12 outubro 2007

Profanidades


Uma das mais interessantes características de um blogue é a possibilidade que existe de uma profícua interacção entre quem escreve e quem lê, resultante da utilização da caixa de comentários. Essa interacção, se cultivada, permite a quem escreve ter uma melhor noção dos interesses de quem lê, permite a quem comenta, para além de exprimir a sua opinião, inquirir, sugerir, afinal influenciar o que se escreve no blogue. No limite, uma profícua interacção entre autores de textos e comentadores faz de um blogue um espaço comum de interesse intelectual, evoluindo, não apenas ao sabor da vontade do(s) seu(s) autor(es), mas no percurso dos caminhos desbravados, em conjunção, por quem escreve e por quem lê e comenta.

Pessoalmente, sempre que um comentário me estimula o interesse pela referência a qualquer assunto, prefiro, em vez de responder, sucintamente, na própria caixa de comentários, elaborar e publicar um ou mais textos sobre o tema. O que tem a consequência de, por vezes, alterar o rumo da publicação de textos.

Vem isto a propósito de um comentário que nuno_r (que anteriormente se identificava como o profano) produziu relativamente ao texto O maçon e as luvas. Nele, nuno_r escreveu, designadamente:

Já foi abordado em post anterior o Avental e agora as Luvas.
Como estamos a falar de "peças de vestuário", gostava, se possível, saber como faz um Maçon para adquirir estas peças.
É fácil comprá-las no mundo profano ou é a Loja (ou Grande-Loja) que fornece ou as vende aos Maçons?

Antes do mais, é justo referir que o "culpado" (no sentido de ter sido ele o catalisador de tal facto) de ultimamente eu ter escrito dois textos sobre "peças de vestuário" (O maçon e as luvas e O avental do Aprendiz) foi precisamente o nuno_r que, então ainda como o profano, perguntou, num comentário ao texto A integração do Aprendiz (II), a razão porque o Aprendiz usa a aba do seu avental levantada. Essa questão despertou a minha tendência para a associação livre e, da resposta à pergunta, saltei para o avental e deste para as luvas. Hoje, tencionava escrever mais um texto sobre vestuário, mas a nova questão do nuno_r leva-me a mais uma deriva. Assim, o projectado texto sobre vestuário fica para um dia destes e... vamos então às profanidades (em jeito de homenagem ao interesse do nuno_r e, já agora, aproveitando para um titulozito jeitoso...) de onde e como se adquirem luvas e aventais de maçons.

Adquirir luvas brancas é fácil: qualquer boa luvaria ou estabelecimento de peças de vestuário com secção de luvaria as tem disponíveis.

Já para adquirir luvas enfeitadas com o esquadro e o compasso, bem como para adquirir aventais de maçon, a coisa fia mais fino: o mercado de interessados é muito pequeno em Portugal e não se compram luvas e aventais todos os dias, nem sequer todos os anos, e portanto o interesse comercial nesses artefactos tem a mesma dimensão.

Não sei o que se passa noutras estruturas mas, quanto à GLLP/GLRP, esta dispõe de um fornecedor importador de artefactos maçónicos que lhe garante o fornecimento do que é necessário. Qualquer maçon da GLLP/GLRP pode, consequentemente, através da sua Loja ou dirigindo-se directamente aos serviços da GLLP/GLRP, adquirir o que precisa.

Quando alguém é iniciado, a sua Loja fornece-lhe o avental de Aprendiz e as luvas. O custo destes objectos está já integrado na jóia de iniciação que o candidato pagou. Também quando o maçon é passado ao grau de Companheiro e elevado ao grau de Mestre a Loja lhe fornece os respectivos aventais. E também os respectivos custos estão incluídos no pagamento a que o maçon procede aquando desses actos.

Nenhum maçon é, porém, obrigado a adquirir os seus artefactos através da sua Loja ou Grande Loja. Pode adquiri-los onde lhe der jeito ou onde pretenda. E qualquer Loja pode obter os artefactos para disponibilizar aos seus obreiros onde pretender. Não tem qualquer obrigação de os adquirir na Grande Loja ou ao fornecedor desta. Por exemplo, a Loja Mestre Affonso Domingues adquiriu parte dos artefactos que a ela, Loja, pertencem, a um fornecedor no estrangeiro, mediante encomenda efectuada por Internet e os seus obreiros estão também a habituar-se a fazer o mesmo, pois consegue-se artefactos de boa qualidade a preços favoráveis. Normalmente, quando alguém projecta efectuar uma encomenda, inquire se mais alguém quer aproveitar para encomendar e vem tudo ao mesmo tempo. Sempre se poupa nos custos de transporte...

