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02 setembro 2019

Luís Miguel Nogueira Rosa Dias (1/1/1931 - 30/8/2019), admirável maçom


O Dr. Luís Rosa Dias foi um muito competente médico cirurgião vascular. O Luís Miguel Nogueira Rosa Dias era sobrinho de Fernando Pessoa e deu inúmeras conferências sobre o seu tio. O Miguel Roza, pseudónimo que utilizou para as suas lides literárias, foi autor de livros como Encontro Magick: Fernando Pessoa e Aleister Crowley, Salpicando PoesiaDe Médico e Louco de Tudo um Pouco, Fiz das Tripas Coração, os mais recentes O Templário com Duas Vidas e O Espião do Extremo Ocidente, duas novelas que são os dois primeiros tomos de uma trilogia cujo último volume felizmente deixou já escrito e em fase de edição, que será publicado postumamente, sob a direção de uma das suas filhas, e foi ainda o prefaciador e organizador do Trolhamento dos 33 Graus do Rito Escocês Antigo e Aceite. O Companheiro Luís Rosa Dias foi um insigne rotário, designadamente fundador e primeiro presidente do primeiro Rotary Clube  misto em Portugal

Porém, para nós, na Loja Mestre Affonso Domingues, foi simplesmente o Luís Miguel, um Irmão unanimente apreciado e objeto de grande consideração e amizade por parte de todos nós. Juntou-se a nós em 1995, dez anos depois foi Venerável Mestre da Loja (O décimo sexto Venerável Mestre). Em Loja, exerceu todos os ofícios, creio que apenas com exceção do de Mestre da Harmonia. Foi um elemento ativo, acolhedor dos mais novos (O Irmão Rosa Dias e a sua influência sobre os Aprendizes), mas sobretudo dotado de uma notável boa disposição e alegria de viver.

Já octogenário, naturalmente que o Luís Miguel tinha períodos bons e ocasiões em que a sua saúde fraquejava. Aqueles, vivia-os com um sorriso. Estas também! Como todos nós, tinha preocupações, que elegantemente geria com um sorriso nos lábios - o mesmo que os enfeitava quando vivia momentos de descontração, alegria e companheirismo. Era o mais idoso da Loja - mas isso não impedia que alardeasse - com justiça! - ter o espírito mais jovem de entre todos os jovens.

Era assíduo à Loja. Só não comparecia quando a sua saúde lhe pregava partidas e, logo que recuperado (às vezes ainda mal recuperado...), logo regressava. O que fazia que, quando se estava para iniciar qualquer reunião da Loja e o Luís Miguel não estava, logo um, dois, uns quantos inquirissem, preocupados, o que se passava com o Luís Miguel, se estava tudo bem com ele. Quando, de vez em quando, se ausentava, foss à África do Sul da sua infância ou ao Brasil ou qualquer outro destino, para uma das suas conferências sobre o seu tio Fernando Pessoa, a pergunta vinha logo: e quando é que o Luís Miguel volta? Mas por regra estava presente, gostava de estar presente e nós gostávamos muito que ele estivesse connosco.

Quando falava em sessão da Loja era atentamente ouvido por todos, porque só falava a propósito e judiciosamente. Quando falava nos ágapes era atentamente ouvido por todos, porque aí, felizmente, falava muitas vezes e sempre com piada e boa disposição.

Alegre, bem disposto, mas também calmo, paciente, ponderado, tudo foram adjetivos que inúmeras vezes, com toda a justiça, foram associados à pessoa do Luís Miguel..

Toda a Loja apreciava e admirava sobremaneira o Luís Miguel. Foi, durante mais de duas décadas, o nosso pêndulo, o nosso ponto de equilíbrio, a nossa natural referência. Se havia algum desacordo, de uma coisa estávamos certos: o Luís Miguel não era um dos intérpretes do desacordo, era um dos construtores da sua ultrapassagem.

Quando o Luís Miguel entrou na oitava década de vida e começou, com alguma regularidade, a ter pontuais problemas de saúde, nós, na Loja, começámos, cada vez com mais insistência, a recordar-nos que a sua vida, como a de todos nós, era finita, e que devíamos mostrar-lhe o nosso apreço e consideração enquanto ele estava connosco e podia apreciar a expressão da nossa amizade e consideração. Mais vale uma homenagem singela perante o homenageado vivo do que tonitruantes loas e hiperbólicos encómios depois de morto. Começámos assim, em segredo, a interrogarmo-nos sobre a melhor forma de homenagear o Luís Miguel. Não foi fácil: ele estava quase sempre connosco e não queríamos que ele se apercebesse antes de tempo... Mas, conversa daqui, sugestão dacolá, decidimos criar um Galardão da Loja, que designámos de Galardão Mestre Affonso Domingues, com que só muito excecionalmente seria agraciado um obreiro da Loja, sempre por consenso dos demais. Claro que o primeiro agraciado - e, até agora, único, pois a ideia é ser mesmo excecionalmente atribuído - foi o Luís Miguel. A Loja elaborou um diploma e mandou fazer um complemento, uma espécie de coroa de louros ajustável à volta da medalha da Loja, para lhe entregar. Depois de o ter recebido, usou-o sempre na sua medalha de Loja, contente - e nós ainda mais por verificarmos que ele apreciara a homenagem... Mas adianto-me: o Luís Miguel é que foi novelista, mas a novela da homenagem ao Luís Miguel merece ser aqui mencionada.

Já referi que a escolha, planificação e organização da homenagem da Loja ao Luís Miguel decorreu de forma a que ele de nada soubesse, até ao momento, de ela acontecer - e que tal não foi fácil. Mas, aproveitando, se bem me recordo, um dos períodos de ausência por viagem do Luís Miguel, lá conseguimos combinar, encomendar, preparar e organizar a sessão de homenagem e entrega do Galardão Mestre Affonso Domingues. No dia aprazado, a Loja estava, naturalmente, em peso. Os visitantes, incluindo vários Grandes Oficiais, eram também mais que muitos. Sala cheia. Na véspera, como quem não quer a coisa, eu certificara-me que o Luís Miguel iria à reunião, que de nada desconfiava (o que só comprova que os maçons são afinal mesmo bons a guardar segredos...) e a que horas apareceria. Tudo preparado. O único ponto da Ordem de Trabalhos desse dia era a homenagem ao Luís Miguel. Um Mestre, em nome dos Mestres da Loja, tinha preparada uma intervenção de homenagem ao Luís Miguel . Tinham sido preparados textos manifestando o apreço ao Luís Miguel, elaborados pelos Companheiros e pelos Aprendizes. Tudo pronto. Todos, excecionalmente (ocasião excecional é ocasião excecional, mesmo para português que se preze da sua proverbial má relação com a pontualidade...) presentes à hora marcada. Pois só faltou... o Luís Miguel! A pontualidade mandada às urtigas, contacto  in extremis com o Luís Miguel (Então? Quando é que chegas? ) e... o balde de água bem geladinha a entornar-se sobre todos: Olha, afinal hoje não posso ir. A minha irmã não está bem e eu tive que vir a casa dela dar-lhe assistência.

