10 setembro 2014

Auxílio


O segundo termo da trilogia utilizada pela maçonaria anglossaxónica, Relief, é correntemente traduzido para português como Alívio, mas considero mais correto fazê-lo pela palavra Auxílio. Sendo ambas as hipóteses possíveis, a tradução por auxílio tem a vantagem de enfatizar a ação, enquanto que alívio é meramente a consequência ou o objetivo. É do auxílio que resulta ou se procura que resulte o alívio.

O auxílio que aqui se refere é o necessário ou conveniente para afastar ou minorar a dor, o sofrimento ou a dificuldade. Não a excluindo, não se contém apenas na vertente material. A ideia é que, identificada uma dificuldade, se venha a agir de forma a possibilitar que essa seja aliviada. A ação a empreender necessariamente que se contém dentro dos limites das possibilidades daquele ou daqueles que a levam a cabo, sem colocar em risco a sua própria vida ou integridade, família e estabilidade.

O auxílio deve ser prestado, em primeira linha, aos Irmãos maçons e às viúvas e filhos menores dos maçons já falecidos, mas, havendo possibilidades, deve ser igualmente efetuado em prol de quem quer que seja que esteja necessitado.

O auxílio a prestar é o apto a dissipar ou minorar o sofrimento ou dificuldade de quem dele beneficia, não um ato de favoritismo ou nepotismo. Há uma evidente diferença moral entre auxiliar alguém que passa por uma situação de dificuldade e favorecer alguém em ordem a que este obtenha uma situação de privilégio ou de vantagem injustificada. O auxílio destina-se a dar alívio, não a endossar vantagem... 

O auxílio a prestar deve respeitar sempre as normas legais e sociais. Auxiliar alguém a cometer uma infração, não é alívio, é cumplicidade. Auxiliar alguém a escapar ás consequências dos seus atos não é virtude, é encobrimento.

O auxílio maçónico tem, inderrogavelmente, uma caraterística de solidariedade e beneficência, mas estas não são a essência de se ser maçom, antes mera consequência de tal.

O auxílio é algo que todos os maçons devem prestar a quem e quando necessário, na medida das suas possibilidades, tal como inevitavelmente todos, em algum ou alguns momentos da sua vida - por mais afortunada ou realizada que esta seja - necessitaram ou virão a necessitar de auxílio, seja para superar ou minorar padecimentos, seja para consolar e ultrapassar desgostos e perdas, seja, enfim, para enfrentar dignamente a Grande Passagem que cada um de nós inexoravelmente fará.

O auxílio maçónico não é mais do que o exemplo do que todos os que vivem em sociedade devem praticar, pois viver em sociedade é dar e receber, ajudar e ser ajudado, cooperar para atingir objetivos, por vezes nossos, por vezes alheios, outras vezes comuns.

Rui Bandeira

03 setembro 2014

Amor Fratenal


A divisa utilizada pela maçonaria de língua inglesa (Brotherly Love - Relief - Truth; Amor Fraternal - Auxílio - Verdade) elenca as caraterísticas indispensáveis à Instituição Maçónica.

O primeiro termo dessa divisa é o Amor Fraternal. Daí a corrente referência a que a Maçonaria é uma Fraternidade. Os maçons consideram-se unidos entre si por laços afetivos similares aos que se tecem entre os irmãos de sangue.

O amor fraternal de alguma forma tem caraterísticas distintas dos outros tipos de afeição, incluindo uma natural componente de emulação entre irmãos que, bem vistas as coisas, é essencial para o desenvolvimento dos jovens seres e consolidação da espécie. 

Os forte laços afetivos entre irmãos coexistem com brigas, desacordos, marcações de território e de posições. O irmão mais velho tem que aprender a partilhar com o mais novo a atenção, cuidados, carinho e amor dos pais. Onde antes era rei e senhor vê depois um imberbe e indefeso ser, com a sua simples presença, a intrometer-se no seu espaço e - pior! - a usurpar a maior parte da atenção e cuidados que antes eram só seus. No entanto, essa constatação e a aprendizagem a ela inerente não impedem o nascimento e desenvolvimento do laço afetivo fraternal. E, a seu tempo, o irmão mais velho assegura a função de desbravador dos caminhos do mais novo e transmissor das experiências e descobertas por si vividas.

Por sua vez, o irmão mais novo cresce lutando para se igualar ao mais velho, para ser capaz de fazer o que ele faz, de conseguir o que ele consegue. Menos alto, menos forte, menos ágil, porque mais novo, procura compensar a sua inferioridade determinando nichos onde consegue ser melhor ou ter mais habilidade que o seu parceiro/adversário, o seu irmão.

A relação afetiva fraterna inclui uma mescla de cooperação, auxílio e cumplicidade com confronto e desafio. É assim que a Natureza propicia que os jovens seres simultaneamente criem as suas identidades e aprendam a viver e a cooperar em sociedade.

A relação afetiva fraterna, precisamente pela sua componente de emulação, é muito produtiva e eficiente no crescimento e aperfeiçoamento de todos os intervenientes. A emulação presente nessa relação afetiva faz com que cada um dos intervenientes queira ser melhor, enquanto simultaneamente auxilia o outro também a melhorar. A competição na cooperação propicia o avanço.

Quando um maçom trata um outro maçom por Irmão também se mostra presente essa componente da ligação afetiva fraternal. Ambos se auxiliam mutuamente a melhorar. Cada um procura ser melhor. E, ao sê-lo, constitui exemplo para que os demais também o procurem ser, em sucessivo e permanente ciclo de motivação. 

