13 dezembro 2025

Greve. O Momento em que o Direito se Esquece do Dever

Em Maçonaria, não discutimos política partidária, mas reflectimos, com a profundidade que o silêncio da Loja permite, sobre as forças que moldam a sociedade onde o Homem vive, trabalha e aperfeiçoa a sua Obra.

A greve, enquanto direito fundamental, é uma dessas forças, expressão da Liberdade, afirmação da Igualdade, busca pela Justiça. Mas, como em tudo o que é humano, também a greve pode afastar-se da sua natureza original quando o seu uso deixa de servir o Homem e passa a servir outros desígnios.

A greve geral da passada quinta-feira convida-nos a essa meditação.



Historicamente, salvo uma única excepção marcada por fortes pressões externas (pré-troika) ao País, todas as greves gerais em Portugal surgiram quando um determinado lado do espectro político se encontrava mais representado no nosso parlamento. Não é este detalhe que importa, o que verdadeiramente nos deve inquietar é a regularidade do padrão, como se a decisão de parar o Trabalho do país obedecesse mais a ritmos de conjuntura política do que à real necessidade da defesa dos trabalhadores.

E isto, a meu ver, revela algo mais profundo:
A Greve, como instrumento nobre que deveria proteger o Trabalhador parece hoje preso a mecanismos que não iluminam, antes obscurecem, interesses não dos trabalhadores, mas de quem vive à conta deles. 
A greve, quando usada como ferramenta de construção, ergue pontes e corrige injustiças, mas quando se transforma em arma de sombra, perde a sua Luz.


A Maçonaria ensina-nos que nenhum direito é absoluto se não estiver equilibrado com o direito do outro. Assim, o direito à greve deve sempre coexistir com o direito ao trabalho, com o direito ao serviço público, com o direito à Harmonia Social.

Tal equilíbrio exige reflexão serena e reforma justa, e, à luz dos nossos princípios, alguns caminhos parecem naturalmente emergir:

1. Que a representação laboral brote do próprio local de trabalho, onde os Homens constroem juntos o seu caminho, e não de vínculos externos que desviam a sua voz. Que os representantes sirvam a empresa e a comunidade que conhecem, e não interesses partidários alheios ao Labor.

2. Que sejam garantidos serviços mínimos universais, porque todos os ofícios são dignos e todos os cidadãos merecem igual protecção, não penso existirem funções mais ou menos importantes, apenas funções com propósitos diferentes.

3. Que nenhuma greve seja decretada sem a voz livre, expressada por voto secreto, daqueles que a irão cumprir, para que a decisão seja justa e não imposta. Que lideres sindicais seguiam a vontade dos trabalhadores e não que lideres sindicais imponham a sua vontade (interesses) aos trabalhadores.

4.  Que nenhum Trabalhador seja tocado pela força nem pela sombra da força, pois a liberdade de consciência é sagrada. E que os piquetes, que actualmente tantas vezes se transformam em instrumentos de intimidação, regressem ao seu propósito legítimo de esclarecer antes da decisão, nunca condicionar no dia da greve, sobretudo se esta foi votada livremente pelos próprios trabalhadores.
 5. Que exista sempre equilíbrio entre o direito de parar e o dever de fazer continuar aquilo que a sociedade não pode deixar de sustentar. E que, nesse equilíbrio, as empresas possam assegurar a continuidade mínima do seu labor, substituindo temporariamente quem está em greve, desde que assumam as contrapartidas justas, para que a protecção do direito não se transforme em prejuízo para o todo, nem a continuidade em injustiça para quem exerce o seu legítimo protesto.

Nada disto diminui o direito à greve, pelo contrário, purifica-o, resgata-o do ruído, devolve-lhe a dignidade e reconduz-lo ao seu papel de instrumento de Justiça. 

Porque, no silêncio sagrado da Loja, compreendemos que o verdadeiro Trabalho não é apenas o que fazemos com as mãos, mas aquilo que procuramos aperfeiçoar na sociedade que deixaremos às gerações que virão.

João B. M∴M∴

06 dezembro 2025

A mesa está posta! Qualquer candidato pode aparecer

Nos últimos dias, voltou à discussão sobre o nosso futuro Presidente da República a ideia de que a Maçonaria apoia determinado candidato, ultimamente com mais ênfase no Almirante Gouveia e Melo. O Fábio respondeu com inteligência no seu “Vamos jantar, Cotrim?, mas parece-me importante clarificar alguns pontos, porque estes equívocos reaparecem sempre que entramos em época eleitoral e acabam por transformar um tema sério numa caricatura conveniente.

