19 junho 2008

Guarda Externo / Guarda Interno

Nos Ritos de York e de Emulação, a privacidade da sessão de uma Loja Maçónica é assegurada por um Guarda Externo, isto é, um Oficial da Loja que, armado de uma espada, guarda, pelo lado de fora, a porta do local onde se processa a reunião. Em inglês, este Oficial é denominado Tyler. Daí a designação de Telhador que também em português foi atribuída a este ofício, em evidente corruptela da designação inglesa.

O Guarda Externo é o Oficial que deve aguardar a chegada do Venerável Mestre ao local onde vai decorrer a reunião da Loja e imediatamente iniciar as suas funções, só franqueando a entrada no local a quem se faça por ele reconhecer como maçon, e como maçon do grau (ou superior) em que a Loja vai nesse dia trabalhar. Esse reconhecimento é feito através dos sinais, toques e palavras passes adequados à circunstância. Designa-se esta actividade de efectuar o reconhecimento de um maçon, em ordem a franquear-lhe (ou recusar-lhe) a entrada no local onde vai reunir ou está reunida a Loja como o acto de telhar.

Esta designação, como disse, advém da corruptela da palavra inglesa tyler, mas acabou por, através de associação se confundir com outro termo maçónico. Telhar e telhador facilmente se associam a telha, material utilizado para cobertura de edifícios. Se uma reunião maçónica está telhada, então está coberta. Daí que facilmente se concluísse que, se uma reunião maçónica está coberta, isso equivale a dizer que está a coberto (da indiscrição dos profanos).

Esta associação, por sua vez, originou uma outra designação do Guarda Externo, ou Telhador: a de Cobridor, o Oficial que mantém a Loja a coberto. Esta designação, até pela susceptibilidade de confusão com um mais vernáculo significado da palavra cobridor (basta recordar que, nas pecuárias de criação de gado vacum costuma existir um touro cobridor...), determinou que esta última designação caísse em desuso. A Maçonaria preserva a Tradição. mas não exageremos...

No Rito Escocês Antigo e Aceite, a função de guardar a privacidade da Loja é assegurada por um Guarda Interno, ou seja, o Oficial que assegura esse ofício, não se mantém, como nos Ritos de York e Emulação, do lado de fora da porta do local onde decorre a reunião, mas do lado de dentro, possibilitando-se-lhe, assim, que participe plenamente na reunião.

É errado (embora um erro a que tenho assistido com alguma frequência) denominar o Guarda Interno por Telhador, porque, ao contrário do Guarda Externo nos Ritos de York e de Emulação, não compete ao Guarda Interno, no Rito Escocês Antigo e Aceite, telhar, isto é, testar a condição e o grau de quem se apresenta como maçon, quem chega. No REAA, essa função é assegurada pelo Experto e também, no início da sessão, pelos Vigilantes, através de uma acção ritualmente prevista.

A razão porque a função de assegurar a privacidade da Loja é exercida, nos ritos de York e de Emulação, por um Guarda Externo, enquanto no REAA tal é efectuado por um Guarda Interno, radica em que, naqueles ritos, ao contrário deste, não são admitidas armas no interior do local onde decorre a reunião da Loja. É levado, naqueles ritos, ao limite da observância literal o princípio de que os maçons devem deixar os seus metais à porta do Templo. Este princípio (que tem simbolicamente um mais amplo significado - um dia escreverei sobre isso), literalmente observado, impede que o metal da espada seja admitido no interior da sala onde decorre a reunião da Loja. No REAA, um rito que foi, desde o seu início, adoptado por Lojas militares e Lojas, que o não sendo, acolhiam militares, este princípio não é tão literalmente observado e, não só são admitidas espadas em Loja, como o uso de espada faz parte do equipamento de alguns Oficiais de Loja e é requerido, em algumas circunstâncias, a todos os Obreiros presentes.

