessidade do combate drástico ao aquecimento global: e nós por cá não queremos nada que o nosso litoral se afunde, nem o nosso interior se erme!

E neste tempo de equinócio, a União da grande família dos maçons regulares, é de rigor: façamos o mundo mais feliz, e por contágio, sejamos todos mais felizes.

E era esta a mensagem simples que hoje vos queria comunicar, e dela imbuídos, continuaremos o nosso caminho, humildemente, harmoniosamente, assumindo a plenitude universal da nossa Regularidade Maçónica, como a regularidade democrática para Portugal, para continuar a consolidação e edificação da nossa Augusta Ordem, a bem da Humanidade, à Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Júlio Meirinhos
Grão Mestre

21 setembro 2015

O Silêncio dos Aprendizes (republicação)

O texto que hoje remeto para Vossa leitura é um texto do já "longínquo" ano de 2009 e saiu da pena do A.Jorge e retrata a sua experiência enquanto Aprendiz e o que ele sentiu durante esse período em relação ao silêncio que lhe era imposto pela Loja.
 - Silêncio este que é imposto a todos os Aprendizes e Companheiros durante o seu tempo de frequência nesses graus -.

Aqui fica o seu testemunho:

"Ao escolher este tema presto homenagem ao silêncio dos aprendizes em loja e em particular ao seu significado e objectivos, dado considerar que ele contribuiu decisivamente para a minha aprendizagem e para a minha evolução como pessoa e, espero que, como Maçon.

Nas conversas prévias que tive com os Irmãos Mestres J:. R:. e R:. B:., integradas no meu processo de admissão à Maçonaria, houve desde logo algo que me causou alguma apreensão – como iria eu conviver com o silêncio que se impunha aos aprendizes em Loja. Ter uma opinião para transmitir e não o poder fazer, só poderia ser uma forma sofisticada de praxe ou de tortura, para ver se eu me aguentava....

Sendo normalmente uma pessoa interventiva, o ficar calado significava para mim quase que uma prova de fraqueza ou ignorância, e isso era algo que não estava habituado. No mundo profano, nomeadamente nas esferas empresariais, é normalmente preferível dizer alguma coisa, mesmo que inútil, do que não dizer nada, já que isso parece ser apreciado.

As minhas primeiras sessões em loja foram muito conflitivas – se não podia falar e só podia ouvir, o que é que eu estava ali a fazer? Durante este período, passei por várias fases evolutivas: equacionei ir-me embora, já que não queriam ouvir o que eu tinha para dizer e eu tinha muito para dizer; ponderei os inconvenientes de desrespeitar a regra, rompendo o silêncio; efectuei comparações entre os argumentos que eram utilizados e os que eu utilizaria na mesma situação, etc.. Creio que posso afirmar que a minha permanência na Maçonaria se deve a um acto de teimosia, já que decidi não desistir e ir até ao fim.

Gradualmente, fui começando a alterar a minha atitude perante o silêncio, principalmente a partir do momento em que conclui ser inútil preocupar-me em construir uma argumentação que depois não teria continuidade. Já que não podia falar, talvez existissem outras formas de rentabilizar o tempo que ali passava e a forma mais lógica e imediata parecia ser, ouvir e assimilar o que estava a ser dito. Tal “descoberta” fez-me começar a escutar de forma consciente, o que efectivamente se dizia, o que me conduziu a uma nova descoberta acerca de mim próprio: tinha tendência para só escutar os outros em função da resposta que teria de lhes dar e não por aquilo que tinham para me dizer.

Esta constatação levou-me a começar a tentar escutar os outros de forma desinteressada e sem reservas ou intenções. Foi um processo intencional, lento, com avanços e retrocessos mas extremamente agradável - sentir que começava a descobrir os outros e ver que a atitude destes se alterava gradualmente. De forma tímida no inicio, primeiro nos círculos familiares e depois entre amigos e em ambientes profissionais, foi encorajante ouvir frases como “não sei porquê, mas agora é mais agradável conversar contigo”...

No campo estritamente profissional e nomeadamente nos processos negociais, em que cada argumento antecipado pode constituir uma vantagem para os outros, descobri também que o escutar me permitia analisar melhor a situação e sobretudo preparar melhor a argumentação necessária à consecução de estratégias ganhadoras.

E no entanto toda esta simplicidade parece ser fruto de uma sabedoria milenar que já Hiram utilizava quando formava os seus aprendizes e companheiros, para os preparar para a construção do Templo de Salomão.

Quando o recém iniciado é advertido de que não poderá falar em loja, desde a sua iniciação até à sua passagem a mestre, devendo apenas ouvir e observar, está-se simplesmente a dar continuidade a um dos mais antigos costumes das ordens iniciáticas: o silêncio.

Voltado para si mesmo, calado, numa postura de reflexão e recepção, o Aprendiz Maçon deverá evitar resvalar para uma atitude passiva ou desinteressada. Pelo contrário, todos os seus sentidos devem estar atentos para o que se passa em loja. Ver, ouvir, receber, reflectir e guardar, são as palavras chave deste processo de aprendizagem e evolução interior. Juntar e interligar todas as informações que lhe chegam ao cérebro, estranhas e diferentes das que já conhece, formulando hipóteses e conclusões que lhe permitam uma visão cada vez mais elevada das observações que faz. Esta deve ser a maior preocupação do iniciado.

O ainda candidato é exposto pela primeira vez perante a regra de silêncio quando é introduzido na Câmara de Reflexão, permanecendo sozinho e ladeado por símbolos, palavras e frases, estimulado a pensar e a penetrar no fundo do seu interior. No silêncio da meditação, vai ao encontro de si mesmo, examinando minuciosamente o que lhe vai na alma. É então confrontado com a sigla Vitriol (Visita Interiora Terrae, Retificandoque, Invenies Occultum Lapidem), que na sua tradução para português significa: "desce ao interior da terra, e perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta".

Após toda a cerimónia de iniciação, o candidato profano transforma-se em recipiendário silencioso, o recém iniciado assume o papel do hermetista, ou do alquimista na sua busca incessante da Pedra Filosofal, que uma vez descoberta, o transformará no homem perfeito. Este é o sentido que o maçom busca quando luta para transformar a sua Pedra Bruta na Pedra Cúbica, que poderá utilizar e encaixar perfeitamente na construção do seu novo Templo interior.

