13 outubro 2021

O VÍCIO

 


Deixamos, finalmente, “os confinamentos” (!!!).

Não convém embandeirar demasiadamente porque, aprendi em criança, “cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém…” e na verdade os portugueses “desconfinaram” mas o CoronaVírus não. Ou pelo menos eu estou convencido que “ele” continua por aí. É, de resto, a opinião expressa pelos técnicos de saúde que nestes tempos de pandemia pululam as televisões, rádios, jornais,…

Alguma coisa pode ser aproveitada nestes tempos de ócio pandémico e não havendo nada para fazer ocupei alguns momentos a refletir sobre a vida maçónica, em particular no que se refere à RLMAD.

Isto de refletir é, obviamente, uma boa ocupação quando não há mais nada para fazer.

Estamos claramente em tempo de “vacas magras” (alguma vez não estivemos ?).

Empresas (de todas as dimensões) a ressentirem-se da paragem da economia mundial, muitas a fecharem portas e a desaparecerem do mercado, desemprego a aumentar inevitavelmente, famílias inteiras em gravíssimas dificuldades e a esperança em melhores dias, sendo a última coisa a morrer (como de costume), mantém-se muito ténue.

Direi que é maior a desconfiança e o medo do que a esperança em recuperação rápida.

Esta reflexão trouxe-me para os meses do calendário que, para muitos, ficam cada vez “mais compridos” enquanto os vencimentos ficam cada vez mais curtos, obrigando a prodígios de imaginação para a manutenção do dia a dia das famílias. A dificuldade com as obrigações pecuniárias mensais foram em muitos casos disfarçadas, durante estes quase 2 anos de “fechamento”, por efeito das moratórias que a banca promoveu com o apoio estatal. Só que este sistema acabou ou está em vias de acabar com o regresso das prestações a terem de ser cumpridas sob pena de sofrerem as penas previstas nos contratos acordados na época em que ninguém podia prever a pandemia, nem as dificuldades que arrastou. 

Estas dificuldades são evidentemente generalizadas tocando também, e em muitos casos fortemente, alguns Irmãos.

Sabe-se que a admissão na nossa obediência implica uma “contratualização” com o cumprimento de um conjunto de regras comportamentais, morais e éticas, às quais se juntam outras de carater pecuniário.

Nada a obstar em termos regulamentares. O candidato, enquanto candidato, fica a conhecer as regras que irão balizar a sua existência maçónica se admitido e quando admitido. Mas a vida dá muitas voltas, como bem se constata, e nenhum de nós está livre de ser apanhado por uma qualquer dessas voltas que lhe altere a situação financeira deixando-o em dificuldades no cumprimentos dos seus deveres materiais. Todos nós sabemos que as propaladas vantagens de toda a ordem que a Maçonaria proporciona aos seus membros são uma ficção e os Maçons estão tão sujeitos às condições do mercado de trabalho como qualquer outro cidadão. E se entre os Maçons há quem viva com o conforto suficiente para não sentir, ou sentir muito pouco, estas dificuldades, também há os que as sentem com todo o peso do sofrimento arrastado pelo desemprego e/ou pela redução dos seus ganhos mensais.

Há pois Irmãos em dificuldade e a há que ter em atenção o que se passa com os mais vulneráveis. É um trabalho que compete às Lojas e em particular ao Irmão Hospitaleiro, inteirar-se do que acontece com cada membro da loja, sentir os sinais de dificuldade e movimentar os meios práticos para amenizar essas situações.

“Quem não tem dinheiro não tem vícios” é provérbio antigo e até sou capaz de aceitar esta “boca” com alguma razoabilidade.

Vício (do termo latino "vitium", que significa "falha" ou "defeito") é um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem.

Fui buscar esta definição à Wikipédia. Não é grande “coisa”, mas serve para o efeito que pretendo neste momento.

No mundo da Maçonaria os integrantes são escolhidos e reconhecidos como Maçons por quem já é Maçon. Digamos que a integração na Maçonaria, sendo um ato voluntário individual não o é só.

É também, e muito, a vontade de quem já ganhou o reconhecimento de Maçon e reconhece agora, também, naquele outro, as qualidades humanas necessárias para integrar o conjunto dos seus Irmãos.

A responsabilidade do cumprimento dos deveres maçónicos não é exclusivamente individual, é também responsabilidade de quem convidou, desafiou, reconheceu o “outro” para integração na Ordem Maçónica.