Não se faça, porém, qualquer confusão: o Rito Escocês Antigo e Aceite é um rito de Paz. E a admissão de armas no local onde decorre a reunião da Loja não o contradiz, antes o acentua: tem-se arma, mas nunca se usa contra um Irmão, e muito menos como reforço de qualquer argumento. A verdadeira Paz não resulta de não dispor de armas; advém de as ter, mas não as usar. No Rito Escocês Antigo e Aceite o uso de espadas é meramente cerimonial. E, para que não haja acidentes, que, nos dias de hoje já não se fazem espadachins como antigamente, por via das dúvidas as espadas utilizadas são rombas, isto é, não possuem lâminas afiadas...

Nos Ritos de York e de Emulação, o ofício de Guarda Externo é considerado de alguma importância e muita responsabilidade, como facilmente se deduz da tarefa de verificação das credenciais de quem se apresenta para entrar em Loja.

No Rito Escocês Antigo e Aceite, a sua responsabilidade é manifestamente menor, quase se resumindo, na prática, ao exercício de funções de "Oficial Porteiro". É, na ordem hierárquica dos Ofícios, colocado em último lugar. Por isso mesmo, o seu titular é sempre um maçon experiente. Leram bem. E eu não me enganei na formulação da frase. Para não haver dúvidas, repito: por isso mesmo, o seu titular é sempre um maçon experiente. Passo a explicar.

Porque é o ofício considerado com menos dificuldade, com menor execução ritual, colocado em último lugar na hierarquia dos ofícios de Loja, no Rito Escocês Antigo e Aceite, o exercício do ofício de Guarda Interno é considerado uma prova de humildade. é, assim, prioritariamente, reservado, ao maçon que, dois anos antes, exerceu o ofício máximo na Loja, o de Venerável Mestre, e que no ano anterior, exerceu a função de Ex-Venerável, principal conselheiro do Venerável Mestre seu sucessor. Após ter exercido o principal ofício na Loja, ter manuseado os símbolos do Poder de uma Loja, o malhete de Venerável e a Espada Flamejante, após seguidamente ter aconselhado quem lhe sucede nesse mais importante ofício (e ser, assim, simbolicamente, o Poder por detrás do Poder...), o maçon vai exercer o mais humilde ofício na Loja, o de Guarda Interno. Demonstra assim, e aprende dessa forma, que o maçon deve exercer todas as funções, da mais importante à mais humilde, com igual interesse e empenhamento. Mostra assim que mereceu exercer o mais importante ofício em Loja e com ele aprendeu que tão necessário é o mais humilde dos ofícios como o mais importante deles e que, portanto, exerce este com a mesma naturalidade com que exerceu o outro. E, assim, com o exercício do mais humilde ofício, o maçon passa à honrosa categoria de Antigo Venerável. Findo ele, retomará, em princípio, o seu lugar nas Colunas da Loja, onde se manterá à disposição de seus Irmãos.

Rui Bandeira

18 junho 2008

Nota dos Editores - Comentários

Este Blog, por critério editorial, apenas permite comentarios de leitores registados. Até há uns tempos atrás o unico registo que era aceite pelo servidor que alberga o nosso Blog era o feita na Google/Blogger, situação que se modificou recentemente passando também a ser aceite o registo OpenID.

Assim e por decisão editorial foi aberta a possibilidade de leitores registados no Open ID poderem usar o seu "nome de utilizador" para comentarem neste Blog.

Agradecemos todos os comentários de incentivo, todas as questões, todas as opiniões, ajudas. Da nossa parte faremos por ir correspondendo.

A Partir Pedra

17 junho 2008

A um Irmão em dificuldade

Um Irmão da minha Loja está muito preocupado. Eu e todos os demais obreiros da Loja partilhamos a sua preocupação.

Sua mulher, companheira de muitos anos, teve um súbito e agudo problema de saúde, que originou a necessidade de uma rápida intervenção cirúrgica. Quando, há pouco mais de uma semana, guiámos os nossos Irmãos da Fraternidade Atlântica no passeio pela Lisboa Pombalina que para eles organizámos, tínhamos a nuvem de preocupação sobre o estado de saúde da nossa cunhada pairando sobre nossas cabeças. Tal nuvem desvaneceu-se, estávamos nós em frente à casa onde nasceu Fernando Pessoa, quando recebemos mensagem de que a intervenção cirúrgica correra bem.