O conselho "lege, lege, relege, ora, labora et invenies", que significa lê, lê, relê, ora, trabalha e encontrarás, era dado ao eleito para conhecer e assimilar os mistérios da Alquimia. Hoje, continua sendo este o conselho dado ao iniciado. O maçon afasta lentamente todas as suas paixões, os seus vícios, os seus desejos incontroláveis, para vê-los transformarem-se em virtudes, domínio de si mesmo, tolerância e prudência, alcançadas no silêncio e na introspecção. O iniciado reconhece como fundamentais, as palavras "Vigilância e Perseverança" nas metodologias do seu estágio de observação. Quem fala muito pensa pouco, ligeira e superficialmente, e a Maçonaria quer que seus membros sejam melhores pensadores do que faladores.

Todo este processo pretende, na sua essência, preparar e induzir ao Aprendiz a necessidade da reflexão como método de transformação interna. Embora indirectamente, é possível estabelecer vários paralelismos e interacções com o Catecismo do 1º grau, nomeadamente:
  • Quando o Aprendiz afirma vir “vencer as suas paixões, submeter a sua vontade e realizar novos progressos na Maçonaria”, logo seguido de “Porque um Maçon deve desafiar-se a si próprio e evitar juízos de valor antes de consultar a sabedoria dos irmãos”. O silencio proporciona-lhe um método de progressão e impõe-lhe uma prática de reflexão que o levará a ponderar os seus juízos de valor em função de conhecimentos que deve reconhecer como mais profundos.
  • Na resposta “Antes queria ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados”, que pressupõe não só dedicação e respeito pela Ordem, mas também a capacidade de responder ou reagir após um processo de interiorização e valoração, que a pratica do silencio poderá ajudar a tornar inconsciente e natural.
  • Na resposta “Porque todas as forças destinadas a desenvolverem-se utilmente no exterior devem primeiro concentrar-se em si mesmas”, em que claramente transparece a necessidade de um trabalho interior prévio em que o silencio pode e deve ser uma peça fundamental.
Se mais não houvesse para aprender na Maçonaria, o ter conhecido o valor do silencio e tudo aquilo que este me proporcionou, já teria valido a pena.

Partindo de um silencio imposto, cujas motivações se fundamentam na sabedoria milenar do grupo e que constitui como que um tirocínio para o recém iniciado, passa-se para uma fase de utilização em termos interiores do silencio, evoluindo finalmente para um estadio de admiração pelo silencio em que a imposição se transforma em voluntariado que assim se transforma em sabedoria, fechando o círculo e preparando o iniciado para novas fases da sua evolução e do seu crescimento interior."

A. Jorge em 27.04.6000

14 setembro 2015

Igualdade, Diversidade, Tolerância (republicação)

O texto que hoje é "reciclado" é um texto que o Rui Bandeira escreveu à cerca de 2 anos e que pode ser consultadoaqui , mas cuja atualidade persistirá durante muitos mais...
Assim deixo-Vos o texto abaixo publicado para a Vossa leitura:

"Igualdade, Diversidade, Tolerância

Os maçons prezam a Igualdade. Esta está na matriz genética do que é a Maçonaria. Na Loja, todos são essencialmente iguais, mesmo que alguém dirija, alguém assista quem dirige, alguém ensine e alguém aprenda. Porque todos foram e potencialmente serão tudo, todos fizeram e potencialmente farão tudo em Loja. A dignidade da condição humana é exatamente igual em todos e cada um, quaisquer que sejam as suas habilitações, as suas aptidões, as suas realizações. Cada maçom está entre iguais quando está entre os seus Irmãos. Mais: cada maçom reconhece e preza a essencial Igualdade entre todos os membros da  espécie humana, independentemente de cores de pele, de nacionalidades, de crenças, de lugares ou de estilos de vida.

Os maçons prezam, também, e em igual medida, a Diversidade e o corolário desta, a diferença. Em Loja, é patente a riqueza advinda do confronto e da cooperação de diferentes experiências, capacidades, opiniões, formações. Por isso, não tiveram nem têm normalmente êxito avulsas experiências de criação de Lojas "monocolores", de médicos ou de músicos ou do que quer que seja, acumulação de experiências semelhantes que, por regra mais cedo do que tarde, se revela entediante e pouco apelativa. Os maçons aprendem e praticam o inestimável valor da diversidade, aprofundam o estimulante potencial da diferença. Cada um contribui com as suas valências, os seus saberes, os seus gostos, as suas experiências, em suma, com a sua individualidade, para enriquecer o grupo e os demais. E cada uzm aprende, enriquece-se, com o que depara de diferente, com diversos pontos de vista que lhe aguçam e estimulam o intelecto e o espírito crítico.

A  Igualdade não pressupõe, não se faz, de similitude. A Igualdade aceita, resulta, da multitude de diferenças que existem na Diversidade.

A Tolerância é a ferramenta que harmoniza a Igualdade e a Diversidade. Entender que os nossos iguais não deixam de o ser porque pensam diferente de nós, aceitar que as diferenças de aspeto, de cor de pele, de experiências, de culturas, não afetam a essencial Igualdade da natureza humana, expressa na individualidade de cada um, é a natural postura que permite, mais do que possibilitar, mais do que meramente compatibilizar, efetivamente rentabilizar a Diversidade existente na Igualdade. Por isso a Tolerância não emerge de qualquer sentimento de pretensa superioridade do que tolera em relação ao tolerado; pelo contrário, a Tolerância pressupõe, enraíza-se, cresce a partir da noção de que o outro é essencialmente igual a mim e acessória e inevitavelmente apresenta diferenças em relação a mim. Diferenças que é estulto julgar, catalogar ou, pior, ridicularizar ou ostracizar; pelo contrário, diferenças que me enriquecem na medida em que as considerar, com elas aprender, integrar nos meus saberes, nas minhas posturas, na minha individualidade - que, por natureza, é diferente de todas as demais... 

