21 abril 2010

A viagem


Hoje, resolvi elevar a qualidade deste blogue até ao nível que os seus leitores merecem e, obviamente com a devida e indispensável autorização do seu autor, publico aqui um texto que descobri através do Grupo Maçônico Orvalho do Hermon e que foi já publicado, pelo seu autor, no seu blogue Segredo Maçônico. O texto é um pouco longo, mas vale a pena lê-lo e, sobretudo, a partir dele meditar. Eis, portanto, da autoria de Charles Evaldo Boller, Mestre Maçom da Augusta e Respeitável Loja Maçônica Apóstolo da Caridade, n.º 21 da Grande Loja do Paraná,


A VIAGEM

Acompanhe-me numa singular viagem.

Para isto é necessário que você aceite alguns postulados e a pouca consistência do que mostrarei, considerando que, em essência, tudo não passa de simples fantasia, mas os conceitos são os mais modernos de que a ciência dispõe. Façamos à semelhança de nossas lendas na Maçonaria, que mesmo em sendo ficções, pretendem transmitir profundos conhecimentos filosóficos, dependendo apenas do grau de interesse e desenvolvimento de cada indivíduo e da perseverança em alcançar o conhecimento que leva a educação natural.

Tenha certeza que a pretensão é flutuar por caminhos fascinantes que poderão revelar entendimento de verdades complexas e difíceis de explicar de outra forma.

Preparando o Ambiente da Viagem

Façamos de conta que estamos parados no centro de uma loja aberta ritualisticamente. Aparelhada com todos os instrumentos de trabalho do maçom, bem como sua matéria prima: a pedra bruta.

Esotericamente falando, o teto não existe, então, vamos tirar de vez esta cobertura do lugar de onde está e empurrá-la para bem longe, tão longe que desapareça. Descortina-se sobre nós o espaço infindo e ao longe brilha o sol.

Empurremos também as paredes de nosso templo para bem longe. Estamos no centro do espaço infindo que só não é totalmente negro porque a luz do luzeiro o ilumina.

Eliminemos igualmente o piso de nosso templo, afastando-o mais devagar para que nossa mente se acostume lentamente com o flutuar no espaço. Como não temos mais referenciais, não sabemos ao certo se é o piso da loja e a Terra que estão se afastando, ou se somos nós que estamos levitando, viajando espaço afora.

Se pensar que paramos aí, enganou-se, agora possuímos poderes sobrenaturais que nos permitem parar o tempo, o que fazemos.

Este é nosso novo Universo: nada ao nosso redor, o tempo parado e apenas o Sol a nos iluminar. Neste ambiente especial construído por nossa imaginação, apenas nós nos movemos. Estamos sem ponto de referência a não ser o sol. Longe de tudo. Não existe ruído ou necessidade de ar. Somos poderosos.

Olhamos ao redor e observamos a imensidão. Como é diminuta a nossa estatura em relação a este Universo ilimitado e sem horizonte.

Com nossa nova capacidade de imaginação deixamos nosso corpo material e flutuamos para fora de nossa prisão. Olhamos para as pedras brutas que somos pelo seu lado externo de formas como nunca nos foram dadas observar. Observamos como é nosso túmulo material. Como já aprendemos, o que este corpo tem por fora é mero invólucro de nossa manifestação material no Universo tridimensional, o importante desta massa é seu conteúdo interno, algo que aos olhos materiais é impossível identificar.

Foi devido a esta limitação que saímos de nossos túmulos materiais e estamos aqui fora olhando para eles.

Aqui somos finitos e infinitos. Nesta existência artificial não rege tempo ou matéria, não existe início ou fim. Todas as coisas materiais que possuímos em nossa efêmera vida material são nada se comparados com a imensidão que ora contemplamos ao lado de fora de nossos cárceres que nos servem apenas como instrumentos de nossas experiências sensoriais.

Locke defendeu que as idéias são formadas a partir de experiências sensoriais exteriores e que a reflexão interior colocava em seu devido lugar. Combateu o Inatismo, filosofia que parte do pressuposto do homem possuir idéia inata do Grande Arquiteto do Universo; que esta idéia já nasce com a pessoa. Vamos comprovar esta assertiva ao sairmos do nosso corpo apenas por força de nosso pensamento e levarmos junto conosco apenas nossas capacidades de ver e pensar.

Na Maçonaria nos é ensinado que nascemos livres porque nascemos racionais e os seres humanos são, por isto, considerados iguais, independente de governos e outros homens. Usamos desta experimentação sensorial não apenas através de nossos dispositivos de percepção da realidade, criamos uma nova percepção, pela fantasia, e por um exercício do pensamento estamos passeando fora de nossos corpos físicos pelo espaço infindo.

Parece insanidade, mas é divertido. E como diz Domenico de Masi: não sei se estou trabalhando, aprendendo ou me divertindo.

Os trabalhos do Rito Escocês Antigo e Aceito querem demonstrar ser o homem infinito e que suas posses são finitas. Locke concebe o infinito como resultante da unidade homogênea de espaço, número e duração, e o que diferencia uma da outra é que o infinito apenas não tem limite. Deduzimos que o homem material é finito enquanto presa da materialidade e torna-se infinito quando desperta para a liberdade da razão apoiada pelo conhecimento.

É isto a que este passeio conduz.

Início do Passeio

Percebe quão devagar estão nossos passos neste passeio? Não há necessidade de correr. Nossas experiências mais eficientes não ocorrem sempre aos saltos, mas em pequenos avanços de uma dimensão para a outra de um conhecimento alicerçando o próximo, ciclos eternos de tese, antítese e síntese. Assim se faz na Maçonaria. O salto é dado pela mente e não pelo corpo material. É disto que devemos nos libertar para penetrar nos segredos de nós mesmos. Apenas em condições especiais obtemos a verdadeira luz para investigar a verdade oculta em nós mesmos. Nossa fantasia cria o ambiente, nossa racionalidade preenche os vazios.

Se olharmos todo o trajeto que nos trouxe até aqui é realmente um salto imenso para a nossa pequenez de criatura vivente do espaço tridimensional. Aqui só existe a noção de espaço porque trouxemos junto conosco as carcaças que nos contêm. Qualquer forma que adotarmos, seja ela material ou assim como nos imaginamos agora, não passamos todos de simples viajantes espaciais, é o que todos somos; astronautas deslocando-se permanentemente pelo espaço sideral numa velocidade estonteante a um destino desconhecido.

Vamos diminuir de tamanho, aliás, nós não temos dimensão, podemos ser imensamente grandes ou infinitamente pequenos, basta querer. Nossa mente vai fazer com que diminuamos de tamanho lentamente, porque ainda faz pouco tempo que abandonamos nossa clausura física e adentramos nesta nova condição de existência.

Vamos encolher até que possamos entrar pelo ouvido do meu corpo material aí em frente e que conheço bem, haja vista que já fiz alguns passeios dentro dele ultimamente. Vamos diminuir de tamanho até que possamos divisar as moléculas desta carcaça.