A verdade é simples e jamais que explicada, seja neste blogue ou na imprensa. A Maçonaria não apoia candidatos, não apoia partidos e não participa em campanhas. Não deve, não pode e, acima de tudo, não quer fazê-lo. Está tudo inscrito nos landmarksque, desde o século XVIII, determinam que nenhuma Loja pode envolver-se em política partidária ou tomar posições eleitorais. Qualquer Obediência que o fizesse deixaria de ser reconhecida como Maçonaria legítima.

Por isso, em Portugal, falamos apenas de três Obediências sérias. A Grande Loja Regular de Portugal (Maçonaria Regular), o Grande Oriente Lusitano (Maçonaria Irregular) e a Obediência feminina. São estas que seguem as regras, que têm reconhecimento internacional e que respondem perante a tradição iniciática. Depois há muitos grupos de amigos espalhados pelo país que se auto-intitulam “maçonaria”, uns são soberanos, outros simbólicos, outros tradicionais, até pode aparecer um “grupo maçónico do bailinho da Madeira”. Existem dentro da liberdade de associação, claro, mas não representam, de todo, a Maçonaria Universal, nem são reconhecidos por qualquer autoridade maçónica legitimada. Confundir estas realidades distintas é abrir a porta ao ruído e, por vezes, ao oportunismo. Qualquer grupo pode auto-denominar-se maçónico, mas daí até ser reconhecido como tal o caminho é longo e são precisas várias viagens.

Outro ponto que parece sempre surpreender quem vê de fora é que, dentro de uma mesma Loja, podem conviver irmãos com visões políticas radicalmente diferentes. Um pode votar Bloco de Esquerda, outro Chega, outro CDS, outro PS, é indiferente. Trabalham lado a lado, como irmão e no fim da sessão seguem alegremente para junto das suas famílias e amigos. Basta lembrar exemplos como Paulo Portas e Miguel Portas, ou Adriano Moreira e Isabel Moreira, que representam leituras políticas opostas e continuam família. Na Maçonaria, como na vida, as diferenças não anulam a relação, tornam-na mais rica. Estamos aqui para aprender uns com os outros, não para concordar uns com os outros. Como se diz com humor, se todos gostassem do vermelho, o que seria do verde?

Dentro de uma Loja não se discute política partidária, tal como não se discute religião ou futebol. Não porque sejam temas tabus, mas porque despertam paixões que facilmente transformam o racional em irracional. O que se discute são questões universais como liberdade, justiça, dignidade humana, combate à desumanidade, entre muitos outros temas que nos permitem crescer enquanto homens mais justos e um pouco mais perfeitos, como tão bem descrito no texto da nossa Loja sobre o bom standing maçónico

A Maçonaria não elege governos nem nomeia CEOs, trabalha consciências e forma Homens.

Por isso, quando alguém afirma que “a Maçonaria apoia o candidato tal”, está simplesmente a confundir a instituição com a liberdade individual dos seus membros. Se há maçons que apoiam Gouveia e Melo, é porque são cidadãos livres. Se há maçons que simpatizam com Cotrim de Figueiredo, igualmente. E se há maçons que não se revêem em nenhum dos dois, também está correcto. O voto pertence ao cidadão, não ao avental, seja ele de cozinha ou de maçom. Estou seguro que dentro dos apoiantes de qualquer um dos actuais candidatos Presidente da Republica, existem muitos maçons, como existem muitos médicos, jornalistas, professores, canalizadores, o que seja...

No meio disto tudo, há o convite do Fábio. E já que foi lançado, deixo o meu também, não só a Cotrim de Figueiredo, mas estendido a qualquer um que queira sentar-se connosco e conversar de frente. Lá estaremos, seja à esquerda, à direita ou ao centro. Um jantar franco, entre pessoas livres, vale sempre mais do que qualquer suspeição lançada ao longe. Porque, no fim, é sempre mais fácil falar olhando para a pessoa do que discutir fantasmas.



A Maçonaria é um caminho de aperfeiçoamento pessoal, a política, o jogo do poder. Confundi-las dá sempre mau resultado.

João B. M∴M∴