Nada a dizer, a família está primeiro... Olha, improvisou-sae uma apresentação de um  trabalho, para justificar a deslocação de toda aquela gente e... marcou-se encontro para daí a quinze dias. Mas então a marcação ao Luís Miguel foi cerrada: dois ou três dias antes, o Luís Miguel ficou ciente da preocupação que toda a Loja tinha em relação à saúde da sua irmã, tal foi o número de telefonemas que lhe foram feitos sobre o assunto. Arranjou-se um artifício qualquer para um de nós se encontrar com ele durante a tarde e com ele vir ao local da reunião, à hora aprazada, não fosse o diabo tecê-las. E lá se fez finalmente a homenagem...

Mas o Luís Miguel, espírito arguto, mais tarde lá confessou que, não sabendo de nada, desconfiou que algum,a coisa se preparava, com tanto telefonema e solicitude na sua presença... E que viu aumentadas as suas suspeitas, quando viu a sala cheia e com tantos visitantes... Mas, bom camarada, conseguiu disfarçar e mostrar-se devidamente surpreendido quando a sessão de homegem começou (sobre a abertura da mesma, leia-se Introdução a uma merecida exceção).

Tivemos assim a felicidade de, em devido e oportuno tempo, ter tido a possibilidade de homenagear o Luís Miguel e de vermos como isso o comoveu e lhe agradou.

Tempos mais tarde, já recentemente, também o clube rotário em que se integrava o Luís Miguel decidiu fazer-lhe uma merecida homenagem. E teve a ideia de diligenciar pela comparência, além dos elementos rotários, da família e de colegas médicos, de Irmãos maçons do homenageado. Foi uma boa ideia, a que nós nos associámos de imediato. Mal sabia eu a carga de trabalhos que ia ter com aquilo... O organizador da homenagem rotária contactou-me e combinou comigo a presença de elementos da nossa Loja, informando que, por (compreensíveis) razões de espaço, poderámos ir até cerca de 15 ou 16, inquirindo se iriam tantos. Garanti-lhe que sim. O que não sabia era o que ia acontecer: anunciada na Loja a homenagem... em menos de 24 horas o número máximo reservado a nóa estava preenchido! Lá passei as duas semanas seguintes com o ingrato papel de ter de recusar a várias dezenas de interessados a presença naquela homenagem! Foi também uma oportuna homenagem, a que nos associámos com todo o gosto.

Reparo agora que o texto já vai longo e que será porventura desajustada a evocação de mais episódios dos muitos que nos ligam ao Luís Miguel. Só mais uma referência e (juro!) muito breve: um dos mais apreciados passeios que fizemos na Loja, foi organizado pelo Venerável Mestre Luís Rosa Dias (ver Por terras de Castelo Rodrigo  Por terras de Castelo Rodrigo - 2).

Termino então. Mas termino frisando que este texto in memoriam do Luís Miguel não tem um pingo de luto, uma ponta de saudade, um resquício de desgosto. O Luís Miguel, o nosso Luís Miguel, não o quereria. Sabia bem que, quase nonagerário, não lhe restavam muitos mais dias entre nós. Encarava esse inevitabilidade com naturalidade. Com o seu sorriso nos lábios... Um texto in memoriam  do Luís Miguel não pode, não deve ter, e não tem, sombra de sentimentos negativos. Porque o Luís Miguel, o nosso Luís Miguel, foi precisamente o oposto disso - e a sua boa disposição, a sua bonomia, o seu ar prazenteiro não mereceriam isso. Um texto  in memoriam do Luís Miguel é e só deve, só pode ser um texto de boas, de excelentes recordações, de respeitosa ternura pelo que o Luís Miguel sempre nos deu. Neste texto, portanto, não cabe desgosto, não entram lutos. É um texto de alegria por termos tido o privilégio de sermos amigos e Irmãos do Luís Miguel, de celebração por tudo o que com ele aprendemos, com ele vivemos, com ele rimos, com ele brincámos, mas também com ele trabalhámos.

Evocar o Luís Miguel, só pode ser isto, uma serena e plena manifestação de regozijo pela sua vida e pela nossa participação nela. Muito obrigado por teres sido, por seres nosso amigo, Luís Miguel! Vamos recordar-te com ternura e apreço até chegar, a cada um de nós, a hora de te reencontrar e de te entregar, em nome de todos e de cada um dos que por cá continuarem a permanecer, o nosso Triplo e Fraterno Abraço!

E, entretanto, só cabe acabar com uma frase que - sei-o bem! - todos e cada um de nós de si para si dizem, quando recordam o Luís Miguel, independentemente de ser um jovem ou um sexagenário como eu: QUANDO EU FOR GRANDE, QUERO SER COMO O LUÍS MIGUEL.

Rui Bandeira

06 julho 2015

Maçonaria - Uma grande Família: Princípios e Deveres


Comunicação à Assembleia de Grande Loja no Solstício de Verão
e comemoração do XXIV Aniversário da Grande Loja
Lisboa 27 de Junho de 6015

Acolhemos hoje o solstício de Verão, o dia mais longo, onde a grande vitória da luz sobre a escuridão se concretiza na sua plenitude: e assim tem que ser para todos os maçons, sempre a luz dos ancestrais princípios e valores, a triunfar sobre os medos e as trevas dos obscurantismos.

Comemoramos também hoje o vigésimo quarto aniversário da nossa Grande Loja, que vive um tempo de plena asserção institucional, forte afirmação internacional, grande crescimento em obreiros e lojas, que está a materializar antigos desideratos, tal uma sede própria que se consolida e engalana.

Ainda neste dia de hoje e sempre quero que celebremos a nossa grande e fraterna família maçónica.

Como podeis constatar meus Irmãos, nas suas mais variadas dimensões, podemos bem dizer que hoje é não só um dia grande, como também um grande DIA: três comemorações em uma: não haverá detergente que se lhe iguale em luz.