O amor fraternal entre os maçons não é só - diria que nem sequer é principalmente - um conceito de origem religiosa, no sentido de que todos somos criados por uma entidade superior. O amor fraternal dos maçons - tal como o que une os irmãos de sangue - é tecido de amizade, de cooperação, de auxílio mútuo, de cumplicidade, mas também de emulação, cada um procurando mostrar aos demais a sua evolução, o que aprendeu, o que conseguiu melhorar, ao mesmo tempo que contribui para a melhoria dos demais. E cada um progride mais em conjunto e por causa do conjunto. E cada um aprende que, quanto mais contribuir para o progresso de seu Irmão, mais ele próprio avançará.

Rui Bandeira

27 agosto 2014

A Maçonaria nos dias de hoje (republicação)


Este texto foi originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 20 de outubro de 2010 

A Maçonaria teve historicamente o seu auge, em termos quantitativos, após o final da Segunda Guerra Mundial. Tinham-se vivido anos de horror e de violência inauditos. Os sobreviventes dos combatentes no conflito necessitavam de manter a camaradagem, a união, o espírito de corpo, que sentiam ter possibilitado a sua sobrevivência. Uma das formas que, sobretudo nos países anglossaxónicos, acharam para o fazer foi buscar a admissão nas Lojas maçónicas e aí praticarem essa particular forma de camaradagem que inexoravelmente os marcou. Por outro lado, os horrores vividos e assistidos mostraram a muitos e muitos a necessidade de um espaço de convivência sã e de aprimoramento ético. Quem conviveu com o mal aprecia mais plenamente o bem!

O pós Segunda Guerra Mundial foi assim um período de grande florescimento da Maçonaria, em que os números dos maçons cresceram até atingirem níveis nunca antes historicamente atingidos.

Mas a vida é feita de ciclos! A essa fase de crescimento seguiu-se - inexoravelmente - uma fase de declínio. As condições sociais mudaram. A prosperidade material foi desfrutada por mais gente. As gerações sucederam-se. O que foi vivido no tempo daquela guerra passou a ser mera matéria de documentário histórico para os filhos, netos e bisnetos da geração que vivera aquele tempo. O que fora importante para a geração do pós-guerra não era já entendido nem sentido como tal pelas gerações subsequentes - e, bem vistas as coisas, ainda bem que as gerações subsequentes tiveram a possibilidade de não viver, nem sentir, nem suportar, aqueles duros tempos! Outras solicitações sociais e de utilização de tempos livres se perfilavam. E a Maçonaria, em termos quantitativos, declinou sensivelmente. Passou a ser vista como uma coisa de cotas nostálgicos e ultrapassados e de cromos com a mania de se armarem em diferentes. Tantas coisas para fazer na vida, tanta vida para viver, tanto trabalho para fazer, tanto para conquistar - para quê gastar (ou perder) tempo com essa coisa esquisita, meio desconhecida, fechada? Com a escolaridade a aumentar exponencialmente, quando os jovens passavam anos e anos a preparar-se para a vida ativa e esta era cada vez mais competitiva, que esquisitice era essa do autoaperfeiçoamento? Não era evidente que cada geração era melhor, mais sabedora, mais dinâmica, mais apta, do que a anterior? A Maçonaria não passava, para muitos, de um resto do passado, em vias de fossilização, em persistente declínio, precursor da inevitável decadência e do inexorável arquivamento nas prateleiras das curiosidades da história! A vida moderna, a tecnologia, o progresso imparável, o céu que é o limite do pujante avanço da Humanidade, relegavam a vetusta organização para a sala dos fundos onde as relíquias do passado acumulavam respeitável poeira...

Mas os ciclos inexoravelmente avançam, as suas fases sucedem-se e, nunca se repetindo exatamente da mesma forma, as grandes tendências inevitavelmente que paulatinamente se repetem. Este início do século XXI parece mostrar-nos uma mudança de ciclo da Maçonaria, em que o declínio cessou e o crescimento recomeça.

A vida moderna insensivelmente empurra-nos para a massificação, a generalização. Cada vez mais, cada um de nós é menos um indivíduo e mais um número, um fator, um pequeno elemento de um conjunto cada vez mais numeroso. E cada vez mais descobrem que a Maçonaria permite aos que a integram dispor de um espaço, de tempo e de locais em que cada um consegue afastar essa asfixiante sensação de ser apenas uma peça de um imenso formigueiro humano e assumir-se como indivíduo inserido numa comunidade e com ela e os seus outros componentes interagindo. Volta a "estar em alta" no "mercado" dos valores pessoais e sociais a necessidade de ética, a vontade de aperfeiçoamento, a interação com pequenos grupos de pares, com interesses e objetivos similares.

Cada um de nós sente que, por si só, não consegue deixar de ser apenas um número, inseto numa colmeia, peça de uma imensa máquina que é a sociedade de hoje. Mas verifica que, inserida num grupo com dimensão humana, em que todos se conhecem e se podem conhecer, a individualidade de cada um tem significado e é reconhecida nesse grupo com dimensão humana. E que, inserido nesse grupo, os progressos de cada um são reconhecidos pelos demais, tal como cada um reconhece os progressos dos demais. Ser um parafuso bem polido num depósito de milhões de parafusos é irrelevante. Mas ser uma pessoa, um indivíduo, com virtudes a cultivar, com defeitos a combater, com arestas a polir, no meio de iguais, também com virtudes e defeitos e arestas, mas sobretudo sendo cada um UM, diferente entre iguais - isso é gratificantemente diferente!