Percebeis como meu corpo está desaparecendo?

O corpo está se dissolvendo lentamente.

Porque será?

Um Universo Interior

Boyle foi o primeiro que não aceitou mais as teorias de Aristóteles dos quatro elementos: água, terra, ar e fogo e formulou as bases e conceitos dos elementos químicos.

A diversidade de moléculas com que um corpo físico é composto é enorme, então escolhamos a primeira molécula que encontrarmos e vamos continuar a diminuir de tamanho para podermos abordar um dos átomos.

Sabia que não foi Boyle quem criou a idéia de átomo? Isto já foi cogitado na antiga Grécia, por Demócrito; é dele a idéia que os materiais são formados por partículas minúsculas. Hoje dispomos deste conhecimento porque estamos apoiados nos ombros de gigantes do passado.

Pode-se dizer que o átomo é formado por duas regiões que ocupam o espaço: o núcleo, que é seu centro compacto e pesado, e uma coroa ou eletrosfera. No núcleo estão os nêutrons e prótons e na eletrosfera movem-se os elétrons em diversas órbitas.

Rutherford sugeriu que o tamanho do átomo seria algo em torno 0,000.000.01 centímetro. Para imaginarmos melhor o significado desta dimensão consideremos o homem do tamanho de um átomo e toda a população da Terra caberia na cabeça de um alfinete e ainda sobraria muito espaço.

E nós estamos do tamanho de um átomo agora.

Só que não vemos nada.

Por quê? Se moléculas das mais diversas compõem um corpo físico, elas deveriam estar em todo lugar, trilhões delas deveriam estar presentes aqui, e deveriam obliterar a luz do sol.

Onde estarão?

A eletrosfera de um átomo é cerca de 10.000 a 100.000 vezes maior que o núcleo. Então, porque não estamos vendo nada?

Vamos diminuir mais umas 100.000 vezes o nosso tamanho. Ainda não vemos nada. O corpo pelo qual estamos viajando simplesmente sumiu. O que existe ao nosso redor é apenas espaço vazio. Só a luz do sol chega até nós.

Continuemos a procurar até encontrar um núcleo de átomo, formado de prótons, nêutrons e outras partículas insignificantes, e assim como nós, desloca-se solitário nesta imensidão do espaço. É do tamanho de uma laranja, e cabe em nossa mão.

Onde estará o elétron que faz par com este núcleo?

Sabemos que a massa do elétron tem em torno de 1.840 vezes menos massa que o núcleo. Muito pequenos para serem vistos, mesmo com estes olhos que temos agora. Temos que diminuir ainda mais de tamanho para divisar corpúsculo tão diminuto, será por isto que não vemos o elétron?

Não! Ele não é visto porque nós paramos o tempo, lembra?

Somos criaturas muito poderosas em nosso mundo de fantasia.

O elétron deste átomo está parado em algum lugar que pode estar em termos proporcionais a nossa atual estatura a alguns quilômetros daqui, ou até bem perto como alguns centímetros. Não o vemos apenas devido suas dimensões relativas diminutas.

Estou cansado. Vamos diminuir mais nossa estatura, até ficarmos tão pequenos que possamos sentar confortavelmente sobre o núcleo deste átomo.

Ainda não vemos o elétron, e teríamos que encolher ainda cerca de quase umas 2.000 vezes a nossa atual estatura, e ainda assim seria muito difícil encontrá-lo.

Vamos restaurar o fluxo do tempo.

Não se assuste com a escuridão!

Consegue imaginar o que aconteceu?

Porque esta escuridão súbita?

São os elétrons! Eles nos deixaram cegos! Esconderam o Sol.

O Mundo Material

Os elétrons em movimento impedem a luz de chegar até nós. Isto porque a velocidade com que o elétron gira em torno do núcleo é tão alta que mesmo com sua minúscula massa impede a passagem da luz.

Sua velocidade é tal que pode ser comparada à própria velocidade da luz.

A velocidade dos elétrons é de tal magnitude que num determinado instante cada um deles pode estar ocupando qualquer espaço ao redor do núcleo. Ele tem apenas uma probabilidade de estar fisicamente num determinado lugar, num determinado instante. As fórmulas matemáticas da mecânica da física quântica não oferecem valores determinados, apenas probabilidades.

Compare com as hélices de um avião; as pás parecem estar em todo o entorno de seu eixo ao mesmo tempo, podemos olhar através delas porque sua velocidade é inferior a da luz. Mesmo assim, as pás parecem estar em todo lugar ao mesmo tempo. Com o elétron é parecido, mas em escala de velocidades imensamente superior.

É assim que se forma a matéria sólida de que são formados nossos corpos, o mausoléu de nossos pensamentos. A velocidade com que os elétrons giram ao redor de seus núcleos cria a matéria, lhe proporciona solidez. É como tudo no Universo físico é construído.

Esta é a assinatura do Grande Arquiteto do Universo dentro de nós mesmos.

Isto até contradiz Locke, mas não esqueçamos que nossa existência aqui é apenas resultado de ficção, do exercício de nossa mente criativa.

Mesmo assim, esta constatação nos leva a inferir ser este, de fato, o nosso local mais sagrado. Como é imenso o corpo físico de qualquer ser vivente! O homem em sua inteireza, considerando a carcaça, a mente, as emoções, sua espiritualidade e outros detalhes é um universo tremendamente complexo, semelhante ao grande Universo.

A este universo que existe dentro de cada ser vivente, devido exatamente a esta diversidade e complexidade, denominamos Macrocosmo apenas para simplificar nossas limitações de entendimento.

É assim, de forma espantosa, com quase nada de matéria, com quase absoluto espaço vazio que o Grande Arquiteto do Universo produziu toda a matéria sólida do Universo.

Milagre ou realidade?

Será que legitima a expressão do penso, logo existo, de Descartes?

Se tomarmos a realidade do ponto de vista em que nos encontramos agora, certamente deduziríamos que nada somos. Tudo o que existe é feito essencialmente de espaço vazio, somos feitos do nada, então nada deveríamos ser. Existimos apenas como que por milagre. Um maravilhoso feito do Incriado.

Heidegger argumentava que o ser se faz no tempo; e é o que constatamos em nossa experiência; o ser é o nada que o constitui.

Platão afirmava que o Universo em que vive o homem é ilusório, feito de sombras e aparências; em nossa experiência, quanto desta assertiva é verdadeiro?

O que acabamos de afirmar e virtualmente constatar, foi baseado na informação de que o elétron e o próton contêm massas, isto é, que sejam efetivamente feitos de matéria sólida, mas que o garante?

Existem considerações científicas atuais que dizem terem os átomos ora o comportamento de partícula e ora de fenômeno ondulatório, isto é, não possuírem massa e serem constituídas exclusivamente de campos de força, de campos eletromagnéticos, de energia.

