09 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - Do Caos a Ordem

O Rito de Perfeição, com vinte e cinco graus, o mais alto dos quais o de Sublime Príncipe do Real Segredo, foi organizado a partir de 1758, por decisão de um conjunto de maçons em Paris, autodenominado de Conselho de Imperadores de Leste e Oeste. De entre a profusão de graus criada na sequência do Discurso de Ramsay, foi este Rito que permaneceu e se veio a desenvolver no Rito Escocês Antigo e Aceite. Em 1759, já existia um Conselho de Príncipes do Real Segredo em Bordéus. O Rito espalhou-se velozmente por França e pela Europa Continental. Em 1761, já existia um considerável número de Lojas, Capítulos, Conselhos e Consistórios.

Em agosto desse ano, o Grande Consistório dos Príncipes do Real Segredo emitiu uma carta-patente, pela qual nomeava Stephen Morin Inspetor-Geral do Rito para o Novo Mundo. Ainda nesse ano, Morin chegou a Santo Domingo (República Dominicana) e a partir daí começou a disseminação do Rito e designou diversos Inspetores para as Índias Ocidentais e para o Continente Americano. Um dos nomeados foi Moses Michael Hays, um abastado comerciante judeu, de origem holandesa, de Boston, grande defensor da liberdade religiosa e dos direitos civis, que veio a ser, em 1792, Grão-Mestre da Massachussets Lodge of Masons.

Hays introduziu o Rito na Costa Leste americana e nomeou vários Inspetores-Adjuntos para diversas zonas do que viriam a ser os Estados Unidos da América: Isaac da Costa e, depois da morte deste, Joseph Myers para a Carolina do Sul, Solomon Bush para a Pensilvânia, Barend M. Spitzer para a Geórgia.

Em 1767, é aberta uma Grande Loja de Perfeição em Albany, Estado de New York. Em 1783 cria-se uma Sublime Grande Loja de Perfeição em Charleston, Carolina do Sul. Nesta mesma cidade, cria-se, em 1788, um Grande Conselho dos Príncipes de Jerusalém. Em 1797, um Capítulo de Cavaleiros Rosa-Cruz, Cavaleiros da Águia e do Pelicano estabelece-se na cidade de New York. E é neste mesmo ano que a Loja de Perfeição Rei Salomão, de Martha's Vineyard, Massachusetts, abdica da sua jurisdição sobre os três primeiros graus a favor da Grande Loja de Massachusetts, estabelecendo o precedente para o que é atualmente regra em todo o Mundo: os três primeiros Graus (Aprendiz. Companheiro e Mestre) são da jurisdição exclusiva das Grandes Lojas / Grandes Orientes, ficando os organismos de Altos Graus apenas com jurisdição sobre estes.

Tudo isto se passa ainda no âmbito de um Rito de Perfeição com 25 graus. Entretanto, em 1786, foram aprovadas em Berlim, por Frederico da Prússia, as Constituições dos Supremos Conselhos dos Soberanos Inspetores Gerais do 33.º e Último Grau. É a primeira referência a um Rito com 33 graus. Não há notícia de anterior existência de qualquer Supremo Conselho antes desta data. O Rito (ainda de Perfeição) era dirigido por Inspetores-Gerais, cada um com competência para determinada zona geográfica. Segundo as novas Constituições, o poder soberano do Rito alargado a 33 graus e redenominado de Rito Escocês Antigo e Aceite passaria a ser detido, em cada nação, por um Conselho de 9 elementos. Única exceção: os Estados Unidos da América, que seriam dotados de dois Conselhos: o da Jurisdição Norte e o da Jurisdição Sul (sistema que ainda hoje vigora).

O primeiro Supremo Conselho estabelecido segundo as Constituições de 1786 ficou sediado em Charleston (Carolina do Sul), inicialmente com jurisdição em todo o território dos Estados Unidos e, após a constituição do Supremo Conselho da Jurisdição Norte, com a sua autoridade reduzida à Jurisdição Sul. Este primeiro Supremo Conselho em todo o mundo foi criado em 1801, por iniciativa dos Soberanos Inspetores Gerais John Mitchell e Frederick Dalcho.

A transformação do Rito de Perfeição de 25 graus no Rito Escocês Antigo e Aceite de 33 graus consumou-se assim nos Estados Unidos no início do século XIX. A sua evolução futura vai depender seguidamente de acontecimentos no Velho Continente. Veremos isso no próximo texto.