Nos dias de hoje, a Maçonaria é uma ancestral instituição que - como é caraterístico das instituições verdadeiramente relevantes e duradouras - se reinventa para responder aos desafios e às necessidades de agora. E hoje é necessário - cada vez mais urgentemente necessário! - que a vetusta instituição da Maçonaria disponibilize a quem disso cada vez mais necessita o tempo, o espaço, o meio, as ferramentas, para que o homem-número que o progresso que trilhámos criou se transforme no Homem Completo que cada um de nós tem a potencialidade de ser. Único. No melhor e no pior. Cada vez com mais melhor e menos pior. Mas sobretudo Homem - imprescindivelmente diferente entre iguais.

Tempo virá em que novo declínio experimentará a Maçonaria, em que os nossos filhos, ou netos, ou bisnetos, de forma geral a verão de novo como coisa do passado. Não é esse o tempo que vivemos. O tempo de agora é de crescimento, de consolidação, de valorização. Porque os Valores que recebemos dos nossos antecessores e que cultivamos para transmitir aos vindouros são intemporais, essenciais e imprescindíveis para o Homem e para a Humanidade.

Curiosamente, a imutável linha de rumo da Maçonaria parece atuar como força de equilíbrio na Sociedade. No passado, quando imperava a desigualdade, a Maçonaria foi um espaço de igualdade. Hoje, quando a normalização impera ao ponto de asfixiantemente nos sentirmos números num conjunto, formigas cumprindo desconhecida missão do formigueiro, obreiras mecanicamente contribuindo para a manutenção e crescimento da Grande Colmeia social em que nos sentimos aprisionados, a Maçonaria possibilita a cada um dos seus elementos que exercite, execute, desenvolva, a sua individualidade. O combate de há trezentos anos era o de convencer a sociedade inteira da igualdade essencial dos seus membros. Hoje, o desafio é o de consciencializar todos de que essa igualdade só se concretiza verdadeiramente se for permitido a cada um desenvolver a sua individualidade. Porque cada um de nós é verdadeiramente único e diferente entre iguais. E é essa Diferença na Igualdade que, afinal, constitui a maior riqueza de uma sociedade.

As épocas sucedem-se, as modas vêm e vão, os tempos mudam - mas os Valores essenciais, esses, são perenes e cultivá-los com são equilíbrio é Arte verdadeiramente Real!

Rui Bandeira

20 agosto 2014

O Visitante, o Viajante e o Turista (republicação)


Rste texto foi originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 22 de setembro de 2010

Três homens decidiram deslocar-se a uma grande cidade, uma daquelas cidades que todos desejamos conhecer, com história, dimensão, vida, monumentos, museus, teatros, cinemas, enfim, uma metrópole moderna. Todos eles dispunham de tempo e meios para por lá ficarem um mês e todos eles iam decididos a fazer a "viagem da sua vida" e a ficar a conhecer aquela cidade o mais profundamente possível. Esses três homens eram, como é natural, diferentes e cada um preparou e realizou a expedição à sua maneira.

O primeiro homem, chamemos-lhe Visitante, contratou através da sua agência de viagens os serviços do melhor operador turístico da cidade, que lhe preparou meticulosamente a estada. Chegado a essa cidade, o Visitante tinha preparado um completo programa de trinta dias de visitas guiadas a tudo o que a cidade de melhor tinha para oferecer aos seus visitantes. Foi uma visita inesquecível! O Visitante foi guiado pelos melhores museus da cidade, onde lhe foram mostradas as mais significativas obras de arte que aí havia e as mesmas foram explicadas, enquadradas histórica e artisticamente. Foi guiado nas visitas aos mais relevantes monumentos, sendo-lhe chamada a sua atenção para o seu significado histórico, os detalhes da sua construção, a sua utilização nos dias de hoje. O operador reservou-lhe bilhete para assistir ao melhor espetáculo da cidade, proporcionou-lhe um guia para o conduzir pelas mais esconsas vielas da Cidade Antiga, pelos mais pitorescos recantos, pelos mercados mais tradicionais, apresentando-o a interessantes pessoas que ali viviam ou trabalhavam. Também ao Visitante foram mostradas as mais deslumbrantes paisagens da cidade e proporcionados demorados e agradáveis passeios nos mais agradáveis parques e jardins ali existentes. Claro que foi conduzido também às melhores, mais concorridas, completas e diversificadas zonas comerciais da cidade, onde o Visitante pôde admirar a maior variedade de objetos e bens de consumo e adquirir o que lhe interessou adquirir. Visitou a Universidade e as Bibliotecas, guiado por um culto guia que o operador contratou para o efeito. Visitou o Parlamento e os mais emblemáticos edifícios onde funcionavam os representantes políticos da urbe e do país, ouvindo as explicações de um guia especializado, que o esclareceu sobre as circunstâncias e a prática política ali vigentes. Maravilhou-se com a grandiosidade dos edifícios religiosos, enquanto ouvia as informações e explicações proporcionadas pelo guia especialista em Arte Sacra que o operador turístico contratou para o efeito. Enfim, foram trinta dias de algum cansaço, muitas visitas, muitos conhecimentos novos para digerir, mas foi realmente uma viagem extraordinária! No regresso, o Visitante pensava na melhor forma de elucidar os seus conterrâneos sobre as maravilhas, as riquezas, as belezas, que existiam naquela deslumbrante metrópole.