Ontem, soube que a convalescença não decorreu como o previsto e que nova intervenção cirúrgica foi necessária. Já sei que também correu bem e que se espera que, agora, tudo entre finalmente nos eixos e seja apenas questão de tempo e de algum desconforte até que a recuperação total advenha.

Assim o espero, assim o desejo, assim todos o desejamos.

À natural preocupação da afecção de saúde, junta-se o facto de a doença ter ocorrido estando a doente longe de casa. Ela e seu marido, nosso Irmão, suportam ainda o incómodo de estarem distantes de casa e do resto de sua família.

Meu Irmão: sabes que partilhamos a tua preocupação e a tua esperança no breve resolver da situação. Sabes que eu e qualquer de nós estamos à simples distância de um toque de telefone para fazermos tudo o que pudermos e que tu nos informes que necessitas. Sabes que esperamos poder ter-te connosco na nossa próxima reunião. Mas, se tal não for possível, estarás connosco em espírito e a ti e à tua mulher será dedicada a Cadeia de União.

Aqui, neste espaço que também é teu, te deixo uma palavra de conforto e encorajamento. Tudo há-de correr bem. E brevemente tudo estará passado e resolvido a contento.

Um abraço de todos os teus Irmãos. E, porque sou egoísta e aproveitador, um outro especialmente meu. E um beijo da tua cunhada, minha mulher, que junta os seus votos de rápida recuperação aos meus. Ela não me perdoaria se aqui não o referisse expressamente! Aliás, para ser justo, ela disse: "já que gostas tanto de escrever no teu blogue, vê lá se escreves uma mensagem de apoio ao teu amigo..." E eu, que até tinha pensado respeitar a tua privacidade e aqui nada dizer, vi que ela tinha razão: eu seria capaz de, sem beliscar a tua privacidade, aqui te mandar uma mensagem de incentivo. Em nome dela, em meu nome, em nome de todos os demais da Loja e respectivas famílias. Todos gostam de ti. Todos estão contigo!|

Sabemos que só desejarás regressar a tua casa acompanhado da tua mulher, já restabelecida. Portanto, do nosso brinde ritual, relembro e aqui te desejo: "que tenhas um rápido regresso a tua casa, se for esse o teu desejo".

Rui Bandeira

16 junho 2008

Instituto Português do Sangue

É sobejamente sabido, e tem sido largamente difundido aqui no blog, que a Loja Mestre Affonso Domingues tem um grupo de dadores de sangue e que regularmente reune voluntarios e patrocina essas dadivas.

Hoje recebi o seguinte SMS do IPS:

"Visite www.ipsangue.org No espaço do dador pode visualizar as suas doações, imprimir declaraçao de presença e marcar a próxima doação."

Curioso como sou, fui la ver o site. E sem problemas de maior consegui aceder à minha ficha.

Verifiquei que há uma area onde estão listadas as associaçoes de dadores, mas a Affonso Domingues nao estava, mas também me parece que pelo pequeno numero aí mencionado que ainda está em construção.

Quanto ao resto do site pareceu-me muito bem feito.

Caro leitor, se também recebeu o mesmo SMS vá ao site e inspire-se a ir fazer mais uma dádiva, se ainda não recebeu o SMS faça o favor de ir ao IPS inscrever-se como dador e esticar o seu braço.

A Causa é nobre e quem precisa agradece.

Torne-se Dador nao custa nada.

Como fazer FACIL FACIL

www.ipsangue.org tudo explicadinho.


José Ruah

12 junho 2008

Futebol, Maçonaria e mais...