A Igualdade é o campo que cada ser humano tem em comum, o solo que todos pisamos, a terra que a todos nós molda. A Diversidade são as diferentes culturas que sobre essa terra comum se semeiam, granjeiam  e, a seu tempo, se colhem, todas diferentes, todas importantes, apesar das suas diferenças, afinal devido às suas diferenças. A mesma terra dá o cereal de que se faz o pão, cria o fruto de que se fabrica o vinho, desenvolve o algodão de que se faz tecido. A Tolerância é a alfaia que trabalha a terra e semeia, granjeia e colhe as culturas.

A essencial Igualdade de todos os seres humanos é uma indispensável base com um inestimável potencial, concretizado numa miríade de diferenças que constituem a formidável riqueza da Diversidade. A Tolerância é o meio pelo qual se aproveita o potencial e se cria a riqueza, a forma como, assumindo a comum base de partida, se propicia a inestimável infinidade de caminhos que podem ser traçados, cruzados, percorridos por iguais com diferentes anseios e diversas caraterísticas, sementes diversas lançadas à mesma terra produzindo inumerável variedade de frutos.

Compreender que todos somos essencialmente iguais, valorizar as diferenças inerentes à nossa individualidade, articular o que é comum com o que é diverso com a harmonia da Tolerância, são caraterísticas imanentes da Maçonaria, presentes desde sempre na sua matriz formadora. Para os maçons, reconhecer a Igualdade e Tolerar, isto é, aceitar, valorizar e aproveitar a Diferença, é pura rotina, algo tão natural como respirar.

No dia em que todos em toda a Humanidade conseguirem compreender e praticar que o ser humano, sendo essencialmente Igual aos seus semelhantes só se valoriza. se potencia, se realiza pelo exercício e aproveitamento das suas diferenças, constituindo o conjunto de todas elas a enriquecedora Diversidade da espécie humana, tão mais enriquecedora e propiciadora do progresso e do bem comum quanto mais bem Tolerada, aceite, fomentada for por todos e cada um, nesse dia finalmente as trevas do obscurantismo serão vencidas pela Luz da razão.

Para que esse dia chegue trabalham, dia a dia, incansáveis formiguinhas obreiras, os maçons. Esta a Grande Conspiração Maçónica! Esta a Nova Ordem Mundial por que anseiam! Os maçons e todas as pessoas de bem e livres de preconceitos!"

Rui Bandeira

07 setembro 2015

O Vigésimo Quarto Venerável Mestre


Para o ano maçónico de 2013/2014, o obreiro consensual para assegurar o exercício do ofício de Venerável Mestre e, consequentemente, candidato único proposto por todos os Mestres presentes na sessão para o efeito destinada, foi J. D..

J. D. era um dos mais antigos obreiros da Loja, sempre muito participativo nela. Aquando da crise da cisão, desgostou-se e afastou-se. Anos depois, ainda bem antes da reunificação, voltou. Com a naturalidade dos nossos, reintegrou-se. A seu tempo, assegurou a função de Segundo Vigilante, um Segundo Vigilante exigente, que muito bem formou os seus Aprendizes. Na altura própria assegurou a função de Primeiro Vigilante e ultimou a formação de toda uma geração de obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues. Era chegado o tempo de mais um dos históricos obreiros da Loja a dirigir e a sua eleição - como sempre na Loja Mestre Affonso Domingues - foi consensual.

Duas semanas passadas sobre a eleição, ainda em pelo período de exercício de funções do seu antecessor, J. D. faz saber aos mais antigos que, provavelmente, o melhor era ele renunciar a exercer o mandato para que fora eleito, pois era possível que as circunstâncias da sua vida privada o obrigassem a ausentar-se do país precisamente no ano do seu Veneralato.

Os mais antigos falam uns com os outros, consultam-se, pesam prós e contras, avaliam riscos, procuram superar as perplexidades de uma situação inédita. Em mais de vinte anos de Loja, nunca sucedera, efetivamente, situação semelhante, nunca um Venerável Mestre eleito comunicara, ainda antes da sua instalação, a possibilidade de poder ocorrer situação altamente prejudicial para o exercício do seu mandato.

Não obstante a perplexidade, o consenso não foi difícil. Desde logo, estava em causa um antigo e muito considerado obreiro, que há muito já provara merecer a confiança da Loja para a dirigir e não apetecia a ninguém que afinal não viesse a exercer o ofício para que justamente fora eleito. Aliás, estava-se perante uma possibilidade, não uma certeza... E, afinal, se o problema viesse a surgir, a Loja haveria de o resolver, como anteriormente resolvera todos os problemas com que se deparara...

O sentimento unânime foi, assim, que J. D. não deveria renunciar, deveria ser instalado e exercer o seu mandato e, se se concretizassem as circunstâncias que o levassem a ter de se ausentar do país, então se resolveria o problema.

J. D. foi, assim, instalado, escolheu o seu Quadro de Oficiais, anunciou o seu programa, começou a exercer funções e... pouco tempo passado, a possibilidade mostrou-se inevitabilidade: os mais antigos e o Quadro de Oficiais foram por ele informados que ia ter de estar vários meses fora do país.   

O facto de o pior cenário se concretizar não abalou, porém, a Loja. O alerta que, ainda antes de iniciar funções, J. D. formulara já tinha permitido que se pensasse como se iria resolver o problema  que porventura se viesse a colocar: bastava cumprir o que estava regulamentado! E o que está, na GLLP/GLRP, regulamentado é que, ocorrendo impedimento temporário do Venerável Mestre em funções, a administração transitória da Loja será assegurada pelo Primeiro Vigilante e a direção das sessões pelo Ex-Venerável. 

Todavia, um outro problema havia ainda que superar: a Loja não tinha  ex-Venerável, pois que o Venerável Mestre anterior - como aliás tinha, em devido tempo, informado a Loja, saira do seu Quadro de Obreiros, encontrando-se a dirigir uma outra Loja. Nada que tolhesse a Loja Mestre Affonso Domingues! Recorrer-se-ia ao Venerável anterior a esse e, se necessário, ao anterior a esse... Mas, aqui chegados, a Loja resolveu cumprir o espírito da solução mas inovar na sua execução: nada obrigava a que, na ausência simultânea do Venerável Mestre em funções e do seu ex-Venerável, as sessões da Loja fossem sempre dirigidas pelo mesmo antigo Venerável...