Sítios na Internet dedicados à comercialização de objectos e artefactos maçónicos, há vários. Basta efectuar uma pesquisa num motor de busca. Mas atenção à língua em que se faz a pesquisa... Se for em português, provavelmente aparecem páginas de fornecedores no Brasil (por exemplo, o Triângulo Atelier Maçónico); se pesquisar em francês, muito provavelmente vai deparar com páginas de fornecedores franceses (por exemplo, Arts et Symboles), em inglês, obtém páginas de fornecedores ingleses ou americanos (por exemplo, Central Regalia ou The Freemason Masonic Supplies), etc..

O mercado é grande...

Rui Bandeira

11 outubro 2007

O maçon e as luvas

Em reunião de Loja ou de Grande Loja, os maçons usam sempre luvas brancas. Pode-se dizer que o uso de avental e de luvas brancas é a marca distintiva dos maçons.

Para além da cor, não existem requisitos especiais quanto ao tipo e qualidade de luvas a serem usadas. Podem ser de pele, algodão ou outro tecido. Podem ser completamente brancas ou ter estampado ou bordado algum enfeite. É muito utilizado um modelo de luvas com o desenho do compasso e do esquadro.

Tal como o avental, a origem do uso das luvas deve buscar-se na Maçonaria Operativa. O trabalhador em pedra, em muitas das suas tarefas, necessitava de proteger as mãos dos acidentes ou, mesmo, das normais consequências do manuseamento de materiais duros, rugosos, pesados, com arestas vivas, etc.. O uso de luvas previne pequenos ferimentos, arranhões, abrasões, decorrentes desse manuseamento. Com a transição da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa, manteve-se a tradição do uso de luvas.

Mas se a tradição se manteve, ironicamente o propósito inverteu-se. É que, na Maçonaria Especulativa, o uso de luvas não se destina a proteger as mãos do ambiente, mas, pelo contrário, a proteger o ambiente das mãos. Explicando:

Uma das regras que é frequentemente lembrada aos maçons é a de que estes "devem deixar os metais à porta do Templo", isto é, não devem transportar para o interior da Loja condutas, conflitos, interesses, competições, comportamentos, de natureza profana. Em Loja, nada disso tem lugar.

O espaço da Loja - e não me refiro apenas ao espaço físico, mas também, e essencialmente, à dimensão espiritual - não deve ser conspurcado com imperfeições de natureza profana. Para que o maçon possa tranquilamente, com a ajuda de seus Irmãos, trabalhar no seu aperfeiçoamento, deve estar inserido num ambiente livre da poluição das imperfeições do dia a dia. O interior do Templo deve, assim, estar livre de metais, por estes se entendendo tudo o que é negativo, imperfeito, inerente às fraquezas humanas.

No entanto, o maçon, se busca aperfeiçoar-se, é porque se reconhece imperfeito. E imperfeito em si mesmo. Por muito que cuide, por muito que faça, embora procure deixar os metais à porta do Templo, alguns inevitavelmente ele transporta para o seu interior, porque ínsitos (ainda, espera-se...) nele mesmo. Então, assim se reconhecendo imperfeito, logo poluidor do ambiente do Templo, logo susceptível de dificultar o aperfeiçoamento de seus Irmãos - quando o objectivo comum é precisamente o inverso... - o maçon simbolicamente protege o ambiente e seus Irmãos de suas imperfeições, usando as luvas. Assim, a sujidade que ainda permanece em suas mãos não conspurca o Templo, os objectos nele existentes, os seus Irmãos.

Ou seja, o maçon em Loja usa luvas brancas, não para se proteger do que, exterior a si, o possa afectar, mas para proteger o ambiente e os demais daquilo que, existente em si, os possa prejudicar.

Este, no meu entendimento, a lição que se pode extrair do simbolismo do uso das luvas pelos maçons em Loja.

Daqui decorre, por exemplo, que, ao contrário da prática social, em que o enluvado se desluva para cumprimentar outrem, os maçons, no interior do Templo saúdam-se sempre com as respectivas luvas postas.