Aí então a nossa pasma intelectualidade entra em pane!

Se os átomos não são nada mais que campos de força, então somos efetivamente feitos de puro espaço vazio, nada somos!

Simples fótons?

Campos magnéticos em interação e deslocando-se à velocidade da luz?

Ainda sem considerar a teoria das Supercordas que remetem até o instante do inicio da expansão do Universo, o inicio de toda a história que nossos cientistas sonhadores dão para o Universo e ao qual denominam big bang, já nos satisfazemos com o fato de constatar que existe um projeto racional e um objetivo válido para tomar parte nesta grande orquestra da vida, esta milagrosa massa de seres viventes. Porque olhando em nossa própria essência, sequer deveríamos existir! É um milagre! Os fatos apontam para uma realidade onde a vida tem uma insignificante possibilidade de se manifestar.

A Improbabilidade da Vida

Partindo da constatação que as fórmulas da mecânica quântica nos fornecem apenas probabilidades e nunca certezas qual seja a verdadeira constituição do átomo. Acrescente-se que as moléculas de que nossas carcaças são formadas constituem apenas um por cento de toda a massa do Universo, isto porque, 75% de toda matéria do Universo é formada por Hidrogênio, 24% é Hélio, e o restante 1% (um por cento) é constituído por todos os demais elementos da tabela periódica. Desde o lítio, passando pelo carbono até chegar ao urânio.

A química que dá origem à vida é uma insignificância quantitativa em relação ao gigantismo do Universo!

Daí nossa intelectualidade vir a se preocupar com a existência e a realidade nos faz singelos na imensidão deste Universo - especula-se que existam outros Universos. É deveras um milagre possuirmos consciência!

Percebe a maravilha desta descoberta dentro de nós mesmos?

Consegue observar o quanto somos infinitos na forma em que nos encontramos e o resto do Universo é finito? Em termos absolutos poderíamos até dizer que nem infinitos somos, mas inexistentes.

Conscientizou-se agora do quanto somos livres e iguais neste Universo criado pelo Grande Arquiteto do Universo?

É razão mais que suficiente para buscar o conhecimento para nos entendermos melhor uns com os outros.

Fazer estes tipos de viagens é o único caminho que dispomos para trilhar pelos caminhos que conduzem para a liberdade e perfeição; simplesmente porque nos conscientizamos que existe um criador, não é possível que tudo seja resultado de obras do acaso sem a presença de uma mente pensante por traz de tudo o que se manifesta na natureza.

Esta nossa realidade, esta nossa insignificância perante o milagre da existência material já é suficiente para nos levar a entender do porque o amor fraterno é o único caminho para a verdadeira igualdade.

Na essência somos todos relacionados e iguais. Somos imperfeitos em nossa materialidade, mas alcançamos a perfeição em nossa racionalidade, da mesma forma como disse Platão: o único círculo perfeito é a idéia de círculo que existe em nossa imaginação.

Abrangência do Mundo Interior

Estenda esta visão às outras dimensões que temos: espiritualidade, emotividade, pensamentos, e outros. Este conhecimento de nós mesmos não fica limitado ao que estamos percebendo neste instante, este crescimento exige a perfeição tanto do espírito como do coração.

Há necessidade de treinar nossas percepções tanto do visível como do invisível, e tudo é dedutível por nossa capacidade de abstração, de fantasia, até vir a comprovar-se pela experimentação científica. Assim como aconteceu com Pitágoras, que na tradição intelectual do mundo ocidental teve transformada a sua capacidade de mística matemática numa espécie de ponte entre a razão humana e a inteligência divina. De nossa parte, enquanto sonhamos, não temos provas materiais da imaginação ser realizável, ao menos enquanto estivermos restritos ao nosso cárcere material, ao nosso corpo físico. Tampouco criamos proposições que não possam ser questionadas, até contrariadas, pois algo assim, nas palavras de Isaiah Berlin, não contém informação.

Devemos procurar a justiça e a fraternidade, o amor fraterno, para obter a possibilidade de, mesmo imperfeitos em alguns aspectos, sermos levados à perfeição do intelecto e da espiritualidade pela força do pensamento.

E assim como efetuamos nossa caminhada até ficarmos sentados aqui nesta escuridão sem ter medo de nada, quando o tempo está em marcha, aonde chegamos devagar, um passo de cada vez. A Maçonaria nos ensina que o caminho da perfeição também não se dá aos saltos, senão com muita prudência e lentidão. Velocidade é coisa de elétron em sua órbita, nós devemos lentamente ir formando uma base educacional em busca da verdadeira liberdade que nos liberta do fanatismo, do ódio e outros vícios. Pois se viéssemos até aqui na superfície deste núcleo de átomo num salto, certamente desfaleceríamos. A escuridão nos enlouqueceria! Não entenderíamos que na escuridão de nosso mais recôndito ser, na falta da liberdade a que o elétron nos levou, nos sentiríamos presos, imobilizados, com medo de nos mexer, inclusive de pensar. E o medo desta prisão certamente nos induziria a adotar alguma postura fanática e alienante, quem sabe até, num ato desesperado, o suicídio.

Percebe o quanto a nossa capacidade de sonhar é infinita e como isto nos diferencia do homem-fera primitivo? A filosofia do Rito Escocês Antigo e Aceito está conectada ao conhecimento humano, desde sua pequenez diante do Universo, até o gigantismo de sua capacidade de sonhar e pensar. É pela capacidade racional inteligente que todo maçom deriva conhecimentos detalhados e genéricos para a sua própria sobrevivência física e intelectual. Uma coisa puxa a outra.

O sonhar leva a predispor o iniciado na busca contínua de instruções e conhecimentos. Isto o leva a efetuar saltos mentais e lhe impõem denodo quando se interna na caminhada dos mundos desconhecidos, reservados apenas aos que têm coragem de enfrentar as veredas do desconhecido. Mesmo que lá reine escuridão, a mente continuará a irradiar a luz do entendimento de verdades cada vez mais complexas e intrincadas.

O peregrino cego carrega junto de si a luz do entendimento ao buscar intensamente dentro de si mesmo o conhece-te a ti mesmo, de Sócrates. O homem pensador passa a aperfeiçoar-se.

Depois que se aperfeiçoou e descansou parte em nova jornada, em ciclos eternos de sonhos, racionalizações e sedimentações de novos conceitos.

Fica evidente que ao adentrarmos no mausoléu que somos, despertam idéias ocultas que até então não percebíamos. Encontramos alguns porquês da existência: De onde venho? Para onde vou? Algo que é possível descobrir com viagens ao interior de nós mesmos. Faz da passagem para o oriente eterno apenas mais uma etapa da vida; algo que alivia o constrangimento e medo da morte. Este é o conhecimento, a luz que o profano busca em nossos templos; é a travessia que o iniciado faz quando se desloca do ocidente para a luz do oriente. Ao nos libertarmos do medo da morte, rompem-se os grilhões da escravidão do mundo material e passa a brilhar a luz da sabedoria do Grande Arquiteto do Universo.