Não, não venho deixar nenhum texto sobre o Euro-2008 nem sobre a vitória da Selecção Portuguesa sobre a da República Checa. Isso já foi glosado em vários tons pela imprensa, pela rádio, pela televisão e pelas conversas de emprego, amigos e de café. Hoje, o tema de partida para o texto é o futebol, mas é outro e de outras paragens.

Li no jornal electrónico Midiamax - o Jornal Eletrônico do Mato Grosso do Sul uma notícia na secção de Esportes, da autoria do jornalista Jorge Franco, com um título que logo me chamou a atenção: Capital terá Copa Maçônica de Futebol Society.
Os detalhes primeiro. Que é isso de "Futebol Society"? A Wikipedia elucida-nos, nesta entrada: Futebol Society é uma variação do futebol. Jogado em campos menores, e usualmente com grama sintética (ou outros materiais artificiais). Disputado por 7 atletas de cada lado, tem regras próprias, criadas por um brasileiro, Milton Mattani. Difundido em todo o mundo, principalmente na América do Sul. Hoje, no Brasil, é a modalidade mais praticada com cerca de 12 milhões de praticantes.

Resolvido o pormenor, vamos então à notícia:

Promovido pela Prefeitura de Campo Grande, numa realização da Funesp (Fundação Municipal de Esporte), começa no dia 5 de julho, a primeira edição da Copa Maçônica de Futebol Society, competição que conta com a parceria das potências maçônicas GOMS, GOB-MS e Grande Loja Maçônica, além da Federação de Futebol Society de Mato Grosso do Sul.

A competição reunirá maçons ativos das três potências de Mato Grosso do Sul, que poderão inscrever quantas equipes pretenderem. Cada equipe será composta por 15 atletas com idade superior a 40 anos, podendo cada uma inscrever ainda até dois atletas com idade inferior a 40 anos. Um destes jogadores será, obrigatoriamente, o goleiro.

Também será permitida a fusão de duas ou mais lojas de uma mesma potência para a composição das equipes.

As inscrições poderão ser feitas na Funesp, até o dia 1º de julho, sendo que cada equipe pagará a quantia de 15 cobertores, que serão doados para a campanha do agasalho promovida pela primeira dama de Campo Grande, Maria Antonieta Trad.

O congresso técnico, que definirá a tabela de jogos e a composição dos grupos ocorrerá às 16 horas do dia 5 de julho, na praça esportiva do Belmar Fidalgo, com a presença do prefeito Nelsinho Trad (PMDB) e dos Grão-Mestres Herbet Xavier (Grande Oriente de Mato Grosso do Sul), Juares Vasconcelos (Grande Loja) e Gercírio Domingos Mendes (Grande Oriente do Brasil).

Para o presidente da Funesp, Carlos Alberto de Assis, esta competição visa promover a integração e a confraternização entre os maçons. "É uma forma de prestigiarmos e ao mesmo tempo agradecer a estas pessoas, que tanto fazem pelo bem estar de nossa sociedade, bem como prestamos a colaboração com a campanha do agasalho".

Brasileiro é mesmo assim: futebol, mesmo de sete, tem lugar de destaque. Mas o que me chamou a atenção na notícia foi algo diverso: a naturalidade da confraternização entre maçons de Obediências distintas. Aqui não há querelas sobre regularidade ou reconhecimento. Cada um joga no seu time e, golo daqui, defesa dacolá, todos confraternizam.

É um bom exemplo a seguir deste lado do Atlântico. É bom que todos vamos entendendo e praticando que, estando cada um integrado na sua Obediência, que tem características, aqui mais, ali menos, diferentes das outras, não tem que, não deve, ignorar ou verberar quem escolheu integrar-se noutra. Se esta é Regular, aquela Liberal, uma reconhecida internacionalmente por uns, outra por outros, e uma terceira por nenhuns, são outras questões, que nada têm a ver com o desejável amistoso trato que deve existir entre quem busca o aperfeiçoamento e a Luz - onde quer que o faça. Se um maçon vir um certo sinal pedindo ajuda, o que faz é prestar socorro, dar auxilio, providenciar alívio; não vai perguntar a quem necessita de auxílio em que Obediência está inserido. Quando é hora de prestar homenagem fúnebre a um maçon que passou ao Oriente Eterno, não importa nem em que Obediência ele se encontrava, nem se quem está ao meu lado na Cadeia de União é Regular, Liberal, Reconhecido ou não. Homens livres e de bons costumes prestam homenagem a um outro, que pousou já as suas ferramentas. É tudo! E é assim que deve ser!