Desde há muitos séculos, agrupando indivíduos com ancestrais comuns, ou unidos por laços afetivos, que a família se afirma como a unidade básica da sociedade: e é isso que a nossa Augusta Ordem tem que ser: UMA GRANDE FAMÍLIA.

Enriquece-nos, engrandece-nos, valoriza-nos a existência de vários clãs, cada um diferenciado pelo ritual que pratica, herdado dos mesmos ancestrais ascendentes, mas todos irmanados pelo mesmo apego aos princípios e valores de liberdade, de ética, de humanidade. Enquanto agregação social, a nossa Augusta Ordem, a nossa FAMÍLIA, tem que ser capaz de assumir funções de proteção e socialização dos seus membros, abrigando e acomodando a transmissão da nossa cultura inalienável de princípios e valores, o que implica ao mesmo tempo, sermos capazes de assegurar a continuidade, e proporcionar um esquema forte de referência aos membros, dando assim resposta cabal por um lado às necessidades intrínsecas de todos os Irmãos que a incorporam, e por outro às necessidades da sociedade em que nos inserimos.

Dizendo de outra forma: na família maçónica temos direitos que se materializam sobretudo na fraternidade entre os irmãos, mas muito mais que isso, o maçom tem sobretudo obrigações e deveres para traçar caminhos para um futuro mais humano, formando líderes capazes em sólidos princípios éticos e morais. 

Porque não basta pertencer à Maçonaria para se ser Maçom: é sobretudo preciso que incorporemos os Valores que a Maçonaria professa. 

Todo o maçon se une através de juramentos a esta fantástica ordem iniciática que é a Maçonaria. 

E já Thomas More sublinhava, “quando um homem faz um juramento, tem que entregar a honra como fiador, porque outra coisa não lhe é exigida para afiançar o juramento”! Se rompemos o juramento, perdemos a honra e deixamos de ser idóneos, deixamos portanto de ser maçons: e os maçons, ou são inteiros e honrados, ou então são apenas arremedos que arrefecem à sombra de vultos que se interpõem no feixe que a luz projeta.

Hoje como sempre, a maçonaria regular que não é uma realidade estática, muito pelo contrário, deve combater a tirania e lutar pela construção de uma Sociedade mais Justa e Perfeita, pela promoção da Igualdade de Oportunidades, e este desiderato apenas é possível, se os mações forem contumácios agentes que acima de tudo defendem e constroem uma sociedade melhor: para desvarios, bastam os milhões de profanos.

Cada Maçon, todos os dias, deve ser capaz de colocar mais um grão, nem que de pó seja, sobre a grande muralha da construção de sociedades mais justas.

O grande rio da liberdade, apenas se engrandece, se continuamente vir o seu caudal engrossar, por isso todos os dias temos que ser todos nós a alimenta-lo de gotas, quem mais o poderá fazer? E não tenhamos medo, porque os trasbordos e outros riscos do exercício da nossa própria liberdade, apenas nós mesmos os podemos controlar e enfrentar.

Pertencemos a esta ordem iniciática que já conta com séculos de existência, que muita catedral já construiu, e apenas por isso, somos levados a pensar que já tudo está edificado: puro engano!

Vós que como eu, amiúde viajais de avião, aprendei com as lições que vos ensina a paisagem que de cima avistais: quando atravessamos cordilheiras montanhosas, erguem-se altaneiras e duras as rochas, imponentes gritos vindos do fundo do tempo, feridas já cicatrizadas das convulsões da Terra ainda quente, que durante milhões de anos a chuva e o vento não pararam de lamber e que as nuvens de vez em quando acariciam.

E para nós apenas estas frias e duras rochas merecem respeito, enquanto o nosso mirar despreza totalmente os pequenos líquenes que lhe colonizam a pele rugosa, as ervas e as plantas rasteiras que as entornam, porque o nosso olhar ainda não soube aprender, que apenas estes se decidiram verdadeiramente a conquista-las, contando com o tempo como aliado: as rochas vão-se desfazendo, ainda que num tempo muito longo, mas as ervas e os líquenes teimosos renascem a cada ano e o seu verde não pára de conquistar terreno, pois a sua fragilidade é o melhor disfarce para enganar uma dureza fragilidade que nós queremos ver como inexpugnável: se o nosso respeito vai todo para a imponência das rochas e das altas montanhas, e às ervinhas e líquenes apenas desprezo reservamos, isso mostra como ainda tanto temos para andar no caminho da sabedoria, do amor e da liberdade.

E assalta-nos depois a paisagem monótona da imensa e interminável planície centro-europeia, mar fundo de terra fértil, verdejante, que as ervinhas, os líquenes e outras plantinhas já conquistaram às duras e imponentes rochas.

E agarra-se agora aos nossos olhos, a miragem azul-turquesa do mar Mediterrâneo, que esconde negros e profundos rifts centrais, gargantas abertas por onde sobe a lava quente primordial vinda do manto da Terra, sempre pronta a edificar novas cadeias montanhas, feitas de rocha fria erguida: e nós temos que saber, que enquanto maçons, somos as ervas e os líquenes que já as espreitam, e que iremos fazer delas imensas planícies férteis e verdejantes que darão alimento para quem ainda passa fome, e que esse gesto será verdadeira liberdade para os que ainda não conhecem o segredo que ensina a arte de bem saber mirar e durar.

Por esta parábola meus irmãos, apenas vos quis explicar a grandeza da humildade das ervas e dos líquenes, e mostrar-vos também que o céu e o inferno têm paredes meias e que começa sempre por ser impercetível a passagem de um para outro, e que a solidariedade entre os homens é sempre o ponto mais feliz da chegada. 

Tratemos todos os humanos de igual forma, sem distinção de raça, de classe, de género, de orientação sexual, todos como iguais e irmãos; combatamos a vã e vil ambição, o orgulho, o erro o preconceito, a ignorância, a mentira, o fanatismo, os integrismos, a superstição: flagelos da Humanidade, estorvos ao verdadeiro progresso; pratiquemos a justiça, promovamos a salvaguarda dos direitos humanos; pratiquemos a tolerância relativamente à escolha religiosa, à escolha de opinião política; deploremos todos estes aspetos, mas sobretudo esforcemo-nos para reconduzir o mundo aos caminhos de uma humanidade verdadeiramente humana, Solidariedade Maçónica, pura humilde fraternal,onde a felicidade se resplandece em cada um dos rostos que perfazem a humanidade.