Templos Vivos

Todo maçom é considerado de fato um templo vivo.

Só a partir desta constatação o maçom passa a considerar-se criatura pura e sagrada. Certamente tudo faz para não conspurcar o ambiente sagrado de que é constituído seu templo interior, derivando que isto induza o desenvolvimento de conceitos morais e éticos cujo objetivo preservará a pureza do lugar sagrado de seu interior. Isto faz do mundo interior um lugar perenemente limpo e puro.

Desperta adicionalmente que apenas limpar o templo interior não é suficiente. A pureza moral e ética é insuficiente. Exige-se que o interior do templo, local da razão e dos sentimentos equilibrados, nutram o cérebro com estímulos que levem a buscar a perfeição. Daí ressalta-se a importância em velar na maioria das vezes do centro das emoções, o coração, de modo a mantê-lo subjugado à mente, pois é considerado esotericamente um mausoléu e tudo aponta para o coração como túmulo do maçom; ao menos enquanto não morrer o maçom que o contém.

O caminho para a liberdade e perfeição do maçom é dominar suas paixões com o objetivo de acabar com atitudes extremadas e fanáticas. E a vereda do espírito passa pela capacidade de sonhar, com grandes chances de converter a fera humana, apenas controlada pelas leis, em ser humilde diante da grandiosidade do que daqui divisamos.

Quando o tempo se desloca, em nosso interior reina escuridão enquanto não efetuarmos um salto para dentro de nós mesmos iluminados pela sabedoria do entendimento desta viagem. Este deslocamento é realizado em pequenas estações, para que o choque da descoberta desta escuridão não nos deixe cegos e com medo, assim como fazemos em nossa evolução pelos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito.

O medo pode nos imobilizar e escravizar aos extremismos.

É necessária coragem para desbravar o caminho.

Agora que mostrei a minha senda, faça as tuas viagens a sós para dentro de você mesmo e descubra teus próprios caminhos. Só não se assuste com a escuridão do lugar, leve sempre junto a luz de tua capacidade intelectual para de lá sair em segurança. Ao homem maçom é dado caminhar só na busca de sua espiritualidade e liberdade, exatamente porque ninguém a pode fazer por outrem. É tarefa individual e intransferível.

E saiamos daqui, pois os trabalhos encerraram a meia-noite.


Bibliografia:

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, Filosofando, Introdução à Filosofia, Editora Moderna, 1993.
ASLAN, Nicola, Instruções Para loja de Perfeição para o Grande 4 ao 14, Quarta Edição, Editora Maçônica A Trolha Ltda., 2003.
BOSQUILHA, Gláucia Eliane, Minimanual compacto de Química, Editora Rideel, 1999.
CAMINO, Rizzzardo da, os Graus Inefáveis, Loja de Perfeição, Volume 1, Primeira Edição da Editora Maçônica A Trolha Ltda., 1995.
Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, 2001.
GLEISER, Marcelo, Criação Imperfeita, ISBN 978-85-01-08977-7, 1ª edição, Editora Record, 366 páginas, São Paulo, 2010.
GUIMARÃES, João Francisco, Maçonaria, a Filosofia do Conhecimento, Primeira Edição, Madras Editora Ltda., 2003.
LOCKE, John, Ensaio Acerca do Entendimento Humano, Editora Nova Cultural Ltda., 2005
OLIVEIRA FILHO, Denizar Silveira de, Comentários aos grandes Inefáveis do Rito Escocês Antigo e Aceito, primeira Edição, Coleção Biblioteca do maçom, Editora Maçônica A Trolha Ltda., primeira Edição, 1997.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario, História da Filosofia, Volume 1, Editora Paulus, 9ª edição, 2005.

Com a devida vénia ao autor,

Rui Bandeira

14 abril 2010

A Maçonaria não é uma religião


M. A., em comentário a O maçom e a Religião, formulou as seguintes questões:

Sendo a Respeitável Loja um espaço sagrado, para os maçons, um espaço onde se executam determinados rituais (agora não em causa) e um templo, não será a Maçonaria, ela mesmo, uma religião?

Não será a fusão das várias religiões, profanas, na cultura de um único grande Arquitecto, também um movimento orgânico de criação de uma religião própria, em alternativa às várias confissões, religiões existentes?

Não será esta uma forma de criar uma religião alternativa, agarrada a um lema, “profano”, da necessidade de o homem se tornar livre, honrado e mais culto, uma forma de “angariar novos membros para essa tal e hipotética nova religião?


As perguntas colocadas e as respostas que tenho para elas fazem-me lembrar uma peça processual que há muitos anos vi, escrita por um antigo, patusco e bem-humorado Advogado, uma contestação a uma ação em que eram alegados três factos. Escreveu então o meu bem-humorado Colega:

Art. 1.º: Não.

Art. 2.º: Não.

Art. 3.º: Não.

Art. 4.º: Resumindo: não, não e não!

Já sabe M. A. quais as minhas respostas às três perguntas! Mas, obviamente que não vou ser tão sintético como o meu bem~humorado Colega.

Não, a Maçonaria não é, nem pretende ser, uma religião. Não prega, não detém, não apregoa, não oferece, qualquer Salvação. A Religião é a ligação entre os homens e o Divino. A Maçonaria Regular limita-se - e muito é! - a buscar a melhoria dos homens que crêem no Divino.

A Religião é o conjunto de preceitos seguido por um crente para se ligar, ascender, ao Divino. A Maçonaria não intemedeia entre o Homem e o Divino, destina-se unicamente ao Homem, enquanto tal. É um meio, um método, um ambiente destinado a favorecer o aperfeiçoamento, a melhoria, o crescimento, dos homens crentes. Mas cada um seguindo a sua crença, a sua religião, e nos termos em que entende praticá-la.

A Maçonaria nasce na Europa cristã. É completa e absolutamente teísta e cristã, na sua origem. Perante as lutas, dissensões, querelas, entre católicos e protestantes, fez ressaltar esta simples verdade: uns e outros criam no mesmo Deus, sendo insano matarem-se uns aos aos outros em nome das suas diferentes formas de se relacionarem com o mesmo Deus. Esta base cristã demorou poucos anos a alargar-se ao judaísmo: também o Deus da religião judaica é o mesmo... E seguidamente a lógica impunha o alargamento ao islamismo: o Deus permanece o mesmo, o nome é que muda, as culturas é que divergem. E, partindo-se de uma base monoteísta, em que existe um único Deus, qualquer que seja a sua designação, racionalmente é indiferente que outras religiões (hinduísmo, por exemplo) sejam politeístas: para o monoteísta, o politeísmo mais não é do que diferentes manifestações do mesmo e único Deus...