Fontes:

http://www.phoenixmasonry.org/AASR_1884_/history.htm

http://www.uniaoesegredo.com.br/reaa.htm

Rui Bandeira

02 fevereiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - o Discurso do Chevalier Ramsay


Chevalier Ramsay

Andrew Michael Ramsay (1686-1743), também conhecido por Chevalier Ramsay, foi um teólogo e escritor escocês que viveu a maior parte da sua vida adulta em França, como jacobita exilado. Estudou teologia nas Universidades de Glasgow e Edimburgo, tendo-se graduado em 1707. Em 1708, foi viver para Londres, tendo-se relacionado com Isaac Newton, Jean (ou John) Desaguliers e David Hume.

Em 1710, estudou sob a orientação do filósofo místico François Fénelon, tendo-se, por influência deste, convertido ao catolicismo. Após a morte de Fénelon, em 1715, foi viver para Paris, onde se tornou amigo do Príncipe Regente de França, Philippe d'Orléans, que o fez, em 1723, Cavaleiro da Ordem de S.Lázaro de Jerusalém - o que motivou a sua futura designação por Chevalier Ramsay.

Defensor das pretensões jacobitas (de James Stuart) aos tronos de Inglaterra e Escócia, chegou a desempenhar, embora por breve espaço de tempo, as funções de tutor dos filhos de James Stuart, Charles Edward e Henry. Entre 1725 e 1728, viveu como hóspede convidado no Hotel de Sully, sob o patrocínio do Duque de Sully, e frequentou o clube literário parisiense Club de l'Entresol, onde se relacionou, entre outros, com Montesquieu.

Em 1727, publicou as Viagens de Ciro, que foi um grande êxito (um verdadeiro best-seller na época) e o tornou célebre na sociedade (o que, na época, equivalia a dizer: entre a nobreza) francesa.

Desde a introdução em França (através dos exilados jacobitas) da maçonaria que Ramsay nela se integrou.

Em 1737, sendo então Grande Orador em França, escreveu e proferiu, perante uma assembleia de nobres, o seu célebre Discurso pronunciado na receção de Maçons por Monsieur de Ramsay, Grand Orador da Ordem.

Neste discurso, Ramsay efetua uma ligação da Maçonaria às cruzadas. Veio a ser um dos discursos maçónicos mais divulgados e discutidos da História da Maçonaria. Nenhum outro recebeu alguma vez mais atenção. Nenhum outro teve, até agora, maior efeito no desenvolvimento dos eventos relativos à Maçonaria.

No entanto - e tal é hoje pacífico entre os historiadores da maçonaria - o que ele relatou não corresponde à realidade histórica. A Maçonaria não deriva dos Templários nem das Cruzadas e Ramsay sabia-o bem. Na ocasião, o seu propósito foi dar aos recém-iniciados uma razão para terem orgulho na Ordem. A sua Oração, por consequência, não foi um resumo histórico factual, antes uma narrativa alegórica sobre as suas origens. Foi essencialmente o discurso do idealista que ele era.

Assim, ele falou de uma ligação entre os Cruzados e os Maçons, afirmando que, depois das Cruzadas, o Príncipe Eduardo, filho de Henrique III de Inglaterra, tinha trazido de volta àquele país as suas tropas, que tomaram o nome de... Maçons. Acrescentou que, das Ilhas Britânicas, a Arte Real estava então a passar para França, que iria passar a ser a sede da Ordem (!) e continuou dizendo:

" As obrigações que vos foram impostas pela Ordem são as de proteger os vossos irmãos pela vossa autoridade, de os iluminar pelo vosso conhecimento, de os edificar pelas vossas virtudes, de lhes acudir nas suas necessidades, de renunciar a todo o ressentimento pessoal e de favorecer tudo o que possa contribuir para a paz e a unidade da sociedade."

Ramsay ligou a Maçonaria aos Cruzados, designadamente ingleses. Mas, ao contrário do que é correntemente afirmado, não é exato que tenha feito qualquer referência aos Templários. Este mito sobre um mito nasceu de um erro de Mackey, que tal afirmou na entrada dedicada à "Origem Templária da Maçonaria" na sua Enciclopédia da Maçonaria. Os grandes também se enganam, Mas os erros dos grandes acabam por ser divulgados como verdades...