Há, no entanto, três situações correntes em que o maçon em Loja deve retirar uma ou ambas as luvas. Uma, quando manuseia dinheiro, pois, por natureza, o vil metal conspurca - e o seu manuseio em Loja, designadamente quando se reúnem fundos para acções de solidariedade, é um mal necessário - e não deve assim sujar a luva, que deve permanecer limpa; outra, quando o maçon assume compromissos sobre as três Grandes Luzes da Maçonaria - o Volume da Lei Sagrada, o Compasso e o Esquadro -, caso em que apõe a mão nua sobre esses três artefactos, em sinal de que o compromisso é assumido pelo Homem inteiro, com suas qualidades e defeitos, com suas forças e suas imperfeições, confiando em que o contacto entre essas três Grandes Luzes e si próprio redundará no seu aperfeiçoamento, não na perda de qualidades daquelas; a terceira, na Cadeia de União, em que os maçons se dão as mãos, despojadas de luvas, em sinal de união e de comunhão de esforços, juntando-se numa Cadeia em que cada um se reconhece como o elo mais fraco, mas em que todos buscam fortalecer-se, transmitindo-se e unindo todos suas forças e fraquezas, cientes de que as forças de todos combinadas gerarão um poder mais forte do que a mera soma delas e de que as fraquezas de cada um mais eficazmente são combatidas com a ajuda de todos.

Eis porque o maçon usa luvas brancas e eis por que razão pontualmente as não usa.

Rui Bandeira

10 outubro 2007

O duodécimo Venerável Mestre

Eleito, como habitualmente, em Julho, José M. foi o duodécimo Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues, tendo exercido o ofício entre Setembro de 2001 e Setembro de 2002.

José M., oriundo da primeira geração de iniciados, logo no princípio do funcionamento da então GLRP, hoje GLLP/GLRP, era já, na altura em que assumiu o exercício da função, um maçon muito experiente. Desde há vários anos que colaborava activamente com o Grão-Mestrado, particularmente no apoio aos maçons e Lojas no Norte e Nordeste do País. Algumas dessas Lojas tinham contado com a sua activa colaboração nos primeiros tempos da sua existência. Já fora Venerável Mestre de uma Loja no Nordeste Transmontano, pelo menos, antes de assumir idêntica função na Loja Mestre Affonso Domingues.

José M. há vários anos que dispersava o seu esforço por várias Lojas e na estrutura da Grande Loja. Nunca deixou, porém, de integrar o Quadro de Obreiros da Loja Mestre Affonso Domingues e de comparecer às suas reuniões com a assiduidade que a necessidade de atender a várias solicitações lhe permitia.

Mal comparado, José M. era, desde há vários anos, como que o "Ministro dos Assuntos Exteriores" da Loja. Devido ao seu intenso contacto com as demais estruturas da Obediência, conhecia e era, já então, praticamente conhecido de toda a gente na organização. Veiculava para a Loja o que se passava nas demais estruturas da Obediência; certamente que transmitia a essas outras estruturas o sentir da Loja Mestre Affonso Domingues.

Internamente, para além de ter exercido, mais formal ou mais esporadicamente, praticamente todos, senão mesmo todos, os outros ofícios em Loja, fora, dois anos antes, o 2.º Vigilante do Quadro de Oficiais do meu Veneralato e fora o 1.º Vigilante do João D. P.. Cumprira, pois, o normal percurso (então apenas restrito aos Vigilantes; agora incluindo mais ofícios) que desembocava na Cadeira de Salomão.

José M. dava, pois, todas as garantias de um sereno e profícuo exercício da função, tanto mais que a sua ascensão ao ofício decorrera com toda a normalidade e seguindo todos os passos certos e aconselháveis. Digamos que as suas "habilitações curriculares" eram perfeitas para a função.

Com todas estas boas fundações, como foi então o edifício do seu Veneralato? Foi... sólido... pacato... eficiente... pacato... suave... pacato... calmo... pacato..., etc.... pacato...

É curioso como, quando as coisas correm bem, quando se processam com normalidade, sem sobressaltos, nos deixam apenas uma difusa lembrança na memória!

O mandato do José M. correu bem, correu normalmente, sem sobressaltos, fazendo-se o trabalho que se tinha de fazer, inquirindo-se quem havia que inquirir, iniciando-se quem havia para iniciar, passando-se a Companheiro quem estava na altura de ser passado a Companheiro, elevando-se a Mestre quem justificava a elevação a Mestre, apresentando-se e assistindo-se à apresentação de pranchas, assegurando-se as iniciativas de solidariedade e de convívio social que a Loja já se habituara a assegurar. Em resumo, normalidade absoluta!

Costuma-se dizer que gente feliz não tem história. Será talvez caso para dizer que Loja feliz não sobressai na nossa memória...

O mandato de José M. integra-se numa sucessão de mandatos em que a Loja, atingida já a sua maturidade, apreciava algo que até então, raramente tivera: a possibilidade de trabalhar numa reparadora rotina!