Sobre a base teísta, acrescenta-se posteriormente e admite-se também o crente deísta, isto é, aquele que prescinde da intermediação da Revelação, da igreja, do sacerdote, na sua relação com o Divino, aquele que crê poder estabelecer essa relação sem necessidade dessa intermediação. A partir do momento em que a maçonaria se alarga até este ponto, admite no seu seio qualquer crente, qualquer que seja a sua crença individual. Deixa portanto de ser essencial qualquer conceção de Criador, do Divino. Porque reconhecida a liberdade individual de crença, é a crença individual que conta. Uma ponte a todos une: a crença de que somos mais do que mera carne e ossos e sangue e miolos, a crença que somos também, ou quiçá principalmente, espírito, que sobreviverá à extinção da chama da vida na carne, nos ossos, no sangue e nos miolos. O que essencialmente conta é portanto a crença na permanência da dimensão espiritual do Ser, chame-se ela vida para além da vida, reencarnação, ressurreição, nirvana - o que for. Assim a tónica se estende à espiritualidade, inclusiva, por exemplo, dos budistas.

Não, a Maçonaria não é uma religião. É um espaço comum de crentes em todas as religiões, organizadas ou individualmente sentidas. É um espaço comum de convívio, de fraternidade e, sobretudo, de instrumento para o aperfeiçoamento de cada um, segundo a sua crença, a sua vontade, o seu caminho.

Rituais não são exclusivos de religião. Rituais existem em muitas Tradições não religiosas (rituais de passagem, de acesso à idade adulta, por exemplo). Templo é apenas designação, nada mais.

Nada se pretende ou cria em alternativa a nada. Acentua-se o que de bom em todas as religiões existe. Mostra-se o que de essencialmente semelhante em todas elas há. Deixa-se as particularidades das diferenças para as práticas particulares de cada um. A Maçonaria não é a religião das religiões. É, se se quiser, o primeiro espaço ecuménico, em que os crentes das diversas religiões desde sempre puderam confraternizar e aperfeiçoar-se, nos aspetos comuns, sem se deixarem perturbar ou afetar pelas diferenças. É portanto um espaço em que a diferença é assumida, apreciada e valorizada. Nada se funde. Tudo se aceita no que contribui para os demais.

Não se pretende criar alternativas a nada. Dentro do quadro do que existe e do que cada um livremente crê e aceita, procura-se aproveitar de cada um o que de útil possa dar aos demais, recebendo cada um dos demais o que para si tenha de útil. Tão simples...

Tão simples afinal como o ovo de Colombo. Só que, conta a historieta, antes de Colombo ninguém se tinha lembrado de tão simples forma de pôr o ovo em pé...

Rui Bandeira

07 abril 2010

A propósito de três perguntas que já não existem...


Um leitor deste blogue deixou, num comentário que posteriormente ele próprio eliminou, três perguntas, a propósito do texto O maçom e a Religião. Ausente do país na última semana, li o comentário, mas não lhe respondi por duas razões: em primeiro lugar, a minha ausência e menor disponibilidade; em segundo, o facto de ter logo decidido que as pertinentes questões mereciam ser respondidas num texto autónomo e não em simples comentário.

Regressado, verifiquei que o autor do comentário o eliminara, não sei por que razão. Terá receado serem as três perguntas demasiado incómodas? Se foi esse o motivo, o receio foi infundado: neste espaço já várias vezes ficou patente que as perguntas pertinentes, cómodas ou incómodas, têm sempre a melhor resposta que somos capazes de lhes dar. Terá duvidado da pertinência das perguntas? Asseguro que as considero pertinentes - tanto que reservei um texto para lhes responder... Terá, relido o comentário, dele discordado ao ponto de ter achado melhor eliminá-lo? Ou simplesmente decidiu não gastar cera com este ruim defunto?

Não sei qual a motivação da retirada do comentário. Mas só me cabe acatar a decisão do seu autor.

Tenho arquivado o texto do comentário eliminado (maravilhas da tecnologia... e perigos dela, também... ) e poderia responder às perguntas, já que as conheço, as acho pertinentes e suficientemente interessantes para terem resposta no espaço principal do blogue. Mas não seria correto fazê-lo. Por muito que discorde da decisão de eliminação do comentário, por muito pertinente que o tenha achado, por muito interessante que eu ache a elaboração de um texto de resposta às tais ditas questões, se o autor do comentário entendeu por bem eliminá-lo, não tenho o direito de agir como se não o tivesse feito. As razões da sua decisão são dele e, convenha-me ou não a dita decisão, concorde ou não com ela, tenho de, sobretudo, a respeitar. Não o fazer seria defraudar tudo o que postulo neste espaço.

A Maçonaria é - tem de ser, só faz sentido sendo-o - também ética. E a ética manda que se faça o que se deve fazer, convenha-nos ou não.

Fiquei, porém, com a necessidade de resolver outro dilema: por um lado, entendo não dever responder a um comentário que o seu autor entendeu por bem eliminar - apesar de o ter achado pertinente e que seria interessante para os leitores deste blogue apreciarem as perguntas feitas e as respostas que julgo asado dar-lhes; por outro, não é justo privar os leitores do blogue de uma matéria que eu julguei que seria interessante ser objeto de um texto...

Nem de propósito, após ter publicado um texto sobre O maçom e o conflito, necessito de, "ao vivo e a cores", em frente de todos vós e de quem mais isto leia, gerir e, se possível, resolver ou atenuar este conflito entre o respeito pela decisão do comentador arrependido e o que eu considero ser do interesse dos leitores do blogue de serem aqui tratados os assuntos objeto das perguntas publicamente eliminadas. Vejamos então se e como aplico eu na prática a "receita" que tive o arrojo de proclamar...

Respeito a decisão do comentador arrependido. Esse é o ponto de partida reafirmado. Mas será que existe realmente conflito entre a decisão dele de apagar o comentário e a minha pretensão de às perguntas nele formuladas responder? Para o apurar, necessito de saber qual a razão, qual o motivo, da decisão de apagar o comentário e, designadamente, se a mesma resultou de (injustificado, já o afirmei) temor de ofender ou de ter formulado perguntas impertinentes. Se assim foi - ou situação similar - fica o comentador arrependido sabedor de que considero esse temor injustificado e que, não só nada me desagradou nas questões, como gostaria de a elas responder.

Importa, portanto, antes do mais, ouvir o interessado - se ele entender por bem esclarecer-me, é óbvio. Convido assim o comentador arrependido (sei quem é, mas obviamente que não julgo pertinente aqui designá-lo...) a, em comentário a este texto ou através de mensagem privada, esclarecer se, no seu juízo - que sem reserva será absolutamente respeitado - entende dever ficar definitivamente esquecido que alguma vez elaborou o comentário que apagou, ou se concorda em que eu divulgue as três perguntas que fez e a elas procure responder.

Consoante a existência ou ausência de resposta e, existindo, o teor da dita, assim definirei o texto da próxima semana.