E são estes meus Irmãos, os grandes deveres que nos esperam todos os dias, todas as horas, todos os minutos, todos os segundos: tudo será humildade e tudo se fará então urgência para edificar um mundo melhor.

E neste tempo solsticial, a União da grande família dos maçons, é de rigor: façamos o mundo mais feliz, mais humano e por contágio, sejamos todos mais felizes.

E era esta a mensagem forte que hoje vos queria comunicar, e dela imbuídos, continuaremos o nosso caminho, humildemente, cumprindo os princípios e deveres, para consolidar a edificação da nossa Augusta Ordem, a bem da Humanidade, à Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Júlio Meirinhos
Grão Mestre

22 fevereiro 2009

O perfil e o Segredo de um Venerável justo e perfeito


Antes de mais, importa esclarecer que o cargo de V:. M:. não deve ser encarado como um passo inevitável no percurso de um maçon. Pretendo com isto dizer que, eventualmente, nem todos os maçons chegarão a ser VV:. MM:., já que o critério de escolha deve ser o da capacidade e competência e nunca o da antiguidade.
Anualmente é eleito pelos seus pares um novo Venerável Mestre que, entusiasmado pelo cargo, cheio de enorme boa vontade e responsabilidade, prepara o seu programa de actividades, nem sempre o conseguindo cumprir com o êxito desejado. Isso pode ser visto através da forma como a Loja evolui ao longo do Veneralato:
  • pelo nível de envolvimento e adesão dos II:. às actividades da Loja,
  • pelo nível de indiferença ou ausências às Sessões;
  • pelo nível de não cumprimento de compromissos junto do Tes:.,
  • pela falta de apoio, comprometimento, incompreensão e afastamento de alguns Irmãos.
Formalmente falando, o V:.M:. deve ser um homem sensato, de conduta irrepreensível, com as qualificações para ensinar e para aprender a desempenhar muito bem a sua função. É preciso iniciar a jornada pela base, pelo estudo, de modo a não nos faltar a paz, o equilíbrio e a tolerância para discernir quem será o melhor candidato.
Um brilhante orador, professor, empresário, médico, juiz ou advogado, nem sempre pode ser qualificado para "guia dos Irmãos" de uma Loja Maçónica. Ter um nome famoso, riqueza e posição social, dispor de força ou de autoridade, não são qualificações para este fim.
Devemos ter a certeza de que ele possui conhecimentos maçónicos, compreensão e prática da fé raciocinada que deverá utilizar para facilitar a jornada evolutiva de todo o quadro de obreiros da Loja. Devemos também assegurar-nos de que tem a vontade "correcta" para desempenhar este cargo.
A vaidade pode conduzir um homem a considerar-se poderoso e infalível; porém, os mais avisados sabem que na Maçonaria não existem "poderosos e infalíveis" e, sendo uma fraternidade, não há outra Instituição onde melhor se aplique o lema: "liberdade, igualdade, fraternidade".
Um dos problemas internos das Lojas é que muitos Irmãos mais presunçosos e despreparados, depois de serem exaltados, deixam de estudar, achando que atingiram a "Plenitude Maçónica".
Estes são os primeiros a tentar encontrar vias rápidas e alternativas para serem candidatos ao cargo de V:.M:., tendo sucesso em Lojas que, sem critérios ou cuidados, promovem a sua eleição, propiciando o desrespeito pelas tradições da Ordem por pura omissão, conivência ou até cobardia. Outras vezes Irmãos, por melindres, intrigas, ou apenas pela satisfação de vaidades pessoais ou birra, indicam candidatos para o "trono de Salomão", somente em função dos seus relacionamentos.
Estes candidatos, uma vez eleitos e empossados, pouco contribuem para a Ordem Maçónica e/ou para a Loja, tendem a banalizar a ritualística, ou a achar que mudar e inventar futilidades é sinónimo de modernização e inovação.
É necessário que meditem sobre a disciplina que envolve o estudo, a reflexão em torno dos princípios maçónicos, e o empenho responsável de renovação do verdadeiro maçon.
O que devemos fazer para ajudar a impedir o sucesso desses insensatos que faltam à fé jurada?
  • Percebendo qual será o seu "programa administrativo ou de trabalho";
  • Vendo o modo como se comportaram nos cargos exercidos nos últimos anos;
  • Avaliando se aprenderam a lidar com o diferente;
  • Percebendo que grau e que tipo de envolvimento têm com a Loja e com os II:..
  • Considerando o seu carisma, ou seja, as suas qualidades de liderança.
É imprescindível ter também em consideração aspectos como, o conhecimento doutrinário; se chefia a sua família de forma ajustada; se dispõe de tempo disponível que possa dedicar à Loja e à Ordem, sem com isso prejudicar a sua actividade profissional e familiar, etc. Quanto mais claramente conseguirmos ver as qualidades do candidato, mais valioso ele se torna para nós.
Somando o conjunto destas e de outras qualidades, podemos avaliar se, no seu conjunto, o candidato reúne o necessário para assumir este desafio.
Uma escolha apressada de alguém desqualificado poderá trazer resultados muitas vezes desastrosos. Não bastam anos de frequência às reuniões ou a leitura de alguns livros maçónicos, para se dominar o conhecimento exigido.
Para desempenhar este cargo, é preciso estudar - única forma de alcançar o conhecimento necessário - porque aprender é, evidentemente, um acto de humildade. Mas para adquirir sabedoria, é preciso observar. Só assim conseguiremos, ao invés de colocar o homem no centro de tudo, descobrir o tudo que está no centro do homem.
Para desempenhar este cargo, é preciso também "estarmos envolvidos"; é preciso preocuparmo-nos com os nossos II:., com a Loja em si mesma, com a Ordem, etc. Em resumo, é preciso sentirmos que o nosso percurso está intimamente ligado a todos os que de alguma forma se relacionam, directa ou indirectamente, com a Loja. Desempenhar as funções de V:. M:. implica reconhecer quem são estes "stakeholders", e investir no reforço das suas ligações à Loja e entre eles próprios.
O candidato, quando preparado e com o perfil adequado, pode desempenhar esta missão, conduzindo-a com mãos suficientemente fortes para afagar e aplaudir; sabedoria para ensinar e modéstia para aprender, e por este conhecimento, fazer-se paciente, puro, pacífico e justo; adquirindo a aptidão para reconhecer o seu limitado poder e abundantes erros; a sua capacidade e suas falhas; os seus direitos e deveres; dispor de força para, ciente de tudo isso, libertar-se das paixões humanas e assim adquirir a antevisão e o equilíbrio necessários para se livrar dos obstáculos no seu Veneralato, levando Paz, Amor Fraternal e Progresso à sua Loja.
O V:. M:. escolhido tem que ser um líder agregador que entusiasme os seus Irmãos pela sua dedicação e abnegação à Maçonaria. Os grandes Mestres sabem ser severos e rigorosos sem renegarem a mais perfeita benevolência. Tratam os Ilr:. da forma como desejam ser tratados e ajudam-nos a serem o que são capazes de ser: filhos amados do Grande Arquitecto do Universo, portanto IRMÃOS.