Ficou então resolvido que, enquanto durasse o impedimento de J. D., as sessões da Loja seriam sucessivamente dirigidas por cada um dos antigos Veneráveis que permaneciam no quadro de obreiros da Loja. 

E foi assim que, mais de quinze anos passados, o José Ruah voltou a dirigir uma sessão da Loja - agora sem  o espetro de cisão a assombrar o seu desempenho... -, quase tantos anos passados eu voltei a sentar-me na Cadeira de Salomão, e o Nuno L. e o A. Jorge e o João F. e ..., e... e... (é melhor não prosseguir na lista, senão ainda me esqueço de algum e é injustiça que não quero cometer...). 

Em resumo, se não todos, quase todos os antigos Veneráveis ainda integrando o quadro da Loja foram assegurando a direção das sessões, sempre por convocação do Primeiro Vigilante, que, entretanto e contactando à distância com o Venerável Mestre em exercício, ia "segurando as pontas" administrativas da Loja.

Foi a situação ideal? Não foi, claro! Foi uma solução de recurso, que o ideal é ser o VM em funções a poder assegurá-las.

A administração da Loja processou-se com normalidade? Claro que não! Uma administração de substituição, ainda que temporária, é sempre um "governo de gestão" que só assegura o dia-a-dia e houve problemas de fundo cujo tratamento teve de ser postergado.

Foi uma má situação ou uma situação desconfortável? Foi, claramente, uma situação que gostaríamos que não tivesse ocorrido, mas... verdade, verdadinha, acabou por nos dar muito gozo ultrapassar! Foi uma espécie de "ó tempo, volta para trás",  de relembranças dos mais antigos, de os mais novos verem os mais antigos, "ao vivo e a cores" a dirigir sessões, enfim, o espírito de entreajuda da Mestre Affonso Domingues no seu melhor!

Sobretudo, como muito bem pontuou o José Ruah no seu texto"Do problema que não foi, à solução pelo desafio", "de repente Irmãos que andavam um pouco afastados chegaram-se mais para perto. Vieram para ajudar, com a sua presença mas não só, com as suas ideias, com as suas formas de ver e de fazer. 
E tiramos mais uma lição, a da disponibilidade".

Sobretudo, confirmámos a nós próprios que, juntos e cooperando uns com os outros, haverá muitos poucos problemas resolúveis que a Loja Mestre Affonso Domigues não consiga resolver a contento!

O J. D. acabou por vir a concluir que o seu impedimento não lhe permitia reassumir com utilidade o efetivo exercício do ofício e, lealmente, renunciou ao mandato, possibilitando a eleição de um novo Venerável, que dirigisse a Loja até ao final do ano maçónico - e assim veio a ser um Venerável Mestre que dirigiu apenas duas ou três sessões.

Mas seguramente que não deixou a Loja pior do que a recebeu. Deixou-a mais unida, mais ciente de que a união do grupo lhe possibilitará sempre descobrir e executar as soluções para todos os problemas que, tendo solução, se lhe deparem. Tem um lugar honroso na galeria dos nossos antigos Veneráveis!

Rui Bandeira

31 agosto 2015

Maçonaria, uma Instituição universal e cosmopolita.

Nos séculos XV e XVI devido à necessidade de se construírem várias construções de cariz  religioso ao longo de toda a Europa, e para mais facilmente circular entre reinos e poderem trabalhar, os operários da construção civil da época filiavam-se em agremiações de tipo sindical para que desse modo lhes fosse possível arranjar trabalho e exigirem alguns direitos e melhores salários. O que deu origem aos termos “pedreiros-livres” e “franco-maçons”, uma vez que eles estavam livres dos pagamentos de certos tributos e de portagens nos reinos onde trabalhavam.

E como o trabalho que os construtores tinham de executar era normalmente demorado, apesar de ser um trabalho nómada, (porque quando finalizavam uma obra seguiam para outras terras, para outros trabalhos), reuniam-se no seio dessas associações ou grémios que eram denominadas por  “guildas de construtores” para poderem conseguir manter a sua coesão e união enquanto grupo de operários especializados e também para que lhes fosse possível transmitir e ensinar os segredos da sua arte a coberto dos olhares indiscretos de quem não pertencia a este ofício. Criando desse modo um tipo de fraternidade entre eles.

Mais tarde, nos finais do século XVI, quando as grandes construções religiosas (catedrais e abadias) se encontravam finalizadas e como não existiam nenhumas grandes obras a serem iniciadas a longo prazo,  e como o número de membros destas guildas começavam a decair, estes grémios de construtores começaram a aceitar como seus membros, elementos de outras profissões dos locais onde se estabeleciam dada a curiosidade que estes tinham em relação ao que se passava e discutia no interior destas associações.

O que consequentemente em virtude dos temas que nessas lojas agora se debatiam, que já não eram somente dedicados à construção de edifícios e porventura também da entrada destes novos membros, designados por “maçons aceites”, veio este movimento a dar origem a uma transformação deste tipo de maçonaria, assumidamente operativa, numa maçonaria de cariz especulativo. Um género de maçonaria que já não trataria das construções físicas, mas que em seu lugar, tratariam de um tipo de construção espiritual. Aproveitando os maçons especulativos, o vasto simbolismo que os construtores detinham e que passaram a tomar como seus. Assumindo que em vez de construírem espaços para glorificar o divino, seriam eles o seu próprio templo a cultuar.

E já no decorrer do século XVII, quando os partidários dos Stuart (casa real) vindos de Inglaterra e fugindo ao seu regime vigente, trouxeram consigo para o continente os seus ideiais maçónicos, aproveitaram a liberdade que lhes era concedida  na França e abriram lojas (especulativas) onde se pudessem reunir e onde pudessem discutir as formas de resistência necessárias para os levar de novo ao poder em Inglaterra.
Sendo que no interior dessas lojas para além de conseguirem manter a sua união enquanto grupo de resistentes e debater que posições deveriam ser tomadas  neste tipo de luta, também conseguiam assim manter aceso o espírito fraternal que tinham entre eles.