Portanto, e para quem se deu ao trabalho de reler o texto sobre o maçom e o conflito, minimizo ou anulo o conflito acima exposto, procurando reduzi-lo à sua real dimensão (não está em causa todo o comentário, mas apenas as três perguntas a que desejo responder) e inquiro se, com esta menor dimensão, o conflito persiste.

Se souber que não persiste, o texto da próxima semana conterá as ditas perguntas e as respostas que for capaz de lhe dar. Se persistir, procurarei harmonizar os interesses em tempos e planos diversos: por um lado, não mais me referirei ao comentário apagado; por outro, oportunamente arranjarei maneira de escrever um ou mais textos em que o tema será o correspondente às tais perguntas, mas obviamente sem que quem o(s) ler (exceto o comentador arrependido e eu) se aperceba da origem desse(s) tema(s).

Os problemas, pequenos ou grandes, existem para serem resolvidos...

Rui Bandeira

31 março 2010

O maçom e o conflito


O conflito faz parte das nossas vidas. Quer queiramos, quer não. Existem interesses divergentes, quantas vezes inconciliáveis. Quando tal sucede, várias formas de lidar com o assunto existem: a força, a imposição de poder, a desistência, a conciliação, a cooperação, a hierarquização, etc..

Os maçons também vivem e estão sujeitos a conflitos. Tanto como qualquer outra pessoa vivendo em sociedade.

Mas os maçons aprendem a lidar melhor com o conflito. Desde logo, porque aprendem, interiorizam e procuram praticar a Tolerância. Esta postura não elimina, obviamente, os conflitos, nem leva quem a pratica a deles fugir, ou a ceder para os evitar. Pelo contrário, ensina e possibilita a melhor gerir o conflito. E mais bem gerir um conflito não é procurar ganhar a todo o custo. Mais bem gerir um conflito consiste em detetar e obter a melhor solução possível para o mesmo. Por vezes, "vencer" o conflito pode parecer a melhor solução no curto prazo, mas revelar-se desastrosa depois.

O maçom aprende a gerir o conflito, desde logo treinando-se a fazer algo que, sendo básico, é muitas vezes esquecido: ouvir! Ouvir o outro, as suas razões, pretensões. Ouvir o outro não é apenas deixá-lo falar. É prestar efetivamente atenção ao que diz e como o diz. Para procurar determinar porque o diz e para que o diz. E assim lobrigar exatamente em que medida existe realmente conflito de interesses entre si e o outro - ou se existe apenas uma aparência de conflito de interesses, por deficiente entendimento, de uma ou das duas partes, de propósitos, intenções, objetivos.

Ouvir o outro é o primeiro exercício prático da Tolerância, da verdadeira Tolerância. Porque esta não é o ato de, condescentemente, admitir que o outro tenha uma posição diferente da nossa e permitirmos-lhe, "generosamente", que a tenha. A verdadeira Tolerância não é um ponto de chegada - é uma base de partida. A verdadeira Tolerância resulta do pressuposto filosófico de que ninguém está imune ao erro. Nem nós - por maioria de razão. Portanto, tolerar a opinião do outro, a exposição do seu interesse, porventura confituais com a nossa opinião e o nosso interesse, não é um ato de generosidade, de condescente superioridade. É a consequência da nossa consciência da Igualdade fundamental entre nós e o outro. Que implica o inevitável corolário de que, sendo diferentes as opiniões, se alguém está errado, tanto pode ser o outro como podemos ser nós. A Tolerância não é um ponto de chegada - é uma base de partida. Não é demais repeti-lo.

Porque a consciência disto possibilita a primeira ferramenta para a gestão do conflito: a disponibilidade para cooperar com o outro, para determinar (1) se existe verdadeiramente divergência entre ambos; (2) existindo, qual é ela, precisamente; (3) em que medida é essa divergência, superável, total ou parcialmente; (4) ocorrendo superação parcial da divergência, se o conflito se mantém e, mantendo-se, se conserva a mesma gravidade; (5) finalmente, em que medida é possível harmonizar os interesses conflituantes: cada um abdicando de parte do seu interesse inicial? Garantindo ambos os interesses, seja em tempos diferentes, seja em planos diversos?

Treinando-se na prática da Tolerância, o maçom aprende a lidar melhor com o conflito, porque é capaz de, em primeiro lugar, determinar se existe mesmo conflito, em segundo lugar predispõe-se para cooperar na superação do conflito e finalmente adquire a consciência de que existem várias, e por vezes insuspeitas, formas de superar, controlar, diminuir, resolver, conflitos - quantas vezes logrando-se garantir o essencial dos interesses inicialmente em confronto.

E tudo, afinal, começa por saber ouvir e por saber tolerar (o que implica entender) a posição do outro.

Por isso o primeiro exercício que é exigido ao maçom é a prática do silêncio. Para que aprenda a ouvir, para que se aperceba do que realmente é dito, para que reflita sobre a melhor forma de resolver os problemas que ouça expostos.

Através do silêncio, aprende o maçom a sair de si e a atender ao Outro. Através da Tolerância da posição do Outro, aprende o maçom a descobrir a forma de harmonizá-la com a sua. Através da busca da Harmonia, aprende o maçom a gerir os conflitos. Através da gestão dos conflitos, torna-se o maçom melhor, mais eficiente, mais bem sucedido.

Rui Bandeira

24 março 2010

O maçom e a Religião


A Maçonaria não é uma religião. Mas a Maçonaria Regular lida com a espiritualidade e, nesse sentido, atende inevitavelmente à conceção religiosa dos seus obreiros.

Tal como em relação à Política, é vedada, no seio da Maçonaria Regular, toda a discussão ou controvérsia religiosa. Mas, sendo uma agremiação em que apenas são admitidos crentes, obviamente que a espiritualidade, em geral, e as convicções religiosas, em particular, são objeto da atenção dos maçons.

Como procedem então os maçons para satisfazer o seu interesse na espiritualidade e nas convicções religiosas sem violar a proibição de discussão ou controvérsia religiosa?

De uma forma espantosamente simples e de uma eficácia comprovada ao longo de centenas de anos: estabeleceram o denominador comum e, para além dele, deixam ao íntimo de cada um as respetivas opções.

O maçom Regular é crente num Criador do Universo. Esse o denominador comum. Quais as características, poderes, atuações, propósitos, intervenções, etc., do Criador do Universo - isso é matéria do foro íntimo de cada um. Cada um crê no Criador tal como o concebe, tal como a religião que pratica o levou a entender, aceitando ou discordando que tenha a característica A ou B, o poder X ou Y, que atue no Universo criado, e como, ou não atue, com plano específico ou sem ele, com ou sem intervenções concretas. Isso é com cada um e ninguém tem nada com isso - portanto, não se discute.