O segundo homem, designemo-lo por Viajante, preparou e realizou a sua viagem de forma muito diferente. Não contratou os serviços de qualquer operador turístico, dispensou excursões e visitas guiadas. Preparou a sua viagem lendo tudo o que conseguiu descobrir sobre a cidade, a sua história, os seus monumentos e locais de interesse, as suas gentes. E mal desembarcou na cidade e se instalou no hotel escolhido, lançou-se numa contínua exploração da cidade. Também visitou, mas por si só, museus. Não viu tudo. Não teve ninguém que lhe chamasse a atenção para as melhores obras. Mas viu o que antecipadamente lera que era importante ver, apreciou demoradamente aquilo de que gostou, passou mais brevemente pelo que achou menos significativo. Também visitou e fotografou os monumentos da cidade, descobrindo ângulos curiosos, vestígios do passado interessantes. Falou com os guardas dos monumentos e descobriu curiosas e picarescas histórias, do passado e do presente, por eles contadas. Perguntou aos habitantes locais que espetáculos interessantes havia e acabou por ir ver um par de espetáculos que não constavam dos circuitos turísticos, que o elucidaram sobre a genuinidade das gentes daquela terra. Vagabundeou pela Cidade Antiga e ali se perdeu horas esquecidas, recanto aqui, conversa acolá, absorvendo a atmosfera da cidade e da sua história e da sua vida. Provou o que se vendia nos mercados, comeu as comidas típicas da cidade, confraternizou à roda de uns copos com genuínos habitantes da cidade, apercebeu-se dos seus anseios e desilusões, das suas alegrias e tristezas, do seu labor e do seu ócio. Passeou por agradáveis jardins, observando as brincadeiras das crianças e nelas se intrometendo. Conheceu muita gente, conversou, ouviu histórias interessantes, soube onde adquirir as mais genuínas coisas da cidade ao melhor preço, visitou fábricas e locais de trabalho, escolas e locais de culto. Em descontraída manhã de domingo, ousou mesmo jogar com um grupo de jovens o desporto preferido na cidade e - claro! - perdeu... Falou com taxistas e polícias, vendedores e ardinas e artesãos e comerciantes, enfim embrenhou-se no coração da cidade, misturou-se com as suas gentes, viu e visitou a cidade e tudo o que de bom e bonito ela tinha pelos olhos dos seus habitantes. Quando findou o tempo que tinha reservado para aquela visita, o Viajante quase se sentia um novo habitante daquela urbe, dela partia com alguma pena. Na sua máquina fotográfica, tinha mais fotografias de pessoas do que de monumentos, mas cada imagem de cada pessoa recordava-lhe um momento único, uma história curiosa, um episódio pitoresco. Na viagem de regresso, pensava de si para si que ficara mesmo a conhecder a cidade e as suas gentes e que talvez fosse interessante elucidar os seus conterrãneos como se vivia naquela importante urbe.

O terceiro homem, refiramo-lo por Turista, antes de viajar, comprou um guia de viagem relativo à cidade, consultou-o e assinalou meia dúzia de monumentos a visitar, viu quais os restaurantes recomendados, anotou as mais agradáveis esplanadas. Escolheu cuidadosamente o hotel onde ficaria. Chegado à cidade, instalou-se no hotel e tratou de descobrir os serviços que proporcionava. Reservou um dia para utilizar o SPA, comprou umas horas de consumo de Internet, para que, diariamente, ou quase, reservasse um pedaço do dia a ler as notícias do seu país. Contratou, para determinado dia, uma visita guiada à cidade, daquelas de autocarro aberto com guia de microfone, que vai debitando informações sobre o que se vai vendo. Visitou descansamente a cidade. Viu os monumentos que selecionara, calma e descontraídamente. Comeu em todos os restaurantes que referenciara. Passou agradáveis fins de tarde em sossegadas esplanadas. Passeou quando lhe apeteceu, olhando para onde o seu olhar caía, falando com quem o acaso colocava perto de si, ouvindo os ruídos ou músicas que a sorte e o local proporcionavam, cheirando aqu o perfume de flores, ali o odor de comida. Enfim, descansadamente viu o que quis ver, visitou o que lhe agradou visitar. Descansou e andou, parou e avançou. Voltou aos locais que mais lhe agradaram. Nem sequer passou por onde não lhe interessava. No regresso, satisfeiro e repousado, começou a germinar na sua mente algo que decidiu partilhar com os seus conterrâneos.

Caro leitor, faça agora uma pausa, pense e decida de si para si: qual dos três agiu melhor? E qual o pior?

A minha opinião é que nenhum foi melhor ou pior do que os demais. Cada um viu a cidade da e pela forma que a ele mais lhe convinha. Todos tiraram proveito da estada. Certamente proveitos diferentes - mas isso não é melhor nem pior, apenas diferente!

O Visitante, de regresso a casa, escreveu um exaustivo guia de viagem sobre a cidade, pelo qual os seus conterrâneos quase podiam saber tudo o que havia a saber sobre ela, mesmo antes de lá chegarem. O Viajante escreveu um livro de viagem, que retratou, com grande fidelidade, como era, como vivia, o que sentia, a gente daquela cidade. As suas impressões, os seus relatos permitiram a quem leu esse livro saber como é realmente, por dentro, essa cidade e como são os seus habitantes, mesmo antes de lá irem. O Turista, esse, regressado da sua despreocupada, descansada e nada exaustiva viagem... escreveu um romance passado naquela cidade. Quem o leu, admirou, além da qualidade da escrita e da trama da história, a forma como daquelas páginas se desprendia, leve mas sensivelmente, a atmosfera da cidade.