Mais tarde, pela entrada nestas lojas de outras personalidades que nada tinham a haver com o espírito de resistência para o qual este tipo de lojas tinha sido criado bem como da criação de outras novas lojas maçónicas em terras francesas formadas por franceses e/ou estrangeiros, a expansão em França estava lançada.

Na restante Europa, a expansão maçónica estava também em marcha, fosse pela transformação das lojas operativas (guildas de construtores) em lojas especulativas, bem como da criação de lojas militares itinerantes ou lojas locais onde a burguesia da época se reuniria para debater as novas ideias que viam a luz do dia  nesses tempos.

- O que se pode constatar é que independentemente da sua denominação (operativos/especulativos), os maçons sempre se reuniram em alguma espécie de agremiação para debater as suas ideias, deixando de fora gente que não considerassem como “bem-vindos” ou que não lhes trouxessem qualquer mais valia para o debate de ideias. -

E já no século XVIII, os maçons impulsionados pelo ideário maçónico e pelo idealismo das Luzes e com o auxílio indireto da expansão colonialista europeia para as “novas terras das Américas”, contribuíram relevantemente para o estabelecimento da Maçonaria nesses locais.

Fosse  nas ilhas caribenhas ou no próprio continente americano, em qualquer porto em que os barcos vindos da “velha Europa” aportassem, traziam consigo maçons que para além das relações comerciais que teriam com os povos nativos, se  viriam a estabelecer de forma permanente nestas terras. E estes maçons apoiados pelo facto de nestes lugares existirem também lojas maçónicas formadas por militares – uma das maiores fontes do expansionismo maçónico no mundo deve-se a este tipo de Lojas que costumam estar associadas a um determinado batalhão ou companhia militares – conseguiram em alguns casos, montar uma estrutura local e que não fosse nómada como é o caso da generalidade das lojas militares maçónicas. Desta forma ficaram estabelecidas as raízes para o crescimento e consolidação da Ordem nas colónias americanas. E não obstante o aumento da imigração europeia para as Américas e com a transformação destas povoações em grandes metrópoles posteriormente, também a Maçonaria teve um crescimento proporcionalmente direto e hoje em dia estimam-se que na totalidade do continente americano existam mais de 5 milhões de maçons.

Para além do colonialismo americano, também o colonialismo africano e asiático pelos povos europeus possibilitou a chegada da Maçonaria a estas partes do mundo e se estabelecer de uma forma mais ou menos gradual face à cultura e sistemas políticos vigentes nesses países.

Atualmente, do norte ao sul do globo terrestre, a Maçonaria encontra-se implantada em quase toda a parte. Sobressaindo assim o carácter universal desta Augusta Ordem. E, independentemente do regime político, desde que seja considerado como democrático, a Maçonaria convive de forma natural com as leis do local onde se encontra estabelecida. Seja em países monárquicos (um bom exemplo que temos é o continente europeu, onde a Monarquia, nos países nórdicos, se encontra consolidada) ou países republicanos (exemplificados pelo continente americano, que na sua totalidade é formado por repúblicas democraticamente eleitas), com governos eleitos designados de direita ou de esquerda, a Maçonaria existe.

Porque apesar da alternância dos poderes políticos, a Maçonaria sempre persistirá. E o fará, porque ela própria não tem doutrina política, a Maçonaria está num patamar acima das discussões partidárias ou de qualquer questão que possa dividir os Homens.
A Ordem Maçónica é uma instituição agregadora de pessoas por isso nunca poderia fomentar a divisão entre elas.

Todavia, a Ordem não impede que os seus membros exerçam no mundo profano os seus deveres e direitos cívicos conforme os princípios que escolham praticar na suas vidas profanas, sejam eles políticos (ou outros) que considerarem que lhes sejam mais favoráveis ou com os quais melhor se identifiquem. E isso pode ser verificado pela prática política de alguns maçons que participam efetivamente no mundo político sem que tenham qualquer diligência maçónica nesse sentido - Agindo somente com a sua convição e o seu pensamento.-
 Nomeadamente se pode dizer o mesmo  no que respeita às suas filiações associativas, tenham elas o cariz que tiverem ou à religião que os maçons decidam (ou não, no caso de Maçonarias Liberais) observar. E isto pode acontecer porque o compromisso que se toma com a Maçonaria é um compromisso de ética e de respeito na observância dos valores morais existentes; logo este compromisso estará acima de qualquer tipo de política ou agremiação. Sendo por isso que me é possível afirmar neste contexto que : “O maçom faz, a Ordem apenas observa…”.

O próprio cosmopolitismo que é inerente à Maçonaria permite tais factos.

A Maçonaria ao deter um carácter universalista e progressista que ultrapassa qualquer fronteira e por se reger por valores de igualdade, fraternidade e de solidariedade entre os seus membros, propiciou que a ação dos seus afiliados no mundo profano seja um reflexo dos seus próprios valores. E como os valores maçónicos são valores que são transversais à sociedade e ao mundo em si, não existe um lugar onde um maçom não possa se encontrar  ou que esteja impossibilitado de  agir…

Logo, ao ter a Maçonaria criado as bases para o diálogo e para o debate de ideias nas suas lojas e tendo posteriormente transferido estas competências também para o espaço público, sendo as lojas maçónicas consideradas como centros formadores de opinião e o espaço público como sendo o local de aplicação das vontades profanas, fomentou na sociedade a ideia que a tolerância aplicada de forma salutar na discussão de ideias, contribuiria para a obtenção de consensos sem que se tivesse de passar por um qualquer conflito para chegar a tal.

Apenas discutindo e debatendo com respeito e elevação é que é possível se criarem as condições válidas para se poder chegar a um determinado consenso que possa ser valorizado como sendo o melhor para ser aplicado ou cumprido pelos intervenientes na discussão. Nem sempre a posição dominante prevalece, mas sim a opinião que fará mais sentido para a generalidade. E isso somente é possível se existir algum sentido de tolerância e respeito pelo próximo e de se ter a capacidade de nos sentirmos como integrantes de algo superior a nós próprios. Copiando a sociedade desta forma, uma praxis maçónica há muito existente.