E esta responsabilidade deve ser verdadeiramente assumida por toda a Loja, em Irmandade (é esse um dos seus deveres) e em particular pelo seu Padrinho. Por isso, e para isso há “Padrinhos”, na Maçonaria tal como na vida civil corrente, no registo do nome do recém-nascido, no casamento, no batizado… Sempre alguém que se co-responsabiliza pelo bom resultado do ato que é celebrado.

Ora bem, misturar a integração Maçónica com os “vícios” é, pelo menos, leviano !

Tenho para mim que seria muito bom que as causas, os princípios da Maçonaria, se tornassem verdadeiros vícios para todos, mesmo para os não Maçons, daqueles vícios que se agarram à pele, que se integram no sangue correndo pelas veias enchendo o coração e o cérebro. É minha convicção que a Humanidade teria muito a ganhar.

Mas “quem não tem dinheiro não tem vícios” aplicado à Maçonaria, não !

A Maçonaria não é um vício, tal como não é, não pode ser, um degrau de promoção individual, seja ela social ou financeira. Ou ambas…

JPSetúbal

02 outubro 2021

TEMPO DE OBRAS NA RLMAD

 

                                                   


O 29º Venerável Mestre

No 29º Veneralato os Obreiros da RLMAD não puderam dar continuidade ao processo de escolha do seu VM seguindo o sistema habitual da Loja instituído há muitos anos.

Este tema da eleição do VM na RLMAD já foi aqui abordado e explicado há algum tempo

(https://a-partir-pedra.blogspot.com/2017/05/da-ilusoria-natureza-do-poder-em.html?m=0)

  e sempre se confirmou ser um bom processo, dele resultando sempre o VM adequado e preparado para a função.

Porém desta vez as coisas não correram de forma tão linear quanto é habitual. Na verdade e em sequência das divergências de interpretação de algumas decisões da Loja em exercícios anteriores, o Obreiro Mestre que estava na linha de sucessão para a candidatura entendeu que devia recusar esse direito e afastar-se da Loja abrindo assim uma situação de rotura nos procedimentos habituais da RLMAD.

A Loja ficou desta forma face a uma situação de dificuldade operativa inesperada e que se somava à tensão existente entre obreiros com entendimentos diferentes sobre decisões anteriores.

O circunstancialismo da situação fez com que os mais antigos Mestres da Loja, reconhecidos como suportes da tradição dos trabalhos e da sua filosofia (ao fim e ao cabo foram eles os construtores da RLMAD tal como ela é)  entendessem que seria bom fazer um intervalo na linha de sucessão e tentar retomar os trabalhos com a regularidade tradicional, resolvendo por um lado as divergências existentes e regressando à linha de desenvolvimento da Loja, que tão bons resultados tem dado, de resto reconhecidos por todas as Lojas Irmãs como exemplo de boa Maçonaria.

Desta forma como 29º Venerável Mestre ocupou a cadeira de Salomão o Irmão Rui Bandeira, bem conhecido escriba deste sítio, e seu principal alimentador.

O Irmão RB foi eleito regularmente como 29º VM:. da R:.L:.M:.Affonso Domingues como um dos mais antigos, dos mais experientes e sabedores obreiros da Loja. Durante os dois Veneralatos anteriores a RLMAD passou por um período especialmente conturbado, resultado de sensibilidades diferentes que resultaram em diferentes interpretações de decisões tomadas atempadamente e regularmente pela Loja.

Sem ser desejada, acabou por se tornar inevitável a saída de vários obreiros que acabou por resultar no levantamento de colunas de uma nova Loja, significando enfim que a RLMAD dava origem a mais um núcleo maçónico dentro da nossa respeitável Ordem.

O VM anterior apanhou com um turbilhão de desencontros de opinião e coube ao Rui restabelecer em definitivo a velocidade de cruzeiro no percurso da RLMAD. A sua sabedoria, experiência e bom senso foram escolhidos pela Loja para “assentar a poeira” dos ventos diferenciados que tinham soprado nos últimos anos.

Com calma, com segurança e com suave firmeza  a Loja retomou a sua vida diária, com a elaboração do trabalho maçónico, regular.

As divergências restantes foram sendo resolvidas e como se esperava no final do Veneralato a Loja regressara à sua vida normal, com os trabalhos a serem desenvolvidos regularmente.

Dizer que o Irmão Rui Bandeira refundou, neste Veneralato, a RLMAD é obviamente um exagero, mas que a fez regressar ao trabalho com a comunidade dos seus Obreiros mais unidos e focados no interesse geral da loja, parece-me indesmentível

J.P.Setúbal

19 fevereiro 2021

A importância do Ritual


Meus Irmãos, saúdo-vos fraternalmente, em todos os vossos graus e qualidades.