As religiões monoteístas têm diferentes designações para o Criador: Jeovah (ou Javeh), Allah, Deus... Ao longo da história, homens mataram homens em insanas guerras, uns lutando por Deus e outros por Allah, outros ainda invocando Jeovah - todos estupidamente esquecendo, ou escondendo, ou não atendendo, que essas são todas designações que os humanos dão à mesma Entidade...

Como resolvem os maçons esta questão? Sempre com a mesma eficaz simplicidade: coletivamente, designam o Criador por uma denominação que - mais uma vez - é um denominador comum - Grande Arquiteto do Universo. E cada um, no seu íntimo, perante a sua religião, designa-o como entende.

No entanto, seria estulto não reconhecer que a religião condiciona a cultura de homens e de sociedades. A cultura judaica resulta de manifesta influência da religião judaica. O mesmo se pode referir em relação à cultura e religião islâmicas e, ressalvadas as assinaláveis diferenças internas, à cultura e religião cristãs.

Como conciliar estas diferenças? Ainda e sempre, com a eficaz simplicidade que resulta da Tolerância e da Harmonia: o meu Irmão é, enquanto individualidade, importante para mim, como eu sou para ele - não importam as diferenças culturais ou de pensamento religioso. Tal como não faria sentido distinguir entre louros e moremos, entre os que têm olhos azuis e os que os têm castanhos , entre os que são altos e os que são baixos, não faz sentido distinguir entre os que professam a religião A ou a crença B.

Pelo contrário, é muito mais frutuosa a cooperação, a entreajuda dos diferentes. O louro reage melhor ao frio, o moreno suporta melhor o sol - distribuamos tarefas aproveitando essas diferentes potencialidades. O de olho azul vê melhor com pouca luz e o de olho castanho tem olho de águia com a mais intensa luminosidade - atribuamos esforços tendo isso em conta. Os altos arrumam melhor as prateleiras e os baixos encontram melhor o que está no fundo dos armários baixos - aqueles que tratem das prateleiras, enquanto estes se ocupam dos armários...

Ainda e sempre, o que os maçons há muito aprenderam e diariamente aplicam é que a diversidade é uma riqueza, uma vantagem, não um ónus, não algo que se deva corrigir.

Portanto, não me interessa a religião específica de meu Irmão. Basta-me a nossa crença comum no Grande Arquiteto do Universo. Este plano comum é apto e suficiente à nossa vivência em comum da espiritualidade. Não perdemos tempo em discutir as diferenças, não entramos no que seria um infantil jogo de "o meu Deus é mais poderoso que o teu" (afinal, é o mesmo...), "a minha maneira de ver o meu Deus lava mais branco do que a tua" (afinal, o que realmente importa é como cada um se aperfeiçoa, melhora, se dignifica na sua passagem por esta vida e se prepara para o Mistério que está para além do Oriente). Achamos que é muito mais útil, mais eficaz, mais inteligente, retirarmos da vivência espiritual do outro as lições e as técnicas e os princípios que nos sejam úteis para melhor aperfeiçoarmos a nossa própria vivência. E, ao mesmo tempo, abrirmos ao outro a nossa própria vivência espiritual, para que o outro dela retire e aprenda e utilize o que para ele seja mais útil.

No fim de contas, se fôssemos todos iguais, se pensássemos todos da mesma maneira, se professássemos todos idênticas convicções religiosas - o que é que cada um podia aprender com os demais? Mais do mesmo?

Para o maçom, a religião, as diferentes religiões não são pomos de discórdia, de discussão, de controvérsia. São oportunidades de diálogo, de aprendizagem, de cooperação no crescimento de cada um.

E isto, meu caro leitor, os maçons praticam-no em Loja e procuram também assim o fazer fora de Loja, entre si e com todas as demais pessoas. Com a certeza que, se algum dia se conseguir que todos identicamente se comportem, o Mundo será muito melhor!

Rui Bandeira

17 março 2010

O maçom e a Política


O sexto Landmark (princípio fundamental) da Maçonaria Regular prescreve:

A Maçonaria impõe a todos os seus membros o respeito das opiniões e crenças de cada um. Ela proíbe-lhes no seu seio toda a discussão ou controvérsia, política ou religiosa. Ela é ainda um centro permanente de união fraterna, onde reinam a tolerante e frutuosa harmonia entre os homens, que sem ela seriam estranhos uns aos outros.

No texto que, neste blogue, dediquei ao sexto Landmark, escrevi:

Por isso, em Loja não se discute Política nem Religião. Esta, porque sendo do foro íntimo da cada um, não faz sentido discuti-la. Aquela, porque sendo susceptível de grandes paixões poderia cavar insanáveis conflitos entre Irmãos. Ademais, reconhecendo cada maçon no seu Irmão um homem livre e de bons costumes, grave atentado a essa liberdade seria não lhe reconhecer o direito à sua crença religiosa e ao seu entendimento político. Não quer isto dizer que um maçon não possa ou não deva afirmar a sua convicção religiosa ou a sua posição política. Pode este, pode aquele, pode aqueloutro, podem todos. Mas, isto feito, mais além não se vai. Cada um crê no que crê, pensa como pensa, ponto final! Não há lugar para discussões sobre se esta crença é melhor do que aquela ou se aquele entendimento político é mais ou menos adequado do que aqueloutro.

A controvérsia ou discussão política está, assim, completamente banida em Loja, na Maçonaria Regular.

Este princípio implica um corolário, a que se chega por duas vias: a Maçonaria Regular não toma posições políticas.

Não o faz, porque (1), uma vez que não existe discussão política em Loja e, dado que as deliberações dos maçons são tomadas em Loja, não há como tomar posição política que resulte de deliberação validamente tomada; e porque (2), uma vez que a tomada de uma posição política implica escolha - em favor de algo, em detrimento de algo -, a instituição maçónica não toma posição, pois, com toda a probabilidade, iria fazê-lo em concordância com alguns dos seus membros, mas, por outro lado, afirmando discordância em relação a outros. E a Maçonaria Regular não privilegia nenhum dos seus elementos, nenhuma das ideias livres de homens livres. Não se trata sequer de determinar maiorias e de agir segundo as maiorias verificadas. Em matéria de ideias, tão legítimas e respeitáveis são as ideias maioritárias como as minoritárias. Afirmar uma posição institucional em detrimento do livre entendimento de um elemento que seja seria desrespeitar esse entendimento. A instituição é de todos, o espaço onde todos cooperam para que cada um se aperfeiçoe e evolua. Não pode pois privilegiar uns - ainda que porventura a maioria - em detrimento de outros ou de apenas um que seja.

A Maçonaria Regular, enquanto instituição, não toma, pois, posições políticas. A Maçonaria Regular não é monárquica nem republicana. A Maçonaria Regular não é politicamente conservadora, nem liberal, nem social-democrata, nem progressista, não prossegue nem defende nenhum "ismo". A Maçonaria Regular integra homens bons, que procuram ser melhores, sejam monárquicos ou republicanos, conservadores ou progressistas, liberais ou sociais-democratas, seja qual for o "ismo" que prefiram.