O V:. M:. precisa compreender que assiste ao outro o direito de ter uma opinião divergente da sua. Deve procurar criar uma empatia com o crítico, ver o assunto do ponto de vista dele, manifestando entender o seu sentimento. Sendo todos iguais, ninguém é mais forte ou mais fraco e deixa que perceba isso. Só assim ele compreenderá que o seu direito de opinar (participar) está a ser respeitado.
Quando um Irmão necessita falar ouve-o; quando acha que vai cair, ampara-o; quando pensa em desistir, estimula-o.
A bondade e a confiança dos seus pares que o elevaram a essa posição de destaque, exige ser usada com sabedoria, aplicando-a no comprometimento da justiça, nunca na causa da opressão.
No desempenho de sua função terá sempre em consideração que ninguém vence sozinho, mas jamais permanecerá ofuscado pelas influências dos que o apoiaram ou se deixará dominar por qualquer tentativa de predominância.
Ele, como V:.M:., é responsável por tudo o que acontecer de certo ou de errado em sua Loja. Por mais que se queixe da "herança perversa recebida" do seu antecessor; de Iniciações de candidatos mal seleccionados, fardos que agora estão a seu cargo; de Irmãos que faltam ao sigilo, à disciplina; da desorganização da Secretaria e da Tesouraria da Loja, que motivam contrariedades, causam prejuízos de ordem moral e monetária de difícil reajustamento. Perante um cenário destes, deve concentrar-se antes no que tem feito para modificar, agilizar e melhorar este quadro.
A condução de uma Loja dá trabalho, requer paciência, é como se fossemos tecer uma colcha de retalhos, tratar de um jardim, cuidar de uma criança. Deve ser feita com destreza, dedicação, vontade e habilidade.
Importa também perceber que temos nos nossos Irmãos os reflexos de nós mesmos. Cabe-nos, por isso mesmo tentar compreendê-los, pela própria consciência, para poder extirpar espinhos, separar as coisas daninhas, ruins, que surgem entre as boas que semeamos no solo bendito do tempo e da vida, já que que se não forem bem cuidadas serão corrompidas.
A atitude do V:. M:. pode ser descrita como um conjunto de diversos aspectos complementares:
  • Fraternidade - quando o V:. M:. lança a semente da união.
  • Consciência - quando nos convida a analisar os nossos feitos para reconhecer erros cometidos.
  • Indulgência - quando aos defeitos alheios pede paciência.
  • Amor - quando floresce um sentimento puro de amizade aos olhos de todos.
  • Bondade - quando convive com os nossos erros, incompreensões, medos, desânimos, perdoando de boa vontade.
  • Justiça - quando deixa que cada um receba segundo os seus actos.
  • Felicidade - quando nos lábios de um Irmão aparecer um sorriso, e outro sorri também, mesmo de coisas pequenas para provar ao mundo que quer oferecer o melhor.
  • Instrutor - quando valoriza a ritualística, o simbolismo, utilizando as Sessões Ordinárias como uma forma objectiva de instruir o Irmão, incentivando o estudo e a discussão de tudo que seja relevante para a Ordem em particular e para a sociedade em geral.
  • Mestria - quando estimula os II:. a apresentarem trabalhos de conteúdo, elaborados por eles, e recusa simplesmente cópias retiradas de livros, revistas ou Internet, e o que é ainda mais inconveniente, insensato e desastroso, o recurso do plágio, ou seja, à cópia ou imitação do trabalho alheio, sem menção do legitimo autor.
Mestre sim, porque, sempre independente, nunca perde a alegria, nunca se acomoda e, como fiel condutor que representa o grupo, que ocupa a primeira posição de comando, isto é, comanda (manda com) os seus liderados em qualquer linha de ideia, se assume como o líder. Quando ao sair das reuniões cada um de nós se sentir fortalecido na prática da Arte Real, do bem e do amor ao próximo, podemos apelidar o local de Loja Maçónica Regular, Justa e Perfeita.
Acabando a tristeza e a preocupação, surge então a força, a esperança, a alegria, a confiança, a coragem, o equilíbrio, a responsabilidade, a tolerância, o bom humor, de modo que a veemência e a determinação se tornam contagiantes, mas não esquecendo o perigo que representa a falta do entusiasmo que também contagia.
E, finalmente, quando se aproximar o final do seu Veneralato, deve fazer uma reflexão sobre quais foram as atitudes reais de beneficência que tomou; referimo-nos não só ao auxílio financeiro a alguma Instituição filantrópica, mas também ao "ombro amigo" na hora necessária, ou o empréstimo do seu ouvido para que as queixas fossem depositadas.
O V:. M:. nunca deve deixar de agradecer por ter sido a ferramenta, o instrumento de trabalho criado por Deus, usado como símbolo da moralidade, para trazer luz, calor, paz, sabedoria, beleza para muitos corações e amor sem medida no caminho de tantos Irmãos.
Ao encerrar o se mandato, é importante que consiga afirmar a todos os obreiros de sua Loja: "não sinto que caminhei só. Obrigado por estarem comigo. Obrigado por me demonstrarem quanto bem me querem. Eu também vos quero bem. Gostaria de continuar, mas é tempo de "passar o malhete" e dizer: MISSÃO CUMPRIDA!"
Nas nossas reflexões, que o amor desperte nos nossos corações e juntos, com os olhos voltados para frente, consigamos tenacidade para construir o presente e audácia para arquitectar o futuro, por isso, NUNCA DEVEMOS DEIXAR O NOSSO VENERÁVEL LUTAR E CAMINHAR SÓ!
Esta não é a enumeração exaustiva de todas as qualidades que distinguem o Venerável Mestre ideal, mas todo aquele que se esforce em possuí-las, estará no caminho que conduz a todas as outras.
Caro leitor, espero tê-lo ajudado a entender "O perfil e o Segredo de um Venerável Justo e Perfeito..."
Adaptado (de forma muito livre) de texto escrito pelo I:. Valdemar Sansão
O Original deste texto pode ser encontrado aqui
A Loja Mestre Affonso Domingues encontrou uma forma bastante eficaz de assegurar a continuidade na qualidade, dos seus VV:. MM:. - estabeleceu um percurso que leva os candidatos designados a percorrerem diversas funções na Loja, até chegarem ao cargo de V:. M:.. No meu entender, esta solução permite atingir diversos fins igualmente importantes:
  1. O futuro V:. M:. desempenha diversas funções cujo conhecimento contribui e é importante para o seu trabalho como V:. M:.
  2. O futuro V:. M:. é envolvido progressivamente na actividade de gestão da Loja, chegando a V:. M:. já com algum domínio sobre os problemas que a Loja possa ter.
  3. Os mestres mais antigos (normalmente antigos VV:. MM:.), podem acompanhar a progressão do futuro V:. M:., aconselhando-o e apoiando-o na sua progressão.
  4. "Permite detectar precocemente" se o candidato vai ou não vai conseguir ser V:. M:. e, em casos extremos, tomar decisões.
Paradoxalmente, no meu caso pessoal, serei eventualmente V:. M:. dentro de algum tempo, o que significa que o sistema que temos não é perfeito - permite ainda erros de "casting". Tenho contudo esperança que, se necessário, haja a coragem de aplicar o ponto 4 (acima), sendo assim a loja consequente com o inicio deste texto - o critério de escolha tem de ser o da capacidade e competência e nunca o da antiguidade. A Loja prevalece sobre os II:. e o conjunto destes prevalece sobre cada um, mesmo que possa vir a ser V:. M:..