A suspensão dos trabalhos presenciais por virtude da pandemia em curso revelou-nos a falta que o Ritual, a execução do Ritual, nos faz. É essa a natureza humana: muitas vezes só nos damos conta do que é importante quando o não temos. Mas não é sob esta perspetiva que escolhi expor a Importância do Ritual. Vou procurar incidir a nossa atenção sobre a razão por que o Ritual é importante, porque só tendo-se essa noção é que nos apercebemos completamente da importância do mesmo.

Começo por fazer uma afirmação que aparentemente não tem nada a ver com o tema e que é – como todas! – discutível, mas cujo mérito vos peço que julgueis apenas no final desta nossa conversa: a Maçonaria não se ensina, aprende-se!

Não quero com esta afirmação dizer que os mais experientes não devem partilhar com os mais novos o que aprenderam, o que sabem. Com esta frase, enfatizo que, em Maçonaria, o que é importante, não é o que se transmite, mas antes o que se apreende. Porque a experiência, a vivência, a personalidade, do que transmite são diferentes das do que recebe. Assim, o que verdadeiramente interessa não é o que se ensina, se partilha, se transmite. O que importa é o que se aprende e, mais do que isso, o que se apreende, o que se interioriza. E aquelas e estas não são necessariamente - atrevo-me mesmo a dizer que raramente são - a mesma coisa. E, bem vistas as coisas, é inevitável que assim seja, pois, como já há pouco referi, o que transmite e o que recebe têm personalidades, vivências, capacidades, características diferentes. Assim, o que transmite tem necessariamente uma noção diversa do que aquele que recebe. Este, daquilo que é transmitido, receberá o que, na ocasião, estiver apto e pronto a receber, será tocado pelo que, no momento, o sensibilize. Em suma, o que ficará é o que ele aprende e apreende, não o que o que transmitiu julga que ensinou…

Não tenho, portanto, a pretensão de ensinar nada! Tenho apenas a esperança de que, da maçada a que agora vos submeto, cada um de vós retenha algo de útil.

Em meu entender, para uma correta abordagem da importância do ritual impõe-se que previamente distingamos entre Conhecimento e Sabedoria. O Conhecimento é tudo aquilo que aprendemos e estamos aptos a utilizar, quando necessitemos. A Sabedoria é algo mais profundo. Baseia-se, é um facto, nos conhecimentos que adquirimos. Mas reside na intuição, na capacidade adquirida de, relacionando tudo o que conhecemos, daí seleccionar o que efetivamente importa, o que é adequado para um momento específico, uma situação concreta. Nem sempre aquele que tem mais conhecimentos é o que tem a sabedoria necessária para escolher a via justa, a palavra indicada, o gesto preciso, a atitude certa perante uma dada situação concreta. Numa muito grosseira aproximação, poderíamos dizer que a sabedoria resulta do conhecimento sublimado pela experiência. É através dos êxitos e fracassos na nossa escolha na utilização dos nossos conhecimentos que sublimamos o nosso Conhecimento em Sabedoria, que passamos do Conhecer ao Saber.

Memoriza-se e utiliza-se o que se conhece; desenvolve-se e internaliza-se o que se sabe.

O meio privilegiado para rápida aquisição de Conhecimento é o Estudo. Para se chegar à Sabedoria é preciso tempo e vivência. Mas há um meio para acelerar esse percurso, para induzir a Sabedoria: a utilização, execução e prática do Ritual. Se o Estudo é um meio de aquisição de Conhecimento, o Ritual é indutor de Sabedoria.

Com efeito, o Estudo estimula, faz funcionar, desenvolve a Inteligência Racional. Mas o Ritual, a sua prática, esse, estimula e desenvolve a Inteligência Emocional. E esta é bem mais profunda do que aquela, pois combina o conhecimento, o raciocínio, com a Intuição. O que estudamos pode não nos tocar e dar-nos apenas, pela memorização, a ferramenta necessária para agir. Mas só o que nos toca, nos emociona, efetivamente guardamos para saber como utilizar a ferramenta. A ferramenta é útil, mas saber utilizá-la pela melhor forma é indispensável…

Para entendermos porque e como o Ritual e o seu exercício estimulam a nossa Inteligência Emocional e, logo, induzem a obtenção de Sabedoria, devemos ter presente que, nos primórdios da Humanidade, quando ainda não tinha sido inventada a escrita – e muitas e muitas gerações de humanos viveram sem que houvesse escrita… -, a aquisição de conhecimentos e o acesso à Sabedoria processavam-se através da Tradição Oral. Era exclusivamente por essa via que os mais velhos e os mais experientes transmitiam o que sabiam aos mais novos e sem experiência.