Este período de aparente ausência de acontecimentos durou alguns anos - e constitui um problema para quem procura registar a memória da Loja... - e, porventura, durará ainda. Mas engana-se quem porventura pense que é um período de calmo repouso, se nada feito. O que se inaugurou com o mandato do José M. foi um período de trabalho calmo, porque organizado, de evolução sem sobressaltos, de construção de subtis laços ligando a Loja aos seus membros e estes entre si, que, paulatinamente, foram criando, o ambiente acolhedor, responsável e agradável que se continua a viver na Loja e que todos esperamos que se continue, indefinidamente, a verificar. A Loja deixou de necessitar de reagir com força, união e determinação aos ventos que por vezes a abanaram; passou a navegar airosamente aproveitando as quase imperceptíveis correntes que a transportam do passado para o futuro.

José M., com toda a sua experiência, foi o Venerável Mestre ideal para iniciar este período de tranquila bonança. Também para se guiar a nau com rumo certo em mar bonançoso é preciso ser hábil e seguro. José M. foi-o: não inventou o que não havia necessidade de ser inventado, mostrou que é possível e desejável e profícuo trabalhar na rotina da Maçonaria e assim também estreitar os laços entre os maçons. Ao assegurar a normalidade com... normalidade, José M. mostrou à Loja que dirigi -la não é ser voluntarista, é assegurar que seja feito o que deve ser feito, quando deve ser feito. O facto de o seu exemplo ter frutificado e de a Loja, desde então, se ter habituado a vogar serenamente no mar calmo do seu trabalho de rotina, constitui o legado que o seu Veneralato deixou à Loja. Em boa hora teve a Loja à sua frente um elemento experiente que não buscou brilhar, mas apenas assegurar serenamente o exercício da sua função, pela forma como, naqueles tempo e lugar, a função devia ser exercida!

Os tempos de calmaria e bonança da idade adulta da Loja, que visivelmente foram sentidos a partir do Veneralato do José M. podem causar dificuldades a quem procura registar a memória da Loja. Mas em tudo o resto são favoráveis e agradáveis!

Rui Bandeira

09 outubro 2007

O avental do Aprendiz

Em Loja, o Aprendiz Maçon usa um avental rectangular completamente branco, com uma aba superior, de forma triangular, igualmente integralmente branca, que é usada levantada.

Ensina o Ritual do Rito Escocês Antigo e Aceite – aquele que é praticado pela Loja Mestre Affonso Domingues – que a cor branca do avental simboliza a pureza do seu coração, recomendando ainda ao Aprendiz que evite conspurcar o seu avental.

Em determinada passagem do mesmo Ritual, o Aprendiz é informado de que deve usar o avental com a aba levantada, sem que sejam dadas quaisquer explicações ou justificações para essa determinação.

Pese embora o facto de o Ritual apresentar a cor branca do avental de Aprendiz como símbolo de pureza, é minha convicção de que a escolha dessa cor tem uma origem muito mais prosaica.

Retenhamos, antes do mais, que a Maçonaria Especulativa, tal como foi fixada no século XVIII, em Inglaterra, deriva de uma Maçonaria Operativa, existente desde, pelo menos, há alguns séculos atrás, que regia o ofício dos construtores em pedra e que agrupava os respectivos profissionais, nas suas diversas vertentes (Mestres de Obras ou Arquitectos, Pedreiros, Canteiros, Escultores, etc.).

O uso de avental por profissionais de diversas profissões tem origens antigas e permanece actual. Os ferreiros e ferradores usavam avental e, pelo menos aqueles, ainda hoje usam; os cozinheiros usavam e usam avental; os trabalhadores em pedra usavam avental, etc.. O propósito do uso desta peça é evidente: a protecção da roupa envergada pelos respectivos portadores, evitando que esta seja suja ou danificada pelos materiais trabalhados pelo profissional.

Naquelas épocas, o nível de vida dos artesãos não era propriamente desafogado. A protecção da sua roupa era-lhes indispensável, o avental de protecção utilizado era confeccionado no material que, exercendo essa protecção, fosse mais abundante e barato.

Os aventais eram, assim, confeccionados na matéria-prima que então abundava na Europa e era barata: a pele de ovelha, com a respectiva lã.

A razão porque o avental era branco decorre assim do prosaico facto de a lã ser dessa cor! E obviamente que não se ia encarecer o artefacto tingindo-o, porquanto se tratava de uma peça de trabalho, destinada a ficar suja no decorrer do trabalho, não de uma peça de adorno.