Que tem isto que ver com Maçonaria? Releia, caro leitor, o meu último texto sobre os Altos Graus. O Visitante simboliza o maçom que decide percorrer os Altos Graus, fazer a sua viagem apoiado no guia. Tudo aprende, certinho, direitinho. Compensa a falta de espontaneidade com a qualidade e quantidade do saber que recolhe. O Viajante simboliza o maçom que opta por seguir o seu caminho por si, fazendo a sua busca desenvolvendo ele as noções que aprendeu no seu percurso até à sua Exaltação como Mestre Maçom. Não tem a sua viagem tão organizada, tão completa, mas vive intensamente a sua busca. Não recolherá talvez a quantidade de ensinamentos passível de ser recolhida numa viagem organizada, mas recolheu o que lhe interessa e, no que lhe interessa, aprende a fundo. Vive a sua viagem e apreende a essência dela. E o Turista? Esse é o maçom que não se preocupa grandemente com tempos e saberes. Faz a sua viagem, segundo o seu tempo, o seu ritmo, os seus gostos. Não conhecerá tão profundamente como os outros, mas tudo vê, talvez mais de passagem, talvez mais intermitentemente, mas sempre de uma forma para si agradável. Só vai à Loja quando lhe apetece ir à Loja, uns anos exerce ofícios, noutros não está nisso interessado. Quando vai, quando está, participa e contribui. Mas nem sempre está disponível, necessita das suas pausas nas esplanadas. Faz a sua viagem como gosta, ao seu ritmo. Não aprende tanto como o Visitante, nem tão profundamente como o Viajante, mas o que aprende, aprende com gosto e por gosto e disso retira proveito. E partilha-o.

Todos fazem a sua viagem conforme preferem. Todos partilham o que aprendem com ela. Cada um à sua maneira. É útil partilhar a erudição. Mas também é útil partilhar a profundidade, a vivência, a genuinidade. E não menos útil partilhar a Beleza, a satisfação, que se tira da viagem, seja ela mais esforçada ou mais descansada. Nenhuma forma de viajar é melhor do que a outra. São, simplesmente, diferentes.

Afinal, o Visitante, que tudo aprendeu na sua primeira estada, quando voltar, já só voltará a lugares escolhidos, para relembrar a sua beleza e terá disponibilidade para sentir a vida do povo do lugar. E o Viajante, que conheceu ao início como vive a cidade, quando voltar certamente quererá saber mais sobre os seus monumentos e sua história, dará mais atenção à erudição, mas também apreciará fazê-lo mais descansadamente, com mais pausas, para melhor apreciar a atmosfera da cidade. E o Turista, esse, sempre visitando ao seu descansado ritmo, quando volta aprende mais um pouco e mais profundamente.

Não importa como se começa, como se prefere fazer a viagem. O que importa é fazê-la e ir aliando a Sabedoria (os conhecimentos privilegiados pelo Visitante), à Força (a profundidade, a vivência, a genuinidade, em primeiro lugar buscadas pelo Viajante) e à Beleza (descansadamente privilegiada pelo Turista).

Maçonaria é vida, faz parte da vida, é uma forma de aprender e apreciar e viver o mundo à nossa volta. De evoluir com a nossa vivência. E sobretudo de partilhar a nossa vivência, os nossos conhecimentos, a nossa evolução com os demais e beneficiar da partilha do que os demais nos proporcionam. Em suma, de cada um fazer a sua viagem, da forma que prefere e de que retira mais proveito e partilhar esse proveito com os demais, pela forma como melhor o conseguir fazer.

Rui Bandeira

13 agosto 2014

Altos Graus (republicação)


Este texto foi originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 15 de setembro de 2010

A formação de um maçom está formalmente concluída logo que concluída a cerimónia pela qual ele é elevado ao 3.º grau e assume a qualidade de Mestre Maçom. Todos os "segredos" lhe estão transmitidos, todas as "lições" lhe estão dadas, o método maçónico de evolução é-lhe conhecido. A partir desse momento, o Mestre Maçom é um Aprendiz que aprende o que tem de aprender, como pretende, segundo as suas prioridades e preferências. Acabou a sua aprendizagem e tem a sua "carta de condução". Mas aprender o quê? Tudo o que lhe foi exposto, apresentado, mostrado. Todos os símbolos, rituais, ornamentos, textos, que lhe foram fornecidos ao longo da sua formação. Não que tenha de saber esses textos de cor. Mas porque todos esses elementos são pistas, sinais, caminhos abertos à sua individual exploração.

Onde conduzem esses caminhos? Ao interior de si próprio! À interiorização das virtudes e normas de comportamento e princípios que devem reger a conduta de um homem bom e justo e que procura aproximar-se o mais possível do conceito de homem perfeito. Porquê? Porque crê que é esse trabalho, esse esforço, esse objetivo, o verdadeiro significado da vida, a razão de ser da nossa existência, porque o nosso caráter, o nosso espírito, a nossa alma (chame-se-lhe o que se quiser) necessita desse esforço, desse reforço, desse aperfeiçoamento, para evoluir e passar adiante (chame-se-lhe Ressurreição, ou Glória, ou Paraíso, ou Nirvana, ou o que se quiser). Complementarmente à sua crença religiosa e em reforço e desenvolvimento desta, o maçom procura assim descortinar o inescrutável, entrever o sentido da vida e o Plano do Criador, cumprir a sua vocação.

Em bom rigor, para o fazer segundo o método maçónico não necessita de mais ferramentas do que as que lhe foram dadas ao longo da sua instrução como Aprendiz e Companheiro e na sua exaltação a Mestre. Elas chegam, está lá tudo o que é necessário para que o homem bom que um dia bateu à porta do Templo se torne um homem melhor, um pouco melhor em cada dia que passa, um tudo nada melhor do que no dia anterior e um não sei quê pior do que no dia seguinte.