Não havia então propriamente aulas, nem escolas. Os mais velhos e experientes diziam o que tinham aprendido, executavam perante os mais novos os gestos que era necessário fazer, repetiam, uma e outra vez, e faziam repetir muitas e muitas vezes, as palavras, os gestos, os atos de que dependiam, tantas vezes, a alimentação, a segurança e a sobrevivência, não só individuais como do grupo.

Ora, repetir uma e outra vez as mesmas palavras, para transmitir as mesmas noções, executar muitas e muitas vezes os gestos e as acções adequados para a obtenção dos resultados pretendidos mais não é do que… executar um ritual! Um Ritual é um conjunto de palavras, gestos e atos proferidas e executados sempre da forma similar.

Então, nos primórdios da Humanidade, aprendia-se e vinha-se a saber através da repetida execução de rituais. Era pelo que se via, pelo que se ouvia, pelo que se executava, pelo que exaustivamente se repetia, que se entranhava em cada um o que fazer e como fazer para obter alimento, para garantir segurança, para melhorar e curar maleitas, para adquirir o conforto possível.

Os rituais aprendidos e executados propiciavam, assim, a sabedoria necessária para sobreviver e viver o melhor possível.

O cérebro humano foi portanto, desde muito cedo, formatado em primeiro lugar para reagir aos estímulos visuais e auditivos.

Só mais tarde, muito mais tarde, o cérebro humano adquiriu a capacidade e habilidade de decifrar o código da escrita. A criação da escrita foi um avanço civilizacional imenso. Permitiu registar o que se tinha por importante, aquilo que anteriormente tinha de ser adquirido e mantido à custa de repetições. A escrita e a habilidade de a utilizar permitiram à Humanidade um meio mais fácil de registar e dar acesso ao Conhecimento. O cérebro humano naturalmente adquiriu, assim, também a capacidade de adquirir Conhecimento através da escrita, da leitura, do estudo.

Mas tenhamos presente que a camada mais profunda do nosso cérebro é desde sempre estimulada auditiva e visualmente e por execuções ritualizadas do que se pretende transmitir. A aquisição de Conhecimento através da escrita, da leitura, do estudo é uma habilidade mais recentemente adquirida, logo, mais superficial no nosso cérebro.

Não nos enganemos: o estudo, a aquisição de Conhecimento pelo estudo, dá trabalho. Esse trabalho é recompensado pelo desenvolvimento da nossa Inteligência Racional, pela habilidade de memorizar, de relacionar, de aplicar. Mas é apenas a Razão que é aplicada e fortalecida.

Para se desenvolver, para se utilizar a Inteligência Emocional, a que nos permite, quantas vezes sem sabermos como, intuitivamente dizer a palavra certa, executar o gesto adequado, efetuar a ação necessária sem termos de longamente pesar os prós e os contras, sem necessitarmos de fazer exaustivas análises e cálculos, para isso temos de recorrer às camadas mais profundas do nosso cérebro – e essas desde o início dos tempos foram estimuladas pelo que se via e ouvia, pelo que se repetia uma e outra e muitas vezes, pelo que se ritualizava.

Por isso afirmo que o Ritual é o indutor de mais rápida passagem do Conhecimento à Sabedoria, acelerando o que só a Experiência, a Vida vivida, os erros cometidos e as vitórias alcançadas nos permitiria atingir, não fora ele.

Meus Irmãos: até agora tenho sempre falado de Ritual, sem adjectivar e, sobretudo, sem utilizar o adjectivo maçónico.

Porque o ritual, penso tê-lo demonstrado, existe desde sempre e desde sempre aumenta a capacidade humana de discernir, em suma, de saber. E não há “o “ ritual, há muitos rituais, respeitando a muitos momentos, ocasiões e atividades. Existem, bem o sabemos, rituais religiosos. Mas também de outra natureza, uns mais solenes e utilizados em ambiente de Poder ou de significado social, outros mais simples, íntimos até. Atrevo-me a dizer, por exemplo, que todos os casais com algum tempo de ligação criam os seus rituais próprios, indutores de segurança, conforto e manutenção da relação afetiva. 

Uma categoria de rituais que merece referência é o ritual que podemos denominar de grupal, o que marca, define e corporiza a integração de alguém num determinado grupo. Aí não está em causa a aquisição ou consolidação de conhecimentos ou o acesso a sabedoria, mas simplesmente o estabelecimento de uma união grupal, a que o neófito passa a aceder.