Em nenhuma passagem do Discurso Ramsay sugeriu a criação de um novo rito, mas dele foi isso que veio a resultar. A Maçonaria tinha sido introduzida em França poucos anos antes, mas a nobreza francesa (o Povo, esse, simplesmente sobrevivia e só com a sua sobrevivência se preocupava), embora de algum forma fascinada, não acreditava que fosse possível que o ideário maçónico fosse originário de trabalhadores comuns, de mãos calejadas pelo trabalho de construção. Ramsay proporcionou-lhe uma resposta a essa desconfiança e um pretexto para que vissem a Maçonaria como digna de si: providenciou-lhe, à Maçonaria, nobres ancestrais!

Quase que de um dia para o outro, a nobreza e a intelectualidade francesa dedicaram-se a esta novidade, reformulando-a a seu gosto: em pouco tempo, mais de 1.100 graus foram inventados, agrupados em mais de cem ritos. A maior parte deles teve uma existência efémera, mas, entre os que sobreviveram, contavam-se os 25 graus do Rito de Perfeição, antecessor direto do Rito Escocês Antigo e Aceite.

O maçom Andrew Michael Ramsay, com o seu famoso Discurso, inadvertidamente mudou o curso da História da Maçonaria, ao inspirar a criação dos Altos Graus, daí vindo a ocorrer uma evolução que veio a culminar no Rito Escocês Antigo e Aceite.

Fontes:

http://www.chevalierramsay.be/chevalier-andrew-ramsay/
http://en.wikipedia.org/wiki/Andrew_Michael_Ramsay

Rui Bandeira

30 janeiro 2011

A maçonaria vista de fora - vista de dentro



Hoje comecei por pensar escrever simplesmente sobre "A maçonaria vista de fora", mas nesse caso versaria sobre o que quem está de fora vê da Maçonaria. Vi então que não era o que pretendia. Pretendo antes mostrar um pouco do que, quem está dentro, vê quem, de fora, tenta espreitar para dentro.

Há muita coisa disponível na Internet, em Livrarias, alfarrabistas, bibliotecas, enfim... um pouco por todo o lado. Quando me comecei a interessar pela maçonaria não me coibi de perguntar a quem tinha paciência para me responder. Ao mesmo tempo, comecei a comprar livros, a procurar filmes e videos, e a ler outros sites. Muito do que sobre Maçonaria se lê na Internet é de duvidosa qualidade, mas eu lá ia - ou assim acreditava - conseguindo separar o trigo do joio. A certa altura, quando contei, muito orgulhoso - creio que ao José Ruah - que estava a ler "The Meaning of Masonry", de Walter Leslie Wilmshurst, ele respondeu-me com certa secura algo como "Eu não perderia tempo a ler coisas que não entendesse, ou que eventualmente só estaria capacitado a compreender depois de ter uma década ou mais de maçonaria - mas força, mal não há-de fazer. Mas é um bocado árido.".

Na altura achei que ele era parvo, e que a leitura me abriria os horizontes, já que tudo pareciam apostado em "fazer caixinha". De facto, li muita coisa, mas aquela miscelânea de referências esotéricas trocava-me as voltas como naqueles livros que, de tantas personagens terem, nos obrigam a escrever uma lista de "Quem-é-quem", para não nos perdermos na história... Ia lendo coisas, ia memorizando significados e, por vezes, ia tendo aqui e ali alguns vislumbres das razões por detrás de tudo aquilo...

Foi um bom entretém, mas pouco mais que isso. Afinal, tive que esperar largos meses até que "se dignassem" iniciar-me... Curiosamente, depois de ser iniciado, os livros começaram a ganhar pó, os que se encontravam a meio foram fechados e arrumados, para só, muito esporadicamente, os vir a abrir com fins precisos, para logo os fechar de novo. Idem para os videos, filmes, blogues e afins - com exceção do "A-Partir-Pedra", que continuei a frequentar, mais discretamente, mas sem nunca deixar de ser leitor assíduo.

Agora, já de dentro, vejo o quanto é curiosa a vista de dentro de quem quer ver para dentro, o esforço que faz quem quer perceber o que lá se passa, e usa livros e videos como forma de iluminação. Em primeiro lugar, são poucos os que ultrapassam a análise dos símbolos, ou do fito pela benemerência. Para não falar nos paparazzi - em português: cuscovilheiros - que apenas querem saber quem está, de que modo nos ocultam coisas, e que maquinações engendram.