Por seu turno, cada maçom tem as convicções políticas que entende ter, toma e divulga (ou não...) as posições políticas que lhe aprouver, declara (ou não...) as escolhas políticas que julga adequado declarar, quando se lhe afigura oportuno, nos locais em que pretenda e possa fazê-lo.

Cada maçom é, em suma, um homem livre, que assume e aceita e com naturalidade pratica que há um espaço - a Loja - em que convive e coopera com outros homens livres, que podem ter ideias diversas das suas, sem que tal cause quaisquer dificuldades de relacionamento. E assim a diversidade é, não causa de conflito, mas catalisador de riqueza e abertura de espírito, de constante e leal interação das ideias de todos com todos, cada um testando e avaliando a validade das suas, a força das suas convicções, cada um evoluindo em função da sadia análise das ideias e convicções dos outros.

Fora do espaço da Loja, cada um é livre de assumir as posições políticas que entenda, como entenda, quando entenda.

Por isso, e em suma, não há posições políticas da Maçonaria Regular, mas cada maçom regular é livre de tomar e assumir e divulgar as posições e convicções e escolhas políticas que muito bem entenda. Que serão sempre suas e só suas e só a ele vinculam.

Rui Bandeira

10 março 2010

Intolerância

Airton da Fonseca, maçom e editor do Novo Blog do Ferra Mula, escreveu, em comentário ao texto "Ansiedade":


Muito se escreve sobre a Tolerância. Gostaria muito que o Ir.'. fizesse uma peça de arquitetura sobre a Intolerância. É sabido que a Tolerância é uma virtude que deve ser praticada pelos IIr.'., mas me parece que do ponto de vista global, a intolerância é o mal do século que se findou e continua mais evidente em nossos dias.

Correspondendo ao pedido, o tema de hoje é, então, a Intolerância.

À primeira vista, intolerância é o oposto de tolerância, virtude que, como muito bem acentua Airton da Fonseca, deve ser praticada pelos maçons. Bastaria então definir esta para, por oposição, nos depararmos com aquela.

Este caminho é tentador. Recordo-me de uma frase que bastas vezes ouvi a Fernando Teixeira, Grão-Mestre Fundador: "O limite da Tolerância é a estupidez". Portanto, se a estupidez está fora da tolerância, aí temos: a Intolerância não será, então, mais do que uma estupidez!

O que apetece declarar ser uma grande verdade!

Mas, por muito tentador que seja proclamar isto, uma mais atenta meditação permite-nos apreender que, em bom rigor, o oposto da Tolerância não é a Intolerância, é o Preconceito.

O tolerante renega, rejeita o preconceito. O preconceituoso, esse, não está disponível para tolerar a diferença, o que considera erro ou o que vê como inferior.

Há mais de três anos, aqui no blogue, o José Ruah e eu mantivemos uma não totalmente desinteressante polémica sobre o conceito de Tolerância. Quem não a leu, ou dela não se recorda, poderá através do marcador "Tolerância", localizar os doze textos em que essa troca de opiniões se desenvolveu, publicados entre 16 de novembro de 2006 e 16 de janeiro de 2007.

O ponto de partida da controvérsia foi o entendimento do José Ruah de que a tolerância pressupõe uma posição de superioridade (moral, social, pessoal, conceptual, o que se quiser) do tolerante em relação ao tolerado, ao que eu contrapus o meu entendimento da igualdade essencial de planos entre ambos, no verdadeiro conceito de Tolerância.

Recordo aqui esta troca de opiniões, porque precisamente entendo que é o Preconceituoso que se pretende colocar numa posição de superioridade, não o Tolerante que nela se coloca.

Curiosamente, não me parece que essa seja, necessariamente (pode sê-la, mas não o é necessariamente) a posição do Intolerante. Este, em relação ao objeto da sua Intolerância, não se arroga necessariamente da condição de superioridade. Pode muito bem atribuir ao objeto da sua postura uma posição no mesmo plano da sua - ou pode mesmo reconhecer-lhe a prevalência - e precisamente por isso contra o objeto da sua Intolerância lutar.

Porque a Intolerância não é, nunca, conceptualmente, passiva. É sempre proativa, tendencialmente agressora, ou, pelo menos, agressivamente opositora.

A Intolerância não é, pois, a mera antinomia, oposição, à Tolerância. É bem mais do que isso, é um estado de espírito tendencialmente militante, diverso, suscetível de assumir múltiplas formas ou manifestações.

A Tolerância é sempre uma postura de ordem moral. A Intolerância não é necessariamente uma postura de que a Moral está arredada. Não se admire o leitor: não me enganei e quis mesmo escrever o que acabei de escrever! Esclarecerei porquê.

É que, ao contrário do que me parece que entende o Airton, não considero a Intolerância necessariamente um mal. Volte a leitor a não se admirar. Novamente quis escrever o que acabei de escrever. E repito: a Tolerância é sempre uma virtude, um bem; a Intolerância - ao contrário do Preconceito - nem sempre é um mal. Explico então, antes que o leitor conclua definitivamente que ensandeci de vez.

Considero-me uma pessoa tolerante. Esforço-me por sê-lo e por praticar esta virtude. Procuro banir o Preconceito da minha postura. Mas entendo - e julgo que todos também assim o entenderão - que há na Vida e no Mundo coisas e posturas e situações que não podem, não devem, ser toleradas. Em relação às quais não só podemos como devemos ser absoluta, completa e inamovivelmente INTOLERANTES.

Sou completamente INTOLERANTE em relação à pedofilia, à violação, à violência gratuita, ao abuso de poder, à opressão, aos maus-tratos dos mais fracos. Só para dar alguns exemplos e exemplos por todos pacificamente aceites.

Em termos morais, a Intolerância é, em si mesma, neutra. Não é necessariamente um mal ou um bem. Depende do seu objeto. Admito que muitas das intolerâncias com que nos deparamos são um mal. Mas são-no em função do seu objeto. A Intolerância religiosa, ou de cariz racial, ou derivada de preconceito social são obviamente más. Era certamente nisso que o Airton pensava quando escreveu o que acima se transcreveu. Mas são más EM FUNÇÃO DO SEU OBJETO, não porque intrinsecamente a intolerância seja necessariamente sempre má. Creio já ter acima elucidado convenientemente que há intolerâncias que, atento o caráter particularmente desprezível dos seus objetos, não são más - pelo contrário, são socialmente úteis e devem ser cultivadas por quem procura ser uma pessoa de bons costumes.

Portanto, e em conclusão: o oposto da Tolerância não é a Intolerância - é o Preconceito. Em termos morais, a Tolerância é boa, o Preconceito é mau, a Intolerância é neutra, sendo boa ou má consoante o objeto sobre que se manifeste.

Surpreendido?

Rui Bandeira