Todo o ritual é importante, precisamente porque correspondendo à mais antiga e natural forma de a Humanidade processar a aquisição de conhecimentos, ganhar e manter confiança, obter conforto e segurança. Não é assim porque queremos que seja, assim é porque a nossa evolução como espécie o determinou. Talvez algo grandiloquentemente, pode-se afirmar que a Civilização se alicerça em rituais. 

Mas os Rituais Maçónicos, esses, partilhando com os demais a mesma natureza de meios indutores de aquisição de Sabedoria, têm ainda uma valência própria, quiçá não exclusiva, mas seguramente que identitária.

Os rituais maçónicos têm uma tríade de caraterísticas, duas delas já referidas e uma terceira que podemos considerar própria. Os rituais maçónicos assumem a natureza de indutores de Sabedoria, são também, particularmente nos rituais de Iniciação e de Aumento de Salário rituais grupais, mas também assumem a natureza de explanação e aprofundamento de Princípios e Valores.

Esta uma especificidade não negligenciável. Os vários rituais dos diferentes ritos maçónicos apresentam-nos e definem-nos Valores e Princípios a que os maçons devem corresponder. Não estão aqui em causa conhecimentos a interiorizar. Estão, diretamente, aspectos e referências morais a seguir, a cumprir, a divulgar.

Os rituais maçónicos ao promoverem Princípios e Valores apelam diretamente às caraterísticas básicas do cérebro humano. Os princípios e Valores expostos, facultados, não se destinam a ser meramente apreendidos pela Inteligência Racional, através do estudo e da aquisição de conhecimentos. Procura-se atingir a Inteligência emocional, o âmago da personalidade de cada um e aí efetuar as modificações inerentes a esses Princípios e Valores.

Busca-se a aceleração do processo. Em vez da mera aquisição pela Inteligência Racional e posterior enraizamento através da experiência, busca-se a inserção direta e eficaz na mente do maçom, atingindo o que o Ritual, desde os primórdios da Humanidade toca: a Inteligência Emocional, logo as profundezas do ser que cada um de nós é. Não se semeia, para que porventura nasça e cresça. Planta-se para que, no mais curto espaço de tempo, haja frutos. 

Os rituais maçónicos destinam-se assim, para além da integração de indivíduos em grupos, a propiciar a modificação de cada um, através da interiorização de Princípios e Valores morais, que devem nortear a conduta de cada um,

Expostos de forma ritualizada, muitas vezes repetida, encenada e praticada, tais Princípios e Valores entranham-se diretamente no âmago essencial de cada um, assim propiciando o seu aperfeiçoamento.

Este processo de aperfeiçoamento não é imediato. É demorado, é evolutivo, depende de patamares.

É por isso que é um erro pensar-se que, sabido o ritual, aprendido a executar o mesmo com perfeição, o nosso trabalho está terminado.

Posso garantir-vos, com base na minha experiência de mais de 30 anos de maçom, que não é assim que funciona.

Decorar o ritual, executá-lo na perfeição, são ainda tarefas do Intelecto, da Inteligência Racional. O que importa é senti-lo, vivenciá-lo, apreender aqui e ali algo de novo, algo que nos chama agora a atenção e em que não reparáramos antes. Porque esse é o processo de entranhamento das noções transmitidas pelo ritual, esse é o processo de passagem do Conhecimento à Sabedoria.

Se há algo que verdadeiramente aprendi com os nossos rituais é que se está sempre a aprender algo de novo com os mesmos. Em mais de trinta anos de Maçonaria, já repeti, já executei, já vi serem repetidos, já vi serem executados, os nossos rituais centenas de vezes. Nunca me incomodei com a repetição. Nunca deixei de me concentrar na sua execução. E, trinta anos passado, ainda me sucede que subitamente encontro algo de novo, apesar de ser o mesmo ritual que pratico e a que assisto ao longo deste tempo.

Tal sucede por uma simples razão: encontro numa ocasião aquilo que então estou preparado para encontrar. As palavras, os gestos, os atos, são os mesmos desde o princípio. Mas antes eu não compreendera aquele particular significado, porque ainda não estava preparado para tal. Porque tive de seguir uma evolução, compreendendo aqui algo que mais tarde me permitiu perceber aquilo, que me modificou e levou a entrever aqueloutro pormenor, num processo evolutivo permanente.

É para isso que serve o nosso ritual. Porque o ritual maçónico não é um simples ritual igual a todos os outros que a Humanidade segue. O ritual maçónico é um meio de Construção e Aperfeiçoamento de Nós.

É esta a sua importância!

 

 

Rui Bandeira

Comunicação por meios virtuais no âmbito da Academia Maçónica

18/2/2021