Obviamente que as determinações de cada Obediência devem ser respeitadas. No meu caso, como Maçon Regular, não visito Loja que não seja Regular e não admito visitantes que não sejam maçons Regulares na minha Loja. São essas as regras que vigoram e que me comprometi a cumprir, ponto final. Mas essas regras não me impedem de, fora de Loja, confraternizar, colaborar, debater, organizar, enfim, relacionar-me com outros homens livres e de bons costumes que optaram por se inserir e trabalhar em outras Obediências. Nem, já agora, embora a minha Obediência seja exclusivamente masculina - e eu concordo com isso, e já expliquei aqui porquê -, tenho qualquer impedimento em estabelecer idêntico relacionamento com senhoras que, integradas em sua organização própria, comungam também dos ideais e objectivos maçónicos. Em resumo, homens e mulheres de boa vontade, comungando dos ideais maçónicos, têm um vasto campo de cooperação, que podem e devem aproveitar e utilizar, independentemente de cada um se inserir na sua específica Obediência e cumprir as regras que nelas vigoram.

Por isso, não se praticando por estas bandas o Futebol Society, mas praticando-se o Futsal, bem gostaria de ver organizado um campeonato de Futsal, com equipas formadas por obreiros da GLLP/GLRP, do GOL, da GLRP, da GLTP e do que mais por aí houver! Pontapé na canela aqui, golo acolá, defesa mais adiante, também assim se aprende a distinguir entre o essencial e o acessório...

Mas, atenção!, não pode ser já! É que o craque da Loja Mestre Affonso Domingues, o José Ruah, lesionou-se recentemente num renhido jogo e está fora de combate por uns tempos - e nós precisamos do nosso craque!

Rui Bandeira

11 junho 2008

Os dois marretas


A entrada de ambos na Loja Mestre Affonso Domingues ocorreu no mesmo dia, ainda a última década do século passado estava no princípio. Um foi iniciado. O outro foi recebido, já como Companheiro, pois tinha sido iniciado e passado a Companheiro na Alemanha, na Loja Miguel de Cervantes y Saavedra, ao Oriente de Bona, enquanto aguardava a instituição em Portugal de uma Obediência Maçónica Regular.

O que foi iniciado naquele dia veio a recuperar o atraso em relação ao outro e veio a ser Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues antes deste. Aliás, é presentemente o ex-Venerável mais antigo da Loja em actividade. O outro só anos depois teve a responsabilidade de dirigir os destinos da Loja.

Assim, em matéria de antiguidades, consideram-se empatados.

Têm diferentes convicções religiosas. Mas isso é-lhes completamente indiferente, já que ambos sabem que crêem no mesmo Criador, só diferem na forma de o fazer, nos ritos que praticam, nas culturas que herdaram de seus antepassados.

Um é orgulhoso dono de um cão. O outro tem um felino como animal de companhia.

Um é franco e directo até, por vezes, ao limite da rudeza, que o outro faz questão de, à guisa de prevenção de excessos, sistemática e muitas vezes injustamente, o acusar de ultrapassar. O outro cultiva a arte do compromisso, do arredondar de arestas, da florentina subtileza, até ao limite do insustentável, que o primeiro, muitas vezes de sorriso matreiro, assinala ter sido deixado para trás, obrigando a piruetas de equilíbrio, dignas de circense artista. E, apelida-o, ironicamente, de diplomata...