Não era apenas o Aprendiz de trabalhador em pedra que usava avental de pele e lã branca. Eram todos os trabalhadores em pedra.

Evidentemente que, com a transição da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa, a razão do uso dessa peça alterou-se, passando tal uso a ter valor simbólico, primeiro, de distinção de grau, seguidamente, e de adorno finalmente (particularmente nos Altos Graus e em Grande Loja, em que, por vezes, são utilizados vistosos, belos - e caros! - aventais). E, com essa transição, o avental perdeu o seu valor de protecção de vestuário. Daí que, enquanto que, nos tempos da Maçonaria Operativa o avental se destinava a ser sujo em vez da roupa que ele protegia, com o advento da Maçonaria Especulativa essa necessidade desapareceu e, portanto, passou a desejar-se que permaneça sempre limpo, quer material, quer simbolicamente, neste plano representando a pureza de carácter que o seu portador deve ter e que deve procurar sempre, mais e mais, aperfeiçoar.

O avental branco, em bom rigor, não é o avental do grau de Aprendiz: é o avental do maçon! Aliás, ainda hoje, em muitas Lojas dos Estados Unidos é comum entregar-se àquele que é iniciado um avental de pele de ovelha, com lã, branco, o qual é religiosamente guardado e nunca utilizado pelo maçon seu proprietário, a não ser em ocasiões festivas ou cerimoniais. Qualquer que seja o grau de quem o usa, o avental de pele e lã branco é ali utilizado como peça de adorno cerimonial!

Ainda hoje, em todas as Obediências, o avental branco pode ser usado por qualquer maçon, qualquer que seja o seu grau e qualidade. As únicas diferenças são que, por um lado, o Aprendiz só pode usar avental branco, enquanto que os maçons de outros graus podem usar o avental branco ou o do seu grau; e, por outro, que o Aprendiz deve usar o avental branco com a respectiva aba levantada, enquanto que os demais maçons, quando usam avental branco, o fazem com a respectiva aba baixada.

O actual Grão-Mestre da GLLP/GLRP, Muito Respeitável Irmão Mário Martin Guia utiliza habitualmente um singelo, mas belíssimo, avental todo branco, adornado apenas por um discreto bordado, também branco, assim simbolizando que até mesmo o Grão-Mestre se deve sempre considerar um eterno Aprendiz.

Quanto à razão do uso do avental com a aba levantada pelo Aprendiz (e aqui, efectivamente, só por este), não explicada ou justificada no ritual, deve buscar-se também nas raízes operativas da Maçonaria e na função de protecção do avental, importadas e adaptadas para a Maçonaria Especulativa. Porque o Aprendiz ainda não é versado nem experiente na Maçonaria, porque é natural que cometa erros, porque ainda está aprendendo a trabalhar a pedra bruta do seu carácter, a sua necessidade de protecção é simbolicamente maior. Daí que deva aumentar a área de protecção proporcionada por essa peça, para tal usando a respectiva aba levantada.

Quando as mais agudas arestas do seu carácter estiverem já trabalhadas, quando esse carácter se tiver já aperfeiçoado e o maçon não o trabalhe já como uma pedra bruta, antes o cinzele como se faz a uma pedra cúbica, então a necessidade de protecção terá diminuído e o maçon poderá então passar a usar o seu avental com a aba baixada. Mas, quando assim for, já, em reconhecimento do esforço que efectuou, os Mestres da Loja providenciaram o seu aumento de salário – e já não será Aprendiz!

Rui Bandeira

08 outubro 2007

A integração do Aprendiz (III)

Se é dever e do interesse da Loja providenciar pela correcta e bem sucedida integração do novo Maçon, o processo, no entanto, é bidireccional: também o novo Maçon deve providenciar pela sua correcta e bem sucedida integração na Loja e na Maçonaria.

Essencial, desde logo, é a sua assiduidade. A Integração do novo Maçon é, em larga medida, efectuada com recurso a factores emocionais. A Cerimónia de Iniciação terá marcado o novo Maçon. Mas essa marca, se não for protegida, desenvolvida, acarinhada, desaparecerá com o tempo, com o desvanecer da memória, com o diluir das sensações experimentadas. Todo o processo de integração na Loja é, não só racional, como afectivo. A sua interrupção, o distanciamento dele, o desinteresse na sua prossecução, ferem-no de morte. A maior parte dos abandonos de Aprendizes – isto é, de falhanços no processo de integração de Aprendizes – decorre da sua deficiente assiduidade. Os laços, não só emocionais e afectivos, mas também desta natureza, que deviam ter sido criados, ficaram irremediavelmente comprometidos. A integração do novo Maçon é como a colocação de uma planta no jardim: se não for regada com a devida assiduidade, se não for cuidada, não pegará, definhará e secará. Mas, se receber os cuidados adequados, as suas raízes firmar-se-ão, crescerá e desenvolver-se-á e, a seu tempo, florirá e frutificará.