Para esse trabalho fazer, basta-lhe atentar e meditar e trabalhar nos conceitos e lições que recebeu, explorar a miríade de símbolos e chamadas de atenção com que se deparou. E tirar de cada meditação, de cada exploração, de cada esclarecimento, a respetiva lição e - mais e sobretudo - aplicá-la na sua conduta de vida. O Mestre Maçom tem tudo o que necessita para o seu trabalho e a obrigação de ensinar os que se lhe seguem - cedo descobrindo que será também ensinando que ele próprio aprende...

Mas alguns Mestres Maçons sentiam-se insatisfeitos, desconfortáveis. Até à sua exaltação, tinham tido um guião, uma cartilha, mentores, que auxiliavam o seu percurso. E, de repente, ainda inseguros, ainda tateando o seu caminho, os seus Irmãos largavam-nos ao caminho e diziam-lhes: "aí tens tudo o que precisas de ter para fazer o teu caminho! Procura, lê, estuda, medita, tenta, acerta, erra, quando errares volta atrás e tenta de novo até acertares." Não haveria maneira de guiar ainda o seu trabalho? Não de os conduzir, mas de fornecer como que um mapa, um guia, que facilitasse a sua tarefa? Tudo bem que tudo o que havia a explorar e aprender já lá estava no que lhe fora ensinado. Mas as alegorias têm de ser decifradas, os significados encontrados... É certo que o trabalho tem de ser individual mas... precisa absolutamente de ser tão solitário? Está certo que cada Mestre Maçom deve procurar a sua Luz e, para o fazer, tem de se abalançar ele próprio a atravessar a escuridão mas... não se pode dar-lhe nem uns fosforozitos, nem uma velinhas, para ajudar a alumiar o caminho?

Cedo se chegou à conclusão que sim, que se podia. Que, embora cada um tivesse os meios de explorar o seu caminho, não havia mal nenhum em proporcionar a quem o quisesse um mapa, um guia, um roteiro, que desenvolvesse, paulatinamente, patamar a patamar, as noções que já estavam disponíveis para serem desenvolvidas, mas que não havia mal nenhum se o fossem através de um roteiro bem organizado.

E assim se desenvolveu aquilo a que hoje se chama Altos Graus. Nas derivas do Romantismo, muitos sistemas de altos Graus foram desenvolvidos. De alguns deles ainda restam resquícios, tentativas de manutenção. Outros entretanto desapareceram. No mundo maçónico, nos dias de hoje, predominam dois sistemas de Altos Graus, do Rito Escocês Antigo e Aceite e do Rito de York. Outros são também praticados: do Rito Escocês Retificado, por exemplo.

Mas não se engane ninguém: ao percorrer qualquer desses sistemas (ou mais do que um), não se sobe, não se fica mais alto, mais poderoso, superior. Ao percorrer cada um dos sistemas de Altos Graus está-se a utilizar um guia de auxílio no nosso caminho individual. Cada grau não é um patamar. É uma viagem de descoberta e estudo. E o grau seguinte não é um patamar superior. É apenas outra viagem de descoberta e estudo. De que se volta para de novo partir, seja para reestudar a mesma lição, para reestudar lição anterior, ou para explorar nova lição. E, a todo o momento, o Mestre Maçom pode decidir fazer nova viagem segundo o seu roteiro (e tomar novo grau) ou explorar por sua conta própria. Ou fazer ambas as coisas...

A Maçonaria é um caminho de conhecimento, iluminação e aperfeiçoamento. Que cada um percorre como quer. Às vezes com roteiro. Às vezes sem guia. Uns de uma maneira. Outros de outra. Nem sequer, bem vistas as coisas, o mais importante é o destino. Importante, importante mesmo, é afinal a viagem e o que se retém dela!

Rui Bandeira

06 agosto 2014

33.º = 3.º (republicação)


Este texto foi originalmente publicado no blogue A Partir Pedra em 8 de setembro de 2010

Uma das razões pelas quais quem está de fora da Maçonaria tem dificuldade em compreender, na sua plenitude, o que esta é resulta - bem vistas as coisas, naturalmente - de aquele que vê do exterior julgar, apreciar, avaliar, a instituição segundo o paradigma da sociedade em que se insere e não através do paradigma próprio criado pela Maçonaria.

Quem vê de fora tem tendência a conceber a Maçonaria segundo o cânone da hierarquia, que é comum à maior parte das instituições humanas. O Governo é dirigido por um Primeiro-Ministro, que manda nos, ou coordena os, Ministros, que, por sua vez, mandam no seu Ministério, dando ordens aos seus Secretários de Estado, e estes aos Diretores-Gerais, que ordenam aos Diretores de Serviço, que mandam nos Chefes de Repartição, que exercem autoridade sobre os Chefes de Secção, que dão instruções aos Administrativos, que... E todo o titular de um cargo superior hierarquicamente exerce autoridade não só sobre o seu inferior hierárquico imediato, mas todos os que hierarquicamente estão abaixo deste e de si.

Se pensarmos nas Forças Armadas, idem, aspas, apenas com a diferença de o superior ter o título de General, aquele que está na base da pirâmide, o praça, ser o soldado e, entre um e outro, haver toda uma cadeia hierárquica de Oficiais, Sargentos e Cabos.

Se nos lembrarmos de um clube desportivo, lá está: facilmente visualizaremos a cadeia hierárquica que vai do Presidente da Direção ao roupeiro, passando pelos Diretores, Treinadores, Adjuntos, Capitão de Equipa e seus substitutos, jogadores e demais pessoal.

Se nos detivermos na Igreja do credo religioso maioritário em Portugal, lá temos a omnipresente hierarquia de Papa, Cardeais, Arcebispos, Bispos, Cónegos, Padres e, na aparente base da pirâmide, afinal a sua única razão de ser e de existir, a massa dos crentes.