Acabei por dar alguma razão ao Zé Ruah: o que eu estava a fazer era algo como estudar muito bem as regras do futebol, as várias táticas, toda a teoria sobre o Desporto-Rei, no sentido de me tornar um novo Cristiano Ronaldo - mas sem nunca tocar uma bola, quanto mais treinar em equipa. Por isso, quando vejo alguém assim, entusiasmado com a Maçonaria, a ler muito, a pesquisar mais, não posso deixar de pensar que é tempo, em certa medida, perdido. Que se queira, depois de se ser aceite numa equipa, e de se aprender as passagens de bola básicas, e de fazer exercícios que até nem tenham - aparentemente - nada que ver com futebol, e de se apurar a técnica até onde esta pode ser apurada só com o instinto - então aí sim, pegar nuns livros e ler umas coisas pode fazer a diferença. Agora começar por aí...

Mas para quem o fez, deixo algumas palavras de encorajamento de Henry David Thoreau: "If you have built castles in the air ...that is where they should be. now put the foundations under them." (Se construiste castelos no ar... estão onde devem estar. Agora põe as fundações sob eles.)

Paulo M.

26 janeiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - hipótese sobre o nome


O exílio dos Stuart em França originou que grande parte da nobreza católica, particularmente escocesa, mas também católicos ingleses, se refugiasse também em França.

Muitos desses nobres eram já maçons Aceites. Foram-se constituindo e reunindo em França as primeiras Lojas maçónicas, Lojas maçónicas dos "Escoceses", que reproduziam os rituais que tinham aprendido na Escócia, muito similares - por menos ou nada expostos às alterações a partir de 1717 introduzidas pelos "Modernos" da Premier Grande Loja de Londres - aos rituais recebidos da Maçonaria operativa e aos que viriam, poucos anos mais tarde, a ser defendidos e praticados pela Grande Loja dos Antigos.

Esta, na minha opinião - que friso dever ser tida como hipótese, até agora não infirmada, mas carecendo de confirmação cabal -, a origem remota do nome que, umas décadas mais tarde, veio a ser conferido ao rito que acabou por se estabelecer: Rito Escocês Antigo e Aceite.

Escocês, porque derivando dos "Escoceses", os exilados apoiantes dos católicos Stuart; Antigo, porque derivando ou sendo desenvolvido a partir do ritual dos Antigos (em contraposição aos Modernos) e Aceite, porque prosseguindo a linha dos maçons aceites pelas Lojas operativas.

Esta denominação resulta, a meu ver, de um propósito de estabelecer a "linhagem" do Rito, em contraposição à "linhagem" dos Ritos de Emulação, desenvolvido no seio da Grande Loja dos Modernos (a Premier Grand Lodge), e de York, evolução ulterior decorrente quer do acordo posterior entre Antigos e Modernos, já no século XIX, que origina a atual Grande Loja Unida de Inglaterra, quer das alterações introduzidas posteriormente pela codificação de Preston e Webb, utilizada na Maçonaria Americana. Estes Ritos são desenvolvidos pelos Altos Graus do Rito de York, constituindo o segundo dos Sistemas de Altos Graus mais praticados atualmente no Mundo.

Enquanto que os Ritos de Emulação e de York, e respetivos Altos Graus, se fundam na prática da Premier Grand Lodge e na organização, inclusive ritual, fixada por James Anderson e Jean Théophile (ou John Teophilus) Desaguliers e, no que toca ao Rito de York, revista mais tarde por William Preston e Thomas Smith Webb, o que veio a ser mais tarde o Rito Escocês Antigo e Aceite busca as suas raízes diretamente na Maçonaria Operativa já com os maçons Aceites, tal como praticada na Escócia, e segundo princípios rituais defendidos pelos Antigos.

Esta dicotomia, perpetuando, a meu ver, o primeiro grande cisma da Maçonaria Moderna, entre Modernos e Antigos (lógica e cronologicamente anterior ao mais visível cisma nos dias de hoje, entre Regulares e Irregulares), permite atrair a nossa atenção para algo que muitas vezes não resulta claro: as duas diferentes vias de expansão em França (e por via dela, no Continente Europeu) do inicialmente localizado e tipicamente britânico fenómeno da Maçonaria: por uma via, temos uma introdução através dos exilados da Guerra Civil, católicos jacobitas, algo desorganizada e que, não deixando de vir a exercer uma influência futura, acabará por não lograr uma organização estável e coerente; por outro lado, existirá uma exportação institucional via Grande Loja inglesa do modelo, que paulatinamente, e a exemplo do que veio a suceder em todo o Império Britânico, vingará, em termos organizativos.