Não quero com isto dizer que a quebra de assiduidade irremediavelmente conduza ao desinteresse do novo Maçon. Já assisti a situações em que Aprendizes, logo a seguir a terem sido iniciados, se ausentaram, designadamente por razões profissionais, para longínquas partes do globo e só regressaram passado um ou dois ou, mesmo, mais anos e que, apesar disso, reiniciaram sua vida maçónica, tão precocemente interrompida, e completaram, com êxito, o seu processo de integração. Também conheço exemplos de plantas que, sem terem recebido os devidos cuidados após a sua transplantação, apesar disso resistiram, não secaram e, vindo mais tarde a beneficiar das condições que nunca lhes deveriam ter faltado, arribaram, recuperaram e cresceram. Mas, quer num caso, quer no outro, o esforço de recuperação do que quase se perdeu foi muito maior, mais fundas foram as preocupações, mais intensos foram os cuidados necessários.

Uma das mais básicas leis da Natureza é aquela que costumamos designar por “lei do menor esforço”: o máximo de eficácia resulta da melhor relação entre o resultado obtido e o esforço despendido. Também aqui se deve procurar maximizar essa relação. E essa maximização depende grandemente da assiduidade do novo maçon.

O segundo aspecto que deve merecer o cuidado do nóvel maçon respeita à gestão das suas expectativas. A Maçonaria não é uma varinha mágica que transforma um sapo num belo príncipe através do toque da Iniciação... E também não é, nem uma corte de extasiados súbditos determinados a apreciar as excelsas qualidades do novo elemento que, triunfador na sua vida profana, irá expandir sua glória entre os maçons, nem uma soberba estrutura de prestação de cuidados individuais que, num abrir e fechar de olhos, cuidará de suas deficiências, reparará seus complexos e o doutorará em Êxito Pessoal, Social, Profissional, Esotérico e Valências Correlativas... A Maçonaria é um meio, um caldo de cultura, um ambiente, um método. O seu aproveitamento cabe ao maçon, ao seu esforço, à sua capacidade, ao seu interesse.

Finalmente, o terceiro aspecto importante na integração do novo maçon, na perspectiva deste, é a Paciência. O maçon deve cultivar muitas virtudes – todas as Virtudes! Mas uma das primeiras a que deve dedicar seus esforços é a virtude da paciência. Na Maçonaria não há micro-ondas que aqueçam instantaneamente, ou quase, o coração dos seus elementos; a Maçonaria não é um aviário que faça crescer em poucas semanas a ave do conhecimento, para consumo massificado - desse crescimento acelerado só resultaria um insípido pseudo-conhecimento, de reduzido ou nulo valor nutritivo para o espírito do maçon. Na Maçonaria, dá-se atenção à eficácia, mas reconhece-se o imenso valor do tempo. Há que dar tempo para que se assimile um conceito, para que ele seja perfeitamente integrado no maçon, em termos racionais e emocionais, para que, só então, se avance para o passo seguinte. Os princípios e o método maçónicos vêm dos tempos do trabalho artesanal, do paciente burilar da pedra até que esta atinja a forma desejada, não se dão bem com prontos-a-vestir, prontos-a-comer e muito menos com prontos-a-conhecer...

Paciência, pois! O trabalho metódico, calmo, firme, seguro, persistente, dará seus frutos! Poderá não dar os frutos que, à partida, se pensava que desse, mas alguns frutos dará. E dará quando, tempo após tempo, for tempo de os dar! A nossa vida “moderna” habituou-nos a obter tudo já, agora e imediatamente, a querer tudo para ontem, para o podermos largar hoje e avançar amanhã para novos objectivos. A Maçonaria não é assim, a Maçonaria poderá ser hoje por alguns considerada anacrónica, mas dá valor ao Tempo, à Sequência, à Evolução, à Consistência.

E, afinal de contas, o que mais admiramos? O moderno, brilhante e construído em poucos meses edifício, ou a vetusta e arcaica catedral que demorou décadas a ser finalizada?

Assiduidade, expectativas equilibradas e paciência são as ferramentas que, utilizadas adequada e diligentemente pelo novo maçon, lhe conferirão a devida integração na Maçonaria. E, quando o novo maçon der por isso... já será maçon antigo e recordará com ternura o tempo em que era um inexperiente Aprendiz buscando encontrar na Maçonaria o seu lugar, sem estar ainda ciente que esse lugar é onde ele quiser, para onde ele for, onde ele estiver!