Em suma, e para não me alongar em exemplos, a maneira comum de ver as instituições da sociedade é de forma hierárquica, em que alguém manda, alguém é mandado e manda, em sucessivos patamares até se chegar a quem só obedece.

A tendência de quem olha de fora para a Maçonaria é vê-la segundo este paradigma e, portanto, considerar que, se no Rito Escocês Antigo e Aceite há 33 graus, os detentores do grau 33.º são os que estão no topo da hierarquia e "mandam" em todos os que se integram nos graus inferiores e o mesmo sucede ao longo da "cadeia hierárquica".

Esta forma de ver a instituição maçónica é profundamente errada e conduz a graves vícios de análise. Persiste quer pelo contágio das demais instituições sociais, quer porque os próprios maçons têm negligenciado o esclarecimento do erro. É por isso que não me escandalizo quando um dos nossos interlocutores afirma - como por vezes sucede - que Fulano era do grau 33 e portanto pertencia ao topo da hierarquia e o que disse ou escreveu há de ter um especial significado, pois integrava o escol dos que mandam. Se este erro persiste, a culpa não é só dos meus interlocutores - é também minha! É, pois, tempo de alijar o fardo da minha culpa e esclarecer!

A Maçonaria não se organiza segundo o princípio da hierarquia. A Maçonaria funciona estritamente segundo o princípio da Igualdade!

A única - e temporária - derrogação destes princípio respeita aos Aprendizes e Companheiros (graus 1.º e 2.º), os quais, por estarem em processo de formação e integração, têm uma diminuição de faculdades, não tendo (ainda) o direito de voto nem o direito de palavra (em reunião formal). Mas esta derrogação da plena Igualdade é temporária e estritamente decorrente da natureza do processo de formação e de integração de Aprendizes e Companheiros. O seu percurso far-se-á com naturalidade até que - sem demasiada demora, mas também sem grandes pressas - aquele que um dia se apresentou à Iniciação se submete ao Ritual de Elevação ao 3.º grau e assume a condição de Mestre Maçom.

A partir desse exato momento, é um Mestre com exatamente os mesmos direitos e deveres e a mesma e igual posição hierárquica que todos os outros Mestres. Nem a antiguidade importa. Nem esta é um posto. O maçom acabado de ser elevado a Mestre pode, no minuto seguinte, ver ser-lhe confiado o exercício de um ofício em loja. E, logo que tenha exercido o ofício de 2.º ou de 1.º Vigilante, pode ser eleito Venerável Mestre, em estrito pé de igualdade com todos aqueles que estão na mesma situação há 1, há 10 ou há 30 anos. E todo aquele que tenha exercido o ofício de Venerável Mestre de uma Loja pode ser eleito Grão-Mestre.

É indiferente, em Loja, se A tem "apenas" o 3.º grau, B o 9.º, C o 15.º, D o 33.º. Todos são estritamente iguais e aquele que tem "apenas" o 3.º grau pode ser eleito Venerável Mestre e dirigir os outros, os que têm o 9.º, o 15.º ou o 33.º grau. Todos os Mestres maçons são estritamente iguais, independentemente do grau dos Altos Graus a que cada um tenha acedido. Um maçom do 3.º grau não é menos, nem mais, do que um maçom do 33.º grau. São ambos Mestres maçons - e com um estatuto rigorosamente igual em Loja. Um dos Mestres maçons da Loja é eleito para, durante um ano, exercer o ofíci0 de Venerável Mestre. Outro dos Mestres maçons da Loja é eleito para, durante o mesmo período, exercer o ofício de Tesoureiro da Loja. O Venerável Mestre eleito designa, segundo os costumes e os critérios próprios da Loja, estabelecidos ao longo do tempo, os Mestres maçons que exercem os demais ofícios necessários para o bom funcionamento da Loja. Independentemente do grau que tenha ou deixe de ter cada um dos designados. Durante um ano, os Oficiais da Loja exercem os poderes e cumprem os deveres inerentes aos respetivos ofícios e os demais elementos da Loja respeitam esse exercício e, se assim o quiserem, colaboram. Em qualquer assunto que se debata, todos - mas rigorosamente todos! - os Mestres maçons, independentemente do grau que porventura adicionalmente detenham ou do ofício que no momento cada um exerça ou não, têm exatamente o mesmo direito à palavra e o mesmo direito ao voto, com exatamente o mesmo valor.

Igualdade absoluta, pois.

Também as Lojas são estritamente iguais. Nenhuma tem mais direitos ou deveres do que as outras.

Sendo assim, perguntará, e bem, quem está de fora, porque há 33 graus, que relação existe entre eles, se não é hierárquica, em que consiste esse paradigma de graus "iguais"?

Essa é matéria que procurarei esclarecer no próximo texto, dedicado aos Altos Graus.

Rui Bandeira

30 julho 2014

Assentando ideias...


Em comentário ao texto "Limpeza da Loja", um leitor afirmou, designadamente:

"A administração de uma qualquer empresa, ou associação, profana não diria melhor. Devemos ter cuidado com o que escrevemos em relação a II que trazemos para cá. (...)".

É-me evidente o tom crítico, em relação ao texto, do comentador - e isso não me afeta em nada ou me causa qualquer desagrado. As ideias publicadas ficam expostas ao debate e à crítica e é pelo confronto entre as nossas ideias e as críticas que lhes sejam opostas que evoluímos no nosso pensamento. Aliás, acho que, pese embora a aparente falta de fundamentação da afirmação, a mesma suscita alguma reflexão.