Mas, por agora, retenhamos que o Rito Escocês Antigo e Aceite tem as suas raízes nos vencidos da Guerra Civil Inglesa, na minoria católica inglesa e escocesa, na Tradição antiga e intocada por eles sustentada. As voltas que a História dá... Dos vencidos nascerá, após muitas vicissitudes, voltas e reviravoltas, o mais difundido Rito Maçónico da atualidade!

Um dos elos da cadeia de acasos que se foi sucedendo, e certamente não dos menos importantes, chama-se Andrew Michael Ramsay, também conhecido por Chevalier Ramsay. A ele e sua ação será dedicado o próximo texto desta série.

Rui Bandeira

23 janeiro 2011

Votar: direito e dever individual



Houve hoje, em Portugal, eleições para a Presidência da República. Acompanhei durante as últimas semanas - como, de resto, muitos outros portugueses - os factos e as histórias, as verdades e meias verdades, as cabriolas e acrobacias que cada uma das campanhas apresentava ao eleitorado - a cada um de nós, portanto. Todos assistimos às alianças feitas e desfeitas, aos jogos de conveniências, aos ataques, às defesas, às vítimas silenciosas, aos que gritavam ser vítimas, aos que se faziam de vítimas, às virgens ofendidas, às faces estoicamente  impassíveis, às caras desavergonhadamente impassíveis, às explicações impossíveis, à esperança na mudança, ao desespero pela mudança, à indiferença face à expetativa da mudança das moscas, ao frenesim das contagens, ao sentido do dever cumprido, ao cansaço ao fim de um dia comprido.

Em conversa com uma amiga minha - que priva com alguns políticos dos dois maiores partidos - comentou esta que, não obstante haver, como era sabido, candidatos apoiados por este e por aquele partido, havia muitos militantes insatisfeitos com os candidatos que os seus partidos apoiavam. E que não se podia impor disciplina partidária em eleições livres. Repetiu-me então um comentário que lhe fizeram e que fixei: "No silêncio da urna, só tu é que sabes em quem votas". Achei curioso ela falar no "silêncio" da urna. Pareceu-me uma coisa muito maçónica - e se calhar era-o. E logo recordei a velha diferença entre a Maçonaria Regular e a Maçonaria Liberal no que respeita a participação política, com a primeira a arredar-se desta e a segunda a abraçá-la.

Quando hoje - como milhões de outros portugueses, votei, estava frio. Tinha deixado o casaco em casa, anoitecia já, tinha pressa e outros deveres, mas lá fui. Demorei quê?... uns cinco minutos. Foi chegar, "botar a cruzinha", dobrar, meter e sair. Um gesto tão simples que não doeu nada. Foi assim, sorrindo para com os meus botões, que votei, enquanto pensava que não o fazia senão pela minha cabeça, fiel às minhas convicções, sem outra lealdade para além daquelas que tinha para comigo e para com o meu país. E só por isso,  hoje - independentemente dos resultados - dormiria um sono tranquilo.

Paulo M.

19 janeiro 2011

Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite - Antecedentes em Inglaterra

William e Mary

Para se entender as circunstâncias do surgimento e estabelecimento do REAA, há que começar por relembrar alguns factos anteriores, quer especificamente relacionados com a Maçonaria, quer factos históricos em geral.

As Lojas operativas de construtores em pedra regulavam o ofício e transmitiam os ensinamentos a ele inerentes, conjuntamente com normas éticas e conhecimentos científicos vindos de tempos imemoriais, particularmente no domínio da Geometria. Foram essenciais na regulação do ofício da construção em pedra por toda a Idade Média. Porém, o Renascimento, a difusão, tímida mas paulatina, do Conhecimento, facilitada pela divulgação na Europa da impressão mecânica - e consequente embaratecimento e disponibilidade de livros -, a aquisição por operários exteriores às Lojas das técnicas de construção, foram insensível mas inevitavelmente desgastando a capacidade de influência e a relevância social das Lojas operativas. Cada vez mais sabiam construir sem terem aprendido a fazê-lo em Lojas operativas de construtores. Cada vez menos estas regulavam eficazmente o acesso ao ofício.