Um gosta de exercer a sua actividade na Grande Loja. De há muito que exerce ofícios de Grande Oficial, colaborando com vários Grão-Mestres. Cada vez as suas responsabilidades vão sendo maiores, quiçá até, algum dia, poder, quem sabe, vir a assumir a responsabilidade máxima da Obediência. O outro sempre declarou que o centro do seu interesse é a Loja, unidade que considera ser a essência da maçonaria, e só a contragosto, muito raramente e por pudor de recusar colaboração que lhe seja pedida, aceitou, em duas, bem separadas no tempo, ocasiões, assumir ligeiros e pontuais encargos de assistir maiores responsáveis no que a estes aprouvesse determinar-lhe.

Um presta particular atenção ao preto e ao branco, ao contraste, ao sim ou sopas, pão é pão, queijo é queijo. O outro reponta-lhe a tendência e assinala a miríade de variantes de cinzentos, mostra como se esbatem e sobrepõem os tons, pontua as virtualidades do talvez e do vamos ver e as virtudes das medianas e declara-se adepto do pão com queijo.

Um e outro parecem tirar inaudito prazer em, periodicamente, duelarem argumentos sobre minudências de ritual, ou de organização, ou de escolha de caminhos, ou do que quer que seja. Quando para aí estão virados, um escolhe o branco, o outro declara-se indefectível adepto do negro. E volta e revolta debatem, insistem, atiram-se um ao outro argumentos como projécteis, viram-se e reviram-se, acabando, as mais das vezes por assentar em que o melhor é optarem ambos pelo xadrez a preto e branco. Ou então, cada um de tal forma mostra o erro do outro, cada um se esquiva dos petardos argumentativos do opositor que, quando dão por ela, já nem um defende o branco, nem o outro batalha pelo preto e dão-se ambos conta que já sinceramente apoiam as virtudes do vermelho. E então, por pudor ou teimosia, insiste um que, sendo o vermelho o melhor, há-de ser claro, e contrapõe o outro que não há dúvida na superioridade do vermelho, mas que o mesmo deve ser escuro. E, de soslaio, cada um espreita a cor do outro, concluindo no seu íntimo serem os dois tons precisamente iguais, apesar de um o dizer claro e o outro o apodar de escuro...

Quando se metem nestes preparos, o resto da Loja assiste, meio interessada, meio divertida, à batalha, sabendo que, no fim, ambos se porão de acordo, cada um jurando que o outro é que finalmente viu a razão... Mas, quando esse acordo, chega, ou quando nunca chegou a haver desacordo, todos sabem que é melhor sair da frente, que estes dois, quando decidem puxar para o mesmo lado, são ossos duros de roer...

O que também todos sabem, e os dois em particular, é que cada um precisa do outro para afinar as suas ideias, testar os seus conceitos, aperfeiçoar o seu entendimento. Cada um é a pedra de amolar do outro, o indispensável instrumento para que o espírito do outro permaneça afiado e capaz de cortar a direito sobre qualquer problema. E os aparentes confrontos mais não são do que mil vezes executados exercícios de análise, em que ambos sabem que o que importa não é de onde cada um parte, mas onde ambos chegam.

São água e azeite e simultaneamente são unha com carne. Podem estar meses sem se ver ou sem se falar e, quando se reencontram, retomam a conversa no exacto ponto em que a interromperam. Cada um segue a sua vida ao seu jeito, mas qualquer deles, quando precisa, pede ajuda ao outro, sem rebuço nem hesitação, sabendo que, dentro das suas possibilidades, o apoio pedido não faltará.

Antes daquele dia, já longínquo, do início da última década do século passado, não se conheciam nem nunca tinham ouvido falar um do outro. Hoje, tão insanavelmente diferentes, mas afinal tão inesperadamente iguais, consideram-se, além de Irmãos, amigos. Tão simples como isto! E isto é também Maçonaria. Isto é também ser maçon.

Um é o José Ruah. O outro sou eu.