14 novembro 2008

O segredo da felicidade

Mais uma historieta que me foi enviada e que aqui deixo para reflexão de fim-de-semana. Como habitualmente, desconheço o autor do texto, que editei para publicação aqui.

Dona Maria era uma senhora de 92 anos, elegante, bem vestida e penteada.
Estava de mudança para uma casa de repouso pois o marido, com quem vivera 70 anos, havia morrido e ela ficara só...

Depois de esperar pacientemente durante duas horas na sala de entrada do lar, ela deu um lindo sorriso para a empregada que lhe veio dizer que o seu quarto estava pronto.

A caminho da sua nova morada, a empregada ia descrevendo o minúsculo quartinho, inclusive as cortinas de chita floridas que enfeitavam a janela.

- Ah, eu adoro essas cortinas - disse ela com o entusiasmo de uma garotinha que acabou de receber um cachorrinho.


- Mas a senhora ainda nem viu o seu quarto...


- Nem preciso ver - respondeu ela. - Felicidade é algo que se decide por princípio. E eu já decidi que vou adorar! É uma decisão que tomo todos os dias quando acordo. Sabe, eu tenho duas escolhas: posso passar o dia inteiro na cama, contando as dificuldades que tenho em certas partes do meu corpo que não funcionam bem; ou posso levantar-me da cama, agradecendo pelas outras partes que ainda me obedecem. Cada dia é um presente. E enquanto os meus olhos abrirem, vou focalizá-los no novo dia e também nas boas lembranças que eu guardei para esta época da vida. Portanto, aconselho sempre todos a depositar um monte de alegria e felicidade na sua Conta de Lembranças. A velhice é como uma conta bancária: só se retira aquilo que se guardou. E como vê, eu ainda continuo a depositar...

É mais uma variante da imagem do copo meio cheio ou meio vazio...

Mas a postura ilustrada por esta historieta ajuda, efetivamente, a retirar da vida o melhor que dela pode e deve, em cada momento, ser retirado. Claro que a todos surgem problemas. Diariamente, todos nós temos problemas a resolver, uns maiores, outros de menor dimensão, uns inesperados, outros corriqueiros, uns de resolução rápida, outros exigindo maiores esforços. Não é boa ideia resignarmo-nos perante os problemas que nos surgem, refugiarmo-nos em pretensa incapacidade de com eles lidar, enfiar a cabeça na areia, na vã esperança de que os problemas e dificuldades desapareçam, como que por magia ou graças a feliz acaso. Aliás, se pensarmos bem, a vida sem problemas, seria porventura serena - mas rapidamente se tornaria numa insuportável monotonia...

São os nossos esforços para nos superarmos e superarmos os problemas que surgem diante de nós que nos fazem crescer e evoluir e ser melhores e mais capazes e mais fortes. Tenhamos isso sempre presente, particularmente em tempos que se dizem de crise - e bem basta a crise que objetivamente parece que existe, sem necessidade que a ampliemos dentro das nossas próprias cabeças. Os tempos vão duros? A solução não é carpir mágoas pela dureza, é trabalhar, lutar e ir avante, para se chegar a águas mais bonançosas. Se decidirmos gostar do nosso quartinho com rendas de chita, não perderemos tempo a lamentar-nos e poderemos esforçar-nos por vir a conseguir um quarto maior e com cortinados de veludo.

Meus caros: este escriba tem tantas dificuldades quantos os demais. Também por estas bandas a crise bate à porta, as receitas escasseiam, os encargos aumentam e os esforços para conseguir cumprir os compromissos têm de ser maiores e mais cuidados. Mas nenhuma solução eu obteria com o lamento, a desistência, a impotência. O meu testemunho é que os maus momentos são para serem vividos, de forma a mais bem apreciarmos os bons; são para serem ultrapassados, de forma a que mereçamos gozar os bons; são para serem recordados, não como infortúnios, mas como vitórias, vitórias que sobre eles conseguimos, sobretudo vitórias sobre nós próprios. E assim aumentamos o nosso saldo na nossa Conta de Lembranças...

Vivamos os maus momentos como simples meios e passagens para os bons momentos; desfrutemos destes merecidamente, não por nos terem caído no colo por acaso ou fortuna.

Rui Bandeira

24 janeiro 2008

Eduardo Gonçalves, maçon exemplar


Foi um Mestre discreto. Ocupava sossegadamente o seu lugar numa das colunas. Raramente intervinha. Quando o fazia, as suas palavras eram parcas, as suas ideias ponderadas, o seu tom tranquilo. Que me lembre, nunca foi designado Oficial da Loja. Mas algumas vezes exerceu ofícios, em substituição de titular impedido de comparecer. Sempre com naturalidade e acerto. Sem nunca se procurar evidenciar, mas sem nunca deixar de dar a sua colaboração, de forma correcta e eficiente.