A lógica natural da evolução levaria à extinção das Lojas operativas - como sucedeu por essa Europa fora. Porém, na Escócia, na Irlanda, em Inglaterra, uma evolução ligeiramente diferente ocorreu. Os operários construtores reagiram à crise abrindo as suas Lojas a não construtores. Aos senhores que lhes encomendavam trabalhos, a membros da pequena nobreza rural, a pessoas interessadas no saber, que aos saberes simples herdados de muitas gerações atrás assim acediam. Naturalmente que, a pouco e pouco, esses maçons Aceites passavam a ter cada vez mais importância nas Lojas, estas deixavam de ser centros reguladores da Arte de Construir e passavam a centros de debate e difusão de conhecimentos. Evoluía-se assim da Maçonaria Operativa para uma nova realidade: a Maçonaria Especulativa.

Esta evolução processa-se ao longo de todo o século XVII e início do século XVIII e, naturalmente, ocorre em ritmos diferentes, sendo aceitável que tenha sido mais acelerada em centros urbanos que rurais, mais profunda e rápida em Londres do que na Escócia ou em York.

Assim se chega a 1717 e à criação por quatro Lojas londrinas da Premier Grand Lodge. Este momento marca o início dito oficial da moderna Maçonaria Especulativa, mas não só. Consumou-se também um corte decisivo com parte das tradições vindas da operatividade. Desde logo a independência total e absoluta de cada Loja. Mas também uma assumida intenção de rever e atualizar os rituais herdados dos tempos operativos e que já não correspondiam cabalmente às necessidades das Lojas Maçónicas especulativas. Os maçons da Premier Grand Lodge encetaram um movimento codificador mas também modernizador das Tradições recebidas da operatividade. Neste percurso não foram acompanhados, nem tiveram a concordância daqueles que prezavam as Tradições trabalhadas e que não viam com bons olhos as modificações que iam sendo introduzidas. Estavam criadas as condições para o que, não muito mais tarde - ainda na primeira metade do século XVIII -, veio a ocorrer na nóvel Maçonaria Especulativa britânica: a primeira grande separação, entre os Modernos (os renovadores da Premier Grand Lodge) e os que se agruparam na Grande Loja dos Antigos (que se declaravam os verdadeiros herdeiros da Tradição maçónica).

Paralelamente, a Grã-Bretanha viveu no século XVII a Guerra Civil, que opôs os partidários do rei Carlos I aos partidários do Parlamento, liderados por Oliver Cromwell. Carlos I acaba por ser preso, condenado á morte e executado, em 1649. Esta primeira guerra civil, essencialmente entre o monarca absoluto e o Parlamento, defensor de uma monarquia parlamentar, conteve os germes de uma outra confrontação: é que o Parlamento era essencialmente constituído por protestantes, que, além do mais, verberavam a Carlos I o seu casamento com uma católica e a sua participação nas guerras europeias da época, consideradas pelos parlamentares como cruzadas católicas. Nascia também uma dissensão religiosa, que veio a culminar em outra confrontação, entre o final do século XVII e meados do século XVIII: a chamada Revolução Gloriosa, que decorreu entre 1695 e 1740. No reinado de James II, da dinastia Stuart, católico, atingiram o rubro as contradições entre católicos e protestantes, entre os direitos seculares da coroa e os poderes do Parlamento. James II, deposto, exilou-se em França. O trono foi entregue a sua filha, protestante, Mary, e seu genro, William de Orange, também protestante, que foram coroados em conjunto como Mary II e William II, e iniciaram a dinastia de Orange. Durante décadas, a confrontação entre os católicos Stuart e os protestantes Orange dividiram as Ilhas Britânicas.

Chegamos assim à segunda década do século XVIII, em síntese, com esta situação:

a) Organizava-se a Maçonaria Especulativa em Inglaterra;

b) Parte da classe nobre inglesa - designadamente os católicos (ou jacobitas - não confundir com os jacobinos, fação extremista da Revolução Francesa) - estava exilada em França, integrando uma corte no exílio dos pretendentes Stuart à recuperação do trono britânico;

c) A nobreza inglesa já tinha, a partir de finais do século XVII, integrado as lojas maçónicas e participado na transição da maçonaria operativa para a especulativa;

d) Parte dessa nobreza acompanhou os Stuart no exílio em França.

e) Pesem embora as rivalidades e inimizades políticas, os maçons católicos e protestantes, apoiantes dos Stuart ou dos Orange, tinham-se já habituado a conviver fraternalmente nas Lojas maçónicas.