Rui Bandeira

09 junho 2008

Encontro das Lojas (tri)gémeas

A Loja Mestre Affonso Domingues está geminada com duas outras Lojas: A Fraternidade Atlântica, Loja da Grande Loge Nationale Française que reúne em Neuilly-Bineau e em que se integram imigrantes portugueses em França, lusodescendentes e franceses com interesse e carinho pela Língua Portuguesa, e a Rigor, Loja da GLLP/GLRP que reúne ao Oriente de Bragança.

Os nossos Irmãos gémeos da Loja Fraternidade Atlântica programaram uma visita a Portugal nos primeiros dias de Junho e tinham-nos informado que tencionavam visitar um pouco do Norte do País. Pois bem, juntou-se o útil ao agradável e a fome com a vontade de comer e preparou-se uma sessão em Bragança da Loja Rigor, com a visita dos Irmãos viajantes da Loja Fraternidade Atlântica e uma delegação da Loja Mestre Affonso Domingues. Em suma, uma reunião com a presença dos obreiros das três Lojas, unidas por duas geminações. Assim a modos que um esquadro, em que o vértice do ângulo recto é ocupado pela Loja Mestre Affonso Domingues, um dos braços pela Loja Fraternidade Atlântica e o outro pela Loja Rigor.

Antes dessa sessão, que teve lugar na passada sexta-feira, os Irmãos da Fraternidade Atlântica tinham já efectuado um passeio fluvial pelo rio Douro, do Porto até ao Pocinho. E, no dia seguinte, os nossos Irmãos da Loja Rigor organizaram e proporcionaram-lhes, como já anteriormente tinham feito aos obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues, um outro passeio fluvial, agora num belo, agreste e felizmente preservado trecho do Douro Internacional, na zona fronteiriça.

A sessão foi, obviamente, dirigida pelo Venerável Mestre da Loja anfitriã, a Rigor, Irmão Jorge C., que recebeu no Oriente os Veneráveis Mestres das Lojas Fraternidade Atlântica, Irmão François B., e Mestre Affonso Domingues, Irmão JPSetúbal.

Após o passeio no Douro Internacional e agradável almoço numa quinta da região, os Irmãos da Fraternidade Atlântica viajaram para Lisboa, onde pernoitaram e eram aguardados pelos obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues.

Foi já sob organização da Loja Mestre Affonso Domingues que os obreiros da Fraternidade Atlântica e suas famílias participaram num passeio pela Baixa Pombalina, guiado pelo antigo Venerável da Loja Mestre Affonso Domingues, Victor E. C., o qual esclareceu as circunstâncias e a forma como decorreu a reconstrução da cidade de Lisboa após o tríplice cataclismo de 1 de Novembro de 1755 (terramoto, maremoto e incêndio), que arrasou quase por completo a Lisboa medieval. Durante o passeio, Victor E. C., para além de ter partilhado a sua profunda erudição com todos os presentes, chamou a atenção para alguns detalhes existentes naquela zona da cidade, com interesse para os maçons.

Seguidamente, efectuou-se uma visita a uma exposição de objectos e artefactos maçónicos, pertencentes à Loja Mestre Affonso Domingues e a alguns dos seus obreiros, após o que foi tempo de ir reconfortar o estômago, num almoço de convívio em que tivemos o gosto da presença do nosso Muito amigo e Respeitável Grão-Mestre, Mário Martin Guia.

Maçonaria é ritual, mas não é só ritual. Maçonaria é estudo de símbolos, mas é mais do que isso. Maçonaria é também, e indissociavelmente, fraternidade e convívio fraternal. Que possibilita o convívio de gente, não fora a Maçonaria, desconhecida entre si, que vive e labuta em regiões tão díspares e distantes como a região de Paris, Bragança e Lisboa.

Um fim de semana alargado de convívio, boa disposição, fraternidade, cultura.

Os nossos Irmãos da Fraternidade Atlântica regressaram hoje a França. Esperamos que, parafraseando antigo e significativo brinde que os maçons costumam efectuar, tenham um bom regresso a suas casas, se for esse o seu desejo.

Rui Bandeira