Foi dos Maçons que mais me marcou. Pela dedicação. Pela postura. Pela serenidade.

Eduardo Gonçalves era médico. Em Moura. Aí chegara a exercer as funções de Delegado de Saúde. Raramente deixava de comparecer a uma sessão. De Moura a Lisboa eram e são mais de 200 Km. De Lisboa a Moura a distância não diminuía e não diminui. Mas o Eduardo raramente deixava de fazer esses mais de 400 Km, ida e volta, para vir participar nas reuniões da Loja Mestre Affonso Domingues. Aos sábados ainda era como o outro, a reunião era ao fim da tarde, depois havia e há o ágape e, findo este, lá o Eduardo regressava a Moura, já noite dentro. Às quartas-feiras era certamente pior. A reunião era e é à noite, depois ainda havia e há o ágape e era já madrugada quando o Eduardo iniciava o regresso à sua Moura encantada. Mas raramente faltava! Vinha e estava connosco, arrostando incómodos bem mais duros, efectuando viagens bem mais longas do que muitos outros, que justificavam ausências com bem mais reduzidas distâncias. Incluindo eu próprio...

Muitas vezes passava as reuniões inteiras sem abrir a boca, apenas ouvindo, por vezes sorrindo levemente, sempre concentrado no que se passava. E eu no segredo dos meus pensamentos admirava aquele maçon discreto que tantas vezes fazia mais de 400 Km de viagens só para estar com seus Irmãos, calado, sossegado, discreto, sereno. E, no meu íntimo, perguntava-me o que levava o Eduardo a assim proceder. Passaram-se anos até que eu entendesse. Aliás, já há algum tempo que o Eduardo deixara de estar entre nós quando o consegui entender. Foi um outro Irmão, o José A. R., um Mestre que as circunstâncias da sua vida só raramente permitem que compareça às reuniões da Loja, que um dia, repentinamente, me fez compreender. Disse-me ele, certa vez, em jeito de desabafo, que era capaz, sem qualquer esforço, de passar as reuniões inteiras da Loja sem nada dizer, sem intervir, apenas ouvindo, apenas gozando a Paz que emanava de uma reunião maçónica, apenas fruindo a ligação com o Transcendente que sentia durante as reuniões, apenas desfrutando da calma e serenidade que uma reunião da Loja lhe transmitia. Mais me disse ainda o José A. R. que, por ele, ficaria muito satisfeito com uma reunião em que apenas se executasse os rituais de abertura e de encerramento e que, entre eles, apenas houvesse um período de calmo silêncio ou, quando muito, um período sem palavras ouvindo-se apenas a música proporcionada pelo Mestre Organista. Foi então, anos depois da sua morte, que verdadeiramente compreendi o Eduardo Gonçalves. Era isto mesmo que ele buscava nas reuniões da Loja: a calma, a serenidade, o carregar da bateria emocional, que lhe proporcionavam as reuniões da Loja.

A partir de certa altura, porém, o Eduardo começou a ser menos assíduo. A sua saúde deteriorava-se. O Eduardo fumava. Muito. Apesar de ser médico. Neste aspecto, era o exemplo do dito Bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz... Este seu vício minou-lhe a saúde e o cancro do pulmão acabou por o afastar de nós. Pergunto-me durante quanto tempo ele, médico, sabendo a doença que o consumia e que o haveria de vitimar, como vitimou, esteve placidamente sentado entre nós, calado, por vezes sorrindo levemente, apenas gozando a serenidade de uma reunião de Irmãos. Só quando a doença o começou a vergar viemos a saber o mal que o apoquentava. Nunca da sua boca saiu uma queixa, dos seus lábios se ouviu um lamento, da sua garganta saiu um som de revolta. O Eduardo viveu a sua doença com a serenidade que o caracterizou.

Nos ágapes, o Eduardo era sempre boa companhia. Não que falasse muito. Mas sabia ouvir e, quando falava, falava sempre acertado. E mostrava um sentido de humor, pontuado por uma discreta ironia, que sempre me fizeram apreciar muito a sua companhia.

Eduardo Gonçalves foi um médico ao jeito de João Semana, que deixou saudades na sua Moura. Foi um maçon discreto e assíduo, que fez aquilo que um maçon deve fazer: aproveitar o grupo para o seu benefício espiritual e dar o seu contributo, discreto mas sempre valioso, a esse mesmo grupo, em benefício dos demais.

Tenho saudades do Eduardo. Ainda hoje, quando me sento no meu lugar numa das colunas da Loja e relanceio o olhar pela sala, imagino ver, placidamente sentado do outro lado, sereno e com um leve sorriso nos lábios, o Eduardo. E, pensando bem, talvez ele continue a lá estar. Eu é que não o vejo... E, do alto das minhas já ultrapassadas cinco décadas de vida, dou por mim, por vezes, a pensar que quando eu for grande, quero ser como o Eduardo...

E hoje aqui lembrar o Eduardo faz-me sentir muito bem. Os que o conheceram, sentem-se mais ricos por o terem conhecido. Essa é uma das características de quem aproveitou bem o seu tempo de passagem por este mundo. E sem dúvida que esse foi o caso do Eduardo Gonçalves, um maçon exemplar que a Loja Mestre Affonso Domingues teve a fortuna de ter tido no seu seio, que eu tive a felicidade de conhecer e que tenho orgulho em aqui evocar.

Rui Bandeira

04 setembro 2007

O dia do maçom no Brasil

Não escrevi em Agosto, mas não deixei de estar atento ao que se passa em relação à maçonaria no mundo lusófono e não só. Entre outras coisas, aprendi que no Brasil se assinala no dia 20 de Agosto o Dia do Maçom. Li notícias sobre diversas iniciativas de várias instituições maçónicas brasileiras, de eventos e homenagens, enfim, do que é expectável nestes dias comemorativos. De entre os vários textos a que tive acesso, um deles me chamou particularmente a atenção. Trata-se de um artigo publicado no diário electrónico de Mato Grosso do Sul Agora MS, escrito por Paulo Rocaro, escritor, jornalista, presidente do Clube de Imprensa de Ponta Porã e director da Sodema (Sociedade de Defesa do Meio Ambiente) no Estado de Mato Grosso do Sul. O citado jornal electrónico expressamente autoriza a reprodução de todos os seus textos, desde que expressamente citada a fonte. Usando dessa autorização, porque o texto me agradou e porque entendo que fica bem no A Partir Pedra, com a devida vénia reproduzo o texto em causa, integralmente e sem qualquer edição, isto é, mantendo a ortografia original.