Os eventos seguintes que vieram a originar o aparecimento do REAA repartem-se, então, entre Inglaterra e França. Serão objeto do próximo texto.

Rui Bandeira

15 janeiro 2011

Os que ficam pelo caminho


"Nem todos os Aprendizes chegam a Companheiros. Nem todos os Companheiros ascendem a Mestres. E seguramente que nem todos os Mestres virão a exercer o ofício de Venerável Mestre. É assim a realidade!" Assim escreveu o Rui Bandeira num texto publicado em 2008, ainda não tinha eu recebido o meu avental branco. Na altura, quando o li, achei estranho o tom, a naturalidade, e o que tomei por critérios de seleção apertadíssimos. Recordo-me de ter pensado algo como "Estes tipos não brincam em serviço... Devem ser bestialmente exigentes, e só escolhem os melhores para progredir... Isto devem ser chumbos de três em pipa..."

Estava tão enganado!

Com o tempo vim a perceber que dificilmente a Loja "chumbava" fosse quem fosse, a não ser nas circunstâncias mais excecionais, mas que, não obstante, o Rui tinha razão: havia muitos que ficavam pelo caminho. Mas se a Loja não chumbava ou impedia a progressão, quem o fazia então? Ora... o próprio, quem mais?! Comecei a perceber que por detrás de cada nome que era chamado no início da sessão pelo Secretário e a que se seguia um silêncio em vez de ser anunciada a presença se encontrava um Irmão que não viera. E que os nomes que eu ouvia repetidamente e a que não associava uma cara eram de Irmãos que, de todo, não apareciam.

Uns - já Mestres - haviam-se desencantado, suponho, com a rotina da vida da Loja, e tinham agora outros entreténs - razão por que não punham os pés numa Sessão fazia tempo. Outros tinham, simplesmente, prioridades - frequentemente profissionais ou familiares - que se impunham sobre a presença em Loja, ou não tinham de todo disponibilidade para integrar a Linha de Sucessão assumindo um Ofício. Uns e outros lá iam aparecendo, uns mais e outros menos frequentemente, mas alguns desapareciam completamente de circulação.

A outros - ainda Companheiros - sucedia perderem o estímulo, ou não aguentarem tanto tempo sem poder falar e sem ser exaltados a Mestre. Ao fim de um tempo, também alguns destes começavam a faltar, a envolver-se pouco, e a certa altura eram, também eles, um desses nomes que se ouve e se associa a uma cara, mas que se tem uma certa nostalgia de não ver há meses...

Por fim, alguns Aprendizes eram iniciados, achavam graça à coisa, mas não tinham vida nem disponibilidade para pertencer a uma Loja que se reúne duas vezes por mês em dias e horas certos. Outros, quiçá mal conduzidos ou defeituosamente escrutinados, acabavam por se aperceber que a Maçonaria não lhes fazia vibrar corda nenhuma, e desapareciam.

Alguns interiorizavam que não queriam mais pertencer à Maçonaria, e pediam para sair. Outros, divididos entre o querer e o não poder, não assumiam a impossibilidade de permanecer, e iam ficando sem ficar. A certa altura, já nem as quotas pagavam, nem asseguravam os "mínimos olímpicos" da assiduidade - nós nem somos esquisitos: uma presença por ano basta-nos - e tinha que se lhes chamar a atenção para que cumprissem com os seus deveres.

E de facto confirmei ser precisamente assim, como o Rui tinha dito: há os que ficam pelo caminho, e os que vão progredindo de degrau em degrau, uns mais depressa e outros mais lentamente. Por vezes, alguns metem-se por becos sem saída e, ou adormecem, ou corrigem o percurso. Mas se é sempre triste vermos um irmão sentar-se na beira do caminho, descalçar as botas e adormecer encostado a uma árvore - pois sabemos que a maioria ficará ali para sempre - já nos enche de orgulho ver um irmão subir mais um degrau, assumir mais uma responsabilidade, receber mais um reconhecimento.

Os caminhos são muitos, e o destino é cada um que o escolhe. Não é, portanto, a Loja que é exigente e o "chumba" - pois para isso teria que ser a Loja a determinar os objetivos, e estes pertencem a cada um. É antes o Maçon que é muito ocupado, desiludido, ou simplesmente complacente, e se retira pelo seu pé. E assim deve ser. É que a Maçonaria não é para todos: é só para aqueles que de facto queiram - e façam por isso.

Paulo M.