Rui Bandeira

05 outubro 2007

Fim de semana prolongado com 5 de Outubro a ajudar



Estamos em fim de semana prolongado e o tempo estará bem melhor do que tem estado.

Aproveitemos para passear, dar uma de ar livre, nem que seja pelo Terreiro do Paço que, dizem, foi devolvido aos Lisboetas (tive um prof. de inglês, que com a mania que era atleta, em pleno Inverno e com um frio danado, entrava na aula, abria a janela de par em par e gritava para a rapaziada enregelada... "FRESH AIR... FRESH AIR...")

Para os que estiverem constipados ou com uma dose forte de "caseirice", aqui ficam meia dúzia de obras literárias, escolhidas do grupo dos maiores "best-sellers" que já foram traduzidos em todas as línguas (um deles até em latim...) e que poderão servir para Vosso entretém.

É a minha modestíssima contribuição para aperfeiçoamento da Vossa cultura, que anda pelas ruas da amargura (se fosse mentira não rimava !).

Aqui ficam então 5 (cinco) obras-primas da literatura mundial. Quem é amigo... quem é ?

Leon Tolstoi -"GUERRA E PAZ" ( 1800 páginas ) resumo:

Um rapaz não quer ir à guerra e por isso Napoleão invade Moscovo. A rapariga casa-se com outro. FIM

Luis de Camões - "LUSIADAS" ( várias edições ) resumo:

Um poeta com insónias decide chatear o Rei e contar-lhe uma história de marinheiros que, depois de alguns problemas (logo resolvidos por uma deusa porreiraça), tem o justo prémio numa ilha cheia de gajas boas. FIM

Gustave Flaubert -"MADAME BOVARY" ( 378 paginas ) resumo:

Uma dona de casa engana o marido com o padeiro, o leiteiro, o carteiro, o homem do talho, o merceeiro e um vizinho cheio de massa. Envenena-se e morre. FIM

William Shakespeare -"HAMLET" resumo:

Um principe com insónias passeia pelas muralhas do castelo, quando o fantasma do pai lhe diz que foi morto pelo tio que dorme com a mãe, cujo homem de confiança é o pai da namorada que entretanto se suicida ao saber que o principe matou o seu pai para se vingar do tio que tinha morto o pai do seu namorado e dormia com a mãe. O principe mata o tio que dorme com a mãe, depois de falar com uma caveira e morre, assassinado pelo irmão da namorada, a mesma que era doida e que se tinha suicidado. FIM

NOVO TESTAMENTO ( 4 versões ) resumo:

Uma mulher com insónias dá à luz um filho cujo pai é uma pomba, o filho cresce e abandona a carpintaria para formar uma seita de pescadores. Por causa de um bufo, é preso e morre.

Boas leituras, ... bom fim de semana, ... divirtam-se !.

JPSetúbal

04 outubro 2007

A integração do Aprendiz (II)

O primeiro nível de integração de que a Loja deve, de imediato, cuidar é o da integração social, porque, como é fácil de entender, condiciona todos os demais. Sem uma bem conseguida integração social no grupo, dificilmente se gera empatia, se criam e fortalecem afinidades, se geram amizades, enfim, se dá uma verdadeira integração do novo elemento no grupo.

A este nível, o processo de integração começa logo no ágape que se segue à sessão em que ocorreu a Cerimónia de Iniciação. Ao nóvel Aprendiz é destinado um lugar ao lado do Venerável Mestre. Como este tem assento na zona central da mesa dos ágapes, o novo Aprendiz está rodeado de vários elementos mais antigos da Loja. Procura-se que mais perto dele tomem assento Mestres experientes, se possível incluindo o 2.º Vigilante. A conversa flui descontraidamente entre todos. Não há melhor ocasião para conviver do que à volta de uma mesa, consumindo uma refeição... Nesse ambiente descontraído, o novo Aprendiz começará a conhecer os demais elementos da Loja. Comenta o que quiser comentar, pergunta o que precisar de perguntar, brinca-se e fala-se a sério, enfim, convive-se. O importante é que o novo Aprendiz se comece a sentir "mais um" daquele grupo. E assim se prossegue.