No entanto quando se fala em Sociedade, Civismo ou inclusive em Política, abordamos conceitos que estão para além de nós, e a melhor forma de se conseguir ou atingir o bem comum, para além de um diálogo franco e tolerante, é reconhecer no outro a sua diferença de opinião como algo que pode fazer evoluir e enaltecer o debate público. Por isso no seio da Maçonaria Regular não se aborda política partidária mas poder-se-á em determinado contexto, abordar a Política como sendo mais um conceito necessário a quem vive em sociedade. Sociedade esta, que já não será apenas o local onde nos encontramos ou em que vivemos, mas o mundo na sua plenitude.

Mas apesar de toda esta evolução civilizacional que nos foi permitido alcançar, a própria Instituição Maçónica dada a sua linguagem simbólica e do seu carácter quase indecifrável aos profanos, conseguiu permanecer quase inalterada desde a sua origem até à atualidade. O que facilita e permite que em qualquer parte do mundo  (mediante a respetiva tradução linguística, se necessária) a qualquer iniciado nos mistérios da Maçonaria poder reconhecer facilmente aquilo que observa ou escuta. Tanto que ao nível da ritualística maçónica, para os maçons que visitem outros países e tenham a honra de serem acolhidos nas lojas maçónicas locais, mesmo que não compreendam a língua nativa, conseguem estar sempre integrados no ritual que se pratique nas lojas maçónicas - pois o conhecem -, e mesmo as mais ligeiras adaptações que possam ter ocorrido fruto do tempo ou de traduções feitas aos rituais originais, esse cumprimento do ritual será sempre perceptível para quem o assiste.

E dado que a forma como hoje em dia o Homem se desloca pelo mundo também evoluiu, e que esta “viagem pelo mundo”, seja em trabalho ou em turismo, pode ser feita de uma forma bastante mais lesta que antigamente, também a nossa visão do mundo foi evoluindo. Já não olhamos para nós como pertencentes a um lugar somente  mas como pertencentes ao mundo na sua globalidade. Apesar das diferentes identidades nacionais se manterem - e ainda bem!- o resto se vai esbatendo. As relações económicas, judiciárias e culturais entre países atualmente  são de tal forma evoluídas na sua interação, que em determinado país poderemos conhecer ou saber o que se passará noutro qualquer, bem como nos é permitido deslocar sem qualquer entrave à circulação. O que é sempre determinante para o modo de vida que atualmente levamos.

E devido ao facto de o maçom ser alguém que se considera livre e que vive e exerce a sua liberdade em qualquer parte, o maçom é um “cidadão do mundo”, isso permitiu-lhe que lutasse também pelos valores em que acredita e que acima de tudo são os valores da Maçonaria. Assim, foi através da sua ação por este mundo fora, que foi possível criar as bases para a implantação e reconhecimento de garantias ao nível dos Direitos Humanos, o direito à escola pública, o direito à saúde pública, a laicização dos estados (no sentido de que nenhuma religião se sobreponha ou seja enaltecida em detrimento das restantes), o ataque ao trabalho infantil e a emancipação da Mulher, entre outras lutas das quais os maçons fizeram e  ainda fazem parte pelo mundo fora.

Assim, em jeito de conclusão, combater as trevas, a tirania e a ignorância, propiciando o progressivo bem-estar da humanidade, são os labores que os maçons assumem para com a sociedade e apenas tal é exequível globalmente porque a Maçonaria é universal e cosmopolita. 

24 agosto 2015

Maçonaria em Loja (republicação)

O texto de hoje saiu da pena do J. Paiva Setúbal na época em que teve os "destinos" da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues nº5 nas suas mãos. Ou seja, foi escrito e publicado durante o seu Veneralato, que decorreu durante os anos profanos de 2007 e 2008.

Trago-Vos este texto porque considero que ele faz uma reflexão bastante certeira sobre o que  a Loja espera dos seus obreiros. A contemporaneidade deste texto é inegável, e por isso mesmo, decidi partilhá-lo com aqueles que possivelmente não terão tido acesso a ele, por se encontrar nos "confins" do blogue, mas também àqueles a quem tal nunca poderá passar despercebido, sendo que nunca é tarde demais para salientar esta reflexão que foi efetuada na altura por quem a escreveu e que a decidiu partilhar com os leitores nessa época, cabendo agora a mim, ter a mesma deferência para com os atuais leitores...

Apesar de o texto poder ser consultado aqui, deixo-Vos para vossa leitura agora o respetivo texto.

"Maçonaria em Loja

A organização da Maçonaria Regular tem uma base de sustentação, a Loja.

E a Loja tem como base os Obreiros que a compõem.
Quero eu acentuar com este começo de texto que os Obreiros, ao nível das Lojas, são os alicerces sobre os quais toda a estrutura se levanta.

Bom…, mas sendo os Obreiros homens, seres humanos com pernas, braços e o resto, como todos os outros, interessa discorrer um pouco sobre o relacionamento entre os componentes desta estrutura que assume uma tão grande responsabilidade.
Quando alguém é proposto para iniciação na Maçonaria, necessariamente a nível de loja, é-lhe feito um inquérito e sobre isso já se escreveu aqui neste blog o suficiente para justificar que não gaste agora mais espaço com o porquê e o como do inquérito.
Mas interessa notar que sendo o inquérito, ele também, feito por homens, é evidentemente um exercício de conclusões falíveis, e pode acontecer que seja proposto para iniciação alguém que realmente não esteja em condições de admissão na Maçonaria.
Em boa verdade as exigências são absolutamente humanas, isto é, na prática apenas se exige que o candidato seja um Homem, assim com maiúscula, o que neste caso se resume no nosso dizer, “livres e de bons costumes” e queira verdadeiramente pertencer a esta estrutura.
Apenas isso.
Ainda assim pode acontecer um erro de apreciação, por parte de quem faz a inquirição ou da parte do profano que se apresenta a candidato, e quando isso acontece todos perdem.
É uma óbvia desilusão para todos, desencantamento para o candidato que só tarde percebe que afinal a Maçonaria não responde às suas interrogações e aos Irmãos que com ele contactaram porque, à alegria de receber mais um membro na Família se segue a tristeza de verificar que afinal todos estavam enganados.