O dia 20 de agosto constitui-se em importante data para uma das mais antigas e respeitadas sociedades do mundo: a Maçonaria. Comemora-se, com fugaz lembrança o Dia do Maçom, revelando atividades nos templos maçônicos que se rendem à beleza e perfeição. É o apogeu de uma luta geral tanto por uma beleza estética quanto interior, sem discrepâncias no conjunto harmonioso de paz social.

Como disse certa vez uma importante liderança maçônica, o homem é um laboratório onde se processam experiências espetaculares, na sua busca incessante pelo aperfeiçoamento das idéias e por sua satisfação pessoal, profissional e material. Desde os primórdios da humanidade o homem procura a sua satisfação espiritual, como elemento essencial ao seu bem-estar, ao lazer, ao entretenimento, ao trabalho, enfim, à sua afirmação no meio social.

E para que ele alcance esse desiderato, torna-se imprescindível a fé. O homem não busca apenas satisfazer as suas necessidades materiais. Para viver, plenamente, busca a satisfação espiritual. Cheio de poder, posto que é dotado de inteligência – esta explosiva força criadora – o homem transforma o mundo. E chega a uma conclusão derradeira, inapelável: Deus existe!

Mas, de tanto investigar, termina por concluir que algo deve ser melhorado ainda neste mundo de Deus. A beleza interior é a única coisa que o tempo não pode prejudicar. As filosofias desfazem-se como areia; as crenças passam uma após outra, mas o que é belo é um prazer para todas as estações, uma possessão para toda a eternidade.

Para o homem da cidade, ser feliz se traduz em “ter as coisas”: apartamento, rádio, geladeira, televisão, bicicleta, automóvel. Quanto mais engenhocas mecânicas possuir, mais feliz se presume. Para isso se escraviza, trabalha dia e noite e se gaba de ser bem-sucedido.

Para uma minoria, mais para lá, para os lados do interior, o conceito de felicidade é muito mais subjetivo: ser feliz não é ter coisas; ser feliz, é ser livre, não precisar se matar de tanto trabalhar. E, principalmente, não trabalhar obrigado. Conjeturando o trabalho que é desenvolvido pela Maçonaria, podemos concluir que a questão interior não se limita ao espaço que se produz.

Ou seja, o maçom dedica-se, religiosamente, à tarefa de explorar no homem o que ele tem de melhor, seu poder de fazer deste mundo um lugar melhor para se viver. Estudo maçônico não significa superficialidade. Ele é alvo de dissecação, quase que uma obsessão pelo bem maior da humanidade: a família. Com ou sem rituais, mas com fé no Grande Arquiteto do Universo, o que se busca em meio às paredes dos templos é o direcionamento do cidadão para uma vida digna.

Lembra-me o grande pensador Blaise Pascal (1623-1662): “Quando considero a duração mínima de minha vida, absorvida pela eternidade precedente e seguinte, o espaço diminuto que ocupo, e mesmo o que vejo, abismado na infinita imensidão dos espaços que ignoro e que me ignoram, assusto-me e assombro-me de me ver aqui antes que lá, pois não há razão por que antes aqui do que lá, antes no presente do que então. Quem me pôs aqui? Pela ordem e conduta de quem este lugar e este espaço me foram destinados?”

Este grande símbolo daquele século, questiona: “O que é o homem na natureza? Um nada, se comparado ao infinito: um tudo, se comparado ao nada; um meio entre nada e tudo. Infinitamente afastado da compreensão dos extremos, o fim das coisas e seu princípio estão para ele invisivelmente escondidos num segredo impenetrável, igualmente incapaz de ver o nada de onde é tirado e o infinito pelo qual é absorvido”.

Nesse contexto, vive a Maçonaria em meio a acontecimentos importantes, admitidos como verdadeiros, com a finalidade de obter do passado maiores probabilidades para o futuro, no desenvolvimento da atividade espontânea do homem. A história tem por fontes a experiência própria, a narração das pessoas presentes aos fatos ou que poderão ter conhecimento deles e os monumentos que os atestam.

Para que a História se torne uma ciência, as tradições vagas e sem nexo não lhe bastam. Precisa de fatos verificados, observados, classificados e bem descritos. Portanto, a História da Maçonaria se resume ao tópico central de sua missão, quando encara o homem como fonte inesgotável de sabedoria, imbuído da vontade férrea de atingir seus objetivos, mesmo com o sacrifício da própria vida.

Dezenas, quem sabe milhares de Irmãos tiveram as suas vidas ceifadas lutando por uma causa nobre, a de difundir, de propagar no universo os fundamentos da notável Instituição Maçônica, que se assentam nos princípios de Liberdade, Fraternidade e Igualdade.

Ao se propor a enfrentar o desafio de serem trabalhadores de ofício social, os maçons têm em seus alicerces uma história de luta, sacrifício, dissabor, incompreensão, censura de governos déspotas, da igreja de outrora (e de alguns de seus setores retógrados de hoje) e, principalmente, da rede de intrigas urdidas, de uns contra os outros, o que resultou numa divisão do todo.

Contudo, o importante é que prevaleceu a Maçonaria como instituição séria, respeitada, admirada e consagrada como uma sociedade secreta, na qual se pratica o bem sem olhar a quem, forja-se masmorras ao vício, nutre-se o ideal de melhor servir à humanidade. É onde se pratica filantropia na última acepção da palavra. Dignifica-se o homem.

Ouvi certa vez o pronunciamento de um venerável, sobre a missão alçada a pontos importantes da nação, em que deixou claro que é desta forma que inspira-se confiança aos obreiros da Maçonaria; levanta-se templos à virtude; reúne-se em nome da democracia, da liberdade, da fraternidade e da igualdade entre todos os povos, exaltando-se o nome de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, como inspiração divina e como proteção dos trabalhos.

No dia em que se comemora o Dia do Maçom, a esperança é de que este continue levando à compreensão de todos os homens livres e conscientes a certeza plena de que é possível se viver sem os princípios da Maçonaria, mas nunca sem praticar nenhum ato maçônico. Afinal, ser maçom é um estado de espírito, é viver em paz com sua consciência, é, essencialmente, praticar o bem à humanidade, palavra de ordem de todo bom e verdadeiro Maçom.

Embora com atraso, esta é a minha forma de assinalar o dia do Maçom no Brasil.

Rui Bandeira