Outro aspecto importante da integração social do novo Aprendiz é a integração de sua família nos eventos em que as famílias dos maçons se reúnem, na medida em que isso seja possível. É muito mais fácil para o novo maçon prosseguir com a sua vida maçónica se tiver o apoio de sua família do que se tiver a oposição desta... Participar nas reuniões e outras iniciativas da Loja e da Grande Loja consome tempo - tempo que se subtrai ao convívio familiar. É importante que, de alguma forma, as famílias dos maçons sejam compensadas das ausências destes com algumas oportunidades de agradável convívio social, seja em jantares brancos - isto é, abertos às famílias -, seja em visitas ou viagens organizadas, seja no âmbito de qualquer realização da Loja. É importante que a integração do novo maçon envolva também a sua família. Até porque é um princípio básico da maçonaria que o cumprimento dos deveres familiares seja prioritário.

O objectivo final da integração social do novo maçon é que ele sinta a sua Loja, os seus Irmãos, como um espaço onde ele e a sua família podem estar seguros e confiantes, sem competições, sem atropelos, em fraternidade. Para uma bem sucedida integração social do novo Maçon é importante o papel do seu padrinho, mas indispensável o contributo de toda a Loja.

A outro nível, a Loja deve providenciar pela formação do Aprendiz. Deve apresentar-lhe os símbolos e providenciar-lhe as noções básicas para que ele os interprete, mas sempre tendo o cuidado de evitar dogmatismos. Mais uma vez, o objectivo não é ensinar, é que o Aprendiz aprenda. Neste aspecto é, consequentemente, muito importante que não se diga que X simboliza A. Aquilo que X simboliza deve ser apreendido, entendido, reflectido, encontrado, por cada um. X pode simbolizar A para mim, mas também pode simbolizar B para o meu interlocutor, ou C para outro qualquer maçon. Na formação do Aprendiz, proporcionam-se-lhe ferramentas, método - não dogmatismos. O objectivo é que o Maçon reflicta em si e no Mundo, no Material e no Espiritual, na Vida e na Morte, enfim, que procure encontrar o seu lugar na Vida, o significado da sua existência. É um trabalho nunca acabado. É um trabalho que se impõe que o Aprendiz maçon comece. Neste percurso de reflexão utilizando a simbologia, deve-se auxiliar o maçon que nos pede auxílio ou opinião, nunca se deve impor conceitos. Porque o conceito de meu Irmão é tão válido quanto o meu, na medida em que é aquele em que ele se sente confortável, como eu me sinto confortável com o meu. Cooperação e não competição. Aprendizagem, não ensino. Tolerância, não dogmatismo. Valorização da diferença. Discussão sã e amigável dos respectivos pontos de vista, não para impor a nossa maneira de ver ao Outro, mas para nos esclarecermos mutuamente sobre o que ambos pensamos e para aprofundarmos o nosso conhecimento sobre os conceitos em causa. Reflexão, reflexão e ainda reflexão. Estes são posicionamentos básicos que devem ser transmitidos ao Aprendiz. E com a sua apreensão e utilização por ele, todos estamos no mesmo comprimento de onda, todos estamos em sintonia, todo estamos integrados na mesma busca - mas, na realidade, cada um tem a sua busca particular, que não interfere nem se sobrepõe às dos demais...

Finalmente, o terceiro nível de integração do novo Aprendiz é a integração no Ritual. Propiciar que o novo maçon entenda que o ritual não é apenas uma repetição mecânica de palavras e actos, mas uma fonte, um guia, uma constante lembrança de conceitos, de normas morais, de chaves para interpretação de símbolos, é fundamental. O Ritual e o Catecismo de cada grau são ferramentas indispensáveis, fontes inexauríveis de alimento para o intelecto e o espírito, tesouros inesgotáveis de conhecimento especulativo que o Aprendiz tem à sua disposição. Estando a dar os seus primeiros passos na maçonaria, ainda só sabendo soletrar, terá a seu lado para o guiar, para o aconselhar, para o esclarecer (mas nunca para algo lhe impor) um experiente Oficial da Loja, o 2.º Vigilante, que tem a seu cargo, além do mais, a missão específica de acompanhar, orientar, supervisionar, os Aprendizes. E o Aprendiz tem também - sempre! - à sua disposição qualquer outro Mestre da Loja para lhe proporcionar a ajuda de que careça, o auxílio que solicite, o esclarecimento que peça.

Uma integração bem sucedida a estes três níveis será meio caminho andado para que o novo maçon sinta confirmadas as expectativas que tinha quando buscou juntar-se à Maçonaria. É dever da Loja proporcionar-lhe essa integração. É do interesse da Loja fazê-lo. É da essência da Maçonaria prossegui-lo.

Rui Bandeira