O relacionamento entre obreiros da Loja constitui o betão que garante a força da estrutura, de forma a que o “prédio” resista aos temporais que de tempos a tempos acontecem, tal qual na Natureza, e do qual a história da nossa Loja Mestre Affonso Domingues, também já contada aqui, pode bem servir de exemplo.
Este relacionamento tem por base duas variáveis, a saber, os procedimentos rituais (o “Ritual” como conjunto de regras formais que regulam a vida em Loja) e a Amizade entre os Irmãos membros daquela comunidade.
É no Ritual e na Amizade entre os Irmãos que assenta tudo o resto.
Se alguma destas variáveis falha, falha a Maçonaria !

Relativamente ao Iniciado muito pouco se sabe, habitualmente.
A Loja sabe que é conhecido do padrinho que o propõe e esse, sendo necessariamente um Mestre Maçom, merece a confiança dos restantes membros da Loja.
Depois, durante o inquérito, algo mais se fica sabendo, mas são conversas curtas, 1 hora ou 2, o tempo de um almoço ou algo assim, o que é manifestamente pouco tempo para conhecer alguém com pormenor.
Quando o Profano se apresenta para iniciação raramente a generalidade da Loja conhece detalhes da sua vida profana, nomeadamente a profissão, onde trabalha, o que faz, qual o grau de formação e por aí fora.
De facto não é isto que consta por aí, mas é isto o que acontece na verdade !
O que se pede a todos os Maçons quando em Loja é que deixem “os metais à porta do Templo”, e este pedido/exigência é frequentemente mal entendido por muitos, interpretando os “metais” como sendo a bolsa com os valores que eventualmente contenham (aquilo com que se compram os melões…).
Ora os “metais” que devem de ficar à porta do Templo são muito mais subjectivos do que isso.
Esses metais devem ser entendidos como os valores aos quais a profanidade dá importância grande, mas que em vivência Maçónica não só são dispensáveis como totalmente desajustados aos valores que a Maçonaria cultiva.
São a arrogância, a vaidade e a ambição.
Esses são os metais que, de todo devem ficar à porta, para que lá dentro reine verdadeiramente, e naturalmente, a igualdade e a fraternidade objectivos finais do nosso trabalho.
Sem isso surgirão as disputas por interesses particulares, a arrogância da saliência, a ambição por lugares de destaque.

Recordo palavras do nosso companheiro de blog Templuum Petrus, “quem se humilha será exaltado, mas quem se exalta será humilhado”.

Pois saibamos verdadeiramente, convictamente, deixar à porta do Templo os nossos metais, principalmente aqueles, porque eles são o fruto da grande maioria (totalidade ?) dos desencontros entre Maçons, tal como afinal são a razão de todas as guerras.
Cultivemos e levemos connosco a capacidade de compreender as diferenças.
Porque afinal, ser amigo do que gostamos ou do que nos é igual é fácil.
O que pode ser desafio interessante é a amizade com a diferença.
E para isso a abertura de espírito e a capacidade de aceitação é uma exigência."

J.P. Setúbal


17 agosto 2015

A Cadeia de União (republicação)

O texto que hoje Vos trago é uma republicação de um texto da autoria do Rui Bandeira que aborda um dos pontos altos de uma Sessão Maçónica bem como o esplendor do simbolismo da fraternidade que a Ordem evoca. Trata-se da "Cadeia de União".
O texto original pode ser lido aqui .

"Em todas as reuniões das Lojas que trabalham no Rito Escocês Antigo e Aceite (mas não só neste rito: por exemplo, também no Rito de Schröder) se reserva um momento para que todos os maçons presentes formem a Cadeia de União.

É um dos momentos marcantes da reunião: ao formarem e integrarem a Cadeia de União, os maçons relembram que cada um individualmente faz parte de um Conjunto. Conjunto que é mais forte do que a mera soma das forças individuais, porque a todas estas se agrega a força da união de todos.

A Cadeia de União simboliza e demonstra ainda o princípio fundamental da plena Igualdade dos maçons. Todos os presentes, desde aquele que dirige a Loja ao mais recente Aprendiz se unem, na mesma exata e igual postura, cada um mero elo de uma cadeia. Não há, naquele momento, distinção alguma, não se atende a graus, a funções, a antiguidades. Todos iguais em comunhão!

É um momento de reflexão, de solidariedade, de união, em que cada um sente que contribui para o grupo - mas também sente que beneficia da força comum do grupo.

A Cadeia de União forma-se perto do final dos trabalhos, já depois de finalizados os debates da ordem do dia. Por muito acesos que tenham sido esses debates, por muito díspares que tenham sido as opiniões formuladas, por muito distantes que porventura estivessem as conceções confrontadas, o debate já terminou, a decisão já foi tomada, ora uma bissetriz traçada com as contribuições de todos, ora uma opção que não será a de todos. Mas todos contribuíram, leal e esforçadamente, para a assunção da decisão, contra a qual nenhum militará. Todos se reúnem na cadeia de União, onde não há lugar a desacordos, pontos de vista ou discordâncias: cada um assume a sua função de elo de uma cadeia, igual a todos os outros elos, solidário com todos os outros elos. De muitos, e diferentes, se faz um, o grupo, o conjunto.

A Cadeia de União é a expressão da rara capacidade que os maçons adquirem e praticam: conformar e utilizar a diversidade para o bem e o objetivo comum. Todos são diferentes, todos colocam as suas diferenças em prol do grupo, todos são ali iguais.

A Cadeia de União é a prática sempre repetida, que, em iguais proporções, reforça o elemento "cadeia" (cada um é um elo, uma peça de um conjunto) e "união" (todos juntos, todos em comum, solidários).

A Cadeia de União é uma prática pela qual se forma, reforça e assinala a coesão do grupo. Nos momentos em que o grupo assim se une, desvanecem-se os individuais egos, avulta o coletivo, na busca de uma egrégora fortalecida e fortalecedora. Todos os espíritos se unem no mesmo objetivo, na mesma intenção, na mesma prece, na mesma celebração, seja o que for, mas o mesmo...