Se bem entendo o que o comentador quis dizer, entende ele - e eu concordo em absoluto! - que a conduta em Maçonaria deve ser algo mais e algo melhor do que a normalidade da conduta no meio que os maçons designam de "profano". Neste ponto, não creio que haja razões de discordância. Assentemos, assim , no princípio de que é exigível que a conduta ética de um maçom e em ambiente maçom deve ser mais exigente, mais escrupulosa, mais cuidada do que a média da Sociedade. O maçom só pode constituir exemplo para a Sociedade se se comportar melhor do que normalmente nesta sucede.

No entanto, uma vez que o comentador manifestamente que expressa um tom crítico em relação ao que é exposto no texto, terei que concluir que as ações por mim descritas não merecem o seu acordo. Recorde-se então, muito sumariamente, o que propugnei que periodicamente deve ser feito numa Loja maçónica: verificação da assiduidade e do cumprimento das obrigações pecuniárias dos obreiros, determinação das causas de eventuais faltas de assiduidade e ou de cumprimento das ditas obrigações e medidas corretivas a tomar.

Em relação à assiduidade, defendi que a degradação da mesma pode decorrer de várias causas, indicando exemplos e respetivas medidas aconselháveis: ausência no estrangeiro (aguardar pelo regresso; se prolongada, encarar a hipótese de transferência; em qualquer caso, é determinante a vontade do interessado); indisponibilidade por afazeres do obreiro (aguardar a ultrapassagem do problema; encarar a possibilidade de quite e adormecimento, se a impossibilidade for previsivelmente prolongada, sendo também, obviamente, essencial a vontade do interessado, pois o quite não pode ser imposto, só sendo emitido a pedido); problemas de saúde (aguardar pela sua ultrapassagem e providenciar o auxílio e assistência pertinentes e possíveis); problemas de relacionamento (intervenção para superação dos mesmos ou para corrigir as deficiências de integração); desinteresse (saída da Loja, seja mediante quite, seja mediante exclusão).

De todas estas situações, não creio que o comentador critique as intervenções propostas em relação a nenhum caso, exceto porventura a exclusão por desinteresse - única medida unilateralmente tomada pela Loja que redunda no afastamento do obreiro. Mas, se for esse o caso, não posso senão discordar do entendimento crítico: se alguém se desinteressa ao ponto de se afastar e de nem sequer ter interesse em formalizar um pedido de saída (salvaguardando a hipótese de regresso se e quando porventura tal lhe interesse), não deve a Loja exclui-lo? Deve, então, fazer o quê? Manter indefinidamente uma ligação apenas ilusória, apenas um nome num papel, apenas uma contínua ausência? Em nome de quê? Em nome de uma pretensa tolerância (ao desinteresse, ao incumprimento dos compromissos)? Em nome de um putativo princípio de que em Maçonaria não há sanções nem medidas de exclusão? Parece-me evidente que, verificado o desinteresse, verificada até a falta de consideração em responder ou ou em formalizar de jure o que de facto já se evidencia, se impõe acabar com uma ligação que é já apenas ficcionada e permitir que o oblívio apague o que foi um manifesto erro de parte a parte... 

Quanto ao incumprimento das obrigações pecuniárias, apresentei também vários exemplos de situações e de soluções propostas: dificuldades económicas em diferentes graus (plano de pagamentos; regularização da situação com recurso ao Tronco da Viúva, com reembolso se e quando regressar melhor fortuna; quite pedido pelo obreiro, com pagamento da dívida pelo Tronco da Viúva, também com reembolso se e quando regressar melhor fortuna; desinteresse e falta de vontade de cumprir (exclusão). Também não creio que, de todas as alternativas, a crítica surja senão em relação à última. Mas deve a Loja permitir que quem não cumpre, podendo fazê-lo, as suas obrigações pecuniárias, possa indefinidamente fazê-lo, sem reação ou sanção? E, ainda por cima, tendo a Loja de pagar a capitação (utilizando a parte que lhe cabe dos pagamentos dos cumpridores)? É isso justo para os que cumprem? Note-se que não está em causa a exclusão por dificuldades económicas: esses casos têm outras medidas e solidariedade da Loja. Apenas se defende a exclusão dos que PODEM pagar em tempo, mas não pagam porque NÃO QUEREM, desrespeitando todos os demais, os cumpridores e, em especial, aqueles que até fazem algum esforço para cumprir as suas obrigações...

Convém assentar bem as ideias! Ser maçom é procurar comportar-se melhor do que a normalidade, mas não é permitir que os incumpridores, os desleixados, os desinteressados usem e abusem de uma pretensa e inexistente obrigação de tolerância. A Tolerância que deve ser apanágio dos maçons não é a permissividade em relação aos infratores, aos desrespeitadores dos demais, aos incumpridores dos seus compromissos, aos faltosos à sua palavra. Isso não é Tolerância - é estupidez! Tolerância é a aceitação das diferenças e das divergências. Não é a aceitação complacente de condutas prevaricadoras (nesse sentido, ver o texto "Os limites da Tolerância").

Insisto: é tempo de assentar bem as ideias! Tal como cumprir as nossas obrigações, sancionar o incumprimento doloso das obrigações livremente assumidas é um dever maçónico. É errado apodar de "profanidade" o cumprimento desse dever! A ética maçónica é uma postura de exigência - tolerante, mas exigente! -, nunca uma mandriona complacência com os incumpridores e os incumprimentos, quando dolosos. Maçonaria não tem nada a ver com "nacional-porreirismo" ou "deixa andar" ou cumplicidade benevolente com as violações dos deveres livremente assumidos. Ou então não seria um método de aperfeiçoamento, antes de degradação!

Rui Bandeira