A Cadeia de União é um gesto, mas é muito mais do que um gesto. É parte integrante do nosso segredo de maçons, não porque guardemos ciosamente a notícia da sua existência (este texto prova o contrário...), mas porque é realmente impossível explicar a quem nunca participou numa Cadeia de União o efeito, a paz, a comunhão, a força, que produz nos membros de uma Loja assim unidos. É um gesto, mas é muito mais do que um gesto. E o seu significado só é plenamente apreendido por quem nele participa, uma e outra e ainda outra vez e muitas vezes. É um significado que não se ensina. Aprende-se vivendo-o!

Fora de Loja, só se forma Cadeia de União em homenagem fúnebre a maçom que passou para o Oriente Eterno. E aí, então, têm lugar como elos nessa cadeia todos aqueles que se reclamam de ser maçons. Aí não importam reconhecimentos, nem regularidades, nem nada dessas miudezas. Aí, pessoas de boa vontade e com muito em comum homenageiam uma pessoa de boa vontade que nos precedeu no caminho que todos trilharemos."

Rui Bandeira

10 agosto 2015

A Cadeira de Salomão (republicação)

O texto que hoje foi "reciclado" é um texto da autoria do Rui Bandeira e evoca a "Cadeira de Salomão", ou seja, o trono ou local que ocupa o Venerável Mestre no oriente da sua Loja, e que pode ser consultado originalmente aqui .

Deste modo aqui fica o texto para o (re)lerem...

"Denomina-se de Cadeira de Salomão a cadeira onde toma assento o Venerável Mestre da Loja quando a dirige em sessão ritual.

Em si, não tem nada de especial. É uma peça de mobiliário como outra qualquer. É como qualquer outra cadeira. Porventura (mas não necessariamente) um pouco mais elaborada, com apoio de braços, com maior riqueza na decoração, com mais cuidado nos acabamentos. Ou não...

Como quase tudo em maçonaria, a Cadeira de Salomão tem um valor essencialmente simbólico. Integra, conjuntamente, com o malhete de Venerável e a Espada Flamejante (esta apenas nos ritos que a usam), o conjunto de artefatos que simbolizam o Poder numa Loja maçónica. Ninguém, senão o Venerável Mestre, usa o malhete respetivo. Ninguém, senão ele, utiliza a Espada Flamejante. Só ele se senta na Cadeira de Salomão.

A Cadeira de Salomão destina-se, pois, tal como os outros dois artefatos referidos, a ser exclusivamente utilizada pelo detentor do Poder na Loja. Assim sendo, importante e significativo é o nome que lhe é atribuído. Não se lhe chama a Cadeira de César ou oTrono de Alexandre. Sendo um atributo do Poder, não se distingue pelo Poder. Antes se lhe atribui o nome do personagem que personifica a Sabedoria, a Prudência, a Justa Sageza. Ao fazê-lo, está-se a indiciar que, em Maçonaria, o Poder, sempre transitório, afinal ilusório, sobretudo mais responsabilidade que imperiosidade, só faz sentido, só é aceite, e portanto só é efetivo e eficaz se exercido com a Sabedoria e a Prudência que se atribui ao rei bíblico.

Quem se senta naquela cadeira dispõe, no momento, do poder de dirigir, de decidir, de escolher o que e como se fará na Loja. Mas, em maçonaria, se é regra de ouro que não se contraria a decisão do Venerável Mestre, porque tal compromisso se assumiu repetidamente, também é regra de platina que, sendo-se livre, não se é nunca obrigado a fazer aquilo com que se não concorda. O Poder do Venerável Mestre é indisputado. Mas, para ser seguido, tem de merecer a concordância daqueles a quem é dirigido. E esta só se obtém se as decisões tomadas forem justas, forem ponderadas, forem prudentes. O Poder em maçonaria vale o valor intrínseco de cada decisão. Nem mais, nem menos.

A Cadeira de Salomão é pois o lugar destinado ao exercício do Poder em Loja, com Sabedoria e Prudência. Sempre com a noção de que não é dono de qualquer Poder, que só se detém (e transitoriamente) o Poder que os nossos Irmãos em nós delegaram, confiando em que bem o exerceríamos.

Não está escrito em nenhum lado, não há nenhuma razão aparente para que assim tenha de ser. Mas quase todos os que se sentaram na Cadeira de Salomão sentem que esta os transformou. Para melhor. Não porque esta Cadeira tenha algo de especial ou qualquer mágico poder. Porque a responsabilidade do ofício, o receber-se a confiança dos nossos Irmãos para os dirigirmos, para tomar as decisões que considerarmos melhores, pela melhor forma possível, por vezes após pronúncia dos Mestres da Loja em reunião formal, outras após ter ouvido conselho de uns quantos, outras ainda em solitária assunção do ónus, transforma quem assumiu essa responsabilidade. A confiança que no Venerável Mestre é depositada pelos demais é por este paga com o máximo de responsabilidade. Muito depressa se aprende que o Poder nada vale comparado com o Dever que o acompanha. Que aquele só tem sentido e só é útil e é meritório se for tributário deste.

A primeira vez que um Venerável Mestre se senta na Cadeira de Salomão não lhe permite distinguir se é confortável ou não. Não é apta a que sinta que se encontra num plano superior ou central ou especial em relação aos demais. A primeira vez que um Venerável Mestre se senta na Cadeira de Salomão vê todos os rostos virados para ele. Aguardando a sua palavra. Correspondendo a ela, se ela for adequada. Calmamente aguardando por correção, se e quando a palavra escolhida não for adequada. A primeira vez que um Venerável Mestre se senta na Cadeira de Salomão fá-lo instantaneamente compreender que está ali sentado... sem rede!

E depois faz o seu trabalho. E normalmente faz o seu trabalho como deve ser feito, como viu outros antes dele fazê-lo e como muitos outros depois dele o farão. E então compreende que não precisa de rede para nada. Que o interesse é precisamente não ter rede...

Quem se senta na Cadeira de Salomão aprende a fazer a tarefa mais complicada que existe: dirigir iguais!"

